Você está na página 1de 17

1

SOTERIOLOGIA

INTRODUÇÃO

A doutrina da Salvação é o fundamento de toda a estrutura doutrinária do cristianismo. E a


figura central desta doutrina é a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. O foco central da história
de Jesus Cristo como Salvador é a sua Cruz – o sacrifício pelo pecador. É o cordeiro de Deus,
por cujo sacrifício, Deus tira o pecado do mundo. Esta verdade, contudo, tem sido revelada em
um ambiente de conflito pessoal, nacional e eclesiástico. O centro desta tensão tem sido
estabelecer os limites da participação humana e divina na salvação do homem.

Desde a era patriarcal até o surgimento da teologia moderna permanece a divergência entre
o que esta verdade é em si mesma, e como ela é entendida e vivenciada. Há um movimento
popular entre a ênfase posta ora na ação divina, ora no esforço humano. Ora o peso da
argumentação é posto nos méritos da vida e morte de Jesus Cristo, ora a ênfase recai sobre os
méritos do esforço e obediência do homem. Esta tensão levada ao exagero conduz o pensamento
religioso ao extremo da graça barata ou ao do legalismo.

O objetivo desta matéria é nos conduzir à compreensão e vivência da salvação conforme


foi ensinada pelos apóstolos. Por esse motivo a matéria tem uma análise histórica, teológica e
bíblica. Veremos rapidamente como se processou este conflito na história do Antigo Testamento,
Período Intertestamentário, Novo Testamento, Pais Eclesiásticos, Teologia Medieval, Reforma e
Teologia Moderna.

I. OS CONFLITOS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO

A. No período do Antigo Testamento diversos personagens e o povo israelita


procuravam fazer cumprir as promessas do concerto através da intervenção humana:

1. A busca da salvação por obras meritórias esteve presente implícita e


explicitamente em evidente conflito com o ensino bíblico.
2. Após a Queda (Gn 3:1-24), o homem procurou se livrar do seu sentimento
de culpa por seus próprios atos.

a. Escondendo-se de Deus (fuga)


b. Tecendo para si roupas de folhas de figueira (Gn 3:7) – obras.

3. Eventualmente Caím, ao ofertar a Deus os frutos da terra como resultado do


seu trabalho, pretendia manifestar seu culto sem o cordeiro sacrifical (Gn 4:3).

a. “O fundamento de toda religião falsa tem sido a confiança nos


próprios esforços como meio de salvação”. (E. G. W.).1

4. Séculos depois o empenho de Ninrode, de agrupar a humanidade na torre de


Babel, para livrá-la de um futuro juízo divino tornou-se outra tentativa
humana de salvação pelas próprias obras. (Gn 11:1-9).

5. Posteriormente a promessa feita a Abraão de um filho, embora com fé, foi se


desgastando a medida que, Abraão perdia, progressivamente, a possibilidade

1
Ellen G. White. Patriarcas e profetas. 15º ed. (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1997), 73.
2
de ter um filho. O tempo da espera além da expectativa de Abraão o fez perder
a fé unicamente na promessa de Deus. (Gn 15:1-6).

a. “Por isso ele e sua esposa tentaram cumprir a promessa pelo esforço
próprio, suscitando um herdeiro através de Hagar” (Gn 16:1-4 cf.
17:15-22).

6. Nos dias de Moisés a Escritura registra outra tentativa humana de tentar a


salvação Por seu próprio mérito. Impressionado pela teofania no Sinai, o povo
afirmou três vezes: “Tudo o que falou o Senhor faremos e obedeceremos” (Ex
19:8; 24:3, 7).

a. Isto reflete o propósito de se cumprir as exigências morais do concerto


com base na obediência pessoal. (Gl 4:21-31).
b. Assim o concerto mosaico que era mais novo em tempo do que o de
Abraão que foi estabelecido antes, tornou-se o velho concerto, por que
não foi recebido pela fé, mas por obras: “tudo o que o Senhor falou
faremos”.

B. A disposição legalística dos patriarcas e do povo hebreu estava em evidente conflito


com a maneira como Deus confirmou seu concerto. Tais atitudes se contrapõem à
verdade salvífica ensinada em cada caso:

1. Adão – Deus rejeitou as vestes feitas por Adão. Deus mesmo é quem teceu
as vestimentas de peles, símbolo do sacrifício futuro do Messias. (Gn 3:21).

a. A promessa de um substituto foi revelada antes na figura do


descendente que destruiria a serpente e sua descendência. Adão
encheu-se de esperança, porque através do descendente o homem
poderia receber a inimizade contra a serpente (Gn 3:15).

2. Abel – A atitude de Abel é outra evidência deste ensinamento, quando


apresentou a Deus a sua oferta das primícias de seu rebanho, com base no
derramamento de sangue no sacrifício da vítima. (Gn 4:4).
3. Abraão – A concessão de um filho a Abraão foi o cumprimento da promessa
anteriormente feita, quando Deus lhe disse que “aquele que será gerado de ti
será o teu herdeiro”, (Gn 15:4). A resposta de Abraão às palavras de Deus foi
de confiança em sua promessa (Gn 15:3-6). Esta fé de Abraão foi a única
condição de sua salvação: “ele creu no Senhor e isto lhe foi imputado para
justiça”. (Gn 15:6 cf. Rm 4:1-5).
4. Povo de Israel – Deus confirmou seu concerto com Israel através do sangue
do sacrifício, pré – anúncio do sangue da aliança que Deus faria então com
toda a humanidade. (Ex 24:8 cf. Mt 26:28).
a. O ensinamento do Antigo Testamento sobre salvação se fundamenta na
graça de um Deus misericordioso que antepõe os indicativos divinos
aos seus imperativos.

