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Nícolas Mangolim - osso

Acho curioso, na exposição Osso, notar o quanto uma série de apelos são feitos
pelos mais diversos veículos – grande número de textos que acompanha a exposição e as
obras, um programa público de debates e encontros etc. Exposição-apelo, batizou-se. E,
com uma série de outros termos e trechos de texto que dirigem a exposição, nomeia-se
coisas, marca-se territórios e, no fim, espera-se que se salvem tanto a arte de sua culpa
quanto Rafael Braga por sua falta de culpa. Assim, a fim de fugir do julgamento que deve
ser feito sobre as noções de mensagem e discurso em artes, as obras expostas “não são
‘obras-discurso’”, assumindo as “‘obras-atitude’, gestos poéticos no espaço”.
Dessa forma, a exposição segue dirigida pelos apelos institucionais. A amplitude
e a heterogeneidade da exposição, que contava com “29 dos mais relevantes artistas
brasileiros em atividade”, não há como negar, reforça uma ideia de grande abaixo-
assinado da arte contemporânea: o mais apaziguador – e não poderia ser diferente no
Instituto – apelo, manifesto político. Ainda assim, a exposição se pretende algo como
firme e agressiva. “A arte insiste. A arte pode insistir”, e “em algum ponto é preciso traçar
uma linha demarcando o que não se deve aceitar”, afirma Miyada, curador da exposição.
Isto quer dizer, as “categorias” como exposição-apelo e obras-atitude buscam, me
parece, associadas às noções de secura, escassez etc, querer propor uma alternativa ao
discurso da arte engajada, uma possibilidade de colocar um Iran do Espirito Santo para
ser político no mesmo sentido que um Bené Fonteles. Não é que as diferenças entre as
obras sejam esfaceladas pela curadoria, ao contrário: quer-se que possam estar e ser
compreendidas as obras com alguma autonomia garantida (lembre-se: “‘obras-atitude’,
gestos poéticos no espaço”).
Acontece, entretanto, que essa espécie de esvaziamento, redução das obras a
“gestos poéticos no espaço”, não é completamente internalizada por nenhuma das obras
presentes e o argumento não se sustenta, querendo poupar os trabalhos de se encarregarem
de discurso, relegando-o à instituição. A impressão que tenho é de que as mediações são
tão absolutamente necessárias para que a exposição não colapse que, não fosse a cansativa
série de tons impositivos das instituições envolvidas e do curador (“a experiência sensível
desta exposição será de vastidão e emergência” etc), “Osso” não seria palavra suficiente.
É claro, um grande número de obras e de artistas da exposição são valiosos se
vistos apesar da exposição e não por conta dela. Deve-se, entretanto, tomar cuidado:
quando afirmo que a escassez e a secura, e a redução a “atitude”, não são internalizados
completamente nas obras, digo que, apesar de uma similitude das obras com os termos,
estes são incapazes de defini-las todas sob a mesma narrativa sem que sejam autoritários.
E o traço autoritário da exposição se expressa, sobretudo, pela proposição de uma
narrativa sobre arte engajada que consiste em um caminho algum tanto oposto às
declarações e denúncias, aos discursos. A possibilidade de declarar “apelo” ou “atitude”
antes de declarar “discurso” significa, de certa forma, poder esquivar-se, portando as
mesmas concepções e perspectivas da “mensagem” na arte.
Osso, soando tão seco, improdutivo, incorpóreo e estéril, formando tão depressa
uma imagem heroica de um esqueleto, uma base, um cerne – um proletariado –,
impressiona, portanto, com um autoritarismo do mais covarde para tratar das questões de
liberdade individual e direito de defesa.

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