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Direito Constitucional

Autora: Profa. Angélica L. Carlini


Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudella Nanias
Profa. Maria Francisca S. Vignoli
Professora conteudista: Angélica L. Carlini

Angélica L. Carlini é advogada, graduada em direito pela PUC de São Paulo. É docente dos cursos
de Direito da Universidade Paulista (Unip) e da Faculdade Campinas (Facamp). É Mestre em História
contemporânea, Mestre em Direito civil, Doutora em Educação e doutoranda em Direito político e
econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C282d Carlini, Angélica.

Direito Constitucional / Angélica Carlini. - São Paulo: Editora


Sol, 2013.
104 p. il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-019/11, ISSN 1517-9230.

1. Constituição. 2. Direito sociais. 3. Cidadania. I. Título

CDU 342

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Alessandro de Paula
Amanda Casale
Sumário
Direito Constitucional

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA – UM POUCO DE HISTÓRIA................................................................9
2 TEORIA DO ESTADO, TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E PODER CONSTITUINTE................................11
3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS
NORMAS CONSTITUCIONAIS........................................................................................................................... 20
4 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS....................................................................................................................... 27

Unidade II
5 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS............................................................................................... 36
6 REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS.................................................................................................................... 49

Unidade III
7 ORGANIZAÇÃO POLÍTICO‑ADMINISTRATIVA DO ESTADO BRASILEIRO...................................... 57
7.1 A intervenção do governo federal nos estados e Distrito Federal.................................... 64
8 ORGANIZAÇÃO DOS PODERES E DA FUNÇÃO ESSENCIAL DA JUSTIÇA..................................... 68
9 DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA................................................................................................ 81
10 DA ORDEM SOCIAL....................................................................................................................................... 85
DIREITO CONSTITUCIONAL

APRESENTAÇÃO

Os objetivos didáticos pretendidos são contextualizar historicamente a Constituição brasileira de


1988, apresentar aos alunos os aspectos teóricos que fundamentam a organização política na forma de
Estado e que fazem da Constituição sua lei de maior importância. O objetivo deste trabalho é estudar os
direitos e garantias constitucionais fundamentais do país, que fornecem os elementos essenciais para a
caracterização do Estado Democrático de Direito.

Os objetivos de aprendizagem contemplam aspectos fundamentais para a formação do profissional


de serviço social, em relação à forma de organização do Estado e dos poderes da República Federativa
do Brasil, à organização das ordens econômica, financeira e social, áreas que dialogam constantemente
com o serviço social no Brasil.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal é a lei mais importante do Brasil. Nela estão contidos os principais aspectos
que regulam a vida do povo brasileiro, seja no âmbito político, social, econômico, cultural como da
própria organização do Estado e do funcionamento de seus poderes.

Não se trata de um texto de lei para ser utilizado apenas por estudantes e profissionais da área
do Direito. Ela é um instrumento fundamental para todos os brasileiros compreenderem quais são os
principais projetos brasileiros para as áreas da saúde, educação, assistência social, cultura, economia,
atividade financeira, entre outras.

De fato, é um projeto das principais realizações que o país deve efetivar e, por isso mesmo, deve ser
conhecido e discutido por todos os brasileiros, para que eles tenham sempre presente que rumos o país
está adotando e se eles são ou não os mais adequados em face do projeto traçado.

Como documento político que é, tem enorme importância para todos os brasileiros, porque nela
estão previstos os fundamentos, objetivos e princípios que regulam a vida de todos os brasileiros e dos
estrangeiros residentes no país.

É na Constituição Federal que vamos encontrar aspectos essenciais para regular a vida em sociedade,
como, por exemplo, o princípio da não discriminação das pessoas por qualquer motivo, da dignidade da
pessoa humana, da cidadania, da valorização social do trabalho, entre outros.

Exatamente por essa característica, ou seja, por ser um projeto político e social do país, a Constituição
Federal será um instrumento de grande importância para os profissionais da área de serviço social, que
encontrarão no texto constitucional elementos fundamentais para seu trabalho cotidiano.

Os direitos fundamentais e os direitos sociais estipulados na Constituição Federal são


verdadeiros balizadores dos profissionais de serviço social para os programas e políticas públicas
que deverão ser implementados pelo Estado, em todos os níveis, para garantir a construção da
justiça social.
7
Unidade I

É fundamental para o profissional de serviço social, ainda, compreender a organização do Estado, dos
poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e a organização econômico‑financeira e social programada
pela Constituição Federal para o Brasil.

Com esses aspectos estudados, o profissional de serviço social certamente estará melhor preparado
para atuar nas diferentes áreas públicas, municipal, estadual e federal, porque terá a compreensão
necessária das premissas constitucionais fundamentais para o desenvolvimento da assistência social e
efetivação dos direitos sociais fundamentais dos brasileiros.

Bom estudo!

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Unidade I
1 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA – UM POUCO DE HISTÓRIA

A Constituição brasileira atualmente em vigor foi promulgada em 5 de outubro de 1988, em sessão


solene da Assembleia Nacional Constituinte, reunida no Congresso Nacional, em Brasília.

Promulgar uma lei é o mesmo que torná‑la pública, que levá‑la ao conhecimento de todos. A partir
da promulgação, a lei entra em vigor, salvo se ela própria determinar um prazo a partir da promulgação
para que se dê sua entrada em vigor. Deve constar nela uma indicação como a seguinte: “esta lei entrará
em vigor no prazo de 90 dias de sua promulgação”.

Essa Assembleia Nacional Constituinte havia sido eleita por voto popular em 1986, instalada em
1º de fevereiro de 1987 e era composta por deputados dos vários estados brasileiros. Eles elaboraram
o texto constitucional que, depois, foi submetido à votação e aprovado. O presidente da Assembleia
Nacional Constituinte foi o deputado federal eleito pelo Estado de São Paulo, Ulysses Guimarães, que
era muito respeitado e conhecido por sua luta em prol do fim da ditadura militar.

Essa Constituição Federal tem especial importância para a história política brasileira, porque marca
simbolicamente o fim de um longo período de ditadura militar instalado em 31 de março de 1964. Com
a promulgação da Constituição Federal de 1988, o país voltou a ser um Estado democrático de direito,
ou seja, um lugar onde há o império da lei e da justiça e, em consequência, não há espaço para o arbítrio
e para o exercício da força por parte do Estado.

É importante lembrar que, para a elaboração desta Constituição brasileira, foram apresentadas
inúmeras emendas populares, ou seja, propostas que foram elaboradas por diversos segmentos
sociais organizados, como movimentos de mulheres, movimentos negros, organizações de bairro,
sindicatos, entre outros, com milhares de assinaturas de brasileiros de todas as regiões do país
e que foram levadas para serem analisadas pelos deputados federais e incorporadas ao texto
constitucional.

O Brasil viveu naquele momento um período de intensa participação popular na vida política e
social, que teve início no movimento pelas Diretas Já e uniu em todo o país milhares de participantes de
movimentos sociais, com brasileiros empenhados em conseguir a volta do país à democracia.

A Constituição brasileira de 1988 foi chamada, por Ulysses Guimarães, de “constituição


cidadã”, exatamente por ter sido promulgada no momento histórico que marca o retorno do país
à democracia, e por conter ampla garantia de direitos fundamentais para todos os brasileiros,
além do restabelecimento da ordem política e social que, até então, estava sob o arbítrio dos
governantes militares.
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Unidade I

A Constituição Federal de um país sempre é o texto político, social e econômico fundamental, por
ser a lei mais importante do país, mas esta Constituição brasileira, em especial, é ainda mais significativa
em razão do período histórico em que é concebida e promulgada.

Por isso é que podemos afirmar que a Constituição Federal brasileira é um projeto político e social
que o país tem que implementar integralmente para poder realizar o objetivo fundamental que está
previsto no artigo 3º, inciso I: construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Figura 1 – O então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, e também deputado federal, Ulysses Guimarães. Fonte: http://
www.brasil.gov.br/imagens/linha-do-tempo/linha-do-tempo-historia/nova-constituicao-1988. Acesso em: 24 maio 2011.