i. Toda ordem é precedida por uma promessa habilitadora1


(libertação do cativeiro Egípcio – Ex 20:2).
ii. A idéia da libertação do pecado se centraliza no conceito de
sacrifício cujo doador é o próprio Deus. (Lv 17:11).
1
Gerhard Von Rad. Teologia do antigo testamento. (São Paulo: ASTE, 1973), 1:230 e 231.
3
iii. No paganismo o adorador oferece o sacrifício para fazer com
que o seu deus seja propício à ele pecador. Concedendo as
bênçãos que eles precisam para o sustento de sua vida diária.
iv. No cristianismo não é o adorador quem oferece o sacrifício,
mas é Deus que o doa, a fim de fazer com que o pecador seja
propício a Deus.
v. No paganismo o homem se humilha na dádiva do seu sacrifício
para ser abençoado pelo seu deus, no cristianismo Deus se
humilha na oferta que oferece ao homem para poder abençoá-
lo.

5. Babel – Deus desbaratou o plano de Ninrode, confundindo a língua dos


trabalhadores e os espalhando por toda a terra. Não há segurança ou
livramento de catástrofe fundamentada nas possibilidades humanas.

a. A promessa de uma terra especial para os filhos de Deus antecede à


Queda (Gn 2:7, 8, 15) – Adão e Eva.
b. Abraão recebeu a promessa da aliança que incluía a herança de um
território (Gn 15:18; 17:7, 8 cf. 12:3 e At 1:7, 8; Js 1:1-4) rio do Egito
até ao tigre e Eufrates (At 11:24; Jz 20:1).
c. Após o exílio Babilônico – (Is 65: 17-25 cf. Mt 5:5, Sl 37:11) –
Profecia não cumprida.
d. Após a segunda vinda – (Ap 21:1-4, 9-15/ Nova Terra e Nova
Jerusalém) Ap 22:1-5/ Cumprimento.

i. Não entra: Ap 21:8, 27.


ii. Entra: Ap 21: 27; 22:14 cf. II Pe 3:13.

II. PERÍODO PÓS – EXÍLICO E INTERTESTAMENTÁRIO

O Judaísmo nasceu depois do exílio. Sem pátria e sem templo, o povo de Israel manteve a
sua identidade através da sinagoga e da lei. Ao lado destas duas instituições deve-se agregar mais
dois fatores aglutinadores da alma judaica: 1º) a escolha eterna de Jerusalém, 2º) as promessas
incondicionais feitas a Davi de uma dinastia sem fim.1

A) Depois da destruição de Jerusalém não havia mais um culto nacional, mas uma
comunidade marcada pela adesão a uma tradição e à lei.
1. A ênfase na lei até certo ponto era justificada porque os profetas disseram
que o castigo era conseqüência da violação da lei e da aliança.

a. De forma especial o sábado e a circuncisão foram encarecidos.


b. O sábado tornou-se cada vez mais o sinal distintivo do povo israelita.
c. Ao lado deste deu-se ênfase à circuncisão como sinal da aliança.

2. Juntamente a estes elementos o povo de Israel espalhado entre as nações


ímpias deu muito valor a purificação, ou limpeza ritual.
3. Um último elemento importante foi a preservação dos manuscritos das
Escrituras e as explicações dos doutores da lei2 como fatores aglutinadores da
nação dispersa

1
J. Bright. História de israel. (São Paulo: Editora Paulinas, 1975), 469.
2
J. Bright; 471, 472.
4
“A importância da lei no judaísmo não pode ser exagerada. Ela era um
fator central e integrante, em torno do qual todas as outras características
religiosas eram organizadas”.1

4. A comunicação da lei e o zelo por ela ao longo da história tiveram função


preponderante para fortalecer o espírito legalista do judaísmo.

a. Segundo o Mishná, a transmissão da lei foi primeiramente um ato de


Deus quando a deu a Moisés (Ex 31: 18); e este a entregou a Josué,
que por sua vez a passou aos anciãos, que passaram aos profetas, que a
comunicaram aos membros da grande assembléia (os 120 anciãos),
liderados por Esdras, o escriba e por seus companheiros, os Soferim. O
zelo por esta tradição conduziu o povo hebreu ao legalismo.

i. Assim a mentalidade pós-exílica da religiosidade judaica era


caracterizada pelo monoteísmo ético, que fortaleceu o
legalismo judaico.

5. Três séculos depois do período pós-exílico, no reino de João Hircano


surgiram os Saduceus e os Fariseus, que tinham a lei como centro da vida
religiosa. As escolas de Hillel (70AC – 10AD) e Shammai (50AC – 30AD),
que se originaram dentre os fariseus exageravam a importância da ética, em
detrimento do significado salvífico de sua religião.

a. Esta postura teológica influenciou o cristianismo judaico com o


legalismo.

1
Ibid., 590.
5
III. OS CONFLITOS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO NO NOVO TESTAMENTO

A. Este conflito teológico sobre a salvação manifestou-se no Novo Testamento sob dois
ângulos inter-relacionados.

1. O Aspecto Externo - O conflito entre as autoridades judaicas e os líderes do


cristianismo.

a. Na pregação de Pedro diante das autoridades Israelitas (At 4:12).


b. Em diversas ocasiões durante as três viagens de Paulo, os princípios
do evangelho eram sempre expostos em situação de litígio com as
autoridades judaicas (At 13:1-14:28; 15:36-21:16).

