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20/05/2019 A república do falo - 17/05/2019 - Opinião - Folha

OPINIÃO CLAUDIA TAJES

A república do falo
Cortes na educação lembram os valentões do colégio

A escritora e roteirista Claudia Tajes - 31.mar.11/Folhapress

17.mai.2019 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2019/05/17/)

Claudia Tajes

Se fosse preciso escolher um símbolo para o governo Jair Bolsonaro (PSL)


(https://www1.folha.uol.com.br/especial/2018/governo-bolsonaro/), um único símbolo que resumisse

as iniciativas em curso e as preocupações do nosso Executivo, ele só poderia


ser um. O falo.

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Para constar, e de acordo com a psicanálise, falo é diferente de pênis. O falo é
o poder —que se materializa no pênis. Ou membro. Passarinho. Barbarroxa.
Bimbo. Caceta. Cambão. Catatau. Espeto. Jeba. Lascão. Mastruço. Nabo.
Mastro. Pau-barbudo. Pé de mesa. Benga. Ferramenta. Bracinho-sem-mão.
Tora. São mais de cem palavras e expressões na língua portuguesa para
designar o dito-cujo. Para facilitar, vamos considerar aqui que é tudo a
mesma coisa. Que o falo é o pinto empoderado.

É piada, não é piada: não raro, quem decide pelo homem é o pênis. Reinos já
caíram por conta de desejos e vontades que, sejamos honestos, tinham por
objetivo muito mais a cama que a paz. A história é escrita por guerras,
conquistas, traições, acordos, derrotas. E pelo falo.

E as mulheres nisso tudo? Para Freud, ao se sentirem castradas por uma


cultura masculina, elas desenvolveriam a famosa inveja do pênis. Por seu
lado, os homens reagiriam a essa inveja com medo da castração, eufemismo
para a perda do poder, o que os tornaria ainda mais autoritários. É uma
impressão leiga, mas tantas décadas depois de Freud, já não é assim. Em que
pesem as dificuldades e as injustiças de uma sociedade no mais das vezes
falocrata, as mulheres têm lutas e necessidades bem mais urgentes para
desperdiçar energia invejando o falo. Sem falar na pá de coisas muito mais
relevantes e importantes a ambicionar que uma estrovenga —mesmo que no
sentido figurado.

Por isso mesmo, é doloroso testemunhar o falo governando o Brasil em


pleno 2019. Mas o que esperar de uma eleição decidida pela mamadeira de
piroca? 

Os cortes nos órgãos e programas de cultura e educação


(https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/05/bloqueios-no-mec-vao-do-ensino-infantil-a-pos-graduacao.shtml),
nas
verbas das universidades e nas bolsas de mestrado e doutorado lembram o
desprezo dos valentões do colégio pelo ensino. Aqueles que iam às aulas
obrigados pelos pais, só para fazer bullying com os colegas e colar nas
provas. Certa manhã, na minha escola, um desses valentes foi cercado pelos

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fracotes oprimidos e tomou um couro. De quebra, ainda se descobriu que ele


usava uma meia soquete dentro das calças para aumentar o seu, digamos,
poder. Se o sujeito virou político para vingar a humilhação sofrida, pobres de
nós.

A república do falo completa quatro meses e meio de desmandos que


parecem uma eternidade. A farta distribuição de pipoco, anunciada na
campanha como política para a segurança pública, agora é decreto assinado
(https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/05/orgao-do-mpf-diz-que-decreto-das-armas-de-bolsonaro-e-

inconstitucional.shtml) e documentado na foto mais abjeta dos últimos tristes


tempos: o presidente cercado por um bando de homens brancos, abonados,
em sua maioria velhotes, fazendo arminha com as mãos. Aliás, arma, pistola,
ferro e bacamarte também são sinônimos de pinto.

O tal decreto que beneficiaria caçadores —uma das categorias mais


abomináveis entre as mais abomináveis da raça humana—, colecionadores e
aficcionados do tiro recreativo foi estendido para políticos, advogados,
oficiais de Justiça, jornalistas da editoria de polícia, conselheiros tutelares,
agentes de trânsito, residentes em áreas rurais, motoristas e autônomos de
cargas e transporte de valores, seguranças privados.

Também vai facilitar a importação de armas e permitir que menores de 18


anos atirem. Basta a autorização de um dos responsáveis. Filho, não esquece
de levar o casaquinho e o “trezoitão”.

O decreto quase kafkaniano (não confundir com o bolinho árabe do ministro


da Educação (https://hashtag.blogfolha.uol.com.br/2019/05/08/ministro-da-educacao-chama-franz-kafka-de-cafta-
e-gafe-vira-meme-na-internet/)) abre caminho para que outros cidadãos de bem

reivindiquem o direito à bala. Um passo e tanto para se chegar ao porte de


armas, velho sonho da república do falo. Sobre o provável aumento de
homicídios, feminicídios e crimes interpessoais apontados pelos
especialistas em segurança como consequência, isso é o de menos para os
meninões do Planalto. Até porque existem coisas mais importantes a tratar.
Por exemplo, recomendar que os brasileiros lavem seus pintos direitinho,
com água e sabão.

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Até a república do falo, governante algum havia pensado nisso. Mas quem
tem quatro rapagões em casa deve saber do que está falando.

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