Figura 2 – A promulgação da Constituição Federal de 1988. Fonte: http://www.brasil.gov.br/imagens/sobre/cidadania/especial-


eleicoes-2010/galeria-de-historia/promulgacao-da-anc-1988. Acesso em: 24 maio 2011.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Saiba mais

Para conhecer mais sobre o período de ditadura militar instaurado a


partir de 31 de março de 1964, veja os filmes:

Batismo de sangue (2006, Brasil, 110 min.)


Direção e produção: Helvécio Ratton

Zuzu Angel (2006, Brasil, 118 min.)


Direção: Sergio Rezende

2 TEORIA DO ESTADO, TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E PODER CONSTITUINTE

O surgimento do Estado está relacionado ao fato de o homem buscar a vida em sociedade para
ampliar suas possibilidades de realização. Vários pensadores estudaram o surgimento do Estado a partir
de diferentes concepções, como os filósofos Thomas Hobbes, John Locke e Jean‑Jacques Rousseau.
Porém, na base de todas essas linhas de pensamento está o fato de que o homem, em um dado momento
de sua história, vislumbrou na vida em sociedade uma forma de se sentir mais seguro e mais capaz para
as suas realizações.

O Estado é um processo histórico construído ao longo de muitos anos por diferentes povos e culturas,
que sofreu incontáveis modificações e que, até hoje, continua se modificando para atender às necessidades
dos homens, porque essas necessidades são diferentes em razão das épocas históricas vividas.

“Estado” pode ser definido como pessoa jurídica de direito público, com soberania em relação aos
demais estados estrangeiros.

Pessoa jurídica é uma entidade abstrata, fictícia, criada pela lei e que tem responsabilidades derivadas
dessa mesma lei, ou seja, responsabilidades jurídicas.

Dalmo de Abreu Dallari, após analisar aspectos históricos, políticos e sociológicos do Estado, afirma que:

Em face de todas as razões aqui expostas, e tendo em conta a possibilidade e


a conveniência de se acentuar o componente jurídico do Estado, sem perder
de vista a presença necessária dos fatores não jurídicos, parece‑nos que se
poderá conceituar o Estado como a ordem jurídica soberana que tem por
fim o bem comum de um povo situado em determinado território. Nesse
conceito, se acham presentes todos os elementos que compõem o Estado,
e só esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que,
no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica. A
politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum,
com a vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a territorialidade,

11
Unidade I

limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente na menção a


determinado território. (DALLARI, 1981, p. 104)

Mario Lucio Quintão Soares define Estado como

(...) uma forma histórica de organização jurídica de poder peculiar às


sociedades civilizadas, que sucede a outras formas de organização política.
No paradigma Estado liberal de direito, na construção do “Rechtsstaat”1,
Kant caracteriza o Estado como a reunião de uma multidão de homens que
vivem sob as leis do direito. Hegel define o Estado como totalidade ética: a
realidade da ideia ética, o espírito ético enquanto vontade patente, evidente
por si mesma, substancial, que pensa e conhece de si mesma, que cumpre
o que sabe e como sabe. Jellinek apresenta o Estado, juridicamente, como
a corporação de um povo, assente em um determinado território e dotada
de um poder originário de mando. Kelsen sintetiza o conceito de Estado:
ordem coativa normativa da conduta humana. (...) No paradigma do Estado
democrático de direito, Vergottini assinala que o Estado, segundo a doutrina
dominante, é um ente independente, compreendendo necessariamente a
população estabilizada sobre certo território, uma estrutura de governo e
um complexo homogêneo e autossuficiente de normas que disciplinam a
sociedade e a sua estrutura organizativa. (SOARES, 2008, p. 87‑88)

Como se pode perceber, o conceito de Estado não é ponto pacífico. Depende muito do ponto de
partida de quem vai conceituar, ou seja, se vai analisar o Estado a partir de elementos históricos, políticos,
jurídicos ou sociais.

Mas é possível compreender Estado como ente jurídico criado por lei, que tem responsabilidades para
com os cidadãos que residem em seu território e soberania em relação aos demais estados existentes, ou
seja, independência em relação aos demais estados.

É importante não confundir o sentido da palavra Estado quando ela é utilizada como sinônimo de
país e quando ela é utilizada como sinônimo de unidade da federação. Quando o Estado é uma unidade
da federação ele não tem soberania, mas apenas autonomia em relação aos demais estados da mesma
federação. Pode adotar leis próprias como a Constituição do Estado Federativo (São Paulo, Minas Gerais,
Rio de Janeiro, Piauí e todos os demais estados da República Federativa do Brasil têm suas próprias
constituições estaduais).

O Estado, como pessoa jurídica de direito público, tem tradicionalmente três elementos fundamentais:
povo, território e soberania.

Povo é o conjunto de pessoas que estão ligadas ao Estado por um vínculo político‑jurídico, ou seja,
o conjunto de pessoas que são nacionais daquele Estado.

1
Do alemão, tradução livre “Cidade-Estado”, ou seja, cidade com autonomia para criar leis. Ou Estado de Direito.
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DIREITO CONSTITUCIONAL

Dalmo de Abreu Dallari afirma:

O ponto de partida da doutrina de Jellinek é a distinção entre um aspecto


subjetivo e outro objetivo do povo. O Estado é sujeito do poder público, e o
povo, como seu elemento componente, participa dessa condição. Esse é o
aspecto subjetivo do povo. Por outro lado, o mesmo povo é objeto da atividade
do Estado, e sob este ângulo é que se tem o povo em seu aspecto objetivo.
Quanto ao aspecto subjetivo, lembra Jellinek que a simples circunstância de se
reunir uma pluralidade de homens e submetê‑los a uma autoridade comum
não chegaria a constituir um Estado. Mas, se essa pluralidade de pessoas for
associada a outros elementos num momento jurídico, perfaz uma unidade,
surgindo o Estado. E cada indivíduo integrante do povo participa também
da natureza de sujeito, derivando‑se daí duas situações: a) os indivíduos,
enquanto objetos do poder do Estado, estão numa relação de subordinação
e são, portanto, sujeitos de deveres; b) enquanto membros do Estado, os
indivíduos se acham, quanto a ele e aos demais indivíduos, numa relação de
coordenação, sendo, neste caso, sujeitos de direito. (DALLARI, Op. cit. , p. 87)

População é um conceito diferente, porque inclui tanto os nacionais de um Estado como os


estrangeiros que nele residem.

E nação é o conjunto de pessoas que possuem laços históricos, culturais e linguísticos, ainda que
não vivam no mesmo território.

É o que acontece na atualidade com os palestinos, que não possuem um território para se fixar, mas
que se sentem unidos em qualquer lugar do mundo em que estiverem porque possuem laços históricos,
culturais, religiosos e linguísticos que os mantém unidos.

Paulo Bonavides, citando lição do autor francês Maurice Hauriou, assinala que:

Uma das boas noções que esclarecem porém o significado da palavra nação
pertence a Hauriou, quando o autor francês assinala o círculo fechado que
a consciência nacional representa e a diferenciação refletida que a separa
de outras consciências nacionais. Senão vejamos: a nação, segundo ele, é
um grupo humano no qual os indivíduos se sentem mutuamente unidos,
por laços tanto materiais como espirituais, bem como conscientes daquilo
que os distingue dos indivíduos componentes de outros grupos nacionais.
(BONAVIDES, 2006, p. 84)

Território é o espaço onde o Estado exerce sua soberania em relação aos demais, que terão que
respeitar as fronteiras estabelecidas e a ordem jurídica que vigora no interior delas. O território de um
Estado inclui o solo, o subsolo, o espaço aéreo e o espaço marítimo (inclusive as ilhas), caso o território
tenha fronteiras demarcadas por mar. Alguns países do mundo não têm acesso ao mar, como acontece
com a Bolívia, por exemplo, na América do Sul.

