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Sobre o futuro, onde o passado se espelha

Eurico R. – 13 de Junho de 2012-06-14

"Se queres construir um navio, não comeces por chamar as


pessoas para irem buscar a madeira, preparar as ferramentas, a atribuir
funções e a distribuir o trabalho; mas desperta primeiro nelas a saudade
pelo grande e infinito mar.“
Antoine de Saint-Exupery

Urge criar ou recriar o mito no constructo do imaginário nacional Português para assim elevar o
país a uma nova realização, através de uma mística alicerçada na velha paideia, mas adaptada no presente.
É necessário que se reutilizem os nossos rituais tradicionais populares de elevada força anímica como os do
Espirito Santo, para que tal como nos tempos conturbados do reinado de D. Dinis se volte a reconstruir o
projecto identitário, pois nenhum problema se resolve no plano em que se materializa, mas naquele que
acima dele lhe dá origem. Para se efectivar uma mudança temos que recorrer ao imaterial, ao indizível e a
partir dele verter uma nova realidade construtiva. Temos que saber ir mais dentro de nós próprios em
busca das forças mais potentes pois o mundo necessita activamente de nós e da nossa via, porque
soubemos traçar rotas de rumo a outros mundos, que a nós se ligaram sem nunca termos sido
imperialistas, sem nunca termos subjugado ou subtraído à força bruta, nenhum mosaico da diversidade
humana.

A civilização da qual fazemos parte encontra-se no seu ocaso, como terei oportunidade de
descrever com as duas analogias seguintes, e isso leva-nos a saber encontrar uma via alternativa, alicerçada
na liderança do nosso povo, da lusofonia, caso contrário, seremos escravos de um destino que nos irão
levar de acordo com a arquitectura centralizadora, neo-feudalista que estarão já a desenhar. Uma coisa é
certa: a civilização saída do Império Romano está finita e algo se irá criar para a substituir, num contexto
em que a existência das velhas nações independentes será tomada pela soberania das regiões continentais
centralizadas num mando único global. A perda da autodeterminação e da liberdade do indivíduo e das
suas organizações sucessivamente mais próximas e por isso mais representativas está a ser cada vez mais
justificada por uma putativa segurança ou estabilidade social, em suma pela desejada paz entre os homens.
Porém isto revelar-se-á num mero aproveitamento daqueles que nos farão entrar numa via única com
perda acentuada na diversidade culminando num elevado risco à sobrevivência para qualquer espécie
quando vê limitada a biodiversidade.

A fim de se atestar a situação actual desta civilização construiu-se este pequeno texto de reflexão
aplicando-se nele o processo da analogia1. Para esse efeito serão usadas duas analogias muito simples, a
fim de que se possa elaborar no paralelismo entre elas e o estado actual da nossa civilização, um possível
diagnóstico e desfecho. A analogia é por definição um constructo mental interpretativo que permite a
compreensão de realidades comunicantes e similares, não só pela função parabólica da narrativa, mas pelo
facto de ambas as realidades serem análogas, isto é por seguirem a mesma Lei Natural. Desde que
saibamos encontrar uma resultante da mesma Lei, da mesma realidade e se possam sintetizar bem as
dimensões comparativas, iremos obter uma sucessão mais ou menos paralela de eventos, dando

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Trata-se de um processo mental de “biassociação de ideias” que permite estabelecer relações novas, incomuns, entre objectos e
situações. As ideias são biassociações; criar é recombinar o conhecimento disponível. O desenvolvimento do pensamento analógico
exige treino da imaginação e o uso de metáforas ou símbolos. Um dos métodos do pensamento criativo mais complexos que segue
este processo é o da Sinética (Synectics), desenvolvido por Gordon em 1957.

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inexoravelmente lugar às mesmas tendências e aos mesmos desfechos. Estes processos eram os
simuladores de outrora, curiosamente muito mais precisos e completos que os melhores programas
informáticos de simulação ou de realidade aumentada deste tempo! A analogia continua a ser como dantes
uma valiosíssima ferramenta de estudo e previsão de acontecimentos, aliás muito mais precisa nos
cenários, pois se baseiam na realidade e não em modelos dessa realidade. Uma coisa é certa: nada, nem
mesmo o Homem está imune às Leis que regem o Cosmos…

Para se reduzir a carga negativa com que emocionalmente nos encontramos condicionados ao
encontrar palavras como “degradação” ou “corrupção”, devido ao seu significado mais recente na nossa
memória colectiva muitas vezes injusto em termos etimológicos, utilizarei a palavra sinónima evanescência,
a meu ver menos carregada de significado pejorativo… A Lei Natural é cumprida da forma mais simples,
como se irá ver e a nossa resistência emocional a ela é um condicionalismo que nos tolda muitas vezes a
visão clara da realidade.

