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A EVOLUÇÃO DO FACT-CHECKING COMO

ATIVIDADE JORNALÍSTICA NO BRASIL


LACUNAS E TENDÊNCIAS

Denise Becker1

RESUMO
Este artigo discute as abordagens sobre fact-checking sob o aspecto global e no
jornalismo brasileiro, como checagem de fatos e jornalismo de verificação, a
partir de uma revisão daquilo que foi pesquisado na última década, retomando
algumas definições sobre notícia falsa, desinformação e pós-verdade. A partir
dessa visão de jornalismo de checagem, de verificação, procura-se estabelecer
novos parâmetros de pesquisa que indiquem tendências acerca do fact-checking
e da sua evolução enquanto atividade jornalística.

PALAVRAS-CHAVE
Fact-checking; Jornalismo de verificação; Pós-verdade; Notícia falsa.

ABSTRACT
This article discusses the fact-checking approaches from a global perspective
and in Brazilian journalism, such as fact checking and verification journalism,
from a review of what has been researched over the past decade, returning
to some definitions of false news, misinformation and post -truth. From this
view of verification, verification journalism, we seek to establish new research
parameters that indicate trends about fact-checking and its evolution as a
journalistic activity.

KEYWORDS
Fact checking; Verification journalism; Post truth; Fake news.

1
Pesquisadora dedicada ao estudo do fact-checking e seus impactos no jornalismo brasileiro. Jornalista
formada pela Universidade Positivo, pós-graduanda na mesma instituição (2019) e mestranda na Universi-
dade Federal de Santa Catarina (2019). E-mail: denisebeckerjor@gmail.com.

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INTRODUÇÃO
Quando analisamos trabalhos científicos com foco no fact-checking,
chama a atenção a ascensão dessa atividade no mundo. Os números de
pontos de verificação de fatos aumentaram para 188 e a atividade é exer-
cida em mais de 60 países, com crescimento especial na Ásia e na Améri-
ca Latina2. O fact-checking, checagem ou verificação de fatos no jornalis-
mo, é uma técnica de apuração empregada por jornalistas que buscam a
exatidão de um fato. Graves (2013) define os elementos que jornalistas-
-checadores cultivam para nomear o que eles fazem, como jornalismo de
responsabilização, jornalismo explicativo ou de serviço.
O fact-checking é uma atividade jornalística voltada à checagem e à
verificação de fatos, com ênfase em temas políticos. Além disso, trabalha
com fatos e discursos já existentes e divulgados, confrontando-os com da-
dos, pesquisas e registros oficiais. Apresenta um tipo textual jornalístico
com estilo próprio de noticiar, mas que ainda não se consolidou a ponto
de ser definido como um “gênero”.
A prática da checagem de fatos no Brasil ganhou maior destaque em
períodos eleitorais, desempenhando uma atividade mais volumosa na cam-
panha eleitoral de 2018, com iniciativas de verificação dos discursos de
candidatos aos cargos de governador, senador, deputado federal e estadual
e, finalmente, presidente da República. Agências de fact-checking tiveram
nas eleições o seu apogeu, período de informações fartas circulantes em
todos os meios de comunicação e redes sociais – momento oportuno para o
escrutínio das notícias e dos discursos de figuras públicas na cena política.
Ao estudar a verificação de fatos no jornalismo, corrobora a observação de
que os veículos dedicados à prática enfatizam os temas políticos, com base
em discursos de autoridades, figuras públicas e parlamentares.
Neste artigo, revisaremos algumas definições já publicadas da ativi-
dade, as condições e contexto em que esta vertente se desenvolve, come-
çando pelo surgimento da verificação de fatos no jornalismo e o contexto
global em que surgiu. A partir do que já foi estudado sobre a atividade,
pretende-se identificar tendências e lacunas sobre o tema.

ORIGEM E DEFINIÇÕES DO FACT-CHECKING NO MEIO DIGITAL


A iniciativa e os métodos adotados hoje, do fact-checking como pro-
duto digital, foram praticados pela primeira vez em 2003 na internet pelo

2
Notícias de checagem de fatos do Duke Reporter’s Lab (11-06-2019) – Centro de Pesquisa em Jornalismo na
Sanford School of Public Policy na Duke University. Disponível em: <bit.ly/2Jo9vaE>. Acesso em: 11 jun. 2019.