2. O Aspecto Interno – A acareação em que foi submetido Pedro por ter


visitado gentios em seus lares é uma evidência deste fato (At 11) neste
capítulo Pedro expõe o que ele entende sobre a doutrina da salvação (At
11:14-18).

a. Posteriormente, houve forte contenda com Paulo, pois os cristãos


judaizantes faziam da obediência à lei de Moisés uma condição para a
salvação.
b. Tais conflitos assumiram tamanha proporção que acabaram por exigir
a convocação do concílio de Jerusalém (At 15:11).
c. No final da 3ª viagem de Paulo, chegando a Jerusalém ele percebe que
o assunto de salvação pela fé em Cristo era tema de controvérsia.

i. Tiago chega a dizer que Paulo falava contra a lei.


ii. Paulo se defende argumentando que seus conversos são
observadores da lei.
iii. Paulo, para evitar mais atritos, aceita a sugestão de Tiago e faz
voto de nazireu, mesmo após o concílio de Jerusalém (At
21:23-26).

“Os irmãos esperavam que seguindo Paulo, o procedimento


sugerido [do voto], pudesse Paulo contrariar de maneira decisiva as
falsas notícias... o Espírito de Deus não ratificou esta instrução, foi
ela fruto da covardia... [Paulo] não se achava autorizado por Deus a
ceder tanto quanto pediam... quando pensamos em tudo isso,
surpreende menos que ele tenha sido constrangido a desviar-se do
caminho firme e decidido que até aí seguira”.1

1
Ellen G. White. Atos dos Apóstolos. (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1999), 404-405.
6
IV. A DOUTRINA DA SALVAÇÃO NO PERÍODO DOS PAIS ECLESIÁSTICOS (I AO V
SÉCULO AD).

A. Pais Apostólicos (Clemente de Roma, Inácio, Policarpo, Barnabé, Papias, Didachê -


fim do I século e início do II século AD).

1. A religiosidade deste período caracterizou por uma forte influência nomista.


Moralismo, legalismo e proc1amaçào da lei tiveram um amplo espaço na vida
cristã deste período. Ressaltava-se a obediência à lei1 (nova lei) como
exigência precedente ao perdão2.

B. Apologistas (Justino, Aristides, Taciano, Atenágoras, Teófilo de Antioquia, Epístola a


Diogneto, Cohortatio ad Graecos (II século e inicio do III século).

1. O homem é um ser livre com capacidade de guardar os mandamentos de


Deus, por isso um dos centros dos seus ensinamentos era a nova lei que
requeria vida virtuosa. Enquanto a graça é entendida apenas como revelação
da doutrina e da lei. Os sofrimentos de Cristo não eram vistos como
necessários para salvação, e sim apenas como cumprimento profético.
Contudo, através deles o homem alcançava o perdão, o livramento do pecado
e do Diabo3.

C. Cristianismo Judaico e Gnosticismo

1. O cristianismo judaizante apresenta três perversões da salvação, todas elas


de características nomistas: Nazarenos, Ebionitas e Elquesaitas. Era enfatizada
nestes três grupos uma restrita observância da lei, ou o ascetismo. A salvação
não estava ligada à morte e ressurreição de Cristo e sim à observância da lei.
2. O gnosticismo cristão concebia a salvação como a libertação do mundo
material através do conhecimento da sabedoria esotérica, que era conhecer o
pleroma e o caminho que conduzia para lá. Contudo só os pneumáticos
poderiam ser salvos (predestinação). Sofrimento e morte de Cristo eram
negados e declarados ser apenas uma aparência, a função d'Ele era apenas
trazer o conhecimento que salvaria o homem. Casamento com Cristo, nomes
mágicos, batismo, ceia do Senhor e ritos especiais eram meios de se conseguir
a salvação, pois se cria que através deles recebiam força superior que os
capacitava a vencer o mal, e que desta forma eles ascenderiam ao pleroma4.

1
Didaké, I, 2-5, “Coleção Patrística”, (Lisboa: Paulinas, 1960), 61-63.
2
Bengt Hägglund, Histôria da teologia, 4º ed. (Porto Alegre, RS: Concórdia Editora, 1989), 14,15; Louis Berkhoff,
A História das doutrinas cristãs (São Paulo: PES, 1992), 40.
3
Berkhoff, A História das doutrinas cristãs, 55; Hägglund, 24.
4
Paul Tillich, Pensamiento Cristiano y Cultura en Occidente (Buenos Aires: Editorial La Aurora, 1976), 64-67.
7
D. Pais Anti-Gnósticos (Irineu e Tertuliano, Final do II século - inicio do III século).