1ª Analogia – da velha árvore à nova árvore

“Da mesma forma como se devem proteger alguns dos novos rebentos de uma velha árvore ao seu
redor, na perspectiva de que estes irão um dia tornar-se na nova árvore, substituindo o velho tronco
quando chegar ao fim dos seus dias, nas sociedades do homem, os agentes responsáveis pela sua
manutenção e crescimento deverão igualmente proteger as novas vias. Quando nas sociedades dos
homens, ao invés, se começa a fazer uma “poda rente” a tudo o que germina e se acha poder vir a pôr em
causa a vida do tronco mãe – isto é as tendências principais (a moda ou “main stream”), essas sociedades
terão apenas a duração desse tronco! E para além disso hoje numa globalização frenética convergiu-se de
uma floresta biocultural de espécies autóctones variadas, noutra de espécies cada vez mais iguais entre si,
de rápido e insustentável crescimento: é como que arrancar de uma vez só as seculares variedades de
carvalhos, azinheiras e sobreiros que permitiam uma alargada biodiversidade à sua volta e substitui-las
uniformemente por pinheiros ou pior ainda, por eucaliptos… sem respeito nem pela geografia ou pelo
ecossistema secular.
Mas voltemos à nossa árvore: quando o tronco mãe começar a ser atacado pelas forças
evanescentes do tempo: as térmites, os vermes, e a casca começar a mostrar um aumento expressivo de
líquenes, musgo e fungos, ou mesmo quando antes desse tempo as diversas heras, se encarregarem de
encurtar a vida ao tronco, este soçobra devido ao acréscimo de peso na sua velha estrutura e por se ver
cada vez mais impedido do acesso à luz do Sol. Apesar do tronco parecer ainda verde e com vitalidade aos
olhos de quem vê, as folhas não lhe pertencem mas à hera e com efeito está morto. Rapidamente sujeito às
forças evanescentes, cairá por terra, instalando-se o caos à sua volta… As vis trepadeiras, como já não têm
o tronco para se suportarem irão agarrar-se e enrolar-se mortalmente umas às outras na ganancia de
subirem na direcção do Sol. Enquanto esse caos perdura durante algum tempo, algumas sementes ou
rebentos dessa velha árvore que escaparam à fobia da unicidade, das diversas podas e destruições, irão
lentamente germinar, pois a Natureza encontra sempre um caminho… Dessas sementes em germinação
lenta, uma ou outra escapará às trepadeiras parasitas em luta fratricida pelo melhor “lugar ao sol”, uma ou
outra irá crescer, ultrapassando o alcance das perigosas parasitas, tornando-se forte o suficiente para
ascender ao porte da árvore mãe donde proveio e todo o ciclo se fechará! No entanto ela não estará ainda
livre de perigos e o maior deles é a plantação de eucaliptos estrangeiros na sua zona de crescimento… mas
se sobreviver, irá certamente assistir à queda do eucalipto e daqueles que lhe sucederem!”

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2ª Analogia – sucessão dos metais do ouro ao óxido

