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O Desenvolvimento do Budismo

por
meio do Kung Fu

Inistituto Lohan, 13 de setembro de 2003


*Professor Luis Mello
APRESENTAÇÃO
O objetivo deste artigo é informar o público em geral, leigos,
profissionais da área de saúde, educadores, profissionais de educação
física, Budistas, e estudantes da filosofia oriental a importância da
prática das Artes Marciais Chinesas (Kung Fu) unida à metodologia das
escolas de pensamento chinesa, principalmente o Budismo. Como as
filosofias orientais influenciaram as Artes Marciais Chinesas e como as
Artes Marciais Chinesas influenciaram o pensamento oriental.
Informar as pessoas a similaridade do Budismo com o Kung Fu, e
alertar a importância da prática das Artes Marciais unida ao
pensamento e treinamento Budista são outras metas desse artigo. Os
resultados desta união são amplamente satisfatórios e práticos, a
curto e a longo prazo.

INTRODUÇÃO
O QUE É KUNG FU?
Tal questão pode ser comparada a esta: O que é Ballet? O que é
Budismo? O que é Xadrêz?
O verdadeiro Kung Fu, é uma coisa especial, e assim sendo não é
definida e nem rotulada,. O Kung Fu real é um estado de espírito, um
pensamento, uma cultura popular, uma filosofia prática, um modo de
viver. Transformar seu conteúdo em palavras, é o mesmo que
descrever a lua para um cego. O Kung Fu que pode ser explicado não
é o Kung Fu verdadeiro. É como a definição do Tao, irrotulável. Se
quiséssemos reduzir o Kung Fu ao seu menor denominador comum,
ele se pareceria como que o povo pensa que ele é – um método de
defesa pessoal. E, muito embora o combate pessoal seja uma parte
significaste da técnica, o Kung Fu se expandiu destes estreitos limites
há milhares de anos. O principal responsável por tal transformação foi
sem sombra de dúvida o Budismo.
Foram os ocidentais que desvirtuaram a palavra Kung Fu classificando-
a simplesmente como arte marcial, apenas um esporte, ou uma forma
mortal de habilidade de luta. Nada poderia estar mais longe da
verdade....
Kung Fu em chinês, no seu sentido original, é a habilidade, a perfeição
de uma ou várias artes. Literalmente falando, homem suado, trabalho
duro. Segundo os ensinamentos de Confúcio, um verdadeiro mestre de
Kung Fu deve ser versado em filosofia, conhecedor da medicina
interna, ter disciplina, boa conduta, harmonizar-se com o meio em que
vive e finalmente ser capaz de defender a si mesmo e aos outros
contra alguma espécie de ataque físico. Além disso, o Kung Fu ajuda a
manter um corpo saudável, previne e cura doenças, fortalece a
vontade, aumenta a concentração, controla a mente, acalma o
espírito. Considerar Kung Fu apenas um meio de defesa pessoal é
torná-lo falsa luz.
Contudo, o Kung Fu é chamado de Wushu pelos chineses por mais de
5.000 anos.
‘Não podemos nos afastar de Kung Fu, do que podemos nos afastar
não é Kung Fu.”
A essência do Kung Fu Chinês
Considerado na atualidade como um esporte
nacional, o Kung Fu é uma manifestação da
herança cultural da tradicional cultura milenar
chinesa, que foi enriquecido através dos séculos.
Com seus movimentos elegantes, efetividade
em combate e efeitos curativos, o Kung Fu
exerce grande atração sobre um grande número
de pessoas.
Sua origem remonta a tempos pré-históricos,
quando nossos antepassados usavam técnicas rudimentares de
combate desarmado e instrumentos de pedra, madeira e ossos, que
lhes serviam de armas contra o ataque de feras e em guerras tribais.
A experiência adquirida em tais combates os ensinou a perceber que
para vencer o inimigo, não bastavam armas melhores ou superioridade
numérica, mas era necessário melhorar suas habilidades de combate
mediante um duro treinamento nos tempos de paz.
A teoria do Kung Fu é baseada nas clássicas filosofias da China,
enquanto as técnicas consistiam em várias formas de luta armada e
desarmada.
O Significado de Kung Fu/Wushu
“WuShu” significa literalmente “Arte da guerra” ou “Arte Marcial”. O
caractere “Wu” significa guerra ou marcial (a palavra marcial é um
conceito ocidental e vem do deus da guerra Marte da cultura Grega). O
caractere Shu Significa “arte”.
Outra maneira de designar as Artes Marciais Chinesas são os termos
“Wu Gong” que significa “Trabalho Marcial” ou “Kuo Shu” que significa
“Arte nacional”.
O termo mais popular “Kung Fu” ou “Gung Fu” é relativamente novo e
surgiu no final do século passado e significa “Trabalho Árduo”, ou
Literalmente “Homem Suado”. Tal termo foi usado pelos operários
chineses que trabalhavam nas estradas de ferro nos Estados Unidos e
não sabiam com traduzir a palavra Kung Fu para os americanos. No
entanto na antigüidade o Kung Fu era chamado de “Quan Fa”, ou seja,
“Técnicas de Boxe”.
A FACILIDADE DE ABSORÇÃO DO BUDISMO
ATRAVÉZ DA PRÁTICA DO KUNG FU
Hoje em dia as Artes Marciais Chinesas (Kung Fu) são amplamente
praticadas por toda a China. Em todos os distritos, províncias e
cidades da China o Kung Fu é desenvolvido como método educacional,
combate e prevenção de doenças, fortalecimento do corpo e
desenvolvimento esportivo.
Atualmente são catalogadas em torno de 13 mil escolas de Kung Fu
pela China sendo localizadas em escolas, centros culturais, núcleos do
governo, associações, escolas especializadas, clubes, academias e
universidades. Em diversas escolas existem instrutores mantidos pelo
governo que servem de base do ensino do Whushu para o povo
chinês. As escolas de alto nível como associações, centros
especializados, núcleos e universidades têm o objetivo de formar
instrutores, professores, técnicos, pesquisadores estudiosos e mestres
no Kung Fu.

