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Os rumos da televisão musical: MTV, You Tube e o “fim” do 

Videoclipe1

VIEIRA, Ana Paula de Castro (Especialista)2


Universidade de Pernambuco - UPE/PE

Resumo: A partir da reconfiguração da grade de atrativos da Music Television Brasil (MTV), que
anunciou extinguir os videoclipes de sua programação em 2007, o artigo problematiza o novo panorama
da televisão musical. Identifica-se o alargamento do conceito de emissora de TV musical, que passa a
abranger tanto os sistemas produtivos televisivos quanto as plataformas online de disponibilidade de
vídeos. Nesta perspectiva, sinaliza-se uma especificidade no conceito de remediação, atrelado ao fato de
que um novo meio (a internet) não só age no terreno da televisão musical a partir das lógicas de
conservação e ruptura, mas cria elos de dependência.

Palavras-chave: Remediação, Convergência de mídias, Plataformas Online, Música, Audiovisual

1. Introdução
O compartilhamento de vídeos através de plataformas digitais (YouTube, My
Space, Yahoo! Videos etc.) mudou a dinâmica de circulação dos videoclipes. Antes
sujeito às grades de programação e horários das emissoras de televisão musical, o clipe
passou a estar arquivado e disponível em sites, problematizando a principal “moeda de 
troca” da televisão: o “ineditismo”. Aparentemente, este novo cenário de circulação do 
videoclipe fez com que o diretor de programação da MTV Brasil, Zico Góes, declarasse
que  “o  videoclipe  não  é  tão  televisivo  quanto  já  foi.  Apostar  em  clipe  na  TV  é  um 
atraso”. E encenou-se, na MTV Brasil, uma polêmica que colocou em questionamento o
futuro deste audiovisual3. O anúncio  do  “fim” de  um  determinado formato,  gênero ou 

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do VIII Encontro


Nacional de História da Mídia, 2011.

2 Especialista em Marketing pela Universidade de Pernambuco, Graduada em Administração em


Marketing pela Faculdade São Miguel – Recife/PE e Graduanda em Comunicação Social –
Publicidade e Propaganda pela Faculdades Integradas Barros Melo/AESO – Olinda/PE E-mail:
anapaula_adm2003@yahoo.com.br

3 A discussão tornou-se central, em dezembro de 2006, quando a MTV Brasil anunciou uma nova grade
de programação para o ano de 2007 que excluía o videoclipe de seus “horários diurnos”. O videoclipe
estaria na programação apenas em horários noturnos, de madrugada, cumprindo a função de “encher” 
meio é uma “prática” recorrente no campo da Comunicação. No entanto, a despeito de 
conclusões apressadas ou de “visões futuristas” apocalípticas, este artigo tenta ampliar o 
espectro de compreensão do fato apontando para a direção tal que ao se discutir o futuro
do videoclipe, na verdade, está se encenando um debate sobre as novas configurações
da televisão musical.
A discussão requer a visualização dos dois campos de práticas em tensão: a
televisão e a música popular massiva4. Como estratégia de endereçamento do gênero
televisivo, de maneira geral, o videoclipe herda:
1. Aspectos ligados, na televisão comercial, aos números musicais televisivos e
todas as suas características ligadas à performance do artista protagonista;
2. Elementos que caracterizariam um uso mais experimental dos recursos
audiovisuais, apontando para um universo de práticas próximos da videoarte.
É desta tensão entre se configurar um número musical sobre a performance do
artista e um atrativo que experimenta recursos sinestésicos audiovisuais que o clipe se
origina. Dos gêneros musicais, o videoclipe imbrica uma série de estratégias discursivas
atreladas às dinâmicas da indústria fonográfica, possibilitando, através deste
audiovisual, empreender um conjunto de ações que reforcem elementos ligados à
autenticidade e cooptação dos produtos musicais em circulação. Acrescente-se à
dinâmica dos gêneros musicais no universo de práticas da música popular massiva, as
novas configurações de circulação dos produtos musicais, através dos
compartilhamentos de arquivos em plataformas online.
Para podermos compreender de que forma o universo de práticas da televisão e
da música popular massiva agem sobre o clipe, devemos radiografar este objeto levando
em consideração as ingerências de ordem de uma economia política atrelada a este
audiovisual. De maneira simplista, o videoclipe serve como alicerce de divulgação
massiva de uma canção de um álbum fonográfico. Sua produção se apresenta atrelada
ao universo do artista que a obra sintetiza. Clipes de artistas pertencentes a gravadoras
são financiados, de maneira geral, por estas instâncias. Aqueles que se encontram fora