Se nos lembrarmos mais uma vez em analogia a sucessão do ciclo dos metais: ouro, prata, cobre,
ferro e óxido (acrescento meu), percebemos que tal como qualquer organismo ou organização, a sociedade
do homem segue esta sucessão num ciclo civilizacional, começando no ouro e terminando no óxido, que é
o estado de evanescência dos metais...
O ciclo começa no ouro, metal quimicamente estável de cor amarela brilhante e por isso símbolo
incorruptível do Rei Sol e da sua Luz, característico da era dos Reis Pastores ou Reis Sacerdotes.
Segue-se a prata, metal quimicamente menos estável, com brilho frio e sem cor que permite
reflectir na totalidade a Luz do astro Rei, e por isso associado simbolicamente à Lua, que reflecte a luz do
Sol (a prata foi inicialmente utilizada como espelho, como bem se sabe). Nesta fase, o calor reduz-se e na
sociedade traduziu-se na era da separação de poderes, onde o Rei temporal passou a depender do
Sacerdote para comunicar com o Indizível e ser por ele ungido.
Seguidamente vem o cobre, metal quimicamente pouco estável, com pouco brilho e que de cor
rubra passa rapidamente ao negro que pouco ou nada reflecte da Luz do astro Rei, sugerindo apenas um
rubro de um braseiro em arrefecimento… esta é a era da Carta Constitucional que veio substituir ambos os
poderes temporais e eclesiásticos e utilizar o povo como um útil contrapeso nas questões delicadas em que
a responsabilidade das decisões se começa a diluir.
Quase no fim temos o ferro, metal quimicamente instável e sem cor, embora quase sem brilho, o
que impede quase por completo a reflexão da Luz desse astro Rei. É a era da instauração do poder
democrático e das repúblicas onde o povo se acha dono do seu destino por ter acesso a alguns artifícios de
decisão como o plebiscito. Apesar dessa aparente democratização das sociedades, houve sempre refluxos
de retorno às eras anteriores, porém completamente desligadas do espirito inicial da era de ouro e por isso
de curta duração.
Por fim, no tempo em que vivemos conclui-se o ciclo civilizacional com o óxido (ou a ferrugem), que
deixa de ser uma substância quimicamente pura, ou seja um metal e passa a ser um composto que deriva
da evanescência do primeiro. No caso da ferrugem a cor pode ser de um negro opaco a um vermelho, que
nada podem reflectir do Sol, da Luz Primordial. Encontramo-nos nesta era consubstanciada na
evanescência da organização democrática, na evanescência dos valores sociais e das estruturas basilares
que lhe deram sustentabilidade ao longo desse ciclo. O óxido para além de levar ao apagamento de
qualquer Luz que nele incida, irá rapidamente desfazer-se em pó, nada mais restando do metal de onde
proveio!
Este ciclo não só “geriu” a materialização da sociedade nalgumas das suas realizações como no
capítulo das artes (i.e. constructos que apelam aos cinco sentidos, que derivam nas suas vertentes
plásticas, musicais, gastronómicas, perfumaria, etc.). Ele teve início nas realizações da era do ouro, nas
quais as artes invocavam Fontes Indizíveis, impeliam ao crescimento e à religação espiritual de todos os
participantes com o Todo, em harmonia com as Leis Naturais de forma interior e intrínseca (as práticas
eram participadas por todos, dirigidos em cerimónias de transe ou êxtase que culminavam em ambientes
festivos). Depois seguiram-se as realizações da era da prata, com a correspondência de essas artes
deixarem de ser participadas por toda a assembleia de forma activa, dividindo-se estes agora em artistas
criativos e espectadores – os primeiros criam para os segundos que apenas assistem (assistir é uma
actividade passiva se recorrermos à etimologia da palavra). Nesta era ainda se representam ideias sob o
constructo de mitos com inspiração nas Fontes Indizíveis invocadas pelos artistas (aqueles que dominam a
arte). Rapidamente vieram as realizações da era do cobre, onde os criativos cada vez mais afastados dos
espectadores, passaram a integrar aspectos de vida do quotidiano nos seus temas e abandonando
conteúdos mitológicos de cariz terapêutico e escatológico (ex. da ópera séria passou-se à opera buffa…).
Depois seguiu-se a era do ferro, com as realizações artísticas já completamente desligadas do “fio
condutor”, onde se passou a valorizar apenas o concreto, o objectivo com alguma preocupação estética de
rápida flutuação de acordo com as tendências de natureza comercial. O criativo passa a ser escolhido em
função do objectivo e não da sua capacidade de exegese criativa e formalidade técnica de transmissão. Por

