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32781
ISSN 1676-3742
DOI:10.17771/PUCRio.ATeo.31904
Resumo
Abstract
writings the just perspective in the biblical reading: the overcoming, by means
of a superior synthesis, of the dualism between the scientific method and a
vision of faith. Harmony between faith and reason is applied in a coherent way
to the reading of the Scriptures and its corollaries developed. In his Petrine
ministry, Pope Benedict XVI continued this line of thought, adding, within this
perspective, some recent contributions of exegesis. The systematization of the
main points of his thinking on this theme can provide important coordinates
and demonstrate their relevance for exegetical reflection and, consequently,
for theology and pastoral. Here the writings of the Author that touches this
subject in particular are considered. By following these referentials, ecclesial
faith may be better understood by today’s man, as a path to his full realization.
Introdução
três volumes sobre Jesus de Nazaré e sua exortação Verbum Domini, serão
utilizados escritos esparsos: artigos, prefácios, discursos.
No primeiro momento, será apresentado o ponto de partida do pensamento
de nosso Autor, que desembocará na avaliação por ele feita dos métodos
históricos de exegese. Sua crítica será detalhada, uma vez que é em diálogo
com a exegese crítica que é construída positivamente sua visão da natureza da
metodologia exegética. Esta conduzirá a identificar as coordenadas para uma
leitura cristã da Escritura, que dê conta da complexidade do dado bíblico, a
um tempo humano e divino. Por fim, será analisada sua visão sobre o tema da
razão e da fé no que tange à hermenêutica bíblica, com particular ênfase na
questão da história e da perspectiva teológica.
Estas considerações demonstrarão a atualidade de sua reflexão e a
possibilidade de fecundar ricamente a compreensão da Escritura em sua
dimensão acadêmica e pastoral.
1. Ponto de partida
Jesus Cristo é uma pessoa histórica real, não inventada. Não reconhecer este
dado implicaria transformar radicalmente a própria natureza da fé cristã. Por
isso é importante estudar o texto na sua literalidade, compreendendo sua
língua em suas estruturas e modos de expressão, compreendendo suas fontes
e formas literárias, enfim, seu ambiente de origem.
Visto que, na Palavra bíblica, Deus caminha para nós e nós para Ele, é
preciso aprender a penetrar no segredo da língua, compreendê-la na sua
estrutura e no seu modo de se exprimir. Assim, devido precisamente à
procura de Deus, tornam-se importantes as ciências profanas que nos
indicam as vias rumo à língua.15
para o presente.20 Além disso, por interessar-se pelos textos em seu momento
histórico, restringe-se a textos individuais, enfatizando as peculiaridades de
cada um,21 fragmentando, assim, a Bíblia, de modo que a Escritura enquanto
unidade lhe escapa. Ele pode descrever linhas de desenvolvimento de ideias,
de tradições, que apontam para uma leitura unitária da Escritura, mas, em
sua natureza própria, o método não atinge a Escritura como um todo. Além
disso, procurando reconstruir as circunstâncias históricas, ultrapassa os dados
textuais e cai inevitavelmente no campo hipotético: “a palavra se reduz a
fragmentos”, “desfaz-se em tantas fontes diversas”,22 de forma que não é
imediatamente perceptível sua relevância teológica. Neste contexto, as críticas
ao método histórico-crítico se teceram sobretudo em duas perspectivas: sua
incapacidade de oferecer um resultado seguro para a compreensão dos textos,
uma vez que os resultados das pesquisas dificilmente concordavam entre si;
e sua deficiência em alimentar a fé e a vida cristãs. Conjugado a estas duas
dimensões está o fato da exigência de domínio de um complexo instrumental
metodológico, que levou, em grande parte, a limitar a interpretação a um
grupo restrito de especialistas.23
Estes aspectos desembocam no segundo grande risco inerente ao método:
o de acentuar indevidamente o aspecto humano da Palavra, reduzindo o texto
aos fatores imanentes e deixando de lado, por conseguinte, sua dimensão
de expressão da fé.24 Ainda quando, no decorrer da metodologia, possam
ser levantados elementos que apontem para um horizonte que transcende a
palavra humana, por si mesmo o método não é capaz de elaborá-los.25
Considerado o conjunto destes fatores, fica evidente que tal metodologia
precisa necessariamente de complementação. É parte integrante do trabalho
exegético explicar o sentido do texto como “Palavra atual de Deus”.26 Assim
se expressa o Papa no prefácio ao primeiro volume de seu Jesus de Nazaré: o
método histórico-crítico é
20
Cf. RATZINGER, J. – BENTO XVI. Gesù di Nazaret, p. 12; Prefácio ao documento A Inter-
pretação da Bíblia na Igreja.