a  grade  televisiva  da  emissora.  Nos  horários  mais  “nobres”,  programas  de  auditório,  de  entrevistas, 
debates, documentários, reality shows, entre outros gêneros, integrariam o conteúdo disponível pela
MTV Brasil em seu canal de televisão.

4 Remetemos  à  definição  de  Janotti  Jr.(2005)  de  que,  a  música  massiva  supõe  as  expressões  “que  se 
valeram do aparato mediático contemporâneo, ou seja, técnicas de produção, armazenamento e
circulação tanto em suas condições de produção bem como em suas condições de consumo.”
dos ditames institucionais da indústria fonográfica, grosso modo, também produzem
clipes fora destes parâmetros. A problematização da instância produtiva deste
audiovisual apresenta três eixos que agem na sua forma de circulação televisiva:
1. Videoclipes podem ser produzidos por meio de verba e contratos com
gravadoras, fazendo com que haja uma negociação entre artista e a própria
gravadora para a realização do audiovisual e a posterior possibilidade de
inserção nas instâncias de circulação televisiva;
2. Podem ser produzidos fora das gravadoras, sem verba destas instâncias
produtivas, mas sendo apropriados como material de divulgação pela indústria
fonográfica e, através da mediação das gravadoras, tendo a possibilidade de
inserção nas instâncias de circulação televisiva;
3. Clipes podem ser produzidos fora das gravadoras, sem verba destas instâncias
produtivas e também sem possibilidades de inserção nas instâncias de circulação
televisiva.
Diante do quadro visualizado através da compreensão da lógica produção-
circulação televisiva dos videoclipes, percebe-se que a entrada das plataformas online
de compartilhamento de vídeos é um elemento capaz de problematizar as dinâmicas
massivas de circulação destes audiovisuais. O videoclipe não é mais um produto
somente televisivo. Passa  a  integrar  as  dinâmicas  de  consumo  da  “cibercultura”  e 
precisa ser compreendido também através desta lógica. Circunscreve-se um debate que
atravessa uma problemática acerca do papel da televisão musical na circulação deste
audiovisual e das novas formas de apropriação do videoclipe que passa a ser inserido
em gadgets (Ipods, reprodutores de MP3 com vídeo), celulares, videologs, blogs e sites
específicos.
A questão pressupõe enxergar uma instância de recepção que atrela conceitos
como imediatismo e disponibilidade (no acesso a informações online) em contraponto a
aspectos ligados a controle e determinação (no assistir a conteúdos da televisão). A
complexidade está em perceber como as características destas duas ações de acesso ao
videoclipe pela instância da recepção convergem num modelo de televisão musical que
agrega o canal de TV à plataforma online de disponibilidade de vídeos. O percurso
argumentativo deste artigo passa pela compreensão do conceito de remediação no
campo das práticas da televisão musical e da música popular massiva na cibercultura
para, assim, tentarmos compreender as novas dinâmicas de circulação do videoclipe na
cultura contemporânea.

