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ARTIGO ARTICLE
Bacharelado interdisciplinar: uma proposta inovadora
na educação superior em saúde no Brasil

Interdisciplinary Bachelor’s degree in Health:


an innovative proposal in higher education in Health in Brazil

Carmen Fontes de Souza Teixeira 1


Maria Thereza Ávila Dantas Coelho 1
Marcelo Nunes Dourado Rocha 1

Abstract This article describes and analyzes the Resumo Este artigo descreve e analisa o contexto
political and institutional context and the process político-institucional e o processo de elaboração e
of implementation of the Interdisciplinary Bach- implantação do Bacharelado Interdisciplinar em
elor’s degree in Health (IBH) during the 2006- Saúde (BIS) no período 2006-2011. A metodolo-
2011 period. The methodology included document gia utilizada incluiu revisão documental e análi-
review and analysis of personnel records of the se dos registros pessoais dos pesquisadores envol-
researchers involved. By using the concepts of vidos. A partir dos conceitos de “janela de oportu-
“window of opportunity” and “hypercomplex or- nidade” e “organização hipercomplexa”, verifi-
ganization,” it was revealed that managerial and cou-se que foram criadas estruturas gerenciais e
organizational structures were created and mas- organizativas, elaborados documentos-mestres e
ter-documents were prepared. In addition to this, desencadeadas ações para a implantação do curso,
actions for implementation of the course, related ligadas à conformação do corpo docente e do Co-
to the structure of the faculty and the academic legiado do curso, elaboração do Projeto Pedagógi-
council, preparation of the pedagogical project, co, planejamento, execução e acompanhamento
planning, implementation and monitoring of the do processo ensino-aprendizagem nos diversos
teaching-learning process in the various curricu- componentes curriculares. A análise dos desafios
lum components offered since 2009 was conduct- e perspectivas do curso aponta que o maior pro-
ed. Analysis of the challenges and prospects of the blema enfrentado é a tensão entre o modelo de
course indicates that the major problem is the ten- formação superior, profissional e disciplinar, exis-
sion between the traditional model of vocational tente até então e o modelo interdisciplinar pro-
and discipline-based higher education existing posto pelo BI, tensão que pode ser superada pela
hitherto and the interdisciplinary model proposed implantação do regime de ciclos, com a institucio-
by IBH. This tension can be overcome by the full nalização do BI como primeiro ciclo da formação
implementation of learning cycles with the insti- profissional na área de saúde.
tutionalization of IBH as the first cycle of profes- Palavras-chave Formação de recursos huma-
1
sional health education. nos, Educação superior em saúde, Educação pré-
Instituto de Humanidades,
Artes e Ciências Prof. Key words Human resources training, Higher médica, Bacharelado interdisciplinar em saúde,
Milton Santos, Universidade education in health, Premedical Education, In- Universidade
Federal da Bahia. R. Barão de
terdisciplinary Bachelor’s degree in Health, Uni-
Jeremoabo s/n, Ondina.
40.170-115 Salvador BA. versity
carment@ufba.br
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Teixeira CFS et al.