O DESENVOLVIMENTO DO KUNG FU ATRAVÉS DO BUDISMO.


As raízes do Kung Fu são encontradas na China primitiva, no berço de
sua civilização. Sua origem coincide com a origem da acupuntura, da
escrita chinesa e da filosofia Taoísta, sendo categorizado como uma
das grandes heranças culturais da humanidade. Mas foi o Budismo que
colocou o Kung Fu , num patamar mais elevado do que mero
desenvolvimento marcial.
Das técnicas de guerra e estratégia militar, o Kung Fu evoluiu
transformando- se em um dos mais sofisticados métodos de
desenvolvimento humano de que a história tem notícia. Em sua prática
diversas qualidades humanas podem ser identificadas. Sem sombra de
dúvida, o Budismo foi o fator primordial para tal fantástico
desenvolvimento.
A pratica das artes marciais sempre esteve unida à religião e filosofia
oriental. Desde da antiga Índia os grandes lutadores sempre estiveram
associados a movimentos filosóficos e religiosos, dando ao guerreiro
oriental um perfil heróico e justo. Mas foi no ceio Budista que o Kung
Fu transforma-se numa arte com bases morais e éticas.
O Kung Fu obteve sua maior evolução no interior dos mosteiros
Budistas chineses onde sua prática era estimulada como meio de
proteção do templo, além de desenvolver a saúde dos monges. Os
templos Budistas eram locais geralmente construídos e mantidos pelo
imperador e quase sempre se transformavam em centros de estudo do
taoísmo, confucionismo, medicina chinesa, literatura, tradução de
sutras em sânscrito além, é claro, do estudo da filosofia Budista.
Quando o Kung Fu penetra nos monastérios, ele se transforma
completamente, tomando características Budistas. O treinamento do
Kung Fu e influenciado pela disciplina Budista principalmente pelo
Cha'n Budismo.
As práticas austeras dos monges Budistas como a prática de dias em
meditação, Yöga, comportamento diário e ético, longas caminhadas,
disciplina e o jejum fortaleceram o Kung Fu dando a ele métodos de
disciplina mais poderosos. A disciplina militar chinesa e a disciplina
Budista indiana são similares, apesar de terem objetivos diferentes. Ao
unir as técnicas
marciais chinesas milenares, ao treinamento Budista, surge uma nova
escola da tradicional filosofia chinesa: o artista marcial. Tudo o que
conhecemos hoje de Artes Marciais modernas surgiram desse conceito.
O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO ATRAVÉS DO BUDISMO
Os conceitos básicos da educação na China nasceram do Filósofo e
Pensador Confúcio (Kung Fu Tzu) e seus fundamentos são aceitos até
hoje por todas as correntes filosóficas do mundo. Na China as bases
do ensino ainda seguem as idéias de Confúcio. O Kung Fu recebeu
amplamente influenciais do Confucionismo.
O Kung Fu transmite as três principais correntes filosóficas chinesas:
Budismo, Taoísmo e Confucionismo. Ao se espalhar amplamente pela
China o Kung Fu assimila diversas correntes
de pensamento do país, adentrando todas as camadas sociais,
culturais e religiosas. As Artes Marciais Chinesas podem ser
introduzidas em praticamente todos os núcleos de cultura, religião e
educação da sociedade como templos, igrejas, centros culturais,
centros sociais, escolas, clubes, condomínios, faculdades e
universidades.
Introduzidos em tais locais o Kung Fu cumpre um papel importante na
sociedade onde ele pode ao mesmo tempo desenvolver capacidades
físicas, intelectuais, senso sócio/cultural, noções de caráter,
comportamento, concentração e compaixão.
Profissionalmente o praticante assíduo pode ter uma carreira nos
esportes (tendo em vista a aceitação do Kung Fu nos Jogos Olímpicos
de Pequim 2008), pode se tornar instrutor da arte, conselheiro
esportivo, atuar em qualquer área que desenvolva expressão corporal
ou até mesmo na área de segurança.
Com a doutrina Budista unida ao Kung Fu o praticante pode modificar
seu modo de vida a partir dos conceitos básicos de Dharma e Tao
assimilados durante a aula de Kung Fu, desenvolvendo assim noções
de compaixão, concentração e ética.
O Budismo influenciou todas as manifestações, culturais, religiosas,
filosóficas, artísticas e sociais do oriente.
Sua manifestação pode ser encontrada na Índia, Sirilanka,
Afeganistão, Tibete, Mongólia, Tailândia, Coréia, Vietnã, Birmânia,
Japão e China.

COMO INTRODUZIR O BUDISMO NA SOCIEDADE ATRAVÉS DO


KUNG FU

JOVENS E CRIANÇAS
Hoje em dia na China os jovens iniciam o treinamento do Kung Fu aos
seis anos. Os pais desejam que seus filhos se tornem mais
disciplinados, concentrados, fisicamente fortalecidos e
intelectualmente estimulados.
O Kung Fu desenvolve um senso de responsabilidade no praticante que
nenhum outro esporte poderia apresentar. Tais vantagens provem dos
pensamentos filosóficos chineses, principalmente do Budismo. Nos
jovens o Kung Fu desenvolve qualidades cognitivas e físicas que são
praticadas em junção.
As qualidades cognitivas são disciplina em grupo, cooperação,
confiança no professor, respeito aos mais velhos, benevolência aos
mais novos, companheirismo, respeito, focalização e confiança.
Fisicamente o Kung Fu desenvolve aos jovens, coordenação motora, a
descoberta de novas capacidades, desenvolvimento muscular, postura
correta, crescimento saudável e resistência.
Para o praticante jovem o Kung Fu proporciona qualidades que o
acompanharão até as idades avançadas, transformando assim seu
crescimento até a idade adulta. O jovem praticante obtém um amplo
aperfeiçoamento de suas habilidades físicas e mentais e quando a
prática do Budismo é adicionada ao treinamento, ele se desenvolve
com noções de compaixão e
benevolência, evitando que o jovem desenvolva uma competitividade
nociva.