21
Cf. RATZINGER, J. – BENTO XVI. Gesù di Nazaret, p. 13.
22
BENTO XVI. “Discurso aos Bispos da Suíça, 7 de novembro de 2006”. Disponível em:
<http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2006/november/documents/hf_
ben-xvi_spe_20061107_swiss-bishops.html>. Acesso em 15 de agosto de 2017.
23
Cf. RATZINGER, J. Prefácio ao documento A Interpretação da Bíblia na Igreja.
24
Cf. RATZINGER, J. Prefácio ao documento A Interpretação da Bíblia na Igreja.
25
Cf. RATZINGER, J. – BENTO XVI. Gesù di Nazaret, p. 13.
26
BENTO XVI. Verbum Domini, n. 33, citando A Interpretação da Bíblia na Igreja, III, C, 1.
27
RATZINGER, J. – BENTO XVI. Gesù di Nazaret, p. 12.
28
Cf. RATZINGER, J. “A relação entre o Magistério e a Igreja e a Exegese, a cem anos da
constituição da Pontifícia Comissão Bíblica”.
29
BENTO XVI. Verbum Domini, n. 34; Propositio, n. 26.
30
Cf. RATZINGER, J. – BENTO XVI. Gesù di Nazaret, p. 15.
31
RATZINGER, J. – BENTO XVI. Gesù di Nazaret, p. 409.
32
Cf. BENTO XVI. “Intervenção na XIV Congregação geral do Sínodo, 14 de outubro de
2008”. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2008/october/
documents/hf_ben-xvi_spe_20081014_sinodo.html>. Acesso em 1º de agosto de 2017, reto-
mada na Verbum Domini, n. 34.
3.1. Grande ênfase é dada, por nosso Autor, ao primeiro princípio teológico da
Dei Verbum: a unidade de toda a Escritura. O princípio da unidade da Escritura
baseia-se na constatação de que os textos bíblicos foram formulados dentro
de um processo de releitura, em que textos mais antigos eram relidos à luz
de novas circunstâncias e aplicados, desenvolvidos, transformados e amplia-
dos.33 Este processo é possibilitado pelo fato que uma palavra humana signi-
ficativa traz em si potencialidades que ultrapassam seu momento histórico.34
O processo de releitura descobre num texto virtualidades latentes de sentido,
que se tornam evidentes quando confrontadas com exigências de novas situ-
ações. Na Escritura, este processo é muitas vezes palpável, mas, considerado
somente sob o aspecto das ciências humanas, as diferenças entre os diversos
textos prevalecem sobre suas semelhanças e correlações, de modo que a
unidade da Escritura não se torna evidente. A consideração literária e histórica
percebe a multiplicidade. Somente se há um critério superior, de ordem teoló-
gica, é possível considerar a unidade apesar das diversidades.35
38
Cf. RATZINGER, J. – BENTO XVI. Gesù di Nazaret, p. 15.
39
Por “sentido espiritual” entende-se o significado do texto bíblico considerado o evento pascal,
cf. PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, A interpretação da Bíblia na Igreja, II B 2.