Introdução Mais recentemente, propostas de mudança


nas políticas e na organização da atividade uni-
A formação de pessoal em saúde apresenta, como versitária em diversos países do mundo11-16 têm
questão central, as limitações dos modelos de repercutido no Brasil, a exemplo da Universida-
formação vigentes diante das demandas e neces- de Federal da Bahia (UFBA), que introduziu
sidades decorrentes da construção do Sistema mudanças em sua arquitetura acadêmica, entre
Único de Saúde (SUS)1 e da recomposição do as quais os cursos de Bacharelado Interdiscipli-
setor privado, nas últimas décadas2,3. De fato, a nar (BI) nas áreas de Artes, Humanidades, Ciên-
reorientação das políticas e as mudanças na pro- cia e Tecnologia e Saúde. O objetivo deste traba-
dução, distribuição e consumo de serviços tem lho é descrever e analisar o processo de elabora-
gerado mudanças significativas na organização ção e implantação do Bacharelado Interdiscipli-
do processo de trabalho em saúde, afetando, di- nar em Saúde (BIS) no período 2006-2011. A
reta e indiretamente, a formação dos profissio- metodologia utilizada incluiu extensa revisão
nais e dos trabalhadores. Observa-se, assim, uma documental, bem como a análise dos registros
tendência à fragmentação do processo de traba- pessoais efetuados pelos pesquisadores, envolvi-
lho e diversificação das formas de inserção dos dos na implantação do curso.
profissionais no mercado e multiplicação de vín-
culos empregatícios4,5. Contexto político-institucional
Desse contexto fazem parte instituições res-
ponsáveis pela formação de pessoal, constatan- A proposta de criação dos Bacharelados In-
do-se a extraordinária expansão do número de terdisciplinares (BI) surgiu no contexto de for-
escolas e cursos na área de saúde, notadamente mulação do projeto “UFBA Nova”17, em discus-
no setor privado, embora de forma desigual, são desde 2006, cujo principal objetivo era a rees-
dado a existência de fortes movimentos de “re- truturação do ensino de graduação através da
serva de mercado” por parte de algumas catego- implantação do regime de ciclos. O BI foi com-
rias profissionais6. No âmbito dos cursos obser- preendido como o primeiro ciclo do processo de
va-se o desencadeamento de reformas curricula- formação superior, em caráter não profissiona-
res estimuladas pela aprovação da nova Lei de lizante, constituindo uma etapa preparatória para
Diretrizes e Bases para a Educação7 que confere a continuidade da formação profissional e aca-
liberdade às instituições de ensino para o dese- dêmica18 (Figura 1).
nho de currículos inovadores, adequados às rea- O debate em torno da inclusão da UFBA no
lidades regionais e às vocações das escolas, subs- Programa de Apoio a Planos de Expansão e Re-
tituindo-se o antigo “currículo mínimo” pelas estruturação das Universidades Federais (REU-
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). NI) representou uma verdadeira “janela de opor-
Especificamente na área da saúde, as DCN tunidade”19,20, sendo que o Plano aprovado in-
reforçam a necessidade de orientar a formação cluiu a criação dos BI, mas manteve o ingresso
dos profissionais8,ao tempo em que as institui- direto nos tradicionais cursos profissionalizan-
ções gestoras do SUS têm formulado políticas de tes pelo processo seletivo do vestibular, preven-
educação permanente e gestão do trabalho que do-se uma gradativa transição de ao menos par-
visam readequar perfis profissionais às necessi- te de suas vagas para ingresso através dos BI21.
dades do sistema, valorizar o trabalhador e pro- Inicialmente formulado como um curso, a
mover a humanização da atenção4,5,9. proposta apresentada, em julho de 2008, à Câ-
Apesar disso, é forçoso admitir que o perfil mara de Ensino de Graduação (CEG) contem-
(científico-técnico e ético-político) dos profissio- plava a implantação de quatro cursos de Bacha-
nais formados continua predominantemente dire- relado Interdisciplinar (BI): Ciência & Tecnolo-
cionado à reprodução do modelo médico-assis- gia, Humanidades, Artes e Saúde. De acordo com
tencial hegemônico, que subsiste mesmo ao inte- a proposta aprovada, os BI são:
rior do SUS10, o que, em parte, deriva da perma- “... uma modalidade de curso de graduação
nência de um modelo de formação superior que que se caracteriza por agregar uma formação
enfatiza a profissionalização precoce, com tendên- geral humanística, científica e artística ao apro-
cia à especialização e subespecialização, contribuin- fundamento num dado campo do saber, pro-
do para tornar os profissionais formados depen- movendo o desenvolvimento de competências e
dentes tecnologicamente e carentes de capacidade habilidades que possibilitarão ao egresso a aqui-
crítica diante das transformações na situação de sição de ferramentas cognitivas que conferem
saúde e na organização do trabalho no setor. autonomia para aprendizagem ao longo da vida
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BACHARELADOS
INTERDISCIPLINARES
MESTRADOS DOUTORADOS
ACADÊMICOS

LICENCIATURAS
MESTRADOS
PROFISSIONAIS

CURSOS
PROFISSIONAIS

EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA

Figura 1. Arquitetura curricular da Universidade Nova.

Fonte: UFBA. Projeto Pedagógico dos Bacharelados Interdisciplinares, 2008 (adaptado).

bem como uma inserção mais plena na vida so- . Inclusão das três culturas – deverão incluir
cial, em todas as suas dimensões. Também pro- componentes curriculares que representem e ar-
vê fundamentos conceituais e metodológicos para ticulem os três grandes campos do conhecimen-
a formação profissional em cursos de gradua- to, contemplando conteúdos dos campos artís-
ção que o adotem como primeiro ciclo”22. tico, científico e humanístico.
O projeto político-pedagógico dos BI estabe- Para sediar os BI, foi criada uma nova unida-
leceu cinco princípios norteadores para a cons- de acadêmica, o Instituto de Humanidades, Ar-
trução dos currículos específicos nas grandes áreas tes e Ciências Prof. Milton Santos (IHAC), cujo
do conhecimento22: objetivo inclui “fomentar uma configuração MIT
. Autonomia - implica na responsabilização (multi, inter, trans) disciplinar do conhecimen-
do indivíduo na condução do seu próprio pro- to, mediante a oferta de programas interdiscipli-
cesso de aprendizagem. Constitui-se em requisi- nares de graduação e pós-graduação, além da
to fundamental para consolidação de sua com- pesquisa, criação e inovação produzidas em cen-
petência de aprender a aprender. tros de pesquisa e extensão”23,24.
. Flexibilidade - diminuição ao mínimo ne-
cessário da exigência de pré-requisitos, favorecen- O projeto pedagógico do BI Saúde
do a possibilidade de escolha livre pelos alunos
dos componentes a serem cursados e, como con- A implantação dos cursos começou com a in-
sequência, reforçando o princípio da autonomia. dicação dos coordenadores através de portaria do
. Articulação – propõe a criação de compo- reitor, em outubro de 2008. A elaboração do proje-
nentes curriculares de natureza interdisciplinar, to pedagógico do BIS coube inicialmente à coorde-
bem como sugere o acréscimo de outros dispo- nadora do curso, que revisou o “projeto original” e
sitivos, de natureza integradora, tais como Semi- a “Matriz curricular do BI Saúde”25, na qual se
nários, Oficinas e Laboratórios. especificava os eixos estruturantes comuns aos BI e
. Atualização – revisão e atualização periódi- o conteúdo específico do BIS, abarcando os “níveis
ca dos componentes curriculares buscando con- de determinação”26 do processo saúde-doença e os
templar os avanços científicos, tecnológicos, as níveis de organização das práticas de saúde.
inovações artísticas e quaisquer novidades no Tal proposta, entretanto, não apresentava a
campo do conhecimento. disponibilidade desses conhecimentos nas disci-
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Teixeira CFS et al.