1. Irineu (pai da dogmática católica) - Também em Irineu está presente a


tendência nomista, pois ensinou que o homem recebe vida e justiça de Deus
quando vive condignamente em harmonia à lei, em obediência à lei de Deus.
''Os patriarcas eram justos porque obedeciam aos requisitos da lei''. Ele atribui
também a fé em Cristo o direito do homem recuperar a vida perdida pela
desobediência, uma vez que Cristo venceu o Diabo, dando ao homem a
libertação por Sua vitória contra Satanás.
2. Tertuliano - O ensino da salvação advogado por Tertuliano estava permeado
de legalismo. O arrependimento ou confissão eram meios para a satisfação
pelos pecados. Para se livrar da punição eterna trazida pelo pecado o homem
deve se submeter à penitência do jejum e de diversas formas de mortificação.
Para ele Cristo é um novo mestre que veio proclamar a lei, e dessa forma
fortalecer a vontade humana para viver em conformidade com esta lei, o alvo
da salvação, que se ''alcança mediante instrução na lei.''1

E. Escola de Alexandria (Clemente e Orígenes).

1. Clemente e Orígenes ensinaram que a salvação é pela fé e pelo


conhecimento. Em Clemente o aspecto fundamental de sua teologia é a idéia
da pedagogia de Deus. Para que o homem caído possa ascender ao nível
divino, a salvação, ele precisa de educação. Isto implica em dizer que
disciplina e castigo, admoestações e instruções são necessárias para que o
homem caído se reúna a Deus de novo. Para Orígenes a salvação era elevar-se
ao mundo espiritual e lá se reunir com Deus. Expiação, neste caso, só tinha
valor para os que se encontravam no nível inferior da fé, pois a salvação pelo
conhecimento lhe era superior. A fé não era a única condição para salvação, o
arrependimento era mais necessário. Ensinavam ainda que o batismo e a
eucaristia trariam, o primeiro, perdão dos pecados e, o segundo, a
imortalidade (sacramentalismo). A salvação universal dos ímpios era
conseguida mediante o sofrimento após a morte, nas chamas purificadoras do
hades, que terminaria no juízo final. Esta salvação incluíria o próprio Lúcifer.
Segundo Orígenes, Cristo ofereceu-se como resgate a Satanás, que não sabia
que a divindade e a santidade de Cristo não permitiriam que o Diabo O
mantivesse sob seu domínio, tendo sido assim Lúcifer iludido. Dessa maneira
todos os homens foram libertados do poder de Satanás, inclusive os que já
estavam no hades.2

F. Atanásio (IV século AD. Morte: 373 AD).

1. Na sua obra de incarnatione, Atanásio define sua soteriologia, centralizada


na Encarnação. O verbo encarnou com o objetivo de restaurar no homem a sua
semelhança com Deus, cuja semelhança se havia perdido por causa da queda.
Além disso, o Verbo Encarnado é apresentado como o substituto do homem,
por ter pago sua dívida diante de Deus, quando Ele sofreu a pena imposta pelo
pecado, ofertando-lhe o perdão. Vencendo o pecado e a morte na natureza
humana, Cristo podia recriar o homem à imagem de Deus, porque também era
Deus. Dessa forma a natureza humana foi liberta do pecado e sua condenação.
Devido a salvação estar fortemente relacionada com a encarnação e a
1
Berkhoff, A História das doutrinas cristãs, 60-63; Hägglund, 38-40.
2
Ibid., 69.
8
restauração da imagem de Deus no homem, há em Atanásio uma ênfase sobre
o aspecto ético. Cristo alcança os corações dos homens pelo Seu exemplo e
por Sua Palavra.1

G. Pelágio (monge britânico que viveu em Roma em 400 AD)

1. Segundo Pelágio não existe transmissão de natureza humana pecaminosa.


Cada pessoa nasce com a capacidade de evitar ou cometer o pecado conforme
sua livre vontade de escolha. Livre arbítrio em Pelágio não é só a capacidade
de escolher, mas a capacidade de realizar aquilo que escolheu. Não há por isso
transmissão hereditária de natureza pecaminosa, nem pecado original. As
pessoas nascem dotadas de liberdade da vontade, com capacidade de escolher
entre o bem e o mal. Mesmo quando o homem escolhe pecar, sua volta à
santidade não depende da graça de Deus. A graça para Pelágio só é aceita
como dom natural dado por Deus ao homem ao criá-lo, como a capacidade de
raciocínio, vontade, liberdade etc. Cristo é visto apenas como um exemplo
moral.2

H. Agostinho (bispo de Hipona, sua vida se estendeu de 354 AD a 430 AD).

1. Agostinho advogava que com a queda o homem, perdera sua capacidade de


querer o bem e evitar o mal. Em Adão todos pecaram ensinava Agostinho.
Passou a existir um ''vinculo orgânico'' entre Adão e os seus descendentes. A
natureza caída de Adão, sua culpa e corrupção moral são transmitidas a toda
humanidade (pecado original). Em conseqüência o homem ficou
completamente depravado e incapaz de escolher e fazer o bem. A vontade do
homem precisa ser restaurada e só a operação da graça de Deus é capaz de
realizar tal tarefa. Assim o homem se volta para a santidade e virtude. Esta
graça é conferida ao homem não porque ele creu, mas antes para que ele creia,
pois até a fé é um dom de Deus. A graça é vista em um processo de três
estágios: 1) graça proveniente, quando o Espírito Santo usando a lei desperta o
homem para a malignidade do seu pecado, gerando culpa, 2) graça operante,
nela o Espírito Santo usa o evangelho para conduzir o homem a crer em Cristo
e na sua expiação quando o homem então é justificado e passa a desfrutar paz
com Deus e 3) graça cooperadora, nela a vontade do homem é restaurada e
coopera com Deus na obra de santificação que se desenvolve por toda a vida
do homem. Apesar de sua visão sobre a graça irresistível e a conseqüente
predestinação ele ensinava que só os que perseveram serão salvos finalmente.3

V. DOUTRINA DA SALVAÇÁO NA IGREJA CATÓLICA

A. Gregório, o Grande (monge eleito papa em 590 AD).

1. Foi um defensor e expositor da doutrina da graça de Agostinho. Pela graça o


homem desperta para sua necessidade de redenção e santidade. A vontade do
homem é renovada para querer o bem, e aliada à graça divina merece o
galardão de Deus (fé e obras). O objetivo da graça é, portanto, produzir boas
obras que podem ser recompensadas. Penitência e purgatório foram outros