ADULTOS
Nos praticantes adultos o desenvolvimento do Kung Fu unido ao
Budismo pode proporcionar inúmeras qualidades ao indivíduo. Nos
adultos o Kung Fu também pode influenciar tanto nos aspectos físicos
quanto nos aspectos cognitivos. Fisicamente o praticante adulto
adquire maior autoconfiança, fortalecimento muscular, flexibilidade,
previne e cura doenças, aumenta a capacidade cardiovascular e
aeróbica além de desenvolver uma inigualável defesa pessoal.
Mentalmente o adulto desenvolve caráter, humildade,
responsabilidade, concentração, consciência e autodisciplina.
Tais práticas unidas ao Budismo desenvolvem no praticante adulto
noções de
Karma, maior consciência cósmica, responsabilidade social, integração
aos fundamentos Budistas e união com a natureza além de estimular a
prática das técnicas de meditação e disciplina .
TERCEIRA IDADE
Os praticantes velhos desenvolvem resistência física, imunidade às
doenças, fortalece os ossos, oxigena o cérebro, mantém a
coordenação motora e a flexibilidade, clareza mental, consciência
corporal, facilita a respiração e estimula a concentração. A prática do
Kung Fu na terceira idade evita e cura doenças características dessa
fase como, artrite, artrose, osteoporose, esclerose-múltipla, escoliose,
problemas de postura, ataque cardíaco e demais complicações. Com
as noções Budistas o praticante da terceira idade pode envelhecer com
mais tranqüilidade, tendo consciência das noções de Karma e
reencarnação.
DESENVOLVENDO O BUDISMO ATRAVÉZ DO KUNG FU
Paralelamente aos treinos e prática do Kung
Fu o aluno assimila gradativamente os
conceitos Budistas. No início , além de se
desenvolver fisicamente o aluno aprende a
ter disciplina, focalização, resistência,
cooperação e gratidão. Mais tarde tais
qualidades se transformam em qualidades
como compaixão, benevolência,
concentração, meditação, ética e moral,
respeito com o adversário resultando no
conhecimento de conceitos de Karma e
Dharma, Cinco preceitos, As Quatro Nobres
Verdades, o Caminho Òctuplo e Impermanência. O desenvolvimento
Budista unido às práticas das Artes Marciais Chinesas proporciona ao
indivíduo um desenvolvimento integral entre corpo e mente, levando
em considerarão que o Budismo tem suas práticas corporais e o Kung
Fu tem suas práticas mentais.