plinas oferecidas pelos diversos cursos da UFBA, do IHAC em abril e encaminhados para a CEG,
nem uma análise prospectiva da oferta de com- em maio, sendo submetidos à avaliação técnica.
ponentes curriculares (antigos e novos) que pu- O parecer preliminar, emitido em julho, reco-
dessem vir a compor a “grade” curricular do BIS. mendou revisão dos projetos, sendo a segunda
A primeira versão do projeto pedagógico do BIS versão encaminhada em dezembro. Diante das
foi desenvolvida de fevereiro a abril de 2009, bus- críticas e recomendações emitidas, os projetos
cando atender a três princípios: 1) preservação foram revisados mais uma vez, durante os me-
das diretrizes do projeto pedagógico preliminar ses de março e abril de 2010 e reencaminhados à
e geral dos BI; 2) incorporação das ideias surgi- CEG. Os principais ajustes foram feitos nos itens
das nas discussões realizadas pela Congregação referentes às competências e habilidades do egres-
do IHAC; 3) autonomia do Colegiado para pro- so (maior concisão), forma de avaliação (maior
por um projeto que contivesse uma arquitetura detalhamento), matriz curricular (alteração da
geral comum e comportasse os conteúdos pró- quantidade e definição dos componentes obri-
prios a cada campo (Figura 2). gatórios da formação específica em saúde, apre-
Os documentos elaborados pelos Colegiados sentação dos critérios das Atividades Comple-
foram aprovados pela Congregação Ampliada mentares, com alteração de sua carga horária).

S S 1ª Seleção Vestibular (dez) 2ª Seleção ENEM(dez) Implantação Áreas


Concentração
BI Saúde

1º Concurso para docente (dez) Criação CABIS

Instalação Colegiado 2º Concurso para


Indicação da Cood. do BI Saúde (set) Docente
Início curso (mar)
Matrícula 2ª Turma
Matrícula 1ª turma (fev)
S

Criação dos (fev)


BI
Eleição diretor e vice
(dez)
PPP BI SAÚDE Renúncia 1º diretor
IHAC

aprovado (jun/jul)
Criação do Congregação do Versão final PPP dos BI
S

IHAC (abr) aprovada no Colegiado


IHAC (abr)

Apresentação projeto CONSUNI


Universidade NOVA na Resolução 07/08 (nov) Aprovação
reunião ANDIFES (out) Reação estudantil Regimento UFBA
REUNI/UFBA Projeto de criação do
Atualização do regulamento (out/nov) IHAC (set) 2ª análise técnica
de Ensino da Graduação do PPP BI pela Posse Dora (ago)
(out) Apresentação do ProGrad (dez)
Projeto original dos BI
UFBA

Apresentação projeto ao CONSEPE (jul) Eleição Dora (mai)


UFBANOVA ao CONSEPE e Aprovação proposta
ao CONSUNI (set) UFBA/REUNI CONSEPE 1ª Análise técnica
no CONSEPE E Resolução 03 - julho do PPP BI pela Aprovação dos PPP
Posse Naomar CONSUNI (out) Resolução 02 - julho ProGrad (set) dos BI pela Câmara
Gestão 2006-2010 (ago) Resolução 01 - março de Graduação (mai)
2ª eleição Naomar (maio)

Diretrizes Gerais MEC


I Seminário Nacional Projeto REUNI (ago)
Governo Federal

Universidade Nova UFBA


(dez) Portaria nº 552 SESu/MEC (jun)
Referenciais
PL 7200 - Reforma Decreto nº 6.096/07 (abr) Orientadores BI e
Universitária (jun) similares GT/MEC/
II Seminário Nacional SESu (nov)
Universidade Nova UnB (mar)
S