2. Sobre Remediação
O conceito de remediação, como proposto por Bolter e Grusin (1999), traduz-se
como a propriedade de incorporação de características de um media em outro. A
remediação não é inaugurada através dos objetos da cibercultura, mas, nota-se que a
problemática ganha relevo na análise de produtos e processos que atravessam as
dinâmicas digitais. O princípio da remediação visa traçar considerações sobre de que
forma os novos media remetem a elementos dispostos em media anteriores. O conceito
auxilia na compreensão das lógicas de circulação que, aparentemente, “inaugurais”, são 
demonstrativas de processos já anteriormente instaurados, na verdade.
A dinâmica da remediação no campo dos produtos musicais já foi discutida por Sá
(2005; 2006), que aponta a disseminação dos “tocadores do formato MP3, as trocas de 
arquivos musicais a partir do advento de ferramentas par-a-par, download de ringtones
para celulares, bandas que dispensam gravadoras e divulgam seu trabalho na rede,
podcasting; além do incontável número de sites, blogs, listas e comunidades no orkut” 
(SÁ, 2006: p. 3) como sintomas de uma certa efervescência das práticas musicais na
cibercultura.  O  problema  para  a  autora  é  compreender,  de  maneira  efetiva,  “o  que  se 
remedia na cibercultura - ou seja, como as novas tecnologias de audição se imbricam
com as anteriores, e quais os pontos de ruptura”  (SÁ, 2006: p. 3). Tentando dar um
relevo da discussão sobre as dinâmicas de disponibilização de vídeos nas plataformas
online, a nossa problemática se encena sobre os possíveis pontos de aproximação e
distanciamento deste processo nas dinâmicas de circulação de produtos da televisão
musical.
A entrada das plataformas online de compartilhamento de vídeos se configura como
uma nova instância de circulação. Ainda a partir dos conceitos de Sá (2006),
compreende-se que o processo de formação de uma nova instância de circulação
permite visualizar uma gramática do novo meio. Segundo a autora, quatro variáveis são
articuláveis: aspectos cognitivos e práticas sociais dos usuários; linguagens e
tecnologias envolvidas na estocagem da informação; aspectos político-institucionais
envolvidos na produção-circulação-recepção da informação através dos meios e o
contexto macro-econômico em que se insere tal meio. Na medida em que nossa
argumentação for tomando escopo, os elementos relacionados serão articulados na
compreensão dos momentos distintos de observação dos novos caminhos da televisão
musical.

2.1 Rádio e televisão musical: primeira remediação


Transformar a televisão num meio musical significou, a partir de sua natural
disposição audiovisual, potencializar a sua característica de “áudio”, fazendo com que o 
“visual”  fosse  atrelado  a  uma  dinâmica  dos  artistas  da  música  popular  massiva. 
Compreende-se por televisão musical a institucionalização dos processos de produção e
circulação de produtos musicais através de emissoras de televisão segmentadas,
ampliando assim o espectro de alcance destes produtos que passaram a não só ocupar
um único meio, o rádio (áudio), mas se apresentaram de maneira massiva também numa
configuração televisiva (visual).
Relevante destacar que, antes propriamente do conceito de televisão musical ser
disseminado, o cinema já se instaurava como alicerce “visual” dos produtos musicais5,
sobretudo através dos filmes musicais protagonizados por astros da música (The
Beatles, Elvis Presley etc.). No entanto, o fator que nos remete ao processo de
remediação diz respeito à noção de fluxo: tanto o rádio quanto a televisão organizam
suas programações a partir de uma dinâmica ininterrupta de programas, intervalos e
atrativos, apresentando gâneros e formatos, além de estruturas de produção,
praticamente análogas. A televisão musical se presentifica em canais como MTV, VH1
e congêneres.
Muito se discutia no início da formatação da MTV nos Estados Unidos, em 1981, se
a televisão musical seria apenas um “rádio com imagens” (McGRATH, 1996: p. 13). 