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fim chegámos à era do óxido, a era da ferrugem, com uma amálgama de métodos, de conceitos, de
tendências que se chocam entre si numa perspectiva, já não de mostrar tal como é objectivamente a
mensagem ou a ideia, mas de apelarem aos impulsos, aos instintos e acicatarem sensações numa
perspectiva comercial cada vez mais vincada. A nossa arte actual é nas suas vertentes (em apelação aos
cinco sentidos: pintura/escultura, música, teatro, cinema, moda, perfumaria e gastronomia) e nas suas
tendências principais, um conjunto de realizações sem ligação espiritual, porque destruíram os arquétipos
(e não há chave que lhe sirva), sem ligação moral ou religiosa porque destruiu a ética, a moral e os
princípios, sem objectividade nem contexto estético ou filosófico porque se caiu no relativismo total.
Ficaram nessa amálgama, conteúdos desconexos, disformes, muitas vezes grotescos que apenas geram
impressões e apelam aos instintos e às pulsões… em termos de comparação, o artista cria da mesma forma
que um “espasmo num membro de um animal pode levar a pata a desenhar uns rabiscos no chão” e isso
ser passível de ser considerado arte!
E poderíamos colocar aqui inúmeras áreas da expressão humana e todas elas seguem esta sucessão
de eventos que parecem caber simbolicamente na matriz cíclica das eras dos metais. Estou a lembrar-me
por exemplo quer da criação cultural: dos programas de televisão ou do cinema; quer da criação artística:
na manufactura de vestuário, de mobiliário, da construção de edificações, etc. que começaram por ser
exímias demonstrações do melhor que a criatividade e engenho humano tiveram, para decaírem em
realizações que embora possam ser produtos avançados da tecnologia, não passam em comparação com as
antecessoras, de manifestações pobres em termos de realização estética, qualidade e durabilidade dos
materiais utilizados. Para dar mais um exemplo, quer ao nível do mobiliário quer do vestuário, ambos
começaram por ser executados com os mais finos materiais, e à medida que a técnica de desenho e
construção ia evoluindo em complexidade, o produto acabado começou em simultâneo a decair, isto é
desde os produtos de belos materiais, exímia arte de decoração e execução até nos dias de hoje
observarmos já vestuário e mobiliário feito à base de lixo reciclado, de construção medíocre (fabrico
automático e em série) e de durabilidade reduzidíssima… será curioso o facto de ter deixado de ser moda o
uso do ouro ou da prata como adorno pessoal, mas sim metais ou ligas do valor do óxido?
Assim em suma damos conta de uma tal gama e variedade de exemplos da mesma tendência que
se me afigura certo o fim deste ciclo, o fim de uma realização civilizacional que simbolicamente teve início
na sua era do ouro, de natureza incorruptível alicerçada no conhecimento das Leis Naturais, num contexto
espiritual de concepção com o transcendente. Seguiu-se lentamente para fases de correspondência
simbólica da prata, cuja natureza apenas permite reflectir o que nela incide, às materializações sucessivas
do cobre e do ferro já fortemente desligadas da Fonte, até apenas restar dele o óxido! E em cada uma
dessas eras fomos perdendo Luz e ganhando densidade, perdemos flexibilidade e movimento e ficámos
cada vez mais expostos aos agentes dos processos evanescentes que foram ganhando cada vez mais força.
No final soçobramos num “caldo alquímico de putrefação dos elementos”. Esperamos ou contribuímos
para que algo se possa erguer desse cadinho, mas para isso é necessário que os elementos entrem em
confronto entre si e a guerra, como manifestação dessa realidade no contexto social, pode ser inevitável…
Serão os “alquimistas sociais” capazes de minorar os efeitos dessa putrefação bélica dos elementos, ou
apenas a farão prolongar mais no tempo, mitigando assim o seu impacto mais brutal?

Esta sociedade que como referi nas duas analogias anteriores, está num estado de evanescência
acentuada, fase que sucede imediatamente à sua máxima realização e nada fará mudar ou inverter esse
rumo, pois é consequência da Lei Natural. É como a água de um rio cujo caudal não pode retroceder e que
se prepara para deixar de o ser integrando a nova realidade, o mar. E é no mar, na evaporação de parte da
sua água superficial para planos superiores atmosféricos, que se dá início ao ciclo perpétuo das novas
precipitações que caindo em terras mais propícias, permitem alimentar as fontes que trarão a nova água
dos rios… e o ciclo completa-se. De igual modo, uma vez concluído um projecto, uma vez completamente
materializada uma realidade, esta deixa de ter componente imaterial, isto é quer o “espirito da coisa”, quer
os seus ideais ou valores, é algo que não se pode contornar, pois tudo se precipitou no mar da existência
depois do confronto com os agentes reactivos em cada instante, ao longo das curvas e contracurvas do