2006 2007 2008 2009 2010

Figura 2. Linha do tempo do processo de criação, formulação e implantação do BI Saúde: 2006 – 2010.
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O parecer final juntamente com a última versão tura curricular dos diversos cursos oferecidos
revisada do projeto foi avaliado pela CEG sendo pelas unidades da UFBA. Com isso, se por um
finalmente aprovado em maio de 2010. lado foi possível incluir novos componentes cur-
O projeto pedagógico aprovado reafirma que riculares, como é o caso de “Estudos da contem-
o BIS é “um curso de graduação de duração ple- poraneidade”, realizados integralmente pelos
na que visa agregar uma formação geral huma- docentes do IHAC, por outro, ajustou-se a ofer-
nística, científica e artística ao aprofundamento ta dos componentes à capacidade de oferta da
no campo da saúde, promovendo o desenvolvi- Universidade, o que resultou na manutenção de
mento de competências e habilidades que confe- “Língua portuguesa” como obrigatória e na in-
rem autonomia para a aprendizagem e uma in- serção de “Língua estrangeira moderna”, no elen-
serção mais abrangente e multidimensional na co de “Culturas” (Quadro 2).
vida social (...)”27. No que diz respeito à Formação Específica em
O perfil do egresso (Quadro 1) enfatiza com- Saúde, os componentes curriculares obrigatórios
petências gerais relacionadas com a capacidade apresentam uma visão panorâmica do campo,
de “aprender a aprender”, competências cogniti- incluindo o debate do conceito de Saúde do pon-
vas e habilidades específicas que permitem ao to de vista histórico, sociológico, antropológico,
estudante compreender a complexidade do cam- político e cultural, a análise comparada de siste-
po da saúde na contemporaneidade e acrescenta mas de saúde no mundo contemporâneo, a aná-
um conjunto de valores relacionados com o pro- lise das relações entre o sistema público e o siste-
cesso de sensibilização para questões cruciais do ma privado de saúde no Brasil e as características
mundo atual, como a luta pelos direitos huma- das diversas profissões de saúde em nosso meio,
nos, a preservação do meio-ambiente, a defesa analisando as tendências do mercado de trabalho
dos princípios democráticos e a valorização da e da formação profissional.
diversidade cultural que caracteriza a sociedade O componente curricular “Oficina de textos
brasileira e baiana, em particular. acadêmicos e técnicos em saúde” completa o eixo
A especificação e distribuição dos diversos “linguagens” e discute as múltiplas formas de ex-
componentes curriculares resultaram do esfor- pressão e comunicação dos conhecimentos e tecno-
ço de “tradução” dos diversos “Eixos estruturan- logias produzidos e difundidos na área de Saúde.
tes” contidos no projeto original às possibilida- Inclui a leitura e análise de artigos científicos, rese-
des abertas com a criação do IHAC e, ao mesmo nhas, projetos, relatórios de pesquisa, documen-
tempo, às condições operacionais oferecidas pela tos institucionais, leis, portarias, planos, progra-
manutenção da arquitetura acadêmica e estru- mas e projetos de intervenção no campo da saúde.

Quadro 1. Perfil do egresso do Bi saúde


. Capacidade de abstração, análise e síntese de conhecimentos;
Competências . Habilidades para buscar, processar e analisar informação procedente de
e habilidades gerais fontes diversas;
. Capacidade de comunicação oral e escrita em língua portuguesa;
. Habilidades no uso das tecnologias da informação e da comunicação;

. Compreender a complexidade do campo da saúde nas sociedades


Competências e contemporâneas;
habilidades específicas . Identificar e analisar problemas de saúde no âmbito individual e coletivo;
. Analisar políticas públicas, programas e projetos da área de saúde;
. Identificar e analisar as tendências do mercado de trabalho e das práticas
profissionais em saúde.

. Responsabilidade social e compromisso cidadão;


Competências . Valorização e respeito pela diversidade cultural;
valorativas e . Consolidação dos valores democráticos na sociedade contemporânea;
compromissos éticos . Preservação do meio ambiente;
. Compromisso ético-político no campo da saúde.

Fonte: UFBA, IHAC. Projeto Pedagógico do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, 2010.


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Teixeira CFS et al.

Quadro 2. Síntese da distribuição da carga horária do curso.

Eixo/Módulos Componente Curricular (CC) CH

Módulo Interdisciplinar HAC A01 – Estudos sobre a Contemporaneidade I 68 h


HAC A34 – Estudos sobre a Contemporaneidade II 68 h

Módulo Culturas 2 CC Cultura humanística (a escolher) 136 h


2 CC Cultura artística (a escolher) 136 h

Eixo Linguagens LET E43 Língua Portuguesa, Poder e Diversidade 68 h


LET E45 Leitura e Produção de Textos em Língua Portuguesa 68 h
HAC Oficina de Textos Acadêmicos e Técnicos em Saúde 68 h

Formação específica(1ª etapa) HAC A10 - Introdução ao Campo da Saúde 68 h


CC Obrigatórios HAC A40 – Campo da Saúde: Saberes e Práticas 68 h
HAC - Saúde, Educação e Trabalho 68 h

Formação específica(2ª etapa) 11 CC oferecidos pelas unidades de saúde e/ou pelo IHAC 748 h
CC optativos

Subtotal 1020 h
Atividades complementares** 360 h
Componentes livres (7 CC de 68 h) 476 h
Total geral 2400 h
Fonte: UFBA, IHAC. Projeto Pedagógico do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, 2010.