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site Factcheck.org3, nos Estados Unidos, do Annenberg Public Policy Center
da Universidade de Pensilvânia. O site é considerado pioneiro em checa-
gem no meio digital. Depois dele, veículos como The Washington Post e
New York Times também adotaram a prática.
Pela observação e acompanhamento de como é realizada a checagem,
entende-se que checar uma informação seria escolher palavras de um dis-
curso ou informação de conhecimento público (já publicada) e verificar,
buscando dados, pesquisas e estatísticas para embasar tal discurso ou
informação, por meio de critérios jornalísticos de apuração e checagem
especializados, se o que foi informado é verdadeiro.
Segundo sites que realizam a prática, a checagem qualifica o de-
bate público, promove a transparência e contribui para a democracia.
No entanto, a checagem é um trabalho próprio do jornalista dentro das
atribuições de apuração e acontece antes e/ou durante o processo de
produção da reportagem. O fact-checking é um processo relativamente
novo, na forma como é estruturado e é posterior à publicação ou divul-
gação de um documento, discurso, reportagem, áudio ou vídeo. Repre-
senta ser uma produção jornalística sobre outra produção jornalística,
já que a verificação de fatos trabalha com notícias publicadas em algum
meio de comunicação e redes sociais. Não significa dizer que os jorna-
listas não realizassem a checagem no passado, porém, parece ser estru-
turado de forma diferente, adaptado ao meio digital, com metodologias
próprias, bem descritas e, em tese, transparentes quanto aos caminhos
que levaram àquela informação, permitindo que o mesmo percurso in-
vestigativo seja realizado por outra pessoa com habilidades digitais in-
teressada em verificar a notícia.
A necessidade dessa atividade surgiu, segundo os próprios jornalis-
tas-checadores, devido à proliferação das populares “notícias falsas”, fe-
nômeno crescente na internet e redes sociais, desde 2016.
Está claro que há a necessidade de criar mecanismos eficientes de
vigilância sobre o poder público, assim como em outras atividades jor-
nalísticas, pois de forma global, o jornalismo está num processo de
transformação. Hoje a experiência vivida por jornalistas profissionais é
fragmentada, especializada e em rede (DEUZE; WITSCHE, 2015). Antes
do fact-checking, a checagem era realizada somente nas redações e hoje
é realizada por agências especializadas e se dá em meio à circulação de
notícias na internet e em redes sociais. Algo que surgiu há menos de dez
anos no Brasil e, aos poucos, a sociedade, o mercado e a mídia também

3
Annenberg Public Policy Center. Disponível em: <bit.ly/2ZTF5Tq>. Acesso em 11 jun. 2019.

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acompanham. Os canadenses Charron e Bonville (2016), ao realizarem
uma análise sobre paradigma jornalístico e os tipos de jornalismo a partir
das décadas de 1970 e 1980, explicam que mesmo diante das mudan-
ças aparentes em décadas anteriores, o jornalismo entra em uma fase de
transformação: “a implantação rápida da internet [...] a produção, difusão
e consumo de informação colocam produtores e consumidores de infor-
mação em um ambiente midiático em plena mutação” (CHARRON; BON-
VILLE, 2016, p. 30).
No caso da verificação de fatos, os métodos utilizados pela práti-
ca do fact-checking se dá basicamente em cima de fatos já divulgados,
até mesmo conversas em redes sociais e aplicativos de mensagens. Esse
ambiente midiático em mutação traz mudanças significativas aos mo-
delos tradicionais de produção e publicação de notícias, algumas vezes,
comprometendo o rigor e a precisão. No contexto atual há um imedia-
tismo para publicar conteúdos, e a pressa faz com que o jornalismo cor-
ra contra o tempo, comprometendo a verificação das informações. “É o
viés da velocidade sobre a precisão embutido na tecnologia. No campo
das notícias e informações, a velocidade é inimiga da precisão” (KOVA-
CH; ROSENSTIEL, 2010, p. 43).
O crescimento global da atividade do fact-checking pode represen-
tar uma forma de minimizar essa lacuna entre velocidade e precisão para
auxiliar, apoiar o trabalho de jornalistas sem tempo para apurar informa-
ções. O resultado desse esforço poderá ser um público mais capacitado e
seguro ao consumir notícias.
A atividade de checagem no mundo, para ser exercida e ter credibi-
lidade deverá ser certificada pela International Fact-checking Network
(IFCN) criada pelo Poynter Institute4, que estabeleceu uma metodologia
e códigos de princípios e aqueles que os seguem ganham um “selo de
qualidade”.