13
Unidade I

Por fim, soberania é a capacidade que o Estado tem de editar suas próprias normas e somente
se submeter a normas internacionais se desejar, se sua própria ordem jurídica autorizar, porque, do
contrário, não estará obrigado.

O Estado brasileiro está organizado como uma República Federal que se forma pela união indissolúvel
dos estados, municípios e do Distrito Federal.

Os estados federativos brasileiros se unem para aceitar a Constituição Federal como lei magna que
todos deverão cumprir, mas possuem relativa autonomia político‑administrativa, em especial na forma
de gerirem seus recursos e estabelecerem suas prioridades.

Regulados pela Constituição Federal e por leis próprias que, no entanto, não poderão ferir os
princípios constitucionais, os estados federativos podem realizar tudo o que a Constituição Federal não
vede expressamente.

O Brasil é um Estado que adota regime político democrático, ou seja, as decisões políticas são
tomadas de acordo com a vontade popular, é o governo do povo, pelo povo e para o povo.

No Brasil, a democracia é exercida de forma direta e indireta. De forma indireta, é exercida por
representação, ou seja, quando o povo escolhe seus representantes na Câmara e no Senado, para que
eles adotem as leis que vão garantir a todos a plenitude de seus direitos e o exercício de seus deveres.
E democracia direta quando o próprio povo é chamado para decidir questões importantes, por meio de
plebiscitos ou referendos.

O professor Mario Lucio Quintão Soares faz importante crítica que deve ser analisada, em especial,
por aqueles que estão estudando para atuar como profissionais de serviço social. Ele afirma:

Povo, em sentido democrático, pressupõe a totalidade dos que possuem


o status da nacionalidade, os quais devem agir, conscientes de sua
cidadania ativa, segundo ideias, interesses e representações de natureza
política. Todavia, na história constitucional brasileira, jamais o povo
adquiriu consciência de sua própria cidadania ativa. Desde a Constituição
outorgada por Dom Pedro I, faz‑se menção ao povo como titular do poder
soberano, apesar da constante sonegação da cidadania ativa para a maior
parte da população. (...) A participação popular, através do exercício da
cidadania ativa, pode ser ampliada, implicando novas formas de cogestão
e controle dos serviços públicos, visando à construção de governo popular,
em todas as esferas de poder, que tenha como meta a efetivação de
mecanismos que resultem em processo gradativo de inclusão social. Dentre
esses mecanismos, deve‑se incrementar a participação popular decisiva,
concretamente normatizada, em associações e partidos políticos, bem
como fortalecer os municípios e estados no contexto federativo. (SOARES,
Op. cit. , p. 154‑156)

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DIREITO CONSTITUCIONAL

A Constituição brasileira é classificada como uma constituição formal, ou seja, representada por um
documento formal e solene, instituído por um poder constituinte que foi eleito para elaborá‑la.

É também uma constituição escrita, porque está consubstanciada em um único documento que
contém as normas consideradas essenciais para a formação e a realização dos objetivos do Estado.

É uma constituição rígida porque limita as possibilidades de mudança. A Constituição brasileira


pode ser modificada, mas somente se forem atendidas as regras fixadas por ela própria.

Existem aspectos que a própria Constituição prevê que serão imutáveis por emendas. São as chamadas
cláusulas pétreas, previstas no artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal, que somente poderão ser
modificadas por outro poder constituinte eleito para elaborar uma nova constituição.

São imutáveis, de acordo com a Constituição brasileira em vigor:

• A forma federativa do Estado.


• O voto direto, secreto, universal e periódico.

• A separação entre os três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

• Os direitos e garantias individuais.

• A República.

Se em algum momento um governante pretender modificar esses aspectos da Constituição, deverá


fazê‑lo por meio da elaboração de uma nova constituição federal, convocando uma assembleia nacional
constituinte para essa finalidade.

Mas, apesar de não poder ser facilmente modificada nos aspectos previstos no artigo 60,
parágrafo 4º, a Constituição brasileira pode ser modificada em muitos outros aspectos. Isso permite
que seja sempre atualizada e aprimorada em benefício de todos os brasileiros e de todos aqueles
que residem no país.

Mas em se tratando dos aspectos contidos no artigo 60, parágrafo 4º, eles não poderão ser modificados,
porque afetariam a própria essência da Constituição.

A Constituição brasileira exerce o papel de norma superior a qual todas as demais normas do país
devem obediência, ou seja, devem estar compatíveis com a Constituição.

É uma estrutura que, em Direito, é simbolizada por uma pirâmide (no topo da qual se encontra a
Constituição Federal). É por isso que ela é chamada de norma fundamental, porque todas as demais leis
do país devem ser compatíveis com seus princípios e determinações, caso contrário, serão classificadas
como inconstitucionais e não poderão vigorar.

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Unidade I

É a isso que se dá o nome de supremacia constitucional, para significar que toda a ordem jurídica do Brasil
está prevista na Constituição Federal e deve ser integralmente respeitada. Nenhuma lei do país, mesmo que seja
federal e criada pelo governo eleito democraticamente pelo povo, poderá ser contrária à Constituição Federal. Lei
que contrariar a Constituição será classificada como inconstitucional e não poderá vigorar no Brasil.

Poder constituinte é a manifestação de vontade soberana e independente do povo. Ele elege


representantes que vão elaborar uma Constituição, ou seja, a norma mais importante para reger a vida
daquelas pessoas.

O povo é o titular do poder constituinte que, no entanto, pela via de representação, será exercido por
deputados que irão compor a Assembleia Nacional Constituinte.

O poder constituinte é chamado de originário quando tem autonomia para elaborar a lei
constitucional, podendo prever qualquer assunto e da forma como parecer mais adequada àqueles
representantes do povo.

Além de originário, o poder constituinte também é inicial, porque cria uma nova ordem jurídica; é
juridicamente ilimitado, porque não está obrigado a respeitar limites do direito anterior; é incondicionado,
porque não precisa se sujeitar a nenhuma regra de forma; e, é autônomo, porque a Constituição a ser
elaborada estará de acordo apenas com a vontade daqueles que exercem o poder constituinte.

O poder constituinte é chamado de derivado quando é exercido a partir de normas constitucionais


expressas e implícitas, que controlam a atividade dos parlamentares na elaboração de normas que
modificarão a Constituição já existente ou, introduzirão novos aspectos.

No Brasil, o Congresso Nacional, composto pelas duas casas legislativas federais, o Senado Federal e
a Câmara Federal, podem propor mudanças na Constituição Federal em vigor porque exercem o papel
de poder constituinte derivado.

A atuação do poder constituinte derivado nunca será tão ampla quando a do poder constituinte
originário. A Constituição Federal elaborada pelo poder constituinte originário se incumbe de determinar
os limites de atuação do poder constituinte derivado.

Assim, no Brasil, esse poder é limitado por circunstâncias, pela matéria, pela forma e pelo tempo.
Todos esses limites foram fixados pela própria Constituição no momento em que foi elaborada pelo poder
constituinte originário e tem por objetivo preservar sua integridade e seus aspectos fundamentais.

No Brasil, os limites circunstanciais são definidos como situações de crise política durante as
quais não é permitido alterar a Constituição Federal, exatamente para não correr o risco de desprezar
princípios fundamentais ou cometer equívocos resultantes de uma análise feita em momentos de forte
comoção política ou social.

Assim, o artigo 60, parágrafo 1º, determina que em tempos de intervenção federal ou de estado de
defesa ou de sítio, não serão permitidas alterações na Constituição Federal.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Intervenção federal ocorre nos casos expressamente previstos no artigo 34 da Constituição Federal,
que são:

• Manter a integridade nacional.


• Repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da federação em outra.
• Por fim a grave comprometimento da ordem pública; garantir o livre exercício de qualquer dos
poderes nas unidades da Federação.
• Reorganizar as finanças da unidade da Federação que suspender o pagamento da dívida fundada
por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; deixar de entregar aos municípios
receitas tributárias fixadas na Constituição, dentro dos prazos estabelecidos por lei.
• Prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial.
• Assegurar a observância dos princípios constitucionais da forma republicana, sistema
representativo e regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal;
prestação de contas da administração pública direta e indireta; aplicação do mínimo exigido
da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

O estado de defesa e o estado de sítio são outras duas situações que impedem que sejam realizadas
modificações na Constituição Federal.