Os componentes optativos (748 h) são esco- recepção aos alunos e o acompanhamento do


lhidos do elenco de componentes oferecidos pe- processo de ensino-aprendizagem nos diversos
las unidades de saúde da UFBA aos alunos do componentes.
BIS no momento da matrícula semestral. As ati-
vidades complementares (360 horas) abarcam Conformação do corpo docente
um conjunto de atividades de pesquisa, exten-
são, estágio, programas especiais, cursos livres, No primeiro semestre do curso, a equipe do-
monitoria em disciplinas de graduação e ativi- cente do BIS contava com apenas duas professo-
dade curricular em comunidade. ras com formação específica na área, as quais
Finalmente, contempla-se a inserção dos es- assumiram as funções de coordenação e vice-co-
tudantes do BIS em componentes curriculares ordenação, bem como os componentes curricu-
nomeados Livres, os quais podem ser escolhidos lares da área. Em 2010, foram contratados três
de acordo com a disponibilidade de oferta de professores substitutos, ao tempo em que se
quaisquer das unidades da UFBA, “desde que os operava a redistribuição de dois docentes de ou-
respectivos colegiados facultem o ingresso aos tras Universidades que solicitaram transferência
alunos do BI respeitando-se as especificidades e para o IHAC, tendo sido realizado concurso pú-
os pré-requisitos (onde estes existam)”27. blico para docentes no segundo semestre de 2010
com a contratação, em 2011, de cinco aprova-
A implantação dos. Com isso, a equipe do BIS passou a dispor
do bacharelado interdisciplinar em saúde de nove docentes, aos quais se agregou, em 2011,
um do ISC em tempo parcial e um professor
A implantação do BIS contemplou, em 2009, substituto.
um conjunto de iniciativas destinadas à criação
de condições gerenciais, organizativas e operacio- Número e Perfil dos alunos matriculados
nais para a execução do curso, quais sejam a con-
formação do corpo docente, a organização do Em 2009, foram oferecidas 100 vagas no tur-
Colegiado e da secretaria, o planejamento acadê- no noturno, preenchidas com os candidatos
mico da oferta de componentes curriculares, a aprovados no Vestibular. A partir de 2010, o
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IHAC adotou a forma de ingresso através do do, implicitamente, o desinteresse em participar
ENEM e ampliou o número de vagas do BIS para da implantação do curso.
300 (200 no turno noturno), as quais não chega- A principal atividade do Colegiado tem sido
ram a ser totalmente preenchidas devido aos pro- o planejamento acadêmico semestral da oferta
blemas ocorridos com o ENEM naquele ano, que de componentes curriculares, processo que im-
ocasionaram a realização de apenas uma convo- plica intensa negociação com outras unidades
cação complementar à primeira. Já em 2011, acadêmicas, visando garantir vagas em compo-
mantido o número de vagas, foi efetuada a ma- nentes curriculares classificados como “culturas”
trícula em três momentos subsequentes (primeira, e disciplinas optativas e livres. Além disso, o Co-
segunda e terceira chamada), resultando no pre- legiado desencadeou, junto a unidades acadêmi-
enchimento da maioria delas. cas da área de Saúde (ICS e ISC), a organização
Dos alunos matriculados em 2009, 74 % ti- de áreas de concentração, isto é, a oferta de com-
nham menos de 24 anos, sendo que 40% tinham ponentes curriculares que formam uma deter-
entre 16 a 19 anos. Apenas 11% do total eram minada área de conhecimentos e/ou direciona o
maiores de 30 anos, chamando a atenção a pre- aluno para um determinado curso profissional.
sença de um aluno de mais de 50 anos. Quanto Durante o ano de 2011 o debate em torno dos
ao sexo, observou-se uma discreta maioria de procedimentos e critérios de ingresso nos demais
mulheres (58%). A maior parte provinha de es- cursos, denominados Cursos de Progressão Li-
colas particulares (67%) e 71% informaram não near (CPL), foi intensificado nos Colegiados e na
ter formação prévia, sendo o BI a sua porta de Congregação do IHAC, tendo em vista a operaci-
entrada na Universidade. Dos demais, 12% in- onalização da Resolução aprovada pelo Conse-
formaram já ter concluído um curso de gradua- lho Universitário em 2008, que estabelece a reser-
ção, dos quais mais da metade na área de Saúde, va de pelo menos 20% das vagas de todos os cur-
sendo que 15% haviam passado por outros cur- sos da UFBA aos egressos dos BI24. O Conselho
sos, sem haverem concluído. Acadêmico de Ensino determinou que os aspec-
Os alunos que ingressaram em 2010 e 2011 tos a serem levados em consideração pelos Cole-
apresentam algumas características semelhantes giados dos cursos, para aceitarem a matrícula dos
e outras diferentes, em virtude, provavelmente, egressos dos BI, deveriam enfatizar a apreciação
da mudança dos procedimentos de ingresso ao do coeficiente de rendimento acadêmico, ponde-
curso. A maioria tem menos de 24 anos de idade, rado pela trajetória do aluno no curso, privilegi-
é do sexo feminino, proveniente de escolas públi- ando a concentração de componentes do CPL
cas, não tem formação prévia e pretende, ao con- pretendido28. Tal decisão reativou o debate inter-
cluir o curso, fazer uma graduação profissional. no no IHAC em torno da restrição dos BI à sua
finalidade propedêutica, à condução do alunado
Organização e atuação para uma escolha profissional precoce (a fim de
do Colegiado do Curso garantir uma pontuação maior no momento da
seleção para o CPL) e produziu insatisfação quan-
A composição inicial do Colegiado incluía as to à impossibilidade de se fazer, no momento de
duas professoras do IHAC que atuavam na área conclusão do curso, a transição para uma profis-
de saúde, um representante do corpo docente dos são de outra área do conhecimento.
demais BI e os representantes dos estudantes. Em meio a esse processo, o mandato da co-
Coube a essa representação estudantil a organi- ordenação e vice-coordenação do Colegiado do
zação do Centro Acadêmico (CABIS), que pas- curso eleita em 2009 foi encerrado, em agosto de
sou a atuar na gestão do curso e a participar na 2011, sendo que as novas coordenadoras assu-
gestão do IHAC, através dos seus representantes miram o mandato em setembro de 2011.
na Congregação ampliada.
No primeiro ano de funcionamento foram Execução do Projeto Pedagógico
agregados ao Colegiado representantes do Insti- do BIS 2009-2011
tuto de Ciências da Saúde (ICS), Instituto de Saú-
de Coletiva (ISC), Escola de Nutrição, Escola de Tomando como referência a trajetória da tur-
Medicina Veterinária, Faculdade de Educação e ma que ingressou em 2009 e concluiu em 2011,
Faculdade de Odontologia. As Faculdades de pode-se visualizar, no Quadro 3, o conjunto de
Medicina, Enfermagem e Farmácia, entretanto, componentes curriculares oferecidos e executa-
não encaminharam representantes, expressan- dos nos diversos eixos do curso.
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Teixeira CFS et al.

