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ENSINO PARA A DIVERSIDADE UMA SALA DE AULA SEM FRONTEIRAS

A Educação para a Diversidade, surgiu em Israel e já foi adotada em vários países para abarcar
a heterogeneidade do povo judeu decorrente das inúmeras levas migratórias, parte da
preservação da noção de singularidade para manter viva a identidade judaica, apontando para
uma reformulação pedagógica em que a aprendizagem e o ensino extrapolam os domínios da
sala de aula.

Sem retirar do professor o lugar magistral, e considerando a existência da diversidade entre os


alunos, uma proposta desenvolvida há mais de 25 anos assume posição de destaque dentre as
reflexões e práticas ligadas à Educação. Concebida por um grupo de pedagogos e educadores
israelenses, a Educação para a Diversidade surgiu em Lavne, cidade situada na região central de
Israel. Em razão das levas migratórias, uma mesma sala de aula acolhia alunos judeus
marroquinos, poloneses, sulamericanos, israelenses, mescla cultural que, a princípio, parecia
impossibilitar o trabalho docente.

A busca por estratégias que viabilizassem o desenvolvimento desses alunos culminou com o
aparecimento de um pequeno projeto intitulado Ensino Experimental por Unidades, elaborado
com o Centro de Tecnologia Educativa de Tel-Aviv (CTE), o Departamento de Educação da
Universidade de Tel-Aviv e o Ministério de Educação e Cultura de Israel. O passo seguinte,
resultante dos avanços constatados, foi a criação da Unidade de Ensino Adequado (HORAÁ
MUTEMET), expandindo suas atividades não só em numerosas escolas israelenses, como
também nas diferentes comunidades da Diáspora (fora de Israel).

A implantação foi realizada por equipes de desenvolvimento do CTE. O objetivo permaneceu o