O estado de defesa está previsto no artigo 136 da Constituição Federal e poderá ser decretado pelo
Presidente da República após serem ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional,
ainda que não necessite de prévia autorização do Congresso Nacional.

Ainda que não dependa de prévia autorização do Congresso Nacional, o decreto que instituir
o estado de defesa será encaminhado para que o Congresso se manifeste sobre as razões que
determinaram a adoção da medida, exercendo, assim, o controle político que lhe cabe por força da
própria Constituição.

O estado de defesa só pode ser decretado em situações específicas, previstas na própria Constituição,
que são preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem
pública ou a paz social ameaçadas por greve e iminente instabilidade institucional ou atingidas
por calamidades de grandes proporções da natureza.

Durante o período de duração do estado de defesa, que não poderá ser superior a 30 dias – podendo,
no entanto ser prorrogado uma única vez, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação –,
alguns direitos serão restringidos, como:

• Direito de reunião, ainda que no seio das associações.


• Sigilo de correspondência.

17
Unidade I

• Sigilo de comunicação telegráfica ou telefônica.

No período do estado de defesa decretado em razão de calamidade pública, a União poderá ocupar
e utilizar temporariamente bens e serviços públicos, respondendo pelos danos e custos decorrentes.

Por sua vez, o estado de sítio está previsto no artigo 137 da Constituição Federal e pode ser decretado
pelo Presidente da República, sendo ouvidos previamente o Conselho da República e o Conselho de
Defesa Nacional e mediante pedido de autorização para o Congresso Nacional.

Somente poderá ser decretado em duas hipóteses que são taxativas:

• Comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovam a ineficácia da


medida tomada durante o estado de defesa.
ou
• Declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira.
O estado de sítio não poderá ser decretado por período superior a 30 dias, nem prorrogado por prazo
superior. No caso de estado de guerra, poderá ser decretado por todo o tempo que durar a guerra ou a
agressão armada estrangeira.

Ao solicitar autorização para o Congresso Nacional para decretar o estado de sítio ou para
prorrogá‑lo, o Presidente da República relatará os motivos determinantes do pedido. O decreto
que determinar o estado de sítio indicará o período de sua duração, as normas necessárias à sua
execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas durante o período em que perdurar
o estado de sítio.

Depois de publicado o decreto, o Presidente designará o executor das medidas específicas e as áreas
abrangidas.

Durante o período em que vigorar o estado de sítio, apenas as seguintes medidas poderão ser
tomadas:

• Obrigação de permanência em localidade determinada.


• Detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns.
• Restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, sigilo das comunicações,
prestação de informações e liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da
lei.
• Suspensão da liberdade de reunião.
• Busca e apreensão em domicílio.
• Intervenção nas empresas de serviços públicos.
• Requisição de bens.
18
DIREITO CONSTITUCIONAL

Como se pode perceber, nos momentos em que é preciso decretar estado de defesa ou estado de sítio, o
país não está em sua mais perfeita normalidade, mesmo que essa situação esteja ocorrendo apenas em parte do
território. Se não há normalidade, também não há tranquilidade e equilíbrio necessários para promover mudanças
na Constituição Federal. É correto, portanto, que a própria Constituição preveja que, nessas circunstâncias, o
poder constituinte derivado ficará impedido de realizar mudanças no texto da Constituição Federal brasileira.

Também existe previsão para limites materiais, ou seja, assuntos que, dada a sua extrema importância
para a sociedade, não poderão ser modificados por emenda constitucional, que são como vimos os
assuntos tratados no artigo 60, parágrafo 4º, também denominados de cláusulas pétreas, cláusulas
imutáveis pelo poder constituinte derivado.

Como vimos, são imutáveis no Brasil pelo poder constituinte derivado:

• A forma federativa do Estado.


• O voto direto, secreto, universal e periódico.
• A separação de poderes.
• Os direitos e garantias individuais.
• A República.

Qualquer modificação nesses aspectos somente poderá ser feita se for convocada uma nova
Assembleia Nacional Constituinte, por escolha do povo por meio do voto direto e que terá poder, então,
para organizar uma nova Constituição e, nela, se necessário, rever os aspectos que eram imutáveis na
Constituição que será substituída.

O poder constituinte derivado enfrenta ainda limitações formais ou procedimentais, ou seja, quem
pode propor e como pode ser feita a proposta de mudança à Constituição Federal. A iniciativa poderá
ser do Presidente da República, da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e das assembleias
legislativas dos estados da Federação, com números mínimos de votos exigidos para a Câmara, Senado
e assembleias, sem os quais a proposta de modificação não será encaminhada.

Por fim, o poder constituinte derivado recebeu uma limitação temporal já esgotada, que previa que
a Constituição Federal não poderia ser modificada nos primeiros três anos após sua entrada em vigor.

Existe ainda previsão para a existência do poder constituinte decorrente, que é o poder que os
estados federativos têm de elaborar suas próprias constituições estaduais, obedecidos os limites fixados
pela Constituição Federal.

Lembrete

Cláusulas Pétreas é o nome que se dá aos artigos da Constituição Federal


que somente poderão ser alterados se for convocada uma nova Assembleia
Nacional Constituinte.
19
Unidade I

3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS


NORMAS CONSTITUCIONAIS

Controlar a constitucionalidade significa impedir que um ato normativo subsista se for contrário à
Constituição Federal ou, em outras palavras, controlar a produção legislativa em todo o país e em todos
os níveis, para impedir que qualquer lei colida com o disposto na Constituição Federal.

Esse controle decorre da supremacia da Constituição Federal e esse princípio é de fundamental


importância para o Estado Democrático de Direito.

Somente serão válidas as normas que forem compatíveis com os princípios e as regras
instituídos pelo poder constituinte originário. Até o poder constituinte derivado terá que ficar
atento para não promover modificações que contrariem os princípios e regras previstos na
Constituição Federal.

Todas as leis elaboradas no Brasil dos decretos administrativos das repartições públicas
municipais disciplinando, por exemplo, o horário de funcionamento das feiras livres ou das
bibliotecas municipais, até as propostas de reforma da própria constituição terão que levar em
conta os princípios e regras constitucionais para poderem ser válidos.

Assim, a validade de uma norma jurídica no Brasil, país que adota uma constituição rígida, será dada pela
consonância da norma com o texto constitucional, ou seja, com os princípios e regras que estão previstos
na Constituição Federal. As normas que não se adequarem a esse pressuposto de validade, evidentemente,
serão consideradas inconstitucionais e, por isso mesmo, inválidas e sem aplicabilidade na vida nacional.

Caso fosse possível a qualquer município ou estado federativo ou, ainda, a qualquer ente federal
modificar as normas constitucionais, não poderíamos falar em supremacia da Constituição Federal. No
Brasil, essa possibilidade não existe porque a norma constitucional é superior a todas as outras e, é dela
que decorre a validade das demais normas elaboradas no país.

Para que isso ocorra de forma constante, é exercido o controle de constitucionalidade, que pode
ocorrer de forma preventiva ou de forma repressiva.

Controle de constitucionalidade é a forma de fiscalizar se uma lei viola ou não a Constituição


Federal.