CONTEXTO DE SURGIMENTO DO FACT-CHECKING NO BRASIL


No dia 6 de agosto de 2014 surgiu o primeiro blog com dedicação
exclusiva às checagens da cobertura política das eleições de 2014: o Preto
no Branco, criado pela jornalista Cristina Tardáguila, à época, editora do
jornal O Globo. No mesmo ano nasceu o Truco, projeto de checagem de fa-
tos da Agência Pública. A inspiração para o blog Preto no Branco foi o site

4
Poynter Institute. Disponível em: <bit.ly/2MSALBn>. Acesso em: 11 jun. 2019.

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argentino Chequeado (2010)5, referência na América Latina. Porém, nas
eleições de 2010, a Folha de S. Paulo já dava os primeiros passos para
uma cobertura com base na checagem das declarações de políticos na
seção Mentirômetro6 mantida apenas durante aquela eleição. A agência
Aos Fatos iniciou suas atividades em 2015, com ênfase na realização de
verificações. Tardáguila migrou do blog Preto no Branco para inaugu-
rar uma nova atividade, a Agência Lupa7, em parceria com a Folha de S.
Paulo e a Revista Piauí. Devido à proeminência da atividade, os meios de
comunicação já consolidados também passaram a realizar fact-checking
ou a contratar agências especializadas. O portal de notícias G1 iniciou a
atividade com o É ou Não É e depois substituiu a editoria para Fato ou
Fake8, em julho de 2018. Na televisão a NSC Comunicação foi a primeira
a anunciar, em março de 2018, o Prova Real, uma iniciativa de “fact-che-
cking ou debunking” (verificação de fatos e discursos) ou (desmistifica-
ção de boatos). O Fato ou Fake foi a segunda iniciativa de checagem em
TV. O objetivo de realizar um jornalismo colaborativo foi o que inspirou
o Comprova9, que reuniu jornalistas de 24 diferentes redações de todo
país para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e
falsas durante a campanha eleitoral de 2018.
Tais iniciativas surgem numa era em que o jornalismo passa por
transformações significativas e os inúmeros estudos dedicados a tratar
de jornalismo, com raras exceções, não acompanham as transformações
pelas quais a profissão passa. Desde seu surgimento, o jornalismo passa
por transformações, se reinventa e está em constante evolução (PAVLIK,
2001; KOVACH; ROSENSTIEL, 2011). As mudanças são tão impactantes
que não há como determinar como será o jornalismo daqui dez anos, ou
até mesmo no futuro próximo. Os esforços são para compreender como
o jornalismo acontece no contexto atual. A tecnologia incorporada à lida
diária da profissão já não é novidade. A cada dia surgem ferramentas no-
vas e uma variedade de possibilidades para se contar uma história em
múltiplos formatos. O desafio está em compreender como utilizar as po-
tencialidades da tecnologia no jornalismo digital, explorando as melhores
práticas. Hoje o jornalismo para ser produzido depende de uma série de
contribuições além das tradicionais relações entre os editores, jornalistas
e as fontes, base essencial da ação jornalística (CHAPARRO, 1996).

5
Chequeado. O primeiro site na América Latina dedicado ao fact-checking. Disponível em: <bit.ly/2Kc6D1Y>.
Acesso em: 11 jun. 2019.
6
Mentirômetro. Folha de S. Paulo. Disponível em: <bit.ly/2R4wsBB>. Acesso em: 11 jun. 2019.
7
Lupa. Disponível em: <bit.ly/2K5rQe9>. Acesso em: 11 jun. 2019.
8
Fato ou Fake. G1. Disponível em: <glo.bo/2K5Bc4E>. Acesso em: 11 jun. 2019.
9
Projeto Comprova. Disponível em: <bit.ly/2IEbANJ>. Acesso em: 11 jun. 2019.