Quadro 3. Fluxograma do Bi Saúde 2009-2011.


1º Semestre (2009.1) 2º Semestre (2009.2) 3º Semestre (2010.1)

HAC A10 - Introdução ao Campo HAC A40 - Campo da Saúde: HAC B17 - Saúde,
da Saúde Saberes e Práticas Educação e Trabalho

Cultura 1 Cultura 2 Cultura 3

HAC A01 - Estudos sobre a HAC A34 - Estudos sobre a Cultura 4


Contemporaneidade I Contemporaneidade II

Componente Livre Componente Livre Componente Livre

LET E43 – Língua Portuguesa, LET E45 – Leitura e Produção HAC A78 - Oficina de
Poder e Diversidade Cultural de Textos em Língua Portuguesa Textos Acadêmicos e
Técnicos em Saúde

Atividades Complementares 180 horas (em 3 semestres)

4º Semestre (2010.2) 5º Semestre (2011.1) 6º Semestre (2011.2)

Optativa da Área de Saúde Optativa da Área de Saúde Optativa da Área de Saúde

Optativa da Área de Saúde Optativa da Área de Saúde Optativa da Área de Saúde

Optativa da Área de Saúde Optativa da Área de Saúde Optativa da Área de Saúde

Optativa da Área de Saúde Optativa da Área de Saúde Componente Livre

Componente Livre Componente Livre Componente Livre

Atividades Complementares 180 horas (em 3 semestres)

No Eixo Interdisciplinar, os Estudos da con- Sociologia do corpo29, conduzindo à reflexão acer-