O controle de constitucionalidade preventivo tem por objetivo impedir que um projeto de


lei inconstitucional seja aprovado e ingresse no ordenamento jurídico nacional. Ele é exercido
cumulativamente:

• Pelo Poder Legislativo, por meio das Comissões de Constituição e Justiça existentes no
Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Elas analisam a constitucionalidade da lei que
está sendo proposta por um projeto de lei apresentado por um senador ou por um deputado.
Se constatada a inconstitucionalidade da lei em fase de projeto, ele será arquivado sem ir para

20
DIREITO CONSTITUCIONAL

votação.
• Pelo Poder Executivo, quando o Presidente da República veta2 o projeto de lei aprovado pela
Câmara ou pelo Senado Federal indicando que ele é inconstitucional, o que também é chamado
veto jurídico; ou, indicando que ele é contrário ao interesse público, chamado de veto político.
O veto político não é considerado controle de constitucionalidade porque, nesse caso, o projeto
de lei pode até ser constitucional, mas não é, no entender do Presidente da República, de
suficiente interesse público para entrar em vigor. Já o veto jurídico analisa exclusivamente se o
projeto de lei é compatível ou não com a Constituição Federal.
• Pelo Poder Judiciário. Nesse caso, terá que haver impetração de mandado de segurança por
parte de um parlamentar (senador ou deputado) apontando irregularidade ocorrida durante o
processo legislativo e que manchou de inconstitucionalidade a lei cujo projeto se encontra em
votação. Todo parlamentar tem direito líquido e certo (exigências legais para a interposição do
mandado de segurança) de participar de um processo legislativo que atende perfeitamente às
normas constitucionais e de discutir perante o Judiciário a eventual ocorrência de irregularidades
que tornem esse processo legislativo inconstitucional.

Na modalidade de controle preventivo de constitucionalidade, o protagonismo será do Poder


Legislativo e do Poder Executivo e, apenas excepcionalmente, do Poder Judiciário.

Já o controle de constitucionalidade repressivo tem por objetivo retirar da ordem jurídica nacional
leis que já tenham sido aprovadas e que contrariem a Constituição Federal.

Ele poderá ser realizado:

• Pelo Poder Legislativo, em duas situações: quando rejeita uma medida provisória por ser
inconstitucional; ou pelo Congresso Nacional, quando sustar os atos do Poder Executivo que
exorbitem do poder de regulamentar ou quando ultrapassarem os limites de delegação legislativa.
• Pelo Poder Judiciário, com a finalidade de sanar o vício de inconstitucionalidade e aplicar a
sanção de nulidade. Ele pode ser concentrado ou reservado e difuso ou aberto.

Controle repressivo concentrado ou reservado ocorre quando se procura obter a declaração


de inconstitucionalidade da lei diretamente no Supremo Tribunal Federal, órgão que concentra a
possibilidade de julgar esses casos. Em outras palavras, nenhum outro tribunal poderá receber e julgar
os instrumentos processuais por meio dos quais se questionará a constitucionalidade de uma lei.

Os instrumentos processuais que poderão ser utilizados são:

• ADIn, Ação Direta de Inconstitucionalidade.


• ADC, Ação Declaratória de Constitucionalidade.

2
Possibilidade do Poder Executivo Federal rejeitar o projeto de lei, previsto no artigo 66 e parágrafos da Constituição
Federal brasileira.
21
Unidade I

• ADPF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.


Controle repressivo difuso ou aberto permite que qualquer juiz ou tribunal brasileiro realize, no
caso concreto, em qualquer processo judicial, a análise sobre a constitucionalidade de uma lei ou ato
normativo.

Nessa modalidade de controle, a análise da constitucionalidade não é o objeto da ação que foi
levada para decisão do Poder Judiciário, mas a constitucionalidade da norma discutida para aplicação
naquele caso concreto se torna fundamental e, por isso, o juiz ou tribunal sobre ela se manifesta. É por
essa razão que se diz que a apreciação da constitucionalidade, nesse caso, é incidental, ou seja, ocorreu
por outra razão e não especificamente com o objetivo de ser discutida a inconstitucionalidade.

Como se pode perceber, o Brasil adota um sistema bastante amplo de controle de constitucionalidade,
porque prevê, ao mesmo tempo, as possibilidades de o controle ser feito da forma política e jurídica,
assim como adota controle preventivo e repressivo tanto pelo Poder Judiciário como pelos poderes
Legislativo e Executivo.

Isso significa que o Brasil se vale de todos os meios possíveis para garantir a plenitude e a eficácia
da supremacia da Constituição Federal. Há uma busca contínua e incessante por normas jurídicas
inconstitucionais para que elas sejam, prévia ou repressivamente, retiradas do cenário jurídico para não
tumultuarem a prevalência das normas constitucionais.

Algumas normas constitucionais possuem eficácia plena, ou seja, podem ser aplicadas de imediato
sem que haja necessidade de outra norma para regulamentá‑la. Outras normas constitucionais, no
entanto, necessitam de norma posterior que garanta sua plena aplicabilidade.

José Afonso da Silva, professor e estudioso de direito constitucional, criou uma classificação para
as normas constitucionais que é adotada por grande parte dos estudiosos do tema. Ele afirma que as
normas constitucionais podem ser de eficácia plena, contida ou limitada.

As normas de eficácia plena são:

(...) aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou


têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos
interesses, comportamentos e situações que o legislador constituinte, direta
e normativamente, quis regular. (SILVA, p. 89‑91)

Normas constitucionais de eficácia contida são aquelas que, embora possam ser aplicadas
imediatamente, podem ter sua eficácia contida ou reduzida em razão de uma norma infraconstitucional.
O poder constituinte deixou margem para uma atuação restritiva por parte do poder público, que poderá
elaborar norma jurídica infraconstitucional que limite a eficácia da norma constitucional.

Normas infraconstitucionais são aquelas que se encontram hierarquicamente abaixo da Constituição


Federal. Podem ser normas federais, estaduais ou municipais, mas como não são normas constitucionais,
recebem o nome de infraconstitucionais. Essas normas estão de acordo com a Constituição Federal,
22
DIREITO CONSTITUCIONAL

são legítimas e válidas, já foram objeto de controle de constitucionalidade e aprovadas, mas por força
da hierarquia, da supremacia das normas constitucionais, recebem esse nome que indica sua posição
hierárquica inferior à da Constituição Federal.

Por exemplo, é de eficácia contida a norma constitucional que determina que é livre o exercício
de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer,
conforme consta expressamente no artigo 5º, inciso XIII da Constituição Federal.

Essa norma é de eficácia contida porque sua aplicabilidade depende de normas infraconstitucionais
que estabeleçam os requisitos necessários para o exercício de cada profissão. Assim, a Lei nº 3252, de
27 de agosto de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 994, de 15 de maio de 1962, criou as regras para
o exercício da profissão de assistente social, estipulando tudo aquilo que é necessário para que alguém
possa exercer essa profissão.

Embora a norma constitucional garanta que cada um poderá ser livre para o exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão, se este estiver regulado por lei, esta deverá ser atendida integralmente,
como ocorre no exemplo citado, com a regulamentação da atividade profissional de serviço social.

Ninguém pode pretender, com base na Constituição Federal, se autodeclarar assistente social se
não estiverem cumpridos os requisitos da lei infraconstitucional que, neste caso, antecede a própria
Constituição, é mais antiga que ela.

Definidas como de eficácia limitada são as normas constitucionais que necessitam ser
regulamentadas pelo legislador infraconstitucional para que possam produzir amplamente seus efeitos.
Sem essa regulamentação infraconstitucional elas serão de eficácia reduzida, também chamada de
diferida, ou seja, não poderão ser aplicadas em sua integralidade. Por isso elas vinculam o legislador
infraconstitucional que, ao legislar sobre tema tratado pelas normas de eficácia limitada, deverá fazê‑lo
em consonância com seus princípios e objetivos.

É o que acontece, por exemplo, com as chamadas normas programáticas. Para Marcelo Novelino,

em determinados casos, em vez de regular direta e imediatamente um


interesse, o legislador constituinte opta por traçar apenas princípios
indicativos dos fins e objetivos do Estado. Tais princípios se distinguem
dos anteriores por seus fins e conteúdos, impondo aos órgãos do Estado
uma finalidade a ser cumprida (obrigação de resultado) sem, no entanto,
apontar os meios a serem adotados. Vinculadas à disciplina das relações
econômico‑sociais, as normas de princípio programático estão localizadas,
sobretudo, nos Títulos VII e VIII, apresentando‑se no texto constitucional
consubstanciadas em esquemas genéricos, diretrizes e programas de ação.
(NOVELINO, 2009, p. 124‑125)

O Título VII da Constituição Federal trata da ordem econômica e financeira e o Título VIII da ordem
social.
23
Unidade I

Se observarmos o artigo 194 da Constituição Federal que está no Título VIII, verificaremos que ele se
encontra assim redigido:

Título VIII – DA ORDEM SOCIAL

Capítulo I

DISPOSIÇÃO GERAL

(...)