1
Ibid., 150; Hägglund, 67-69.
2
Tillich, 148- I 49; Berkhoff, A História das doutrinas cristãs, 120,121.
3
Hägglund, 111-118; Berkhoff, A História das doutrinas cristãs, 120-124.
9
ensinamentos de Gregório como fonte de mérito para o homem receber o
galardão da vida eterna. Seu pensamento teológico e suas realizações como
papa modelaram a vida e o pensamento da Igreja durante toda Idade Média.1

B. Concilio de Trento (1545 - 1563 AD, em três períodos 1545-1547, 1551-1552, 1562-
1563).

1. A justificação tridentina advogou que a vontade do homem coopera com a


graça de Deus para alcançar a salvação, e que as boas obras preservam a
justiça e ajudam na posse final da vida eterna. Tanto mais o homem coopera
com a graça proveniente de Deus tanto maior será a graça operante, a
justificação (graça infusa). Para permanecer na graça e crescer nela é
necessário cumprir com os mandamentos de Deus e da Igreja. A vida eterna é
fruto da fé, entendida como ato intelectual e moral, da graça de Cristo e da
recompensa dos méritos humanos na prática de boas obras. O conceito de que
justificação e perdão são a mesma coisa e que a vida eterna é dada
exclusivamente por causa de Cristo foram rejeitados pelo Concilio de Trento.
A fé como um ato de aceitar a justificação foi igualmente rejeitado.2

C. Catecismo Católico (1993) - No catolicismo a justificação é merecida com base na


paixão de Cristo, cujo sangue é a propiciação pelos pecados de todos os homens. A
justificação também é concedida pelo batismo, enquanto sacramento da fé
(sacramentalismo), os sacramentos são meios de graça: batismo, confirmação,
eucaristia, penitência, unção dos enfermos, ordem, matrimônio. A justificação
acontece em uma colaboração entre a graça de Deus e a liberdade do homem. O lado
humano é o assentimento à Palavra de Deus. A noção de mérito da Igreja Católica é
que ele vem primeiramente de Deus e em segundo lugar das obras dos homens, que
devem receber mérito por serem dependentes da graça. ''Os méritos de nossas boas
obras são dons da bondade divina. . . Sob a moçào do Espírito Santo e da caridade,
podemos em seguida merecer para nós mesmos e para os outros graças úteis para
nossa santificação. . . E também para ganhar a vida eterna.3

1. Onde o catolicismo mais se afasta da doutrina escriturística da salvação é no


seu ensinamento sobre a “satisfação”. O perdão dos pecados não remedia
todas as más conseqüências que o pecado causou, por isso é necessário fazer
algo para reparar seus pecados - penitência. Oração, oferta, obras de
misericórdia, serviço ao próximo, privações voluntárias, sacrifícios e
aceitação paciente da cruz que devemos carregar. Junto às penitências o fogo
do purgatório purifica o individuo de pecados que cometeu contra o Espírito
Santo. E as próprias penitências e o sacramento da cerimônia da missa podem
conceder ao defunto o direito de ascender ao céu.

a. Segundo o catolicismo o pecado tem dupla conseqüência: pena eterna


(perda da vida eterna), pena temporal (prejuízos acarretados pelo
pecado). O sacrifício de Cristo nos livra da pena eterna, enquanto o

1
Hägglund, 119-125; Berkhoff, A História das doutrinas cristãs, 127,128; Earle E. Cairns, O Cristianismo através
dos séculos: uma história da igreja cristã, 2º ed. (São Paulo: Vida Nova, 1992), 132-136.
2
Tillich, 230-231.
3
Catecismo da igreja católica 5º ed (Petrópolis RJ: Vozes, 1993) 456-463.
10
jejum, a oração e a esmola nos livram da pena temporal, desta forma
se completa a ''satisfação'' pelo pecado1.

VI. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA SOTERIOLOGIA NA IASD.

A. Nos círculos adventistas a controvérsia sobre a salvação ocorreu em duas fases. A


primeira emergiu na década de 1880, enquanto a segunda surgiu a partir da década de
1950.2 A Conferência Geral e o Instituto Bíblico, que lhe precederam, reunidos na
cidade de Minneapolis no período de 10 de outubro a 4 de novembro de 1888,
constituíram-se no clímax da primeira fase dessa crise. Nos anos subseqüentes a essas
reuniões, Ellen White, A. T. Jones, E. J. Waggoner e posteriormente W. W. Prescott e
A. G. Daniells levaram muitos adventistas a aceitar a mensagem da justificação pela
fé.

1. A partir de 1950 a Igreja Adventista do Sétimo Dia viveu a segunda fase da


controvérsia soteriológica, desencadeada pelas acusações de R. J. Wieland e
D. K. Short, de que em 1888 esta denominação havia cometido o pecado
corporativo, ao rejeitar a mensagem de justificação pela fé. Na década de 1970
Robert D. Brinsmead acusou os adventistas de abandono irresponsável da fé,
por incluírem, segundo ele, aspectos da santificação na justificação,
identiticando-se assim com os ensinamentos do catolicismo sobre o tema.
Críticas similares foram propagadas também por Desmond Ford e por outros
teólogos australianos. Os aspectos negativos e positivos desses litígios afetam
a Igreja até aos nossos dias.