mesmo: desenvolver o interesse e a autonomia dos alunos, preservando sua singularidade e
mantendo “viva” a identidade judaica. Por meio de sistemas de ensino diversificado, o
professor, detentor de uma formação profunda e especializada, incentiva o processo de
aprendizagem desenvolvendo espaços de estudos enriquecidos que extrapolam os domínios da
sala de aula. Além disso, a Educação para a Diversidade permite que todo docente adote
critérios, medidas e instrumentos a partir dos quais poderá responder às necessidades dos
alunos, considerando os conteúdos previstos e a relação dos mesmos com as diversas áreas e
disciplinas. A implantação da proposta sugere uma atualização teórica e prática para
reformular os planejamentos pedagógicos, pautados no currículo oficial. O caráter aberto e
genérico que marca o trabalho com os conteúdos traz a possibilidade de ampliar os objetivos e
as estratégias de aula, bem como as formas de avaliação. Os critérios e as condições
necessárias para que uma Escola desenvolva o projeto são pontos importantes para o sucesso
da implementação. As entidades vinculadas, chamadas de “sócios”, são: as Escolas da
coletividade judaica, a Unidade de Ensino para a Diversidade, o Centro de Tecnologia Educativa
da Universidade de Tel-Aviv, a Agência Judaica, a Fundação Pincus, o Joint Israel, a Fundação
Rotschild, entre outras. A reforma pela qual se submeterá a instituição implica disposição por
parte dos dirigentes e professores. Um intenso trabalho de capacitação, atualização,
observação e análise será necessário para a montagem de um plano estratégico, específico
para cada Escola. Importante ressaltar que o projeto contempla os níveis condizentes ao Ensino
Fundamental (1ª. a 4ª. séries). Fica sob responsabilidade da instituição, redigir os documentos
sobre o processo de implantação, seguindo os limites fixados antecipadamente pelo corpo
diretivo e pelos líderes educativos da unidade. A coletividade nomeará um diretor local do
projeto, que terá contato permanente com o Centro de Tecnologia Educativa de Tel-Aviv (CTE) e
será incumbido pelo acompanhamento do processo in loco e interescolas, vinculados à
comunidade. Os profissionais da instituição participam de cursos anuais em Israel para que a
aproximação prática seja efetiva. Além de aulas e reuniões, visitam as Escolas que, na grande
maioria, no caso israelense, já funcionam segundo a concepção do Ensino para a Diversidade.
Alguns países sul-americanos já aderiram à proposta, possuindo Escolas judaicas capacitadas
pelo CTE. No Brasil, os colégios Max Nordau/Eliezer Steinberg, Talmud Torah, Liessin e Bar-Ilan,
no Rio de Janeiro, Salomão Guelman, em Curitiba, e em São Paulo, os colégios Iavne e Bialik. A
inspiração teórica Por muito tempo pensou-se na impossibilidade de haver aprendizagem sem
um ensino específico, frontal, em que a contribuição do sujeito era subsidiária do método de
ensino. Essa era uma época de aniquilamento das diferenças, transformando o cenário escolar
em uma ilusão igualitária, nublando os conflitos, as dificuldades e a forma de encaminhá-las. O
olhar do professor, desviado para o cumprimento sistemático dos planos de aula e para a
média esperada, o afastou das reais necessidades dos alunos; a prática docente assumiu, por
muito tempo, uma cadência repetitiva e viciante, sem lugar para o dinamismo e para as
transformações decorrentes do aprendizado, em sua forma mais ampla. O modelo tradicional
de ensino não sustentava a diversidade existente nos grupos estudantis de Iavne (embora
possamos constatar a mesma ocorrência em todas as Escolas). Criar uma prática assentada nas
diferenças não foi apenas uma solução encontrada para facilitar o desenvolvimento cognitivo
dos alunos. Mais do que isso, foi uma mudança para responder aos desafios que uma sala de
aula, obviamente heterogênea, impunha e impõe. Consideradas sob a perspectiva da
epistemologia genética piagetiana e caminhando com as idéias construtivistas, as situações
escolares ganharam um novo enfoque. O reposicionamento do aluno e do professor garante
uma prática dinâmica, que exclui a passividade do aprendiz, tornando-o protagonista do
próprio aprendizado. À medida que o aluno é convidado a comentar, ouvir, sugerir e criar, seu
envolvimento é maior, constatação já descrita é à disposição dos educadores desde o século
XIX e início do século XX. Alguns autores importantes resgatados para sustentar teoricamente a
proposta do Ensino para a Diversidade foram John Dewey, Lew Vygostky, Jerome Brumer,
Piaget, Célestin Freinet, entre outros. O aparecimento da Teoria das Inteligências Múltiplas, do
pesquisador Howard Gardner (Harvard Graduate School of Education), foi de grande valia para
dar um novo impulso ao projeto israelense. Ao considerar os vários tipos de inteligências
disponíveis nos seres humanos, marca as diferenças, sem descartar a importância dos vínculos
para que isso ocorra. O desenvolvimento dos sentidos, a identificação das emoções, das
situações-problema diárias, da ordem de prioridades, de preferências, são questões abordadas
pelos professores e pelos alunos, consideradas essenciais no dia-a-dia escolar e no processo de
aprendizagem. Educando para a Diversidade O programa sugere uma participação ativa dos
professores e alunos durante o período letivo. Os estudantes são orientados para o
desenvolvimento de projetos individuais, tendo a possibilidade de trabalhar em grupo ou
duplas, com pessoas de sua escolha e seguindo as orientações do professor. Para que a tarefa
seja executada, recebem instruções orais e escritas, previamente planejadas pelo mestre. A fim
de obterem cada vez mais autonomia e tornarem-se sujeitos do seu processo de
aprendizagem, todos os alunos têm conhecimento das propostas de atividades e do tempo
disponível para concluí-las, fazendo registros individuais e/ou coletivos do trabalho realizado e
averiguando se cumpriram ou não a meta estipulada. O planejamento que os professores
elaboram para cada série considera o conteúdo oficial, que é de conhecimento de todos os
alunos; os professores propõem várias estratégias, inclusive aulas expositivas. Vale ressaltar
que toda a produção dos alunos é corrigida, na presença ou não do autor; o erro é tratado
como fator de diagnóstico para intervenções do professor, particular ou coletivamente. A
utilização do computador é freqüente, não só para pesquisas, como também para criação de
programas feitos pelos próprios alunos. Observação de docentes que já trabalham segundo
