Você está na página 1de 7

12 ESTUDOS PARA VIOLÃO DE FRANCISCO MIGNONE:

A TRANSCENDÊNCIA DO ESTUDO ENQUANTO LIBERDADE ESTILÍSTICA.

Resumo: Trata-se de um projeto de pesquisa em performance musical (estudos técnico-


interpretativos, analíticos e históricos de obras musicais e seus compositores sob a ótica da
performance musical). Esse trabalho terá como objetivos centrais: realizar uma revisão
crítica da literatura sobre a obra violonística de Mignone; apresentar um panorama histórico
da forma Estudo e da associação entre compositores não-violonistas e intérpretes
consultores; tentar delinear a escolha estilística do compositor de uma obra na contramão
da vanguarda; discutir ideologias e categorizações da historiografia da música brasileira;
comparar diferentes versões dos 12 Estudos. Para a consecução dessa pesquisa será adotado
o método materialista dialético. As conclusões tentarão esclarecer a opção de Mignone pela
linguagem tonal em época de plena efervescência da música de vanguarda, as razões que
levaram ao esquecimento desse ciclo por parte dos violonistas e qual a concepção da forma
Estudo (didático, de concerto ou transcendental) adotada pelo compositor nesta obra.
Palavras-chave: Francisco Mignone, violão, performance.

Abstract: This is a research project in music performance (technical and interpretative


studies, analisys and history about music compositions and its composers under the
performance point-of-view). This work will comprehend as main topics: a critical revision
on the Mignone’s guitar literature; presentation of a historical background of the Study and
the association between composers who do not play guitar and guitarists; attempts to
demonstrate the composer’s stylistic choice of composing music in opposition to the
vanguard; ideological discussion and categories outlined on the Brazilian music; a
comparison between two versions of the 12 Estudos. Dialectical method will be adopted to
consecution of this research. Conclusions will attempt to explain Mignone’s option for
tonal language in a period of vanguard music fashion, the reasons that led to a general
overlook by most guitarists and what was the conception of Study (didact, concert or
transcendental) adopted by the composer in this composition.
Keywords: Francisco Mignone, guitar, performance research.

1
APRESENTAÇÃO DO TEMA

Francisco Mignone (1897-1986) foi uma das figuras mais versáteis do cenário musical
brasileiro do século XX pela sua intensa atuação como compositor, regente, pianista e
professor. Embora sua produção para piano seja mais difundida, sua obra para violão não é
menos importante.

Seu primeiro interesse pelo violão, em 1953, resultou na composição de quatro pequenas
peças. Tudo indicava que Mignone não voltaria a escrever para o instrumento, conforme
declaração do compositor, de 1968:

Confesso que não sou muito admirador do violão, devido àquele negócio
de escorregar o dedo na corda, aquele ruído que ninguém consegue tirar,
nem o Segovia. E tem outra coisa, o violão é um instrumento simpático
durante vinte minutos, depois começa a ficar cansativo.1

Dois anos após essa entrevista, o compositor travaria contato com o virtuose brasileiro
Carlos Barbosa-Lima, o que talvez o fizesse rever seus conceitos. Francisco Mignone (aos
73 anos de idade) surpreende ao compor o ciclo 12 Estudos Para Violão, que foram
publicados em 1973 pela editora norte-americana Columbia Music Company. Porém, talvez
em virtude dos altos desafios técnicos que esses Estudos apresentam, não são obras tão
freqüentes no repertório dos violonistas.

PROBLEMAS DA PESQUISA

As décadas de 1960 e 1970 estavam fortemente impregnadas do modismo da música de


vanguarda, em sua acepção mais radical. Os compositores que não estivessem escrevendo
música serial, eletroacústica ou aleatória eram desprezados. O nacionalismo era
praticamente banido do repertório daquela época. Por que Francisco Mignone, que apesar
de já ter realizado experiências vanguardísticas (especialmente na música de câmara),

1
Trecho de depoimento dado no dia 15/10/1968 para o Museu da Imagem e do Som, Rio de Janeiro.

2
decidiu caminhar pela contramão da vanguarda, escrevendo música nacionalista tonal,
como no ciclo de 12 Estudos Para Violão?

Talvez em decorrência do modismo pela vanguarda vigente na época, os 12 Estudos Para


Violão de Francisco Mignone não têm merecido a atenção dos violonistas, desde a época de
sua publicação. Seria em decorrência de um preconceito dos violonistas em relação à
tendência nacionalista dessa obra, às dificuldades técnicas exigidas para a execução ou
também uma questão ideológica?

Francisco Mignone não escreveu muitas obras em forma de Estudo – conhecemos apenas
três ciclos: Seis Estudos Transcendentais (para piano, 1931), 12 Estudos para Violão
(1970) e 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudo (1970). Qual a concepção dessa forma
para o compositor ao escrever para violão?

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS

A motivação principal da escolha do tema é estudar a linguagem violonística de Francisco


Mignone, por meio da análise de seu ciclo de Estudos e da busca de procedimentos que
auxiliem na resolução de problemas técnico-musicais e na discussão de aspectos
interpretativos. Tal pesquisa buscará contribuições para uma melhoria em nossa
interpretação como instrumentista ao apresentar o ciclo integral em audições públicas.