Artigo 194 – A seguridade social compreende um conjunto integrado


de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

O parágrafo único deste artigo trata dos princípios que deverão orientar as ações de iniciativa dos
poderes públicos e da sociedade, mas em nenhum momento existe no texto de lei constitucional um
comando de aplicação imediata.

Assim, como ensinou Marcelo Novelino, são diretrizes de ação porém sem auto‑aplicabilidade, sem
eficácia imediata, que estão na dependência de legislação infraconstitucional que elabore os programas
de ação, as medidas de ordem prática a serem implementadas e estabeleçam a forma, os recursos, o
pessoal, enfim, todas as estratégias necessárias para a plena execução.

Interpretar consiste em buscar no texto de qualquer lei os valores subjacentes a ela, ou seja, as
razões que levaram uma determinada sociedade a estabelecer aquilo como regra geral, de cumprimento
obrigatório para todos.

A interpretação também é chamada de hermenêutica e consiste em compreender e aplicar a lei,


geral e abstrata, ao caso concreto de modo a solucioná‑lo com justiça e equidade.
Interpretar é uma tarefa complexa que exige preparo do intérprete, que precisa conhecer não apenas
a lei específica que está sendo estudada para ser aplicada ao caso concreto, mas, também, as linhas
fundamentais que orientam a legislação do país em que atua, de modo a realizar um trabalho sistemático
que leve em conta a proteção dos valores fundamentais daquela dada sociedade.

No caso da interpretação constitucional, a tarefa é ainda mais complexa, porque sempre que o
aplicador do direito for interpretar um artigo da Constituição Federal para tentar solucionar um caso
concreto e peculiar, estará defendendo os valores superiores da nação brasileira, que deseja que sua
Constituição seja sempre integralmente respeitada.

Alexandre de Moraes explica que

O conflito entre direitos e bens constitucionalmente protegidos resulta


24
DIREITO CONSTITUCIONAL

do fato de a Constituição proteger certos bens jurídicos (saúde pública,


segurança, liberdade de imprensa, integridade territorial, defesa nacional,
família, idosos, índio, etc. ), que podem vir a envolver‑se numa relação de
conflito ou colisão. Para solucionar‑se esse conflito, compatibilizando‑se
as normas constitucionais, a fim de que todas tenham aplicabilidade, a
doutrina aponta diversas regras de hermenêutica constitucional em auxílio
do intérprete. (MORAES, 2009, p. 14)

No trabalho de interpretação constitucional, o profissional deverá levar em conta os princípios


constitucionais e, em especial, aqueles que possam auxiliá‑lo diretamente na realização de sua tarefa.
Os princípios que deverão ser levados em conta no trabalho de interpretação da Constituição Federal
para aplicação ao caso concreto são:

• A supremacia da Constituição.
• A unidade.
• A maior efetividade possível.
• A harmonização.

A supremacia da Constituição significa que todas as normas da Constituição devem ser


interpretadas a partir dela própria, sem auxílio de qualquer norma infraconstitucional. Se
interpretar uma norma constitucional é extrair o sentido da norma para poder aplicá‑la ao caso
concreto, não pode haver comparação com qualquer norma hierarquicamente inferior. Deverá
ser analisada por seus próprios objetivos para que deles se extraiam os valores cuja proteção é
necessária.

Unidade significa que a Constituição deve ser interpretada evitando‑se a contradição entre suas
normas. Ou seja, diante do caso concreto que está sendo analisado para ser solucionado, a interpretação
do texto constitucional deve ser feita de forma unificada, de maneira coesa e não de forma individualizada.
A norma constitucional não pode ser interpretada de maneira isolada, sem análise do conjunto da
Constituição Federal, porque mesmo tratando de campos específicos, o conjunto das normas protege os
mesmos valores maiores de toda a sociedade brasileira.

Maior efetividade possível significa que o dispositivo constitucional deverá sempre ser interpretado
da forma que lhe garanta a maior eficácia possível. Marcelo Novelino ensina que este princípio é quase
sempre invocado no âmbito dos direitos fundamentais, impondo que lhes seja atribuído o sentido
que confira a maior efetividade possível, com vistas à realização concreta de sua função social.
(NOVELINO, Op. cit. , p. 171)

Assim, quando o inciso III do artigo 5º determina que ninguém será submetido a tortura nem
a tratamento desumano ou degradante, o princípio da maior efetividade possível determina
que não se trata apenas de tortura física mas inclui toda e qualquer outra forma de violência,
seja por palavras, gestos ou qualquer outra forma. Aquele que, ao ser abordado por um policial,

25
Unidade I

for agredido por palavras, ofendido ou tratado de forma discriminatória em razão de raça ou
orientação sexual terá sido alvo de tratamento degradante, ainda que o policial sequer tenha se
aproximado da vítima.

Harmonização se relaciona com unidade, ou seja, o intérprete deve atuar de forma a garantir a
harmonia dos princípios e normas constitucionais para que não haja contradição. É também no campo
dos direitos fundamentais que essa regra de interpretação se coloca com maior vigor.

Celso Bastos ensina:

Através do princípio da harmonização se busca conformar as diversas


normas ou valores em conflito no texto constitucional, de forma que se
evite a necessidade de exclusão (sacrifício) total de um ou alguns deles. Se
por acaso viesse a prevalecer a desarmonia, no fundo, estaria ocorrendo
a não aplicação de uma norma, o que evidentemente é de ser evitado a
todo custo. Deve‑se sempre preferir que prevaleçam todas as normas, com
a efetividade particular de cada uma das regras em face das demais e dos
princípios constitucionais. (BASTOS, 1998, p. 106)

Assim, diante de um caso concreto em que se discute o direito à privacidade e o direito à livre
expressão, o intérprete deve atuar de modo a tentar garantir que ambos possam ser aplicados em
medida exata, de forma que um princípio não fique em desarmonia com o outro.

Além desses princípios ou postulados, os estudiosos de direito constitucional afirmam que, na


interpretação, é fundamental a utilização do princípio da interpretação conforme a constituição.

Quando uma norma infraconstitucional admitir vários sentidos ou significados, deve ser privilegiado
aquele que estiver em conformidade com a Constituição Federal, porque esse sentido é o único que vai
evitar que a norma seja retirada do cenário jurídico por ser inconstitucional.

A esse respeito, ensina Alexandre de Moraes:

A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico


e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos
editados pelo poder público competente exigem que, na função
hermenêutica da interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre
concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à
Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias
significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que
apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando
sua declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do
ordenamento jurídico. Extremamente importante ressaltar que a
interpretação conforme a Constituição somente será possível quando a
norma apresentar vários significados, uns compatíveis com as normas
26
DIREITO CONSTITUCIONAL

constitucionais e outros não, ou, no dizer de Canotilho, “a interpretação


conforme a constituição só é legítima quando existe espaço de decisão
( = espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas,
umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas,
e outras em desconformidade com ela.” (MORAES, Op. cit., p. 16‑17)

Quem realiza a interpretação da Constituição Federal com maior habitualidade são os tribunais
federais, em especial, o Supremo Tribunal Federal, também conhecido como Corte Suprema do Brasil.

Observação

O controle de constitucionalidade das leis infraconstitucionais é


fundamental para garantir a unidade legislativa, para impedir que surjam
problemas na aplicação cotidiana do Direito.

4 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Princípios fundamentais são as regras básicas do ordenamento constitucional e, exatamente por


isso, estão previstas no Título I da Constituição Federal brasileira, cujo artigo 1º está assim redigido:

Artigo 1º–A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel


dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui‑se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo jurídico.