temporaneidade I (2009.1) e II (2009.2) foram ca das concepções do corpo adotadas nas ciênci-
ministrados no primeiro semestre por uma do- as da saúde. O debate sobre “Política” conduziu à
cente da área de saúde (2 turmas) e, no segundo reflexão sobre as Políticas de saúde no Brasil, dis-
semestre, ficaram sob a responsabilidade de ou- cutindo-se o processo de Reforma Sanitária Bra-
tros docentes do IHAC, da área de Humanida- sileira30 e o tema “Mercado” contemplou os de-
des. Os conteúdos abordados incluíram temas terminantes da organização dos sistemas de saú-
como “Globalização”, “Corpo”, “Identidade e Sub- de no mundo ocidental e no Brasil, destacando-
jetividade”, “Política”, “Economia e Mercado”, se a coexistência do SUS e do Sistema de Assis-
“Ciência e Tecnologia”, tratando-se de introduzir tência Médica Supletiva2.
os estudantes a uma abordagem interdisciplinar, O estudo da “Ciência e Tecnologia” partiu da
ao tempo em que se estimulava que cada grupo análise da revolução científica e tecnológica no
de alunos aproximasse o tema geral ao campo mundo contemporâneo e as características atu-
da Saúde. ais das práticas de saúde, marcadas pela intensa
O debate sobre “Globalização” partiu da re- incorporação de tecnologias, tanto no âmbito da
visão do pensamento de Milton Santos e con- clínica (métodos diagnósticos e produtos tera-
templou as repercussões desse processo na saú- pêuticos), quanto no âmbito da saúde coletiva
de da população mundial, destacando-se a te- (promoção da saúde e prevenção de riscos),
mática das epidemias e pandemias. O estudo do exemplificando-se com o debate sobre os mode-
tema “Corpo” resgatou a historicidade dos estu- los de atenção à saúde31 e a problemática relativa
dos sobre o corpo humano, desde o surgimento à produção, distribuição e consumo de medica-
da Anatomia até o debate atual no âmbito da mentos32.
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Paralelamente, os alunos cursaram os com- gia; os componentes oferecidos pelo ISC, a exem-
ponentes curriculares do Eixo Linguagens, Lín- plo de Teorias Sociais em Saúde e pela Escola de
gua portuguesa, poder e diversidade cultural Nutrição, como Aspectos Sócio-culturais da Ali-
(2009.1) e Leitura e produção de textos em língua mentação e da Nutrição; os componentes ofere-
portuguesa (2009.2), os quais se constituíram em cidos pelo próprio IHAC, como Seminários In-
espaço de reapropriação crítica dos fundamen- terdisciplinares de Pesquisa em Saúde, Saúde e Ci-
tos da língua, o que por vezes gerou certo estra- dade, Tópicos Especiais em Saúde; dentre outros.
nhamento e resistência dos alunos. Esse eixo com- Tudo isso, conjugado às aulas de música,
pletou-se em 2010, com a Oficina de Textos aca- dança, teatro, canto, cinema, meio ambiente, tec-
dêmicos e técnicos em saúde, voltada a familiari- nologia, educação, línguas estrangeiras, psicolo-
zar o estudante com a linguagem científica e téc- gia, gênero, filosofia e ciências sociais, que con-
nica da área, através da leitura e análise crítica de formaram os componentes livres e o eixo das
artigos, projetos, planos, relatórios, etc. “culturas”, produziu uma rica trajetória de for-
A inserção dos estudantes em componentes mação acadêmica, desenhada, em seu detalha-
do Eixo Culturas, notadamente aqueles ofereci- mento, pelas escolhas dos estudantes.
dos pelas áreas de Humanidades e Artes, contri- Finalmente, quanto ao monitoramento das
buiu para a exposição dos alunos a conteúdos “Atividades Complementares” realizadas pelos
que fundamentaram os debates ocorridos nas alunos, foi organizado, um “dossiê” de cada um,
atividades desenvolvidas no Eixo da formação contendo cópia dos documentos comprobató-
específica em Saúde. Assim, nos componentes rios da realização destas atividades, o qual pas-
Introdução ao campo da saúde e Campo da Saúde, sou a ser analisado periodicamente, com vistas à
oferecidos em 2009, tomou-se como fio condu- contabilização da carga horária completada por
tor a historicidade do conceito de Saúde33,34, con- cada estudante e posterior apreciação pelo Cole-
templando o debate das abordagens contempo- giado de curso, para integralização ao respectivo
râneas ao conceito35,36, bem como às noções de currículo.
risco, vulnerabilidade, prevenção e promoção da
saúde37-41. Em seguida foram abordados conteú- Problemas enfrentados e desafios
dos relativos à situação de saúde da população para a consolidação do BI Saúde
brasileira e à problemática da organização dos
sistemas de saúde no mundo e no Brasil, tema A implantação do BIS vem se dando em um
que conduziu ao debate sobre os movimentos contexto institucional complexo, no qual a coor-
sociais no campo da saúde, com ênfase na Refor- denação, os docentes e alunos do curso se envol-
ma Sanitária Brasileira e no processo de cons- vem com processos mais gerais de organização e
trução do SUS2,30,42. gestão do IHAC e com a implantação dos de-
Na sequência, foi ofertado o componente mais Bacharelados Interdisciplinares. Nesse con-
curricular optativo Racionalidades em saúde: sis- texto, aparecem problemas decorrentes das rela-
temas médicos e práticas alternativas, abordan- ções estabelecidas no ambiente interno do IHAC,
do-se as características dos diversos “sistemas bem como das relações estabelecidas com as de-
médicos” e práticas contempladas na Política mais unidades universitárias e com as instâncias
Nacional de Práticas Integrativas e Complemen- superiores da administração da UFBA.
tares do SUS. No segundo semestre de 2010, foi Tais problemas, entretanto, ganham signifi-
oferecido o componente Saúde, Educação e Tra- cado distinto, de acordo com a perspectiva ado-
balho, que discute as características das profis- tada pelos diversos atores envolvidos. Assim é
sões da área de saúde e as tendências da forma- que, na perspectiva dos estudantes, os proble-
ção e do mercado de trabalho no setor, reflexão mas mais importantes foram, de um lado, a de-
apoiada em textos sobre o tema e palestras com finição dos critérios e dos procedimentos para
profissionais convidados. ingresso posterior nos CPL e, de outro, a inquie-
Além dos componentes curriculares obriga- tação quanto à possibilidade ou não de inserção
tórios, os alunos da turma de 2009 tiveram aces- no mercado de trabalho em saúde, uma vez ten-
so a um conjunto heterogêneo de componentes do concluído o curso.
curriculares optativos da área de saúde, desta- Para a coordenação do curso, os maiores pro-
cando-se os que foram oferecidos pelo ICS, no- blemas foram as dificuldades enfrentadas na adap-
tadamente as disciplinas que constituem o ensi- tação do “projeto original” às condições concretas
no básico dos cursos profissionais da área de da instituição e as resistências de algumas instân-
saúde, como Anatomia, Bioquímica, Imunolo- cias superiores da UFBA e de algumas unidades
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Teixeira CFS et al.