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As mudanças na comunicação e os acontecimentos da primeira dé-
cada do século XXI estão impactando socialmente a presente década,
com o surgimento do que Manuel Castells denominou de autocomuni-
cação – o uso da internet, redes sem fio e das plataformas de comuni-
cação digital. Com isso, “a produção da mensagem é decidida de modo
autônomo pelo remetente, a designação do receptor é autodirecionada
e a recuperação de mensagens nas redes de comunicação é autossele-
cionada” (CASTELLS, 2013, p. 12). Participam do processo jornalístico
atual outras figuras, além das fontes e dos jornalistas: robôs, algoritmos
e o próprio usuário. Hoje o contexto é de interatividade e participação,
descentralização e horizontalidade nos processos comunicacionais. O
público é participante da construção da notícia e interfere na produção
jornalística: ele mesmo escreve, filma, edita, publica e exerce influência
nos conteúdos informativos (KPEROGI, 2011).
O fact-checking surge numa época de discussões teóricas sobre qual
jornalismo estamos falando – e precisa ser observado sob uma pers-
pectiva diferente das tradicionais. A busca atual é de pesquisadores que
compreendam o período de reconstrução dos conceitos e definições do
jornalismo, “que o vê como um objeto em movimento, algo semelhante a
um tornar-se, em vez de um ser” (DEUZE; WITSCHE, 2015, p. 8). Assim,
a tecnologia e seus artefatos são ferramentas de aprimoramento para o
desempenho da atividade jornalística e impulsionam as transformações
e inovações na profissão para além das tradicionais definições de jorna-
lismo, como ideologia, verdade e objetividade. O momento é de lançar
novos olhares, oportunidade ímpar para que o jornalismo encontre ca-
minhos para se aproximar e conversar mais com a sociedade, para que
esta entenda o papel do jornalista. Esses fatores comprovam que a ati-
vidade jornalística continua sendo necessária para situar as pessoas em
meio às notícias, mas com uma nova configuração, explorando outros
meios e canais de interação com a sociedade.
Contudo, o uso de novas ferramentas digitais trouxe problemas. Só
para citar como exemplo, as plataformas como Facebook e Twitter, Insta-
gram e WhatsApp são mantidas por empresas cujos proprietários ditam
regras próprias, controlam o que pode ou não ser publicado e o que deve
ou não ter maior alcance e visibilidade.

POR QUE A CHECAGEM DE FATOS ESTÁ EM ASCENSÃO?


Desde 2016, termos como: notícias falsas (fake news), desinforma-
ção e pós-verdade são motivações para o fact-checking. Termos estes

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que ganharam destaque no noticiário televisivo, no rádio, na internet,
nas redes sociais e nas páginas de artigos científicos, cujos autores
se dedicam às pesquisas e estudos para tratar de compreender o que
está acontecendo no mundo. O termo notícia falsa já foi amplamente
discutido e encontra respaldo nas definições de Allcott e Gentzkow
(2017), que se referem às mensagens que viralizam, fabricadas com
o propósito de enganar, mas que, no entanto, têm aparência de uma
notícia. Os estudiosos as definem como artigos de notícias que são
intencional e verificadamente falsos, e poderiam enganar leitores. As
motivações para a produção desses conteúdos seriam financeiras e
ideológicas, que viralizam e fornecem cliques aos produtores que po-
dem ser convertidos em receita e publicidade. Por outro lado, outros
provedores criam falsas notícias para promover ideias particulares ou
pessoas que eles favorecem, muitas vezes por desacreditar os outros
(ALLCOTT; GENTZKOW, 2017, p. 213).
Claire Wardle, da First Draft News, identificou um cenário caótico
de desinformação, conteúdo enganoso e fake news (WARDLE, 2018). Ela
defende que é preciso ensinar às pessoas o significado das palavras. A
pesquisadora aconselhou o jornalismo a não se apropriar do termo fake
news, pois, segundo ela, ele não daria conta da complexidade do fenôme-
no. Ela prefere a palavra desinformação, e a define como invenção delibe-
rada de mentiras para atingir um objetivo específico, compartilhamento
impulsivo de informações falsas que expõem a credibilidade de veículos
e instituições, principalmente em períodos eleitorais (WARDLE, 2018).
A autora compreende o momento atual como a “era da desinformação” e
suas pesquisas buscam encontrar formas de combater a desinformação
pela qual as pessoas estão expostas; o mais importante, para ela, é criar
mecanismos para que o público entenda as motivações que levam a fabri-
cação de notícias falsas.
O entendimento dessas definições permitiu o uso de uma nomen-
clatura que consideramos mais apropriada, a de notícias fraudulentas
– com a aparência de notícias, assim nomeada pelo colunista do Jornal
da USP Carlos Eduardo Lins da Silva (2018)10. Essa definição permitiu
à autora deste artigo considerar que as notícias ditas falsas são uma
velha estratégia para enganar, só que adaptada à era digital e a suas
plataformas. Aqui no Brasil, sites de notícias conservadores, autorida-
des, parlamentares e alguns blogueiros têm usado notícias falsas para
enfraquecer os veículos de comunicação tradicionais e jornalistas pro-

O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva assina a coluna Horizontes do Jornalismo no Jornal da Rádio
10

USP. O conteúdo é disponibilizado em áudio. Disponível em: <bit.ly/2RijX5w>. Acesso em: 14 jun. 2019.

