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Este É o Último de Uma Série de Três Textos Sobre Os Três Principais Elementos de Uma Obra Literária
Este É o Último de Uma Série de Três Textos Sobre Os Três Principais Elementos de Uma Obra Literária
De novo?
“- São belas colinas, ela disse. – Não se parecem com elefantes brancos.
Quero dizer, a cor de sua pele vista através das árvores.
“- É uma cirurgia muito simples, de verdade, Jig, disse o homem. Não chega
nem a ser uma cirurgia.
“- Sabia que você não se importaria, Jig, disse o homem. Isso é apenas para
deixar o ar entrar.
“- Irei e ficarei com você o tempo todo. Eles apenas deixam o ar entrar e então
e, bem, é perfeitamente natural.
“- É a única coisa que nos incomoda. É a única coisa que nos faz infeliz.”
Foi, né? Mas e aí? O que faz você achar que seja “isso”?
Bom, ele fala em “cirurgia”, diz que “é a única coisa que nos faz infeliz”. Olha,
essa foi fácil de matar.
Não vou discordar de você. Considerando que o tema é um dos mais delicados
mesmo em nossos dias, é até fácil entender do que se trata o conto. Contudo,
você repara que a única coisa que ele menciona é “cirurgia”, certo?
Certo.
Quem aqui leu “A Revolução dos Bichos”? Quem não tiver lido, resumirei: é um
romance onde um grupo de animais toma o controle de uma fazenda com o fim
de criar um regime político onde todos sejam iguais. Lembra alguma coisa, né?
Infelizmente, lembra, sim. Justamente por remeter a algo que conhecemos,
sabemos que a história não termina bem. E sem frescura de spoilers,
comparemos os trechos a seguir:
“[Diz o Velho Major:] Por que então continuamos nesta situação miserável?
Porque quase tudo que produzimos com nosso trabalho é roubado de nós
pelos seres humanos. Aí está, camaradas, a resposta para todos os nossos
problemas. Resume-se a uma simples palavra: Homem. O Homem é o único
inimigo verdadeiro que temos. Tire o Homem de cena e a causa-raiz da fome e
do trabalho excessivo será abolido para sempre.”
No final:
“‘Ah, é claro.’”
“Se você não quer que um homem seja infeliz politicamente, não dê a ele dois
lados para questionar – dê apenas um. Melhor ainda, não dê nenhum. Deixe-o
esquecer que existe algo como a guerra.”
“Isso não veio do Governo. Não houve edito, declaração, censura para
começar – oh, não! Tecnologia, exploração em massa, a pressão das minorias
– por Deus, foi isso que aconteceu. Hoje, graças a eles, você pode ser feliz o
tempo todo, ler quadrinhos, as boas e velhas confissões, ou os jornais
mercantis.”
De cens…
PLEIM. Errou.
E eu é que sei?
Eu disse, né? Esse é o problema: foi EU quem disse. No caso dos exemplos
acima, o Subtexto fica claro pelo exame do Contexto das obras, seja pela
experiência de Hemingway (uma sociedade conservadora) ou de Orwell (a
decepção com o regime soviético). Você pode verificar isso. Mas no caso
de Fahrenheit 451? Bem, as respostas são diversas. Veja o que o autor mesmo
tem a dizer:
(Ray Bradbury, citado por Kingley Amis em New Maps of Hell: A Survey of
Science Fiction, tradução própria).
Bradbury diria que sim. Mas e o que você diria? Durante uma palestra na UCLA
– alma mater de Bradbury -, o autor saiu batendo o pé quando os alunos não
concordaram com ele sobre essa resposta. Eu mesmo diria que ambas as
alternativas estavam certas, afinal, o romance deixa transparecer ambos – e
essa é uma das belezas da literatura: a possibilidade de que nem mesmo o
autor saiba do que está falando, de quantos sentidos ele criou, sem querer,
para um mesmo texto.
Portanto, para captarmos o Subtexto, precisamos ter em mente 1) a época em
que o texto foi escrito; 2) as experiências do autor; 3) prestar atenção no que
aparece no Texto em si, as palavras e símbolos; 4) pensar na possibilidade de
que há algo no texto que é recorrente mesmo em nossos dias; 5) e procurar
adquirir mais e mais conteúdo, porque muito do que os autores dizem pode ter
a ver com as influências que sofreram – a saber, o que leram, que autores
admiravam, no que acreditavam.
Espero que as dicas acima tenham sido úteis a vocês. O próximo texto será
uma aplicação mais clara de como identificar todos a Trindade de uma vez.
Obs.: Em todos os três textos eu inseri uma imagem e não expliquei do que se
trata – bem como mencionei coisas e não as esclareci. Acreditem, foi
proposital. Os textos explicam, a imagem resume – confio no intelecto de
vocês. Lembrem-se: quem detém o “poder” da interpretação é o leitor; logo,
procure ter certeza daquilo que você entende em um texto – e se preciso for,
prove por A + B que você está certo. Literatura é uma via de mão dupla:
esperando que o autor tenha feito a parte dele, fazemos a nossa. Nada mais
justo.