B. Contexto Histórico

1. Não se pode deixar de reconhecer que nos primeiros anos do movimento


adventista sabatista havia algum interesse na doutrina da justificação pela fé,
contudo esse interesse era esparso e ocasional. Por outro lado, a ênfase nas
doutrinas distintivas dos adventistas sabatistas (santuário, lei de Deus, sábado,
imortalidade condicional, dom de profecia e Segundo Advento) e os
constantes debates contra seus opositores os levaram a desenvolver uma
religião árida e legalista.3

2. A crise soteriológica foi recrudescida por uma visão equivocada sobre o


significado da palavra lei. Em 1854, J. H. Waggoner declarou em seu livro
sobre os Dez Mandamentos que ''a palavra lei quando é usada nas epistolas de
Tiago, em Romanos ou Gálatas, faz referência à lei moral de Deus, aos dez
mandamentos.''4 A única reação historicamente comprovável ao conteúdo
desse livro é que foi removido do mercado por Tiago White em 1856.5 Essa
atitude, aliada à ênfase nomista desses primeiros anos, levou à crença comum
1
Ibid., 342-355.
2
Na história do Cristianismo os dois mais importantes conflitos soteriológicos ocorreram no século IV AD, entre
respectivamente Agostinho e Pelágio, e no século XVI AD entre Lutero e a Igreja Católica. Ver: Pelikan, 5:38;
Hägglund, 113- 118; Norval Pease, By Faith Alone (Mountain View, CA: Pacific Press, 1962), 81-86; Seeberg, 67,
81-102, 139, 164, 306. A doutrina da “imitação” de Deus é uma assimilação progressiva de Cristo que produz
incorruptibilidade e salvação. A doutrina da “satisfação” é que os pecados após o batismo são reparados no contexto
da penitência. Esses conceitos são encontrados em: Pelikan, 1:141-154.
3
E. G. White, Testimonies of the Church 3:212-221; Spalding, 2:288-289.
4
J H Waggoner, The Law of God: An Examination of Testimony of both Testaments (Rochester, NY: Advent
Review, 1854).
11
de que a lei em Gálatas era a lei cerimonial. Tal conceito perdurou, por
aproximadamente 30 anos entre os adventistas sabatistas, como sendo um
''marco da fé dos pioneiros''. Foi em razão desse ponto de vista, cristalizado
como ''doutrina histórica'' do adventismo sabatista, que os conflitos de
Minneapolis se exacerbaram.

3. Na década de 1860, Albert Stone disse que o adventismo de seus dias falava
''muito dos dez mandamentos. . . Mas tinha pouco de Cristo em seus
corações.''1 Embora declarações sobre Jesus Cristo, como a fonte da
justificação, aparecessem escassamente, a ênfase estava na perpetuidade da
lei, no esforço pessoal e nas obras2 Sendo, devido a isso, acusados por seus
opositores como legalistas e judaizantes.3

4. Desde 1856 até aos fins de 1880, Ellen White advertiu os adventistas
sabatistas inúmeras vezes de seu estado laodiceano, de sua religiosidade vazia
e da necessidade de arrependimento e contrição.4 Dos ministros ela disse que
seu coração era carnal, destituído da verdadeira bondade, e que alguns deles
nunca se haviam convertido.Eles eram como pastores perambulando com seus
rebanhos nas ''áridas montanhas de Gilboa”.5

5. Por sua vez a declaração das crenças fundamentais de 1872, redigidas por
Uriah Smith deixavam a impressão que os adventistas sabatistas eram
legalistas6 Comentando esse primeiro corpo de doutrinas, Schwarz diz que ''a
ênfase parecia estar no que o homem deve fazer antes do que naquilo que
Cristo fez e faria em e através de Seus seguidores.''7 As realizações
eclesiásticas dos primeiros 40 anos,8 embora boas em si mesmas, também
ajudaram a desviar o foco da direção de Cristo para as consecuções humanas.

5
George R. Knight, Angry Saints: Tensions and possibilities in the Adventist Struggle over Righteousness by Faith
(Washington, DC: Review and Herald, 1989), 23.
1
Ver: Albert Stone, Letter from Albert Stone (RH 29 de Janeiro de 1857), 101.
2
Spalding, 2:281-288; Arnold V. Wallenkampf, What Every Adventist Should Know About 1888 (Washington, DC:
Review and Herald Publishing House, 1988), 10.
3
Schwarz, Light Beares to the Remnant, 183.
4
E G White, Testimonies for the church, 5:219-220.
5
Idem., Obreiros evangélicos, 3º ed. (Santo André, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, s.d.), 165.
6
Ver: [Uriah Smith], Declaration of Fundamental Principles: Taught and Praticed by the Seventh-Day Adventist
(Battle Creek, MI: Steam Press of the Seventh-Day Adventist Publishing Association, 1872).
7
Schwarz, Light Beares to the Remnant, 183.
8
Entre elas estavam a fundação da obra de publicações (1848), a organização da Igreja entre 1860 e 1863; a
liderança centralizada em poucos homens (1863-1901), o estabelecimento da obra médico-missionária e da reforma
de saúde (1863), a obra educacional (1872) e o alargamento da visão missiológica (1874-1901). Ver Ibid., 184.
12
C. Descrição da Crise