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caminho. Está feito (operari factum)… e tudo o que perde o seu espirito inicial, que nele se foi precipitando
durante a sua formação, irá igualmente perder a construção material que finda e degenerar no nadir. O
momento final da realização no plano físico dá imediatamente lugar ao início da própria evanescência
dessa realização! É como se fosse uma mandala que se desagrega ao menor sopro do vento quando a mão
do mestre a conclui e a liberta…
Por essa razão é chegada a altura para nos religarmos com o Indizível e solicitar um novo rumo, é
altura para intuir novos caminhos, solicitar inspiração, buscar o novo espirito das coisas, dos novos ideais
ou valores, ou melhor, das novas aplicações ao mesmo Espirito Primordial, aos mesmos ideias ou valores
ancestrais e tentar verter ou precipitar tudo isso em nova existência, em nova realidade, apesar de se saber
que será o início de um novo ciclo que findará tal como o seu antecessor de acordo com a Lei Natural. Não
obstante é necessário começar a desenhar a nova mandala, porque a anterior se vai desfigurando,
perdendo toda a sua matriz, deixando de ser apesar da maioria dos observadores acharem que ela ainda é.
Há muito que findou, apesar da obstinação de muitos, e silenciosamente a “mão do mestre” já inicia novo
projecto! Para tal teremos que recorrer ao Saber subjectivo ou criativo, aquele Saber que não é nosso, não
nos pertence mas que chega de forma insondável e com mais facilidade àqueles mais sintonizados!

Tendo em conta as analogias que seguem a mesma Lei que tudo rege, creio que não se deve
desperdiçar energia em coisas que não terão outro desfecho que o do animal moribundo que irá
inexoravelmente entregar a carcaça aos necrófagos. O actual desenvolvimento tecnológico pode ser uma
enorme falácia mascarando esta realidade imutável, dando a ideia que se pode prolongar artificialmente
algo que já deixou de o ser. O Homem é por natureza autocentrado e por isso tenta mudar as regras do
jogo, embora pagando caro as consequências, desde os tempos da sua simbólica expulsão do Éden!
Podemos colocar um organismo, o tal animal moribundo num suporte vital com a tecnologia mais
avançada, que mais tarde ou mais cedo o seu Sopro de Vida cessa e ou se transforma em parte da máquina
ou é reclamado pelos necrófagos macro ou microscópicos. Mas estamos a tempo de canalizar a tecnologia
para novas aplicações, em especial aquelas que irão ajudar a nova sociedade do futuro. A semente da velha
árvore leva todo o desenvolvimento acumulado desta no seu embrião para que seja aplicado na vida da
nova árvore quando o terreno e os elementos tornarem fecunda essa germinação...

Se os tempos que estamos a viver indiciam que o corpo social está moribundo e por isso encontra-
se em disputa dos necrófagos, não significa que nada possamos fazer. Lembremo-nos da corrupção e todo
o vil comportamento de gente que se permitiu apoderar dos centros de comando das instituições e
organismos sociais e que nos habituamos apenas criticar mas já sem a energia necessária para os depurar.
Isto se já não podemos salvar esta estrutura-criatura-criação no seu ocaso, podemos ao invés, aproveitar a
germinação de novos rebentos do tronco, das novas sementes e ajudar a abrir espaço para a criação de
novas soluções, de novos mundos. E nós que fomos exímios em dar novos mundos ao mundo… Aliás muitos
deverão estar à nossa espera, como sempre!
O que podemos fazer, para já é utilizar os meios que temos ao nosso dispor para passar a palavra e
os conhecimentos para aqueles que serão o futuro, fertilizar o terreno da nova aurora onde a futura
semente poderá germinar com segurança. Nenhum espaço está a salvo, pois mesmo o “sagrado” deixou de
ser reconhecido nesta era final do “óxido”. Por esse motivo, as actuais organizações que se responsabilizam
pela sua transmissão, do Indizível, não só estão a ser atacadas por dentro como por fora tal como o tronco
da velha árvore centenária. É chegada a altura de nos debruçarmos nos novos rebentos que eclodem e não
no tronco que finda! Isto é, as organizações religiosas, bem como outras que defendem valores ancestrais,
que norteiam a livre iniciativa do Homem independentemente de o fazerem ou não no contexto crístico,
judaico, islâmico ou outro de natureza transversal ou ecuménica.
Se este corpo social se encontra já com “metástases disseminadas” em vários órgãos, pouco
adiantam já as injecções legislativas ou regulatórias mais ou menos humanistas, que apenas aliviam as
dores mas podem provocar graves efeitos secundários devido à sua complexidade esterilizadora! Estamos
rapidamente a integrar uma sociedade culturalmente homogénea à escala global, mas sem ética nem