5 É preciso considerar a relevância da imagem no campo da indústria da música. Das capas dos discos,
para os encartes, os artistas da música passam a criar pequenos filmes que sintetizavam suas canções.
Na década de 60, os Beatles fizeram “curtas musicais” para as canções “Penny Lane” e “Strawberry 
Fields  Forever”.  Tais  filmes  tinham  circulação  restrita,  funcionavam  apenas  como  material 
experimental do grupo. A indústria fonográfica se apropria do dispositivo da imagem com a criação de
filmes estrelados por popstars,  como  Elvis  Presley  (”Jailhouse  Rock”  de  1957)  e  The  Beatles  (”A 
Hard  Days  Night”,  de  1964).  A  relevância  da  imagem  no  campo  da  música  é  proporcional ao
fortalecimento do star system no terreno da música popular massiva. Programas de televisão como o
“The  Kenny  Everett Video  Show”  e  o  “Top  of The Pops”,  que  reproduziam  a  estrutura  das  paradas 
radiofônicas no ambiente televisivo, inseriam na programação das TVs abertas, atrativos musicais em
apresentações ao vivo, voltadas, de maneira geral, para o público jovem - nova matriz de
endereçamento dos produtos da indústria da música.
Segundo Kellner (2002) a história das rádios comerciais norte-americanas no final
dos anos 70 ajuda a perceber sintomas de aproximação entre os sistemas radiofônicos e
televisivos, compreendendo que tais aproximações estariam circunscritas na perspectiva
aglutinadora da cultura da mídia.
O ano de 1977 foi particularmente decisivo para tal aproximação: as rádios viviam
nos EUA um período de recessão, com suas programações maciçamente voltadas para o
público adulto enquanto a indústria fonográfica passava por um período de crise em
função das baixas vendagens de seus álbuns. Artistas da soul music e da música country
não funcionavam mais como alavancas de vendagens de LPs. Tratando a questão a
partir de uma perspectiva econômica, as gravadoras não detinham retorno financeiro
com seus artistas; verbas, apoios ou suportes materiais não seriam também repassados
para os meios de comunicação de massa. A crise das rádios norte-americanas no final
dos anos 70 reverberava na indústria fonográfica.
Visualizando esta cartografia, é possível perceber a profunda dependência que,
dentro da indústria fonográfica, os meios de comunicação de massa possuem das
instâncias produtivas da música popular massiva - e vice-versa. Neste período, as
emissoras de rádio funcionavam como um ambiente capaz de gerar circulação para os
produtos da indústria da música, apresentando-se como a principal peça da engrenagem
de divulgação massiva da música.
Um quadro de novas configurações da circulação de produtos da música, neste
momento histórico, se apresenta:
1. Necessidade de um novo ambiente de divulgação dos produtos da indústria
fonográfica, uma vez que se vivia uma visível saturação do espaço radiofônico
como meio de circulação;
2. Entrada de novos sistemas imagéticos de legitimação do artista no terreno
musical, sobretudo o cinema musical e os filmes que se apresentavam como fortes
aparatos para a construção do conceito de celebridade na dinâmica do star system
musical;
3. Crescimento e progressiva popularização da televisão como eletrodoméstico nas
residências, fazendo com que a programação das emissoras de TV tivesse que se
apresentar  para  “toda  a  família”.  São  criadas,  assim,  orientações  a  partir  dos 
públicos que estivessem “em casa” em horários pré-determinados;
4. A progressiva ocupação de espaços publicitários na televisão por produtos
segmentados para mulheres, jovens, crianças e que, de início, não se apresentavam
como público-alvo potencial da TV comercial.
A visualização destas variáveis ajuda na identificação das necessidades de
implementação de uma televisão musical que tivesse circunscrita no princípio da
segmentação e fosse alicerce da formatação imagética do star syste m no terreno da
música popular massiva.
A MTV, emissora síntese da chamada televisão musical, nasce dentro de um
contexto de segmentação dos conteúdos da televisão aberta e busca por espaços na
televisão por assinatura. A história da TV por assinatura pressupõe enxergar duas fases
distintas na sua expansão: a primeira, com vistas a fazer chegar sinais de TV nas mais
longínquas localidades e a segunda, de endereçamento segmentado dos conteúdos
dispostos.
A criação da MTV articula-se a esta segunda etapa de expansão e pode ser percebida
a partir do princípio da junção de instituições da mídia6. A televisão musical incorpora
procedimentos de geração de seus produtos que integram espaços do rádio, da televisão
segmentada e das indústrias fonográfica e cinematográfica.
As características da televisão musical estariam marcadamente articuladas a uma
dinâmica de circulação radiofônica através:
1.  Do  uso  das  listas  e  paradas  dos  “mais  pedidos”  artistas  ou  videoclipes  que 
ocupariam os “horários nobres” de seus principais programas;
2. Da conjunção do chamado single (ou  “música  de  trabalho”)  entre rádio e
televisão, ou seja, uma canção era divulgada a partir de um único fragmento
integrante do álbum fonográfico e imposto pela instância da indústria fonográfica;
3. Do fortalecimento do star system da indústria fonográfica e a importância de
formatação de conteúdos concomitantes ao lançamento dos álbuns (reportagens,
cobertura de eventos, festas de premiação etc.);