OCIDENTE - ORIENTE
As dificuldades de uma aproximação cultural.
O conhecimento do Oriente parece agora necessário - e poderíamos
até mesmo dizer obrigatório -, mas está semeado de dificuldades, de
preconceitos, de obstáculos e de incompreensão. Mas, como em
seguida se verá, esta situação não se deve só a uma grande
ignorância, que poderia se corrigir com estudo, reflexão e boa
educação; o problema é mais profundo, porque corresponde a atitudes
inconscientes do espírito, à psicologia, à semântica.
Estas dificuldades na aproximação entre o Oriente e o Ocidente foram
salientadas por vários autores, como F. C. S. Northrop, que afirmou
que a diferença principal entre a atitude de ambos os mundos provém
de uma oposição fundamental entre seus conceitos filosóficos básicos
e que o problema é, na realidade, espiritual. Carl Gustav Jung (1875-
1961), no seu comentário psicológico, publicado no “Livro Tibetano da
Grande Libertação”, estuda detalhadamente este assunto.
Segundo Jung, o Ocidente deu origem a uma nova doença: o conflito
entre ciência e religião que, no fundo, é uma incompreensão mútua.
Este dualismo não existe no Oriente, porque nenhuma ciência se
baseia na paixão experimental e nenhuma religião na fé pura. O
Oriente baseia-se na realidade psíquica, ou seja, na psique enquanto
principal e única condição de existência. A introversão é o "estilo do
Oriente", atitude coletiva e habitual, assim como a extroversão é o
"estilo do Ocidente", o que dá origem a um grave conflito emocional
entre os pontos de vista orientais e ocidentais. O Ocidente cristão
considera o homem dependente da graça divina ou, pelo menos, da
Igreja. enquanto que instrumento terrestre exclusivo e divinamente
reconhecido para a redenção humana. O Oriente insiste no fato de que
o homem é a única causa do seu desenvolvimento superior, visto que
acredita na libertação por si próprio.
A oposição aparece assim como fundamental: o Ocidente é e
permanece profundamente cristão, quer dizer, judaico-grego no que
se refere à sua psicologia; subestima a psique humana, por considerá-
la suspeita. Para ele, o homem é pequeno e está muito próximo do
nada. Jung sublinha: "Por medo, arrependimento, promessas,
submissão, humilhação voluntária, boas ações e elogios,' mostra-se
favorável ao grande poder, que não está nele, mas sim no outro, na
única Realidade. Se transpusermos ligeiramente a fórmula e
substituirmos Deus por qualquer outro poder, por exemplo, o mundo
ou o dinheiro, teremos uma imagem completa do homem ocidental-
constante , temente, piedoso, voluntariamente humilhado,
empreendedor, cobiçoso e violento no seu afã em conseguir bens
terrenos... A atitude oriental contradiz a ocidental e vice-versa. Não se
pode ser um bom cristão e conseguir por si só a redenção, nem um
bom Budista e adorar a Deus... A atitude oriental viola os valores
especificamente cristãos: Não podemos negar o reconhecimento deste
fato." O problema complica-se ainda mais com as antinomias
semânticas, com as formas de linguagem. Sabemos, já há muito
tempo, que entre as formas lingüísticas e o pensamento há uma
relação e uma correspondência mútuas, mas o uso das mesmas
palavras, para significar ou traduzir conceitos diferentes, é fonte de
confusões, mal-entendidos e graves incompreensões. Toda a questão
semântica desempenha, a nosso ver, um papel importante na
aproximação entre o Oriente e o Ocidente. Ludwig Wittgenstein (1889-
1951), Benedetto Croce (1866-1952) e Ferdinand de Saussure (1857-
1913) demonstraram o drama da solidão de quem fala, da
incomunicabilidade humana, drama de massas, como sustenta José
Ortega y Gasset (1883-1955): “duo si idem, non est idem” (dois,
embora idênticos, não formam uma identidade). Os psicólogos
assinalaram a existência de uma estreita relação entre a rede de
associações verbais e os fenômenos emotivos e de memória; a língua
"aprende-se" , segundo os hábitos de uma determinada sociedade; o
significado da palavra está em função do uso, mas do uso socialmente