1. Nos anos que se seguiram (1884-1886) estabeleceu-se uma discussão


acalorada sobre o tema da lei em Gálatas 3 entre A. T. Jones, E. J. Waggoner
(editores do ST) de um lado e, George I. Butler (presidente da Associação
Geral) e Uriah Smith (editor da RH), do outro, através de artigos publicados
no The Signs of the Times e na Review and Herald respectivamente.1
Waggoner escreveu um opúsculo intitulado The Gospel in the book of
Galatians que tratava do tema da justificação pela fé e sua relação com a lei.
Este material era uma resposta à obra The Law in Galatians anteriormente
escrita pelo Pr. Butler, argumentando que a palavra lei em Gálatas referia-se à
lei cerimonial.2 Durante a Conferência Geral de Minneapolis (1888),3 o tema
da expiação em relação com a lei de Deus foi apresentado publicamente por E.
J. Waggoner, enquanto o Pr. Jones discorreu sobre a doutrina da justificação
pela fé.4 A única tentativa de réplica foi feita pelo Pr. J. H.Morrison,
presidente da Associação de Iowa, procurando afirmar que a crença da
justificação pela fé era uma verdade crida há muitos anos pelos adventistas do
sétimo dia. Jones e Waggoner se levantaram sem nada haverem combinado
anteriormente e leram dezesseis passagens da Escritura que enfatizavam que a
misericórdia de Deus é recebida unicamente pela fé em Jesus Cristo.5

2. Os delegados dividiram-se em três grupos distintos.6 Alguns abrigaram um


espírito polêmico, zombeteiro e desrespeitoso para com Jones, Waggoner e
Ellen White.7 De acordo com Ellen White seu ''testemunho foi ignorado'' e
''nunca em sua vida tinha sido tratada como naquela Conferência”, e este era
''o capitulo mais triste da história dos crentes na verdade presente”8. Outros
declararam que sua verdadeira experiência cristã começara naqueles dias. Um
terceiro grupo permaneceu indeciso em face de tantos conflitos e dúvidas.

1
Knight, Anticipating the Advent, 72,73
2
Para melhor compreender as circunstâncias que fortaleceram as discórdias em Minneapolis, ver: Kinight, Angry
Saints, 16-19 (lei dominical), 31,32; 83-85 (conspiração da Califórnia); Roger W. Coon, Minneapolis/1888: The
“forgotten” Issue (documento publicado, Ellen G. White Estate, 1988), 11 (Níveis de inspiração segundo Butler);
Schwarz, Light Beares to the Remnant, 184, 187, 250-256 (outros fatores).
3
Para uma análise mais detida das diversas formas de abordagens sobre a crise cristológica de 1888, sob o prisma de
suas contribuições negativas e/ou positivas, verificar: Ellen G. White, diário de 13 de Março de 1903, CPEGW-BR;
Pease, By Faith Alone; A. V. Olson, Thirteen Crisis Years 1888-1901 (Washington, DC: Review and Herald, 1981);
Froom, Movement of Destiny; Wieland, The 1888 Message; Knight, From 1888 to Apostasy, Min. Fevereiro de
1988 (edição especial intitulada “1888-1988 Advance or Retreat?”.); Wallenkampf, What Every Adventist Should
Know About 1888; Ellen G. White Estate, comp., Manuscripts and Memories of Minneapolis: Selections from Not-
Ellen White Letters, articles, Notes, Reports, and Pamphlets Which deal With the Minneapolis General Conference
Session (Boise, ID: Pacific Press, 1988); Knight, Angry Saints.
4
“Introdução Histórica”, em: Ellen G. White, Testemunhos para ministros, 2º ed. (Santo André, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1979), 23.
5
Froom, Movement of Destiny, 247.
6
A. V. Olson, 41, 42.
7
E. G. White, Mensagens escolhidas, 3:173-176.
8
E. G. White, Looking Back at Minneapolis, “manuscrito 24”, 1888 CPEGW-BR; Idem, carta 7, 1888 CPEGW-BR;
Idem, carta 179, 1902 CPEGW-BR. Ellen White considerou que Minneapolis foi o capítulo mais triste e doloroso de
sua própria vida. Ver: Idem, manuscrito 21, 1888 CPEGW-BR; Idem, manuscrito 30, Junho de 1889 em: Ellen G.
White Estate, The Ellen G. White 1888 Materials (documento duplicado, Ellen White Estate, 1987), 1:352-381.
13
3. Diante da conturbação que prevaleceu em diversos momentos da reunião os
delegados não tomaram nenhuma decisão sobre o tema da justificação pela fé.
Tal situação foi conseqüência do espírito reinante na assembléia, que foi
traduzido nas palavras de Ellen White comentadas por Arthur White: ''Satanás
fez sua obra com algum sucesso. Havia sentimentos em desarmonia e divisão.
Havia muito ciúme e ruins suspeitas. Havia muitos discursos, insinuações e
comentários não santificados”.1

4. A indiferença religiosa também caracterizou os adventistas nas primeiras


décadas do século XX, apesar de nesse período haver uma ampla literatura
sobre a justificação recebida pela fé em Cristo.2 A. G. Daniells, preocupado
com a situação, fez desse tema o assunto principal dos seus sermões em 1922.
E na Conferência Geral de 1926 continuou discorrendo sobre o mesmo
assunto. Neste ano publicou seu livro Christ our Righteousness.3 Os anos
posteriores evidenciaram o mesmo interesse dos lideres, porém Bruno
Steinweg declara que havia um movimento pendular na apresentação do tema.
A ênfase por vezes recaia na valorização da salvação pela graça através da fé
em detrimento do crescimento moral, e em outras ocasiões o padrão moral da
vida cristã era exaltado em prejuízo da gratuita justificação de Cristo recebida
pela fé.4

5. A segunda fase da crise soteriológica iniciou-se quando os pastores R.


J. Wieland e D. K. Short, julgaram através do livro 1888 Re-examined, “ser a
Igreja Adventista do Sétimo Dia culpada de pecado corporativo, em razão da
denominação haver rejeitado a mensagem da justificação pela fé de
Minneapolis''5. Short e Wieland plantaram assim um espírito de discórdia nos
círculos adventistas.