6 A emissora nasceu da união de um canal infantil Pinwheel , que mais tarde virou o Nickelodeon, em
parecria com a Warner-Amex Cable (a empresa de TV a cabo da Warner) e subsidiada pela
financiadora de cartões de crédito American Express. Em 1985, com a gigantesca adesão de clientes
aos serviços da MTV, a emissora passou a ser administrada pela Viacom.Inc que, mais tarde, se
transformaria na MTV Networks.
4. “Da aparição de uma escala transnacional de exibição do videoclipe, criando
demandas até então inexistentes no campo da música popular massiva, o que pode
ser compreendido a partir de uma lógica da cultura pop mundial” (STRAW, 1993).

2.2 T elevisão musical e plataformas online : segunda remediação


Compreendemos as dinâmicas de remediação através de uma perspectiva histórica
dos meios. Dessa forma, nota-se como a televisão musical herdou uma série de
características tipicamente radiofônicas na sua configuração e formatou um modelo de
sucesso adotado de maneira massiva por inúmeras emissoras.
“A própria MTV Networks, administradora da marca MTV, adotou na década de 90
uma  política  de  abertura  de  “filiais”  da  MTV  fora  dos  Estados  Unidos”  (McGRATH, 
1996).  De  acordo  com  este  princípio,  novas  “MTVs”  foram  “aparecendo”,  reforçando 
um modelo de televisão musical estabelecido pela emissora e consagrando uma
linguagem intrinsecamente ligada ao videoclipe e aos ditames da cultura pop.
Como atesta Brandini (2006), desde a sua criação, em 1981, a MTV Networks
apresentou sua imagem pública aos fãs consumidores do rock segundo o seu “discurso 
único  MTV”  - uma só linguagem, irreverente e inovadora caracteriza as transmissões
em todo mundo. Portanto, a abertura da MTV Europa (Inglaterra), MTV Latina
(México) e MTV Brasil, entre outras, serviu como alicerce de uma modelização de
televisão musical que passou a, também, habitar outros canais, trazendo para a MTV o
princípio de “emissora fundadora” de um modelo adotado mundo afora.
É lógico que o modelo de televisão musical incorporado pela MTV, de um “discurso 
único”,  começou  a  ser  problematizado  nos  anos  90.  Viu-se, no terreno musical, uma
série de contornos que tiraram do rock a sua aura de gênero musical transnacional e
centralizador de um discurso unitário - como pressupunha a própria MTV Networks
inicialmente.
A aparição de um profícuo cenário de música eletrônica, destacando artistas, DJs e
produtores que vinham de países fora do eixo Estados Unidos-Europa, a abertura do
mercado da música popular massiva aos elementos étnicos, a ascensão da world music,
o fortalecimento do rap e dos artistas que evocavam tradições locais, passaram a
tensionar  o  modelo  de  televisão  musical  “de  discurso  único”  proposto  pela  MTV.  É 
neste esteio que se visualiza aberturas, nas “filiais” da emissora, à criação de produtos 
que não necessariamente circulariam em todas as MTVs.
A MTV Brasil, por exemplo, passou a ser “incubadora” de uma série de programas 
de televisão fora daqueles instaurados pela modelização da televisão musical (as
paradas dos mais pedidos, as listas associativas entre clipes e atrativos da cultura pop, o
telejornalismo musical etc.). Desenvolvem-se, na emissora brasileira, programas a partir
de gêneros consagrados na televisão aberta comercial: programas de auditório, de
debate, de entrevistas, de “tira-dúvidas”,  talk shows, que foram reposicionando a MTV
Brasil no mercado televisivo brasileiro. Nota-se uma abertura da MTV a um modelo de
programação que mesclava atrativos tipicamente oriundos de uma configuração
radiofônica com aqueles de marcado apelo televisivo, gerando, assim, produtos
marcados pelo hibridismo e por uma televisão que, constantemente, também mudava.
A chegada da internet e a formatação de uma sociabilidade que passa pela
cibercultura criou, e ainda o faz, novas tensões na formatação dos produtos musicais.