regulamentado e coordenado. A comunicação humana, por intermédio
da linguagem, não é perfeita; há sempre um número indefinido de
possibilidades, convenções parciais de compreensão, o que deu lugar,
entre os especialistas da língua, ao chamado "ceticismo semântico".
Os obstáculos
Se se fizer o balanço sincero das tentativas de compreensão e de
diálogo entre o Oriente e o Ocidente, devemos reconhecer que é
infelizmente negativo. O fundo da questão é essencialmente uma
oposição entre conceitos filosóficos fundamentais, entre duas visões do
mundo diametralmente opostas; as diferenças econômicas e políticas,
variáveis por definição, não são mais do que conseqüências.
Entre os obstáculos que se opõem a uma aproximação de ambos os
mundos destacam-se em principio as divergências que derivam do
amor-próprio, as ofensas ao orgulho nacional, principais motivos de
mal-entendidos. O Ocidente deve abandonar definitivamente a idéia vã
e ultrapassada de que a sua cultura representa a única civilização
válida, original e digna de interesse para o mundo inteiro. A filosofia
não se inicia com os pré-socráticos. Deve abandonar também a sua
tendência para dominar política e economicamente os seres débeis,
com o pretexto de que os mais elevados interesses da humanidade, ou
seja, os seus, estão em jogo. O colonialismo militar, hipocritamente
transformado em colonialismo econômico, deu origem na Ásia a
profundos e tenazes complexos. Esta brutal forma de domínio constitui
um obstáculo insolúvel para se chegar a uma mútua compreensão de
valores culturais.
Os fatos históricos devem ser respeitados nos manuais de ensino e
demais meios de comunicação (livro, rádio, televisão). A História deve
ser íntegra e autêntica. Os períodos obscuros - e todos os povos,
sejam quais forem, tiveram épocas de obscurantismo moral - não
devem ser dissimulados mais nos livros ocidentais do que nos
orientais.
Uma vez afastados os obstáculos devidos ao orgulho e o afã de poder,
o Ocidente poderá contemplar, e talvez descobrir com assombro, a
secreta beleza de uma flor exótica de extraordinário valor cujas
culturas longínquas e estranhas ignoravam. As civilizações orientais,
cheias ainda de tradições vivas de um passado longínquo, são dignas
de estudo se se lhes der a devida atenção. O Ocidente contaminou a
Ásia, mas felizmente a industrializaçã o não substituiu todas as
correntes espirituais; as crenças, as tradições, as práticas não
desapareceram completamente. Basta deixar as capitais da Ásia e
percorrer, em carroças puxadas por bois, as antigas aldeias ainda
governadas pela tradição, aldeias que ainda são analfabetas, para se
encontrar um ritmo natural, uma sabedoria prática, um equilíbrio das
relações humanas, já há muito tempo esquecidos no Ocidente. O
turista que nunca aprofunda as coisas se surpreenderia por encontrar
tanta alegria paralela a tanta miséria.
O problema no conjunto é complexo, visto inserir-se na psicologia das
massas, na dramática experiência das relações entre os homens. Ao
examinar outros povos e outras raças descobrimos novas realidades
psíquicas, tradições familiares e nacionais, convenções sociais e
religiosas que os indivíduos destas raças adaptaram ao meio em que
vivem. As normas tradicionais, as crenças aceitas desde a infância,
mergulhadas no subconsciente, adquiriram um caráter absoluto e
intransigente. A inibição é muito freqüente e bloqueia a
espontaneidade perante a intrusão do "estrangeiro" . O ser humano
concreto é de uma complexidade tal que só se pode formular um juízo
sobre sua estrutura com reservas, já que um fator novo e oculto, não
reconhecido, pode intervir e modificar bruscamente seu
comportamento e destruir o trabalho de aproximação, realIzado com
tanto custo. Os obstáculos citados pertencem a essa ordem de idéias e
por isso o problema da abertura que possa facilitar uma compreensão
mútua é difícil. Os recentes trabalhos da UNESCO, bem como seus
resultados, confirmaram o que atrás se afirmou.