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fissionais. O advento da internet, as tecnologias, o uso de smartphones,
a facilidade que há para um indivíduo adquirir um pacote de dados
com acesso à internet móvel e a falta de habilidade das pessoas a tais
artefatos têm efeitos e consequências graves. O principal é a falta de
compreensão para ler uma notícia e identificar sua origem, o que com-
promete tomadas de decisões e entendimento do contexto social por
parte dos indivíduos.

A PÓS-VERDADE
Há certos tipos de pessoas que se organizam em grupos, comu-
nidades nas redes sociais que acreditam, por exemplo, que a Terra é
plana. O grupo Terra Plana Brasil Exclusivo11 tem mais de 16 mil inte-
grantes no Facebook. Para fazer parte da comunidade é preciso aten-
der a alguns critérios verificados pela administração do grupo, que
aceita ou não uma pessoa como membro. São diversas páginas sobre
o tema no Facebook, canais no YouTube, dedicados a versões alternati-
vas para aquilo que a ciência levou anos e anos estudando, testando e
comprovando, desde as suposições de Aristóteles sobre a esfericidade
da Terra até a publicação de Isaac Newton sobre a Lei da Gravitação
Universal, em 168712.
Há uma onda conservadora e generalizada de negação da ciência
por parte da população mundial que rejeita as bases centrais de susten-
tação de todo conhecimento científico já produzido até aqui. São pesso-
as que duvidam de fatos científicos e passam a acreditar naquilo que vai
ao encontro de suas ideias, o que é mais confortável, o que gera emoção,
que pode estar relacionado ao que o dicionário de Oxford13 elegeu como
palavra do ano de 2016: post-truth (pós-verdade) é um termo “relativo
ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos in-
fluentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais”.
Um assunto que abre outras discussões que não caberia neste artigo,
mas para uma abordagem mais ampla sobre pós-verdade, jornalismo e
notícias no meio digital. No caso do fact-checking, que busca a verdade
dos fatos, parece um esforço sem muitos resultados devido às conexões
das organizações de notícias com as redes sociais, Google, WhatsApp e

11
Página do grupo Terra Plana Brasil Exclusivo no Facebook. Disponível em: <bit.ly/2Rl4K3v>. Acesso
em: 15 jun. 2019.
12
BBC Brasil. Quem são e o que pensam os brasileiros que acreditam que a Terra é plana. 16 de setembro
de 2017. Disponível em: <bbc.in/2INyK4c>. Acesso em: 15 jun. 2019.
13
Dicionário de Oxford. Definição de pós-verdade. Disponível em: <bit.ly/2wLXV1D>. Acesso em: 11
jun. 2019.

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as comunidades conectadas com pensamentos uniformes. São alguns
desafios a serem enfrentados pelos meios de comunicação nos próxi-
mos anos e que podem inspirar novos estudos sobre pós-verdade e o
jornalismo como instrumento para construção social.
Conceitos basilares sustentam a definição de notícia como produto
final de um processo complexo que se inicia na escolha e seleção sistemá-
tica de acontecimentos e tópicos de acordo com um conjunto de catego-
rias socialmente construídas (MACDOUGALL, 1968; TRAQUINA, 2016). É
um processo técnico realizado geralmente por um jornalista profissional,
com rigorosa disciplina, que reconhece e respeita princípios éticos e de-
ontológicos da profissão. Entretanto, essa configuração passa por altera-
ções e o cidadão comum, o usuário de internet e redes sociais também
passa a construir as notícias e, ainda, a escolher aquilo que ele identifica
como uma notícia, segundo critérios próprios de seleção, valores e cren-
ças, as publica e distribui, reconfigurando os critérios de noticiabilidade
consolidados da prática jornalística.
Isso reforça a busca de estudos que se debrucem nessa nova configu-
ração, na tentativa de encontrar maneiras de conectar o jornalista a esse
tipo de público. A notícia fraudulenta se alastra em redes sociais, aplica-
tivos e grupos de mensagens e reforça a necessidade de habilitar as pes-
soas a identificá-las. O fact-checking se propõe a “controlar e minimizar”
sua disseminação. O que nos leva a identificar como possível vetor nes-
se ecossistema de desinformação, o próprio leitor, usuário, cidadão, que
maneja smartphones, aplicativos e plataformas de acesso à informação. O
jornalismo atualmente faz parte de um ecossistema com novos recursos,
como uma explosão de dados digitais e de capacidade de processamen-
to, com novas oportunidades em parcerias de baixo custo (ANDERSON;
BELL; SHIRKY, 2013).
Dessa forma, ao se analisar o contexto atual, não podemos estudar
as transformações do jornalismo sem dar a devida atenção às novas
práticas que surgem como consequência das transformações na ati-
vidade jornalística e os atores que compõem esse ecossistema digital,
cujos integrantes são o jornalista, o cidadão, artefatos tecnológicos,
plataformas e grandes empresas de mídia. Portanto, a sociedade ne-
cessita de jornalistas, educadores, cidadãos capazes de lidar com um
estado permanente de mudanças em conjunto com faculdades, empre-
sas e o poder público.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse cenário pela busca da verdade nas informações, a expressão
fake news foi utilizada repetidamente nas eleições americanas, em 2016,
e passou a acompanhar os discursos do presidente eleito, Donald Trump,
desde que assumiu o cargo, em 2017. Ele foi o precursor das suspeitas so-
bre a mídia divulgar notícias falsas. Desde então, as pesquisas para tratar
das notícias falsas são o objeto de inúmeros estudos pelo mundo (DEO-
DATO; SOUSA, 2018).
Apesar do esforço e dedicação, a prática de checagem não obteve o
êxito esperado e nem poderia, pois o fact-checking é, necessariamente,
reativo e, aqui cabe uma analogia: a polícia não tem capacidade para pre-
venir crimes, mas é cobrada pela resolução. O fact-checking não teria po-
der para inibir mentiras, mas precisaria encontrar maneiras eficazes de
combatê-las de forma rápida (antes que se tornem um problema social).
Somente no Facebook, em julho de 2018, havia 127 milhões de usuários
ativos mensais no Brasil e no WhatsApp, 120 milhões14. Detectar notícias
suspeitas neste cenário chega a ser utópico. Um estudo15 já comprovou
que notícia verdadeira chama menos a atenção, pois é 70% maior a dis-
seminação de “notícias falsas” na internet “esse termo foi irremediavel-
mente polarizado em nosso atual clima político e midiático” (VASOUGHI;
ROY; ARAL, 2018). Toda eleição polariza o país. A última, que elegeu Jair
Messias Bolsonaro como presidente da República, teve algo diferente: a
distribuição de boatos via WhatsApp.
Então, o que há de novo no jornalismo que realiza fact-checking?
Kovach e Rosenstiel (2014) dão ênfase à transparência como forma
de criar um jornalismo colaborativo, ou seja, a transparência como
forma de convidar o público para a produção de notícias (KOVACH;
ROSENSTIEL, 2014). Em 2010, os autores já destacavam a importância
da verificação, na checagem de fatos como método para ser aplicado
em reportagens. Para Graves (2013), encontrar fatos para verificar en-
volvem julgamentos da legalidade, da imparcialidade, da praticidade
e de alguns críticos para ter validade científica. Para grupos especia-
lizados na verificação de fatos, invariavelmente significa criar e esta-
belecer políticas sobre quais tipos as reivindicações podem ou devem
ser verificadas e quem na vida pública merece este tipo de escrutínio
(ibid.). Porém, a meta principal é sempre a mesma: “contar a verdade

14
Folha de S. Paulo. Facebook chega a 127 milhões de usuários mensais no Brasil. Disponível em: <goo.
gl/Sy4hWr>. Acesso em: 1 mar. 2019.
15
Science. The spread of true and false news online, 2018. Disponível em: <goo.gl/pjVt2J>. Acesso em:
1 mar. 2019.