As práticas de produção crescentemente autônomas e independentes das


grandes  gravadoras  como  o  fenômeno  de  “napsterização da  música”  e  a 
apropriação a partir do desenvolvimento do formato MP3, além do universo
da circulação dos produtos musicais constituído por sites, listas, revistas,
blogs e podcasts dedicados à música , são tensionadores da formatação da
televisão musical.(SÁ,2006)

Este cenário sinaliza a idéia de que a televisão musical teria que seguir rumo ao
natural processo de digitalização de seus atrativos assim como os produtos musicais já
se apresentavam.
O processo de remediação da televisão musical nas plataformas online de
compartilhamento de vídeos pode ser observado, inclusive, na própria programação da
MTV. Programas com a participação do internauta votando nos seus atrativos ou
videoclipes  preferidos  (”Video  Clash”),  atrativos  em  que  os  espectadores  deixavam 
“recados” no site e os textos se presentificavam na tela da TV (”My Own”) ou mesmo 
vinhetas com vídeos pessoais postados pelos espectadores (”VidaLog”), são indicativos 
das inúmeras formas de presentificação de uma forma de se relacionar com os atrativos
da internet e que atravessavam os programas da televisão musical.
Neste caso, é possível avançar e compreender que até a própria configuração da tela
da televisão assume características de interface computacional, com  “janelas”, “caixas 
de  texto  e  imagem”  e  afins.  Compreende-se, então, que a MTV adota procedimentos
extensivos dos ambientes de compartilhamento de conteúdos musicais na sua
programação.
O site da MTV é, por sua vez, pautado pelos atrativos da própria emissora. Navega-
se  pelos  programas  de  TV  da  MTV  (”Ponto  Pê”,  “Disk  MTV”,  “Ya  Dog!”,  “Chapa 
Coco”) no próprio site e o apresentador, durante o atrativo, faz inúmeras convocações 
para que se visite o site do programa e, consequentemente, o da MTV.
Compreende-se que não só a televisão musical, mas a própria televisão passaria pelo
processo de remediação com a disseminação da internet. Fischer (2006) enumera uma
série de caraterísticas para se pensar a disponibilização dos produtos audiovisuais na
web.
A  principal  diz  respeito  à  diferenciação  da  noção  de  “uso”  e  “apropriação”  destes 
produtos.  Para  o  autor,  “o  âmbito  do  ‘uso’  é  entendido  como  focado  na  colocação  de 
produções  por  parte  dos  ‘proprietários’  corporativos7, enquanto que a noção de
“apropriação”  remete  a  “um  agir  individual  ou  coletivamente  por  sujeitos  ou  grupos 
sem vínculo autoral de origem, por assim dizer, com a produção” disponibilizando este 
material em fóruns, websites temáticos e páginas pessoais. Destaca-se, em sua
argumentação, um princípio norteador da disseminação dos conteúdos online: a
desintermediação.
Quando se remete à noção de “uso”, Fischer (2006) sinaliza para a disponibilização
do conteúdo através da intermediação da instância produtiva; na sua idéia de
“apropriação”, o autor deixa transparecer a noção de desintermediação. Podemos, então, 
partir para a compreensão da disponibilidade de conteúdos da televisão musical com
base nesses aportes.
Seriam conteúdos da televisão musical: programas, trechos de programas,
videoclipes, fragmentos de números musicais, apresentações ao vivo, entregas de
premiação musical, entre outros. A partir de quem disponibiliza este tipo de conteúdo
teríamos dois eixos sobre o qual poderíamos categorizar as práticas da remediação da
televisão musical nas plataformas online de compartilhamento de conteúdo.