essa concepção indica ma redução significativa de intercorrências disciplinares. O envolvimento
dos alunos, sua proximidade com os professores e a supervisão oferecida à equipe pedagógica
para ratar as defasagens talvez sejam os fatores responsáveis por essa redução. A comunicação
pais-escola é intensa. Não apenas nas reuniões de Pais e Mestres, mas em vários momentos, os
pais são convocados para emitir pareceres, desenvolver projetos e lançar críticas e sugestões.
Urnas dispostas geralmente na entrada de algumas escolas complementam esse contato; os
alunos também as utilizam. Ambiente educativo: as paredes que falam Os espaços acadêmicos
resumem o conteúdo estudado pelas classes. As paredes, ornamentadas com gráficos e
cartazes, mostram os passos e as conclusões obtidas durante as aulas e servem como consulta;
os corredores transformam-se em exposições contínuas (museus); o pátio, em supermercado.
Cada grupo de alunos, a partir do tema desenvolvido, poderá ampliar suas execuções, saindo
das páginas dos livros e criando os “ambientes educativos”, totalmente visíveis e ao alcance de
todas as pessoas que circulam pela escola. Por exemplo, alunos da 3ª série do Ensino
Fundamental I, ao estudarem a Grécia Antiga, conteúdo previsto no currículo de História, farão
pesquisas sobre as Artes, Geografia, Culinária, os legados gregos referentes à Matemática e
Ciências. Cada disciplina abordará seu objeto de estudo, porém, promovendo a integração
entre as diferentes áreas. Durante as aulas de Educação Artística, confeccionarão jarros e
mosaicos pertinentes ao período helenístico, que estarão expostos no museu, organizado e
mantido pelos próprios alunos. Questões desafiadoras serão colocadas em caixas,
estrategicamente posicionadas nas áreas comuns de circulação da escola; alunos de outros
níveis são convidados a solucionálas, muitas vezes, sugerindo propostas diferentes. A
apropriação lingüística assume caráter vital. Há um cuidado com a comunicação, abarcando
transmissão oral, escrita e visual, uma vez que o que se aprende é veiculado de forma intensa e
a pluralidade cultural permeia a rotina das escolas judaicas. Tais instituições recebem alunos de
diversas etnias, línguas e culturas distintas, e há de dar conta desta efervescência. Obras
literárias são mantidas e trabalhadas como tal, observando-se com rigor as bases culturais nas
quais foram produzidas. Fazem traduções, exploram vocabulário, treinam pronúncia e fluência.
Os comentários dos alunos são estudados com atenção, e os professores analisam o impacto
do texto sobre o grupo. Traçam as “rotas literárias”, enfocando as conexões de aproximação à
realidade das crianças; são como rotas de viagem, tendo o professor como guia. Os cantos de
trabalho: uma proposta barulhenta Ao imaginarmos uma sala de aula, lembramos de uma
configuração padronizada: bloco de mesas e cadeiras dispostas em fila, viradas para a lousa,
intercaladas pela mesa do professor, armários, um mural, janelas. Uma disposição comum,
convencional que, indubitavelmente, traz benefícios para a vida acadêmica. O esquema de aula
frontal não é abandonado dentro da concepção em pauta, porém, como o acento recai na
aquisição da autonomia para a construção do conhecimento, a movimentação dos alunos e o
“barulho produtivo” são constantes. Visando contemplar as habilidades, preferências e
características pessoais dos alunos, a sala pode ser organizada em grupo ou cantos de trabalho,
contendo atividades diferenciadas a respeito de um mesmo tema. Tendo como base a Teoria
das Inteligências Múltiplas, cada canto será composto de acordo com um critério, abordando: a
inteligência lógico-matemática, a musical, a verbal, a espacial, a físicodinâmica, a intra e a
interpessoal. Os grupos terão metas descritas claramente, contendo as instruções para a
execução dos trabalhos. Os alunos, conhecedores dos objetivos gerais que serão antes
fornecidos pelo professor, desenvolverão a atividade escolhida dentro do prazo demarcado. As
orientações do dia serão expostas pelo professor no quadro ou em painéis, elencando suas
etapas (as aulas, os horários), favorecendo que todos se apropriem do que será realizado. A
estratégia dos cantos pode ser utilizada em três tempos: para iniciar, desenvolver ou finalizar
um determinado assunto/conteúdo. As apresentações dos trabalhos conclusivos também são
momentos de aprendizagem e de avaliação. O professor, acompanhando a confecção das
tarefas, analisa o resultado, abordando apreensão, expressão, respeito aos limites, tolerância,
companheirismo, iniciativa. São fatores importantes para planejar novas aulas e intervenções
pedagógicas. Uma viagem educativa Em janeiro de 2001, participei do curso de capacitação
promovido pelo CTE, em Israel. Como membro da equipe pedagógica do Colégio Iavne (SP),
pude conhecer as origens e a aplicação dessa proposta educativa, acompanhando uma
programação de aproximadamente vinte dias de atividades intensas. O impacto, naturalmente,
foi grande. Um idioma que ainda não domino, uma paisagem absolutamente nova, com
cheiros, gostos, sons, todos inaugurais. Acredito que seja fidedigno traçar uma analogia aos
alunos de Iavne da década de 70, quando tudo começou. As aulas foram ministradas em
hebraico, com tradução simultânea para o português. Meu grupo era composto por quinze
profissionais, nem todos judeus, mas que trabalhavam em escolas judaicas. Foi uma
convivência produtiva e prazerosa, que facilitou o contato com as novidades e o
desenvolvimento do curso. Discussões, trabalhos individuais e coletivos, aulas, trabalhos em
cantos,apresentações, vivenciamos a proposta do Ensino para a Diversidade seguindo seus
passos, sem conhecê-los. Uma estratégia, uma surpresa, que ao final já habitava nossa rotina
na universidade e nossos planos profissionais futuros. Uma mudança substancial na forma de
organizar e gerir uma sala de aula e uma escola se fez imperativa. Substancial, pois não basta
atualizar e reformar fachadas; isso o tempo leva e desgasta. Importante, isso sim, é ressituar
nossas funções e nosso trabalho no tempo, na contemporaneidade, aproveitando suas
inovações, frutos de um passado, de uma história. Qual instituição melhor representa essa
conjugação dos tempos que uma escola? Nela, conhecimentos antigos, já falados por grandes
mestres, são transmitidos pelo professor a um aluno, um aprendiz. O valor desta operação é
inestimável e podemos concretizá-la de forma interessante e prazerosa. Foi assim que absorvi a
essência da proposta israelense.

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