6. Por outro lado, os desentendimentos de Robert Brinsmead com a Igreja


começaram em torno de 19586 e o Awakening Movement, iniciado por ele na
Austrália, foi trazido para os Estados Unidos em 1961. Seu ensinamento
heterodoxo nesse período era de natureza perfeccionista, alegando que a
erradicação do pecado na vida individual deve anteceder o derramamento da
chuva serôdia.7
1
Arthur L. White, Ellen G. White (Washington, DC: Review and Herald, 1985), 3:398-403.
2
Uma exaustiva relação da literatura sobre justificação pela fé neste período aparece em Bruno W. Steinweg,
Development in the teaching of Justification and Righteousness by Faith in the Seventh-Day Adventist Church after
1900 (Tese de Mestrado, Seventh-Day Adventist Theological Seminary, 1948); A. V. Olson, 239-247; Pease, By
Faith Alone, 157-222.
3
Arthur G. Daniells, Christ Our Righteousness: A Study of the Principles of Righteousness by Faith as Set in the
Word of God and the Writings of the Spirit of Prophecy (Washington, DC: Ministerial Association of Seventh-Day
Adventists, 1926).
4
Steinweg, 38-71, 88.
5
Robert J. Wieland e Donald K. Short, 1888 Re-Examined (Baker, OR: Adventist Forum Association, 1950). Em
relação com as comemorações do centenário de Minneapolis (1988) Wieland e Short publicaram uma nova crítica
com o mesmo objetivo (pecado corporativo). Ver: Idem., 1988 Re-Examined (Paris, OH: The 1888 Message Study
Committee, 1989), 7-9. Mais detalhes sobre alguns aspectos desta controvérsia aparecem em Tarling, 166-167.
6
Por questões doutrinárias discutidas com o Pastor R. A. Greive, Hope Taylor (irmã de Brinsmead) foi eliminada
juntamente com um grupo de dissidentes, e desse ponto em diante começaram as controvérsias de Brinsmead com a
Igreja. Ver: Tarling, 186.
7
“Perfeição absoluta não é alcançada neste mundo, mas no mundo por vir”. Edward Heppenstall, Syllabus for Bible
Doctrines (Arlington, CA: La Sierra College, 1955), 1:46.
14

7. A partir de 1970, contudo, Brinsmead assume uma nova postura teológica,


ensinando que a justificação pela fé é unicamente uma declaração legal de
Deus em Cristo pelo pecador. Qualquer conceito que relacionasse a justiça
pela fé com algum aspecto da santificação era classificada como influência da
heresia papal.

8. Neste período, Kenneth Wood procurou estabelecer através da Review que a


santificação era um aspecto da justiça pela fé.1 C. Mervyn Maxwell, em seu
artigo ''Christ and Minneapolis 1888”, diz que ''justiça pela fé é muito mais
do que perdão do pecado, é também vitória sobre o pecado.2 A resposta de
Brinsmead foi pronta, acusando a Igreja de romanismo, enquanto Desmond
Ford declarou que esta edição da Review era herética. Para resolver o impasse
estabeleceu-se um encontro em Palmdale, Califórnia em abril de 1976, entre
teólogos australianos e outros eruditos da denominação. Apesar do respeito
mútuo entre esses eruditos, a tentativa de se estabelecer uma unidade teológica
fracassou.3

9. Fundamentado no mesmo principio da justificação unicamente forense,


Geofrrey J. Paxton (pastor anglicano) teve sua dissertação de mestrado
publicada em 1977, que exerceu forte influência sobre o adventismo do
sétimo dia dessa época, fortalecendo o espírito de controvérsia.4 Esses fatores
contribuíram para o recrudescimento da crise soteriológica no final da década
de 1970.

10. Os diferentes pontos de vista sobre soteriologia nos anos de 1980 e 1990
fortaleceram ainda mais o ambiente de discórdia nos círculos adventistas.
Herbert Douglas, Ralph Larson e Jack Sequeira repetem a ênfase na
santificação e na perfeição do crente. Já Morris Venden vê a justiça pela fé
com ênfase no relacionamento entre a criatura e o Criador. A teologia de Ford,
por sua vez, compreende a expressão justiça pela fé como aplicada
unicamente a justificação, enfatizando que a ''santificação nunca se torna uma
parte da base da salvação.''5 A. Graham Maxwell e George Knight explicam o
processo da justificação como uma transação entre a justiça e o amor, para
poder oferecer misericórdia.6

1
Kenneth Wood, “Jesus made the Way Plain Parables”, AtR, 16 de Maio de 1974, 14,15, 24.
2
C. Mervyn Maxwell, “Christ and Minneapolis 1888”, AtR, 16 de Maio de 1974, 16-18.
3
A. Leroy Moore, The Theology Crisis: A Study in Righteousness by Faith (Amarillo, TX: Southwestern Publishing
Association, 1980), 3-9.
4
Geoffrey J. Paxton, The Shaking of Adventism (Wilmington, DE: Zenith Publishers, 1977). Esta obra foi publicada
em português sob o título, O abalo do adventismo (Rio de Janeiