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Maria Miranda
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29/10/2019 Corpo – Ela curou o próprio cérebro | Superinteressante
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Durante boa parte de sua vida, Jill Taylor tinha estudado o cérebro. Em Harvard, a
neuroanatomista pesquisava, dava aulas e, munida de um violão, tentava convencer as pessoas
a doar seu cérebro após a morte em nome da ciência. Mas a maior aula sobre seu objeto de
estudo viria somente quando Taylor tinha 37 anos, na manhã de 10 de dezembro de 1996.
Assim, cou cada vez mais entregue ao lado direito de seu cérebro, ligado às emoções e
abstrações. Quando foi ao chuveiro, não podia mais discernir onde seu corpo começava e onde
ele terminava. Passou a se perceber como um uido, parte do universo, numa paz interior nunca
incomodada pela voz da razão – “Tal como a chegada ao nirvana ou o retorno ao estado fetal”,
compara. Era uma paz interior perigosamente atrativa, e Taylor precisou de um grande esforço
para, em ashes de lucidez, buscar ajuda.
Apenas para tentar lembrar o telefone do trabalho, demorou 45 minutos. Quando nalmente
conseguiu e foi atendida por um colega, percebeu, surpresa, que sua fala não articulava palavras
inteligíveis. A essa altura, seu braço direito já estava paralisado. A cabeça explodia de dor.
Felizmente, o amigo reconheceu sua voz e conseguiu ajuda.
Tudo isso a cientista descreveu detalhadamente em 2006 no livro A Cientista Que Curou Seu
Próprio Cérebro. Até onde se sabe, é o primeiro relato em primeira pessoa sobre um derrame
escrito por alguém tão familiarizado com o funcionamento do cérebro. A nal, durante todo o
tempo em que viveu sem habilidades importantes, Jill manteve a consciência, o que possibilitou
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que aquelas experiências pudessem ser gravadas na memória – mesmo que, àquela altura,
parecessem Ainda
um apanhado de ashes incompreensíveis imersos num mundo de caos. Assine
que
ela submergisse num estado quase fetal, sua grande preocupação era guardar aquela
experiência e dividi-la quando – e se – conseguisse recuperar-se.
Ainda em dezembro de 1996, teve que se submeter a uma cirurgia no cérebro para retirar um
coágulo do tamanho de uma bola de golfe. Àquela altura, após vários exercícios com ajuda da
mãe, Jill já tinha reconquistado uns passinhos e melhorado muito a comunicação, embora ainda
fosse impossível ler uma palavra ou somar 1 + 1. O procedimento poderia impedir que um novo
derrame ocorresse, mas também trazer o risco de que ela nunca mais pudesse falar.
Após quase um dia na mesa de cirurgia, a cientista acordou metade careca, com uma imensa
cicatriz acima da orelha e sentindo a cabeça pegar fogo – mas ainda conseguindo falar o que
tinha reaprendido até ali. Esse foi seu primeiro sucesso.
Os progressos seguintes vieram com muito esforço. Para montar um quebra-cabeças infantil de
12 peças, era preciso reaprender o que eram cantos e descobrir que havia diferenças entre
cores. Cada exercício a deixava exausta e requeria 6 horas de sono intercaladas por 20 minutos
acordada, para repor energias. Foi preciso reaprender o que é grama, o que é neve, o que é a
visão em 3 dimensões.
Cada pequena vitória merecia uma comemoração, mas Jill não imaginava que poderia voltar ao
trabalho acadêmico. Ainda assim, a recuperação seria completa em 8 anos. Bastaram dois anos
para ser contratada novamente para dar aulas. A nal, tinha sua memória intacta, e a capacidade
de se comunicar estava reabilitada.
No 4o ano, já conseguia caminhar de modo sua-ve, menos robótico, como a maioria das
pessoas. Foi mais ou menos na mesma época que recuperou o raciocínio matemático, o mais
prejudicado.
Passados 6 anos desde o derrame, Taylor subia dois degraus de escada por vez. Mais um ano, e
seus sonhos deixaram de ser apenas fragmentos para voltar a ter um enredo.
Por m, deixou de se sentir como um uido, em contínuo com o universo. Foi quando se de niu
como recuperada por completo. Sua vida voltou ao que era antes – incluindo as serenatas
pedindo doações de cérebro pela ciência. “Aprendi tanto com o derrame que realmente me sinto
sortuda por ter passado por essa jornada”, escreve ela.
Para Taylor, o nirvana está a apenas um pensamento de distância e qualquer um pode atingi-lo
sem ter que passar por tamanho trauma físico. “De uma perspectiva biológica, felicidade é o
estado natural para o lado direito do meu cérebro”, escreve.