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valores, em que a obediência (e não a responsabilidade individual) só será possível à custa do medo do
castigo financeiro e da exclusão que ele implica. A esmagadora maioria que seguir nesta lógica, para nela se
adaptar irá tirar partido da chamada “xico-espertice” associada ao poder que tiver sobre o outro, pois os
valores éticos e morais pelos quais as sociedades trabalharam e lutaram nos últimos séculos cessaram a sua
evolução, derivando em meros produtos acabados e relativos numa mesa de negociação.
Face a isto, não vejo outra alternativa do que a união de algumas pessoas no sentido de passar da
palavra, em especial para alguns dos jovens que tenham essa sensibilidade, pois o resto irá sucumbindo
embora lentamente devido à própria inércia civilizacional de centenas de anos. Já se começam a ver alguns
indivíduos de classes ditas mais esclarecidas a abandonar paulatinamente a urbe (nacionais e estrangeiros),
máximo expoente civilizacional e a isolarem-se praticamente nas zonas rurais. Embora sejam ainda o que se
poderia chamar de marginais, mostram uma tendência em paralaxe com o “mainstream”. Há algumas
dessas famílias a procederem à educação das suas crianças em casa, ficando um dos progenitores a cargo
dessa responsabilidade (evitando mesmo a escola institucional). Tendo em conta tudo isto, terá que se
repensar um novo paradigma de formação-instrução-educação, isto é fundação-construção-condução dos
novos indivíduos… Isto porque há uma tendência para que o futuro não vá na direcção deste ciclo no seu
ocaso, mas no regresso ou retorno a uma vida de proximidade com a Natureza, que não precisa da nossa
protecção mas do nosso alinhamento às suas Leis, se querermos continuar a fazer parte do mundo vivo.
Mas para isso é necessário termos a coragem do desapego material da ilusão do luxo, da falsa noção de
conforto da modernidade e reutilizar ou direccionar desta modernidade aquilo que pode ter existência
sustentável para a construção da sociedade do amanhã.

Em jeito de conclusão recomendo que não podemos continuar a ser reactivos ou resistivos, pois
esse é já um sinal de derrota daqueles que sem o saberem se mantêm agarrados a algo que já deixou de o
ser. Estes irão inevitavelmente findar juntamente com o ciclo que jaz. Temos sim que mudar de paradigma,
tornando-nos construtores, agentes construtivos. Se o mundo parece desabar à nossa volta ou nos parece
demasiado mau é justamente porque o nosso paradigma mental é outro e dessa feita devemos mudar de
rumo, pensando e contribuindo para novas soluções, novos ideais e novos caminhos, porque o mundo em
que tivemos a benesse de usufruir é bom e a Vida pelo sublime que representa para nós é algo que nem
sequer se esgota na definição mais esclarecida do mais sábio. E se a altura ainda não é para construir numa
realidade que está a ruir, é então para planear, é para criar a visão de novos e melhores mundos, passando
a palavra em especial àqueles que serão o futuro, fazendo tudo por reduzir em nós o impacto negativo e
condicional de uma sociedade, de uma civilização que já não é. É altura em suma para se iluminar outras
pessoas, transmitindo aquilo que é a experiência e o saber de um povo e que por isso é intemporal, no
sentido delas próprias fazerem o seu caminho, confiando que sejam responsáveis construtores, criadores
do amanhã e não indivíduos ainda presos ao velho mundo evanescente sem terem disso a menor suspeita…

Deixo duas questões finais que entroncam com o início desta reflexão:
Será a hora de colocar em cena a filosofia do Rei Menino, conteúdo simbólico central do mito do
Quinto Império em que entronca a era do Espirito Santo, a fim de que se possa congregar nele a força
anímica de toda uma nação? Isto seguindo a linha em que os mitos e os ideais têm a força que lhes vem da
profundidade da tradição, quer em termos de proliferação quer em antiguidade.
Sendo as formas de regime hoje meramente honoríficas e simbólicas, porque não se caminha para
um novo regime de natureza monárquica em que a lógica sucessória se veja invertida, isto é, o Rei nasce
menino e finda o seu reinado no momento em que já adulto se torna pai, transferindo a “coroa” para o
recém-nascido, que lhe sucederá como o próximo Rei Menino?
O “menino” é visto aqui como o elemento da pureza e da virtude, ainda isento das manchas
impuras da sociedade, é o redentor, a nova semente que germina da putrefação dos elementos
decompostos ao nível simbólico das concepção das ideias e que pode assim verter esse ideário no plano
concreto da materialização de um novo caminho.

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