7 “O autor usa como exemplo, o Globo Media Center, pertencente à Rede Globo e que disponibiliza
trechos ou programas da própria Rede Globo, através de sua plataforma online.” (FISCHER, 2006: p.
2)
No  primeiro,  estariam  as  plataformas  que  fazem  “uso”  do  conteúdo  da  televisão 
musical, ou seja, os próprios sites das emissoras de TV que disponibilizariam seus
conteúdos, além da criação de novas plataformas, em banda larga, que ampliariam a
oferta de produtos disponíveis. São exemplos deste primeiro eixo de atrativos os sites
MTV, VH1, Multishow, MTV Overdrive.
No  segundo  eixo,  aparecem  as  plataformas  que  se  “apropriam”  de  conteúdos  da 
televisão musical e disponibilizam através de sujeitos ou grupos desintermediados das
instâncias produtivas formatando uma noção colaborativa, como se apresenta em sites
como o YouTube, Overmundo, MySpace, entre outros.
A compreensão da idéia de “uso” ou de “apropriação” dos conteúdos da televisão 
musical pelas plataformas online de compartilhamento de vídeos pode sinalizar aspectos
ligados à noção de intermediação das instâncias ligadas à indústria fonográfica no
processo de circulação dos produtos musicais. Ao mesmo tempo, o efeito de
“intermediar”  ou  “desintermediar”  pode  ser  uma  eficiente  estratégia  discursiva  das 
instâncias produtivas com o intuito de gerar a noção de uma atitude colaborativa do
espectador em relação ao meio.

3. Considerações finais
O duplo endereçamento - televisivo e musical - do videoclipe está circunscrito numa
lógica midiática. Portanto, é possível delimitar produções de sentido que demarquem
aspectos ideológicos dos textos, bem como seu alcance comercial (de público-alvo).
Pensar o videoclipe a partir da noção dos estudos de gênero significa enxergar as
dinâmicas de condições de produção e reconhecimento, os indicativos de possibilidades
de produção de sentido e de interação entre os modos de produção, circulação e
consumo. A abordagem dos gêneros ajuda a dar conta dos rótulos e das manifestações
particulares, bem como do processo de produção de sentido na cultura midiática.
Pressupõe-se compreender as manifestações materiais dos videoclipes ancoradas
em seus aspectos expressivos e, consequentemente, na materialidade dos suportes em
que circulam. As condições de produção e de reconhecimento, as estratégias de leitura e
o campo social que abarca a produção do videoclipe também devem ser incluídos numa
leitura midiática deste audiovisual.
Compreender o videoclipe a partir da chave analítica dos gêneros pressupõe
visualizar um entrelugar nas estratégias de produção e no sistema de recepção que está
inscrito nos próprios produtos.

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