A pesquisa dos 12 Estudos Para Violão de Francisco Mignone visa a:

1. salientar a importância da associação entre compositores e intérpretes no repertório


violonístico como uma tendência específica do século XX, iniciada com Andrés
Segovia e os compositores espanhóis da década de 1920 e continuada no Brasil a partir
da década de 1950, destacando a contribuição da associação entre Mignone e Barbosa-
Lima;
2. ressaltar o uso das tonalidades e a importância de se explorar regiões harmônicas
incomuns no processo composicional de Francisco Mignone;

3
3. listar as diferenças entre os manuscritos (1970) e a edição da Columbia Music
Company (1973), fornecendo dados a futuros intérpretes sobre controvérsias existentes
na edição Columbia como fonte importante para um referencial interpretativo
adequado, como mudanças de notas, harmonias, dinâmica, andamento, agógica, direção
de fraseados, o nível de tensão exigido para determinadas frases;
4. oferecer referências no aspecto da prática interpretativa tanto para aqueles que já
conhecem os 12 Estudos quanto para aqueles que poderão vir a estudar essa obra;
5. realizar execuções públicas e registro em CD da integral desta obra.

HIPÓTESES

Francisco Mignone estava na contramão da vanguarda porque estava possivelmente


saturado do modismo que permeou as décadas de 1960 e 1970 e buscava uma libertação ao
escrever música tonal. O violão, para o compositor, era um instrumento de tradição
romântica, portanto esse foi o estilo adotado para a escrita de suas obras violonísticas.

Os 12 Estudos Para Violão de Francisco Mignone não têm sido executados porque o
compositor sempre ficou em segundo plano em relação a Heitor Villa-Lobos para os
historiógrafos da música brasileira, acarretando, portanto, um grave problema, pois quase
todo compositor brasileiro é hoje mais conhecido pelo nome do que pela sua música. Uma
outra possibilidade refere-se ao fato de que os violonistas estavam imersos no esnobismo da
música de vanguarda e evitavam abordar obras tonais e de caráter nacionalista, ou também
à questão de que a técnica violonística sofreu avanços nos últimos vinte anos, e os Estudos
de Mignone estavam acima do padrão médio na época em que foram publicados.

As concepções da forma Estudo para Francisco Mignone ao escrever para violão parecem
girar em torno do uso de tonalidades e regiões incomuns, aberturas e extensões; formas
características brasileiras (chôro, frevo, maxixe), estilo de estudos de concerto
(padronização de elementos técnicos – nº 1, 2, 4, 6, 8, 9, 12) e transcendentais (mistura de
técnicas – nº 3, 5, 7, 10, 11).

4
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E QUADRO TEÓRICO

Serão adotadas as seguintes etapas de trabalho:

1. análise comparativa entre diferentes versões;


2. levantamento bibliográfico sobre o compositor e sua música instrumental, bem como
documentos, cartas, depoimentos e outros itens relacionados;
3. leitura e análise dos documentos e bibliografia;
4. entrevistas com familiares, intérpretes e pesquisadores;
5. relacionamento de informações com outros trabalhos e dissertações que possam
contribuir para a presente pesquisa.

Para a formação do nosso quadro teórico, serão utilizados textos de Ferguson & Hamilton
(The New Grove Dictionary of Music and Musicians) para um histórico da forma Estudo;
Karl Manheim (Ideologia e Utopia) e Marilena Chauí (O que é Ideologia) para identificar
os problemas ideológicos que permeiam a historiografia da música brasileira.

SUMÁRIO PROVISÓRIO

 Introdução: alguns problemas ideológicos (Mignone X Villa-Lobos).


 Capítulo 1: revisão crítica da literatura sobre a obra violonística de Mignone.
 Capítulo 2: breve histórico da forma Estudo e da associação entre compositores não-
violonistas e intérpretes consultores.
 Capítulo 3: análise comparativa entre as duas versões dos 12 Estudos.
 Conclusões e bibliografia.

5
BIBLIOGRAFIA INICIAL

BARBEITAS, Flávio Terrigno. Circularidade Cultural e Nacionalismo nas 12 Valsas para


Violão de Francisco Mignone. Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Música da
UFRJ, Rio de Janeiro, 1995.

BARTOLONI, Giácomo. Violão: a imagem que fez escola. Tese de doutoramento


apresentada à UNESP, São Paulo, 2000.

CHAUÍ, Marilena. O Que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980.

FERGUSON, H. & HAMILTON, K.L. “Study”. In: The New Grove Dictionary of Music
and Musicians. New York: Macmillan Publishing, 1980.

GERLING, Cristina Capparelli, ed. Três Estudos Analíticos: Villa-Lobos, Mignone e


Camargo Guarnieri. Dissertações de mestrado apresentadas à UFRGS, Porto Alegre, 2000.

GLOEDEN, Edelton. As 12 valsas brasileiras em forma de estudos para violão de


Francisco Mignone: um ciclo revisitado. Tese de doutoramento apresentada à USP, São
Paulo, 2002.

KIEFER, Bruno. Mignone, vida e obra. Porto Alegre: Movimento, 1983.

MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

MARIZ, Vasco, ed. Francisco Mignone: o Homem e a Obra. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.

MARQUES, Thais Maura. Seis Estudos Transcendentais para Piano de Francisco Mignone:
Análise e Edição Crítica. Dissertação de Mestrado apresentada à UFMG, Belo Horizonte,
2001.

6
MIGNONE, Francisco. A Parte do Anjo: Autocrítica de um Cinqüentenário. São Paulo,
Mangione, 1947.

SEGOVIA, Andrés. An Autobiography of the years 1839-1920. New York: Macmillan


Publishing, 1976.

SOARES, Albergio Claudino Diniz. Orientadores Técnicos nos Estudos IV e VII de


Francisco Mignone. Dissertação de Mestrado apresentada à UFBA, Bahia, 1998.

Você também pode gostar