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A PARÓDIA NA POÉTICA MODERNA

A paródia tem servido de artifício às mais variadas poéticas, desde as artes plásticas,
literárias, musicais, cinematográficas, até às mais variadas mídias da nossa sociedade atual. Linda
Hutcheon comenta em seu livro “Uma Teoria da Paródia: ensinamentos das formas de arte do
século XX”, “O mundo moderno parece fascinado pela capacidade que os nossos sistemas humanos
têm para se referir a si mesmos num processo incessante de reflexividade”. Nesse sentido, a paródia
se torna uma metalinguagem genuinamente artística, pois a estrutura paródica está na poiesis, no
processo de criação estético, e em como este processo se relaciona (ou referenda) projetos de obras
anteriores. Configurando um mecanismo de autorreflexividade, de “um olhar para dentro [das
obras]”, nas palavras de Hutcheon.
“A paródia é, pois, na sua irônica ‘transcontextualização’ e inversão, repetição com
diferença. […] Mas esta ironia tanto pode ser apenas bem humorada, como pode ser depreciativa;
tanto pode ser criticamente construtiva, como pode ser destrutiva.” Em seu significado etimológico
a paródia seria algo que está “para além da canção”, ou seja para além do lírico, algo mais perto do
burlesco, do cômico. Entretanto, o prefixo -para também significa “ao lado”, a paródia então
transita dois espaços genéricos, através da ironia que cria um efeito de ambiguidade. O Doktor
Faustus (1947) de Thomas Mann é tanto uma releitura do Fausto goethiano, um intelectual
“travestido” de homem moderno nietzschiano, como uma “transcontextualização”, as questões
históricas são outras, mesmo que o misticismo cristão esteja presente em ambas, o sujeito
ontológico se coloca questões do seu entorno, que obviamente são distintas; além disso, o próprio
Goethe fez sua releitura do mito fáustico dos românticos dos quais ele era contemporâneo.
Por conseguinte, a paródia não deve mais ser vista apenas como uma obra mais cômica do
que sua antecessora, é preciso ter um olhar mais atencioso para compreender seu funcionamento
complexo, que ora dialoga com questões mais universais, ora se volta às questões particulares de
um autor, de um estilo de época etc. Essa literatura de “segunda mão” ou qualquer que seja a
poética analisada deve sempre ser vista como um elemento duplo, sua logicidade interna e sua
capacidade de trazer consigo outros universos.

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