40
BENTO XVI. Verbum Domini, n. 38, citando palavras do “Discurso no encontro com o
mundo da cultura no Collège des Bernardins”.
41
BENTO XVI. Verbum Domini, n. 38 (em alemão: “Es ist ja ein einziges Wort, zu dem hin die
Überschreitung erfolgen soll”).
42
BENTO XVI. Verbum Domini, n. 39.
Com base em tal fato, era preciso ler a Escritura de modo novo (...).
Partindo do inesperado, a Escritura se abriu de modo novo e, assim, o
próprio fato adquiriu seu sentido.45
43
Cf. BENTO XVI. Verbum Domini, n. 40.
44
RATZINGER, J. – BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Parte II: Da entrada em Jerusalém até à
Ressurreição. Cascais: Principia, 2011, p. 124.
45
RATZINGER, J. – BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Parte II, p. 200.
46
RATZINGER, J. – BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Parte II, p. 168.
47
BENTO XVI. Verbum Domini, n. 41.
48
Orígenes, Hom. Num. 9, 4, citado na “Catequese da Audiência Geral, 25 de abril de 2007”.
Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2007/documents/hf_
ben-xvi_aud_ 20070425.html>. Acesso em 7 de junho de 2017.
49
PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. O povo hebraico e suas Sagradas Escrituras na Bíblia
cristã. Roma: Editrice Vaticana, 2001.
50
Cf. BENTO XVI. Verbum Domini, 41.
letra mata, mas o Espírito vivifica”) e 2Cor 3,17 (“Onde está o Espírito ... aí
está a liberdade”), afirmando simultaneamente que a liberdade tem um critério:
o Espírito do Senhor: “O Senhor é o Espírito e, onde está o Espírito do Senhor,
aí está a liberdade” (2Cor 3,17). Com isto, abre-se a interpretação bíblica, para
além da visão particular do leitor, ao princípio íntimo de unidade, o Cristo Jesus,
numa síntese entre liberdade e vinculação com o critério superior, que ultrapassa
não só o problema histórico e literário levantado pela exegese crítica, mas
também toda e qualquer leitura fundamentalista.51 O fundamentalismo não é
uma alternativa válida à exegese crítica, pois ele – e nesse ponto ele se aproxima
do método histórico-crítico – não atinge o sentido espiritual do texto. O centro
do problema do fundamentalismo, que exige necessariamente sua rejeição, é o
fato de ele se limitar ao que ele pensa ser a compreensão das palavras humanas
(tomadas ainda em sua literalidade) e não chegar realmente à Palavra de Deus.52
Como perspectiva apta a corresponder ao princípio da unidade de toda
a Escritura, Bento XVI aponta a exegese canônica,53 que visa ler o texto
bíblico no contexto de toda a Escritura. Bento XVI reconhece que esta leitura
ainda está em seus inícios, mas recomenda que se aprofundem os passos
nesta direção.54 Evidentemente, a partir de seu ensinamento, uma leitura
canônica que considerasse seriamente as perspectivas por ele delineadas não
se poderia confundir com uma aproximação ingênua, acrítica, de textos. Mas,
servindo-se dos grandes ganhos da exegese histórica, deveria ser capaz de
reconstruir a lógica interna da Sagrada Escritura a partir da consideração dos
diferentes textos dentro do conjunto. É isto, aliás, que nosso Autor desenvolve
concretamente na sua forma de ler a Escritura que se deixa perceber nos três
volumes de Jesus de Nazaré.
A Palavra não leva apenas pela via individual de uma imersão mística,
mas introduz na comunhão com todos os que caminham na fé. Por isso é
preciso não só refletir sobre a Palavra, mas também lê-la de modo justo.58
55
Cf. RATZINGER, J. – BENTO XVI. Gesù di Nazaret, p. 17; Verbum Domini, n. 30.
56
RATZINGER, J. – BENTO XVI. Gesù di Nazaret, p. 17.