Parágrafo único – Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Os princípios elencados no caput (cabeçalho) do artigo são considerados princípios estruturantes e


são a República, a Federação e o Estado Democrático de Direito.

República significa res publica, coisa do povo, e surgiu como uma forma de governo que se opunha
à monarquia. A República foi criada para retirar o poder do soberano e entregá‑lo ao povo. O soberano
reinava de forma absoluta e vitalícia, atento apenas aos seus interesses e sem se preocupar com o bem
estar do povo.

27
Unidade I

A República foi criada para que o poder fosse exercido pelo povo, de forma representativa e com
alternância de governantes.

Ensina Bruno Cesar Lorencini que

Os traços característicos da República são a existência de uma estrutura


político‑organizatória; a elaboração de um catálogo de liberdades; o
reconhecimento de corpos territoriais autônomos, seja sob a forma federativa
(como no Brasil) ou estabelecendo autonomias regionais ou locais (como
Itália e Portugal); a legitimação do poder político (autogoverno mediante
leis elaboradas por representantes do povo) e a opção pela eletividade,
temporariedade e pluralidade como princípios de acesso e exercício de
governo. (LORENCINI, 2010, p. 94)

E Mario Lucio Quintão Soares afirma que

A República é a forma de governo típica da coletividade, em que o poder


e o exercício da soberania são atribuídos não mais a uma pessoa física,
mas ao povo. Numa primeira dimensão jurídico‑constitucional, como
contraponto à monarquia, há uma radical incompatibilidade entre o governo
republicano e o princípio monárquico com seus privilégios hereditários e
títulos nobiliárquicos. (...) a origem desta forma de governo localiza‑se na
res publica, isto é, na comunidade romana que consistia nos negócios do
povo. O povo nada mais era do que uma reunião de número considerável de
indivíduos unidos por vínculo comum sobre leis e direitos e pelo desejo de
participação na comunidade. (SOARES, Op. cit. , p. 340)

E Dalmo de Abreu Dallari ensina que

As características fundamentais da república, mantidas desde o século XVII e


que foram a razão de seu prestígio e de sua receptividade, são as seguintes:
temporariedade – o Chefe do Governo recebe um mandato, com o prazo de
duração predeterminado. E para evitar que as eleições reiteradas do mesmo
indivíduo criassem um paralelo com a monarquia, estabeleceu‑se a proibição
de reeleições sucessivas. Eletividade – na república o Chefe do Governo é
eleito pelo povo, não se admitindo a sucessão hereditária ou por qualquer
forma que impeça o povo de participar da escolha. Responsabilidade – o
Chefe de Governo é politicamente responsável, o que quer dizer que ele
deve prestar contas de sua orientação política, ou ao povo diretamente ou a
um órgão de representação popular. Essas características básicas, entretanto,
sofreram adaptações, segundo as exigências de cada época e de cada lugar,
surgindo peculiaridades que não chegaram a desfigurar o regime. (DALLARI,
Op. cit. , p. 201)

28
DIREITO CONSTITUCIONAL

No Brasil, a República atende a essas três características, ou seja, os governantes são eleitos por um
período de tempo predeterminado na Constituição Federal e governam com responsabilidade, podendo
ser chamados a responder por atos praticados que tenham causado prejuízo ao interesse público e ao
bem comum. Os chefes do executivo federal, estadual e municipal poderão ser reeleitos por uma única
vez, conforme determina a Constituição Federal.

Federação é o outro princípio contido no caput do artigo 1º da Constituição Federal brasileira.

Federação é a forma de organização que pressupõe a existência de vários estados em um mesmo


território, todos unidos em razão da obediência a uma mesma Constituição Federal.

Bonavides ensina:

No Estado federal deparam‑se vários Estados que se associam com


vistas a uma integração harmônica de seus destinos. Não possuem esses
Estados soberania externa e do ponto de vista da soberania interna se
acham em parte sujeitos a um poder único, que é o poder federal, e
em parte conservam sua independência, movendo‑se livremente na
esfera da competência institucional que lhes for atribuída para efeito de
auto‑organização.

Como dispõem dessa capacidade de auto‑organização, que implica o


poder de fundar uma ordem constitucional própria, os Estados‑membros,
atuando aí fora de toda a submissão a um poder superior e podendo no
quadro das relações federativas exigir do Estado Federal o cumprimento
de determinadas obrigações, se convertem em organizações políticas
incontestavelmente portadoras de caráter estatal. (BONAVIDES, Op.
cit., p. 195)

Os estados de uma federação não possuem soberania, mas sim autonomia, porque podem criar leis
que garantam sua organização interna, como leis para arrecadação de tributos, eleição de governadores
e deputados, organização judiciária, entre outras.

No Brasil, todos os estados da federação têm sua própria Constituição Estadual; seu
governador, eleito diretamente pelo povo para um período de governo predeterminado; a
Assembleia Legislativa, para votar leis de organização do Estado; arrecadação financeira, para
que os recursos sejam aplicados na criação de escolas, postos de saúde, hospitais, construção de
habitações populares, estradas, recursos de crédito para agricultura, pequenas empresas, entre
outras tantas obrigações que os estados federativos têm que cumprir em benefício da realização
do interesse público e do bem comum.

29
Unidade I

Norte

Roraima
Amapá

Pará Rio Grande


Amazonas Maranhão Ceará do Norte
Paraíba
Piauí Pernambuco
Acre
Alagoas
Tocantins Sergipe
Rondônia
Bahia
Mato Grosso
Brasília(DF) Nordeste
Centro-Oeste Goiás
Sudeste
Minas Gerais
Mato Espírito Santo
Grosso
do Sul São Paulo Rio de Janeiro

Paraná
Sul Santa Catarina
Rio Grande
do Sul

Figura 3

Por fim, o último princípio estruturante existente no caput do artigo 1º da Constituição Federal é o
Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de ser regido por leis democráticas que respeitem
os direitos individuais e fundamentais do povo. O Estado Democrático de Direito é aquele em que prevalece
a participação do povo na elaboração das leis, por via direta ou indireta (eleição de representantes) e cujo
governo só poderá atuar nos limites do que determina a lei, sem poder ultrapassá‑la ou ignorá‑la.

Marcus Claudio Acquaviva ensina:

(...) podemos extrair alguns princípios da concepção dominante de Estado


de Direito: a) princípio da supremacia da lei (rule of law), com a limitação
do poder pelo direito positivo; b) princípio da legalidade, mediante o qual
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei; c) princípio da irretroatividade da lei, para resguardo dos
direitos adquiridos; d) princípio da igualdade jurídica ou isonomia, pelo qual
a lei vale para todos e, portanto, a todos deve ser aplicada; e) princípio
da independência funcional dos magistrados, consolidado pelas garantias
inerentes ao Judiciário (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de

30
DIREITO CONSTITUCIONAL

vencimentos). A tais princípios acrescentem‑se as garantias constitucionais


de direitos, v. g. , habeas corpus e mandado de segurança, e a responsabilidade
dos agentes públicos quanto aos prejuízos causados aos particulares.
(ACQUAVIVA, 2000, p. 11)

Como se pode perceber, o Estado Democrático de Direito se caracteriza pelo estrito cumprimento da
legislação que atribui a cada poder, Executivo, Legislativo e Judiciário, suas possibilidades de ação e seus
limites, aquilo que pode e o que não pode ser feito, sempre tendo em vista o bem estar social, a proteção
do bem comum e o alcance dos interesses públicos. Nessa modalidade de Estado há a supremacia da
lei que, por sua vez, é criada pelos representantes do povo e tendo como objetivo fundamental, o bem
estar de toda a sociedade.

Nos momentos em que um Estado não está organizado dessa forma, ele está vivendo um regime
de força, de ditadura, aquele no qual os governantes agem por sua própria vontade e sem respeitar a
Constituição Federal.