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de forma que as pessoas disponham de informação para sua indepen-
dência” (KOVACH; ROSENSTIEL, 2004, p. 33. Embora as mudanças tec-
nológicas, econômicas, sociais e culturais estejam impactando o modo
de vida das pessoas, elas precisam saber o que acontece nas suas cida-
des e no mundo, pois “o conhecimento do desconhecido proporciona
segurança, planejamento e administração das próprias vidas” (ibid.).
Nesse universo de iniciativas jornalísticas que criam produtos novos e
nascem para a internet, em dispositivos móveis, tablets e aplicativos,
vislumbra-se as organizações de fact-checking, que produzem conteú-
do para rádios, televisão, mídia on-line, impresso e estão disponíveis
para leitura em várias telas. Ao perceber essa nova atividade no jor-
nalismo brasileiro, as grandes empresas de mídia estão aplicando este
tipo de jornalismo.
O berço do fact-checking é estadunidense e o primeiro pesquisador
a estudar as três primeiras iniciativas de checagem foi Graves (2013).
Para ele, a prática é um “movimento de reforma” do jornalismo. Ainda
segundo Graves (2016, p. 9), os jornalistas-checadores contestam a
tradicional cobertura de notícias ao realizar a checagem de fatos, que
integra um “ecossistema contemporâneo de notícias em rede”. A revi-
são de literatura permitiu ainda encontrar estudos que contemplam a
temática da pós-verdade, a metodologia do fact-checking, analisando
os critérios de seleção até a publicação de uma notícia verificada (PEI-
XOTO; SOUZA, 2018).
O fact-checking se apresenta como uma ferramenta imprescindível
para informar, educar e prevenir o cidadão, pretende combater a mentira
e mostrar veracidade. É possível, no entanto, determinar de forma binária
a verdade ou a mentira? A prática da atividade seria mesmo uma críti-
ca ao jornalismo realizado pela mídia tradicional capaz de transformar o
modelo até aqui seguido?
Importante considerar que não basta o olhar do jornalista ao sele-
cionar uma notícia para aplicar selos de veracidade, trata-se de ques-
tões subjetivas, de interpretações da realidade. Se faz necessário per-
ceber qual o lugar do público nesta recepção das informações, onde há
interferência de culturas e costumes, de hábitos de leitura, de leitura
crítica da mídia. Envolve outras questões como acesso à educação, saú-
de, transporte, alimentação, direitos humanos, assuntos que precisam
ser levados em consideração ao tratar de informação e da maneira que
o público tem acesso a ela. Quem é o público com acesso aos conteúdos
provenientes de fact-checking e que reconhece essa atividade no jor-
nalismo? Afinal, teria algum valor para futuros estudos descobrir para
quem esse tipo de jornalismo é feito?

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Como forma de revisar as abordagens já publicadas sobre fact-
-checking no jornalismo brasileiro foram encontrados estudos sobre as
agências de checagem, origem da atividade no mundo, a metodologia
adotada pelos verificadores, fake news, pós-verdade, mas ainda existem
lacunas sobre esse tema, que não pode ser esgotado ou se limitar à prá-
tica da checagem e quem as realiza. Lançar olhares além das rotinas
produtivas e de como se comportam os jornalistas, como se adaptam e
enfrentam as transformações na prática profissional são muito impor-
tantes, no entanto, se faz urgente encontrar maneiras de retomar a cre-
dibilidade, o lugar que o jornalismo um dia ocupou na sociedade – de
guardião, comprometido com a verdade dos fatos, exato, isento e com
relevância social. Menos opinativo, mais contextualizado e explicativo.
Um jornalismo dedicado a conhecer o público que futuramente irá ga-
rantir a sustentabilidade dessa profissão. Desse modo, as explorações
até aqui apresentadas pretendem inspirar estudos que mostrem nos ní-
veis do indivíduo e sociedade, seu nível de entendimento do que é fact-
-checking e sua importância, se é relevante e sob quais aspectos, de que
maneira a atividade contribui para compreensão da atividade jornalís-
tica, construção da democracia e manutenção dos direitos e liberdades
conquistadas até aqui, no Brasil.
Um dos pontos principais que os pesquisadores em jornalismo
precisam se preocupar é que os jornalistas estão em um novo momen-
to profissional no que se refere ao ambiente de trabalho, às ferramen-
tas disponíveis, à indústria como um todo e às diversas formas que as
tecnologias e a internet permitem se comunicar com o público, contex-
to este no qual os jornalistas ainda exploram pouco.

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