A abertura Religiosa
Ao longo deste trabalho se tem dito que as culturas orientais são
profundamente religiosas; a sua forma de expressão, filosofia e até a
sua propaganda têm esse aspecto. O homem oriental está ligado ao
sagrado, que explica através da linguagem e do comportamento. Nas
sociedades asiáticas tradicionais, que constituem as bases das massas
orientais contemporâneas, o social, o familiar, a técnica e o sagrado
estão indissoluvelmente ligados. Mas seria errôneo julgar que se trata
somente de uma posição sociologicamente organizada, originada na
angústia e no medo, no temor ao destino e à morte. Esta explicação
fácil do fenômeno religioso, muito em voga no Ocidente, permitiu ao
europeu afirmar uma atitude de homem forte, liberto dos temores
ridículos da Idade Média, mas esta é uma explicação falsa. A
antropologia religiosa demonstra que o sagrado é um elemento da
própria estrutura do homem e não uma etapa da sua história mental.
A presente realidade corresponde muito mais marcadamente a uma
dessacralizaçã o das culturas ocidentais, que esqueceram as suas
hierofanias e o sentido do sagrado, a uma laicização geral, já
assinalada e estudada por muitos autores. É oportuno referir que o
fenômeno nunca é definitivo e que qualquer cultura, pelo fato de estar
"viva", gera um novo halo "sagrado", que suporta e justifica suas
ações, na exata medida em que este "sagrado" é o próprio mundo do
homem, elevado acima da práxis quotidiana, como refere o Prof.
Michel Meslin. É fácil observar este novo "sagrado" ocidental no culto
da ciência, no desporto, na ideologia política, começando nos
"nacionalismos" . Um notável exemplo destas novas religiões é o
comunismo radical, com seus "santos", sua "Igreja", sua inquisição,
suas confissões, seu dogmatismo, suas heresias e seus desvios.
Nas tentativas de aproximação Oriente-Ocidente, seria um
esquecimento imperdoável a omissão da abertura religiosa; este tema
esteve latente ao longo do presente trabalho. No diálogo entre
ocidentais e orientais, sempre será colocado, num momento ou em
outro, o problema da religião, ou, pelo menos, da reação psicológica
religiosa.
Esta abertura religiosa é delicada e difícil, porque roça o irracional, o
emotivo, as forças subconscientes, bases da exaltação mística, que
não admitem obstáculos no seu caminho, como já se disse. Até agora
o Ocidente tentou converter o Oriente, o que foi até uma das causas
das Cruzadas, e a razão de ser dos missionários, durante séculos, a do
estabelecimento de igrejas cristãs no Oriente. Infelizmente, esta
presença missionária foi acompanhada por ações militares e pelo
interesse econômico do colonialismo europeu. A experiência fracassou.
[. ..] O Oriente nunca aceitará qualquer forma religiosa exclusiva, que
provenha da Europa. A prova foi feita e é fácil tirar as respectivas
conclusões.
Um aspecto inverso do problema é formado pela atração que certas
formas religiosas orientais exercem sobre as ocidentais e o desejo de
conversão e de síntese que dele deriva. Surgem no Ocidente os
neoBudistas, os neo-hinduístas, os “neo-yoguis”. Criaram-se centros
de divulgação destas doutrinas; muitos possuem unicamente uma
atividade lucrativa e não há necessidade de nos ocuparmos deles,
embora seja de lamentar a respectiva clientela. No entanto, outros
trabalham de boa fé e acreditam inaugurar uma nova etapa de
sincretismo religioso que aproximará o Oriente do Ocidente.
Jung escreveu páginas definitivas sobre essas tentativas, na sua
introdução psicológica aos textos tibetanos já referidos. A respeito
dessas "conversações" escreveu: "Não posso deixar de colocar o
problema de saber se é possível, e até desejável, que cada um adote o
ponto de vista do outro. A diferença entre ambos - o oriental e o
ocidental- é tão grande que não se vislumbra nenhuma possibilidade
racional e menos ainda qualquer oportunidade. Não se pode misturar o
fogo e a água...Para tomar autêntica a nossa nova atitude, isto é, para
que se baseie na nossa própria história, devemos aceitá-la com plena
consciência dos valores cristãos e dos conflitos existentes entre eles e
a introvertida atitude oriental. Devemos alcançar os valores orientais
internos e não os externos, procurando-os em nós mesmos, no
inconsciente. .. Aquilo que podemos ensinar em matéria de
conhecimento espiritual e de técnica psicológica, em comparação com
o yoga, parece tão atrasado como a astrologia e a medicina orientais
comparadas com a ciência ocidental. Não nego a eficácia da Igreja
cristã; mas se compararmos o “Livro dos Exercícios Espirituais de
Santo Inácio de Loyola”, com o yoga, ficará bem claro o que pretendo
dizer. Existe entre eles uma diferença muito grande. Passar
diretamente deste nível para o yoga oriental seria tão desacertado
como a repentina transformação dos povos asiáticos em europeus
fracassados. Tenho sérias dúvidas sobre o benefício da civilização
ocidental e grande apreensão em relação a adoção da espiritualidade
oriental no Ocidente".
Esta citação de Jung era indispensável para esclarecer o problema.
Deve-se acrescentar que as tentativas de comparação de diversas
formas religiosas para obter juízo de valor foram em vão. A morfologia
das religiões demonstra que constituem a substância das culturas.
Uma religião é um conjunto estrutural que possui seus dogmas, sua
metafísica, seu culto, sua escatologia, etc. Não se pode separar
nenhum elemento sem perigo de alterar o conjunto ou de criar uma
nova religião. Desde que, no século passado, o Ocidente descobriu o
Budismo escreveram-se centenas de obras para tentar provar a
superioridade desta religião sobre o cristianismo e vice-versa. Esta
religião foi exaltada por puro sentimentalismo e foi, simultaneamente,
ignorada por filósofos românticos, poetas, escritores anticlericais. Os
defensores da tradição cristã depreciaram- na e desfiguraram- na por
necessidade de defesa da sua própria causa. Efetivamente estas duas
formas de religião não admitem comparação porque seus fundamentos
são muito diferentes, devido tanto à personalidade de seus
fundadores, como às suas bases de ensino ou ao seu conceito da
salvação. Nada mais diferente entre si pela base e pela forma, que os
Sutras Budistas e os Evangelhos cristãos. Buda nunca quis ser um
Salvador, mas sim um guia no caminho da libertação espiritual, um
"iluminado", como seu nome indica, que chegou a tal estado por
intermédio das técnicas de meditação, que ensinou a seus discípulos.
A comunidade, o sangha, que reuniu os ascetas que se sucederam,
não foi nunca uma Igreja no sentido ocidental da palavra porque