acadêmicas da área de Saúde na operacionalização cessidade de mudança nos processos de forma-


do curso. Do ponto de vista da equipe docente, os ção no campo44.
maiores problemas decorreram da sobrecarga de A análise do projeto pedagógico do BIS evi-
trabalho derivada do número exíguo de professo- dencia a negociação coletiva em torno dos diver-
res em 2009, a turbulência causada pela concomi- sos itens preservados ou modificados no “proje-
tância entre a elaboração do projeto pedagógico e to original”, efetuando-se uma espécie de cons-
a implantação do mesmo, as deficiências de infra- trução de viabilidade de implantação, mediada
estrutura e a instabilidade política vivenciada no pelas concepções e práticas derivadas da experi-
processo de implantação do Instituto. ência – diversificada – dos docentes e dirigentes
O problema maior, porém, que afeta direta e envolvidos. O projeto pedagógico aprovado pre-
indiretamente a todos os sujeitos envolvidos no serva o essencial da proposta, ao tempo em que
processo de implantação do BI, diz respeito à define mais claramente os conteúdos específicos
tensão que se estabeleceu na UFBA entre o mo- da formação em saúde, revelando, entretanto,
delo de formação superior vigente na maioria uma aproximação maior aos conhecimentos e
das unidades acadêmicas e cursos, ou seja, o práticas da área de Saúde Coletiva, do que à clíni-
modelo que enfatiza a organização do conheci- ca e às ciências básicas do campo da saúde, talvez
mento por disciplinas e a formação profissional em função do perfil acadêmico das professoras
voltada para a inserção dos egressos no mercado que assumiram a coordenação do Colegiado.
de trabalho, e o modelo proposto pelo BI, de Cabe ressaltar a incorporação do uso de me-
caráter interdisciplinar, sem subordinação ime- todologias ativas no processo ensino-aprendiza-
diata à fragmentação que caracteriza a formação gem, estimulando-se o protagonismo dos estu-
profissional nas diversas áreas. dantes, a responsabilidade com sua formação, o
Ainda é cedo para sabermos como essa ten- esforço de problematização das questões de Saú-
são será resolvida, se tenderá à convivência cons- de na contemporaneidade, particularmente a re-
trutiva entre os dois modelos, com o fortaleci- alidade brasileira, ancorado na utilização em lar-
mento do projeto dos BI e a implantação defini- ga escala de tecnologias de informação que co-
tiva do regime de ciclos, ou se tenderá à coexis- nectam os alunos e docentes à sociedade de co-
tência competitiva entre o BIS e os demais cursos nhecimento, notadamente a Internet. Nessa pers-
da área de saúde, de modo a este se configurar pectiva, o Projeto Pedagógico do BIS propõe que
como apenas mais um entre os cursos da área. os estudantes sejam expostos a um campo com-
plexo, fornecendo instrumentos para que se co-
loquem como sujeitos autônomos, capazes de
Comentários finais “pensar pela própria cabeça” e tomar posição dian-
te das opções teóricas e práticas que se apresen-
O processo de implantação do BIS ilustra as vi- tam na área de saúde no mundo e no Brasil hoje.
cissitudes enfrentadas no cotidiano de uma “or- Apesar das dificuldades enfrentadas no pro-
ganização hipercomplexa”43, como é o caso da cesso de implantação do curso, o BIS constitui
UFBA, quando se pretende introduzir mudanças um espaço de formação universitária de caráter
substantivas na arquitetura acadêmica e, sobre- introdutório ao campo da saúde, enfatizando a
tudo, quando se pretende experimentar um mo- apropriação de conhecimento e desenvolvimento
delo de formação que contraria a tradição esta- de habilidades e valores que contemplam a com-
belecida na instituição. preensão da dimensão histórica e social das con-
A experiência relatada revela a possibilidade cepções e práticas de saúde, contribuindo assim
de se aproveitar certas “janelas de oportunida- para o enriquecimento, a humanização e o apri-
de”19, como foi o caso da confluência dos inte- moramento da futura formação profissional nes-
resses materializados no projeto REUNI, nota- ta área. Ademais, permite ao estudante situar-se e
damente a expansão e o fortalecimento das uni- sensibilizar-se com relação aos determinantes so-
versidades públicas, e a presença de um grupo ciais dos problemas de saúde, às propostas de
dirigente portador de um projeto de mudança enfrentamento destes, configuradas nas políticas
institucional que ultrapassa a ampliação do nú- formuladas e implementadas no âmbito dos sis-
mero de vagas e cursos. A criação do BIS, especi- temas de saúde, e à configuração do mercado de
ficamente, expressa a liderança exercida neste gru- trabalho para as distintas profissões da área, de
po de um intelectual do campo da saúde que já modo a poder decidir, com mais clareza, o rumo
vinha desenvolvendo uma reflexão sobre a ne- que pretende imprimir à sua vida do ponto de
vista intelectual, profissional e político.
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