No Brasil, já tivemos momentos de ditadura como o chamado Estado Novo de Getúlio Vargas e, mais
recentemente, a ditadura militar que se estendeu de 1964 a 1985. Ambos os períodos deixaram marcas
muito duras de arbítrio, violência, tortura e morte praticadas contra brasileiros descontentes com o
regime ditatorial. Essas experiências históricas, que marcaram o Brasil de forma tão dura, inspiraram a
Assembleia Nacional Constituinte eleita em 1986 a declarar, logo no artigo 1º da Constituição Federal,
que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, ou seja, vive e viverá sob império da lei e essa lei,
por sua vez, por ser democrática, será construída por representantes do povo e terá como objetivo
fundamental a proteção do povo, do bem comum, a supremacia do interesse público, como forma de
concretizar a justiça social.

Assim, República, Federação e Estado Democrático de Direito são princípios estruturantes,


porque nos colocam a forma de organização fundamental do Brasil, destacando‑se, principalmente, a
participação popular em todos os principais momentos do país.

Resumo

Nesta unidade, estudamos um pouco da história da Constituição


Federal brasileira de 1988 e sua grande importância para a reconstrução
do Estado Democrático de Direito que temos no Brasil na atualidade.
Também compreendemos o papel da Assembleia Nacional Constituinte
no debate e na construção da Constituição Federal, e o papel e os
limites do Estado no país em que vivemos. Tratamos também da
supremacia da Constituição Federal sobre todas as demais leis do
país, e os instrumentos colocados à disposição do Legislativo, do
Executivo e do Judiciário para que seja feito um permanente controle
de constitucionalidade, de modo a impedir que leis inconstitucionais
sejam colocadas em vigor.
31
Unidade I

Exercícios

Questão 1. Leia atentamente as afirmações abaixo e assinale a correta:

A) O Estado brasileiro, calcado no absolutismo e no poder supremo do Presidente da República,


funda‑se em uma Constituição Federal elaborada por militares e que vigora com o apoio das
Forças Armadas.

B) O Brasil é um país regido pela Constituição Federal, lei de maior importância na estrutura jurídica
do país e cujo controle de constitucionalidade é exercido pelas Forças Armadas em todo território
nacional e, principalmente, nas regiões de fronteira.

C) O Brasil é um Estado Democrático de Direito fundado em uma Constituição Federal construída por
uma Assembleia Nacional Constituinte eleita para essa finalidade e que tem nessa Constituição
a lei de maior importância do país, o que significa que nenhuma lei poderá se contrapor a seus
princípios e normas.

D) O Estado brasileiro é parte integrante da comunidade internacional e deve respeitar os tratados e


acordos internacionais, que são mais importantes que a Constituição Federal, dado o seu caráter
internacional soberano.

E) O Estado brasileiro é regido, em seus aspectos políticos, sociais e econômicos, pela


Constituição Federal, cuja essência é a de um Estado Democrático de Direito, com
prevalência do aspecto confederativo, que une todos os estados e municípios em prol dos
mesmos objetivos.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: o Estado brasileiro não é absolutista, é um Estado Democrático de Direito e o


Presidente da República não tem poder supremo. Ele é o chefe do Poder Executivo, que deve atuar
de forma independente e harmônica com os poderes Legislativo e Judiciário. A Constituição Federal
da República Federativa do Brasil foi elaborada por uma Assembleia Nacional Constituinte formada
por deputados eleitos pelo povo brasileiro. A Constituição Federal vigora com o apoio dos três
poderes da República.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: o controle de constitucionalidade no Brasil não é exercido pelas Forças Armadas, mas
sim pelos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. As Forças Armadas não têm poder algum de
controle de constitucionalidade no Brasil.

32
DIREITO CONSTITUCIONAL

C) Alternativa correta.

Justificativa: o Brasil tem na Constituição Federal sua lei de maior importância. Ela foi elaborada por
uma Constituinte composta por deputados federais eleitos pelo povo, em eleição direta. A Constituição
Federal determina que o país é um Estado Democrático de Direito onde deve imperar a liberdade e o
respeito à pessoa humana.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: os acordos e tratados internacionais dos quais o Brasil se tornar signatário não
são mais importantes que a Constituição Federal, ao contrário, devem estar em consonância com
ela. Os acordos e tratados internacionais assinados por representantes do Governo brasileiro
deverão ser submetidos ao Poder Legislativo Federal para que sejam formalmente admitidos
como legislação nacional.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: o Brasil é organizado na forma de federação e não de confederação. Isso significa


que é composto por estados‑membros ou estados federativos para os quais a Constituição Federal
fixa direitos e deveres, em especial no tocante à sua organização política, legislativa, administrativa
e financeira.

Questão 2. Leia o texto abaixo, extraído de “Aprendendo a Votar”, de Letícia Bicalho Canêdo, capítulo
do livro História da cidadania (p. 540‑541), de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (organizadores),
publicado pela Editora Contexto, em 2003.

O golpe de Estado de 1964, e os vinte anos que lhe seguiram, servem bem
de ilustração para derrubar uma idealização possível quanto a uma história
da cidadania resumida a uma sucessão de etapas legais, ou conquistas
populares, caminhando dentro de um plano preestabelecido para o direito
ao voto, fruto de uma opinião individual.

O regime militar, em meio a toda sorte de casuísmos (abolição dos


partidos existentes nos anos 50, com permissão somente para dois novos
atuarem, eleições presidenciais e para governadores transformadas em
indiretas, fechamento do Congresso em duas ocasiões, entre outros), se
sustentou com base nas eleições proporcionais, que não foram suspensas.
Os candidatos se apresentaram com suas propostas e os eleitores
aceitaram suas atribuições e escolheram seus representantes nas
Câmaras federais, estaduais e municipais. A instituição eleitoral estando
já bem estabelecida, o voto pode servir como garantia à legitimidade
do regime. Bastava que fosse considerado como direito adquirido,
independente de qualquer regime, por meio de ações que incentivassem
seu uso e pregassem sua importância. Os procedimentos burocráticos já
33
Unidade I

existiam, as normas de conduta já haviam sido aprendidas e precisavam


ser estimuladas.

(...)

Todas as manifestações da política popular do início dos anos 60


(greves, petições, passeatas etc. ) foram consideradas desviantes e
vistas como ausência da interiorização do dever cívico. Manuais de
instrução moral e cívica nas escolas e a intensificação das eleições
controladas nas cidades do interior foram soluções encontradas à
supressão das eleições nas capitais e dos partidos políticos, impedidos,
então, de fazer seu trabalho de socialização da cidadania na prática
das ruas. O cidadão selvagem precisava ser civilizado e controlado
pelo Estado.

Leia atentamente as afirmações abaixo:

I. O voto no Brasil é cláusula pétrea constitucional porque é instituto fundamental para


a caracterização do Estado Democrático de Direito. Só o voto caracteriza a democracia,
porque sem ele não há possibilidade alguma de participação popular na vida política do
país.

II. A ideia de voto como celebração máxima da participação popular, no Brasil, está consagrada na
Constituição Federal no artigo 60, parágrafo 4º, o que significa que é um instituto que nenhuma
lei poderá alterar, mesmo que seja uma Emenda Constitucional. Apenas outra Assembleia Nacional
Constituinte poderá promover essa alteração.

III. O voto é um instrumento fundamental de participação popular, mas não é o único e sua existência
não significa, automaticamente, a existência de um Estado Democrático de Direito. Poderão existir
regimes que contemplem a participação popular pelo voto, mas que não sejam, necessariamente,
democráticos.

IV. A participação popular em uma democracia representativa como é a brasileira ocorre por meio
do voto. Todas as outras formas de manifestação popular serão irrelevantes, razão pela qual
a Constituição Federal restringe a livre manifestação do pensamento somente àqueles que se
identificam.

V. A expressão democrática por meio do voto é essencial no sistema republicano adotado no Brasil e
todos os direitos fundamentais somente terão sua validade legitimada se o exercício do voto for
realizado em sua plenitude.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Assinale a alternativa correta:

A) I e V.

B) II e IV.

C) II e III.

D) I e III.

E) II e V.

Resolução desta questão na plataforma.

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