nunca teve uma hierarquia sacramental; não há no Budismo o conceito
de Deus no sentido judaico-cristã o do termo. O mesmo poderíamos
dizer do hinduísmo, do daoísmo e de outras formas religiosas
asiáticas. Nestas questões chega-se sempre a um núcleo irredutível a
qualquer investigação humana.
Se se pretender estudar as possibilidades de sincretismo das diversas
formas sociológicas do sagrado, do transcendente, devem procurar-se
as soluções num plano mais elevado, o da intuição metafísica. Bergson
compreendeu- o ao escrever que "só podemos compreender o
Absoluto através da intuição, enquanto que o resto depende da
análise". Esta intuição afeta o ser na sua essência. Sobre tais bases é
possível a comunhão das formas religiosas do Oriente e do Ocidente.
Rudolf Otto estudou-a ao comparar duas grandes personalidades
religiosas, o Mestre Johann Eckart (cerca de 1260- 1327) e o
metafísico hindu Shankara (cerca de 788-820), nos seus respectivos
caminhos para a posse da visão da unidade; aí estão dois místicos,
um, o grande mestre do Ocidente germânico e o outro, o mais famoso
filósofo hindu, fundador da escola dos Vedanta e da Ordem dos
Sannyasines que ainda existe na Índia. A concordância entre ambos os
mestres é extraordinária, apesar de suas origens diferentes e de sua
formação teológica e escolástica, que nada têm em comum. A
semelhança da sua posição mística e da especulação que à volta disso
se faz é sublimada pelo Prof. Otto. Evidentemente, o professor alemão
luterano inclina a balança a favor de seu concidadão porque, como
teólogo cristão, assusta-o a mística oriental hindu devido a sua
teologia negativa, ao seu "vazio", símbolo muito freqüente na
metafísica oriental. Reconhece, porém, o caráter comum numínico da
descoberta do abismo espiritual.
Neste ponto já não existe Oriente nem Ocidente, mas sim, um grande
mistério onde tudo é silêncio e experiência pessoal; chega-se ao
umbral da consciência, onde nada se pode dizer, mas unicamente
indicar. Sobre este aspecto a antiga sabedoria asiática, velha
conhecedora de todos os recônditos da psicologia mais profunda, e
que põe em prática métodos de introspecção experimentados durante
séculos, poderá ser um guia seguro e expediente na descida sempre
perigosa ao Abismo.

*Sobre o professor Luis Mello


O Professor Luis Mello iniciou a prática do Kung Fu aos 11 anos com os
estilos Shaolin, Hung Gar e Wing Chun. Mais tarde praticou o Muay
Thai (Boxe Tailândes) e se especializou em diversos outros estilos de
Kung Fu. Estudou Medicina Chinesa como Acupuntura, Massagem,
Moxa e Chi Kung terapêutico. Tornou-se especialista do Chi Kung
Marcial, sendo referência nacional na área. Participou de diversos
campeonatos tornando-se Tri-campeão Paulista e Tri-campeão
brasileiro de Kung Fu.
Estuda o Budismo Zen a doze anos, além de conceitos de Taoísmo e
de Confucionismo.
É instrutor de Tai Chi Chuan estilos Chen e Yang. Reconhecido pelo
Conselho Regional de Educação Física (CREF) e Conselho Nacional de
Educação Física(CONFEF) . Ë Arbitro e conselheiro da Federação
Paulista de Kung Fu e pós-graduado em Educação Física na FMU.
Estuda Caligrafia e Pintura Chinesas na USP, realiza pesquisas e cursos
especiais de Artes Marciais Chinesas.
http://www.institut oan.com.br/ desenbudismo. htm

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