57
Cf. BENTO XVI. “Discurso aos Bispos da Suíça”; A relação entre o Magistério e a Igreja e
a Exegese, a cem anos da constituição da Pontifícia Comissão Bíblica.
58
BENTO XVI. “Discurso no encontro com o mundo da cultura no Collège des Bernardins”.
64
Cf. BENTO XVI. Verbum Domini, 37.
65
Cf. RATZINGER, J. – BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Parte II, p. 10.
66
Cf. REISER, M. Bibelkritik und Auslegung der Heiligen Schrift. Tübingen: Mohr Siebeck,
2007, pp. 114-115.
67
Cf. BENTO XVI. “Catequese da Audiência geral, 25 de abril de 2007”, sobre Orígenes.
68
Cf. BENTO XVI. “Catequese da Audiência geral, 14 de novembro de 2007”. Disponível em:
<w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2007/documents/hf_benxvi_aud_20071114.
Html>. Acesso em 14 de junho de 2017, sobre São Jerônimo.
69
RATZINGER, J. “A relação entre o Magistério e a Igreja e a Exegese, a cem anos da consti-
tuição da Pontifícia Comissão Bíblica”.
70
Cf. BENTO XVI. “Intervenção na XIV Congregação geral do Sínodo”.
74
Cf. RATZINGER, J. “A relação entre o Magistério e a Igreja e a Exegese, a cem anos da
constituição da Pontifícia Comissão Bíblica”.
75
Cf. RATZINGER, J. “A relação entre o Magistério e a Igreja e a Exegese, a cem anos da
constituição da Pontifícia Comissão Bíblica”.
76
RATZINGER, J. – BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Parte II, p. 168.
77
Cf. BENTO XVI. Verbum Domini, 35.
Onde a exegese não é teologia, a Escritura não pode ser a alma da teologia
e, vice-versa, onde a teologia não é essencialmente interpretação da
Escritura na Igreja, esta teologia já não tem fundamento.80
78
Cf. RATZINGER, J. “A relação entre o Magistério e a Igreja e a Exegese, a cem anos da
constituição da Pontifícia Comissão Bíblica”.
79
Cf. BENTO XVI. Verbum Domini, 36.
80
BENTO XVI. “Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo”, citada em Verbum
Domini, 35.
81
BENTO XVI. “Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo”.
82
BENTO XVI. Verbum Domini, 31.
83
BENTO XVI. “Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo”.
84
Cf. BENTO XVI. “Discurso no encontro com o mundo da cultura no Collège des Bernardins”.
85
BENTO XVI. BENTO XVI. “Discurso aos participantes do Congresso Internacional por
ocasião do 40º aniversário da Constituição dogmática sobre a divina revelação, Dei Verbum,
16 de setembro de 2005”. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/
speeches/2005/september/documents/hf_ben-xvi_spe_20050916_40-dei-verbum.html>.
Acesso em 8 de agosto de 2017.
86
BENTO XVI. “Discurso aos participantes do Congresso Internacional por ocasião do 40º
aniversário da Constituição dogmática sobre a divina revelação, Dei Verbum”.
87
BENTO XVI. “Intervenção na XIV Congregação Geral do Sínodo”.
88
BENTO XVI. “Discurso aos Bispos da Suíça”.
89
BENTO XVI. “Discurso aos Bispos da Suíça”.
Considerações conclusivas
90
BENTO XVI. Audiência Geral, 14 de novembro de 2007, sobre São Jerônimo.
Sagrada Escritura que nos oferece a guia para ... o verdadeiro humanismo”91.
E ainda:
A palavra bíblica tem a sua origem em um passado que é real, mas não
somente num passado; vem também da eternidade de Deus. Ela nos
conduz à eternidade de Deus, passando, porém, através do tempo, que
compreende o passado, o presente e o futuro92.
Referências bibliográficas
91
BENTO XVI. Audiência Geral, 14 de novembro de 2007.
92
RATZINGER, J. Prefácio ao documento A Interpretação da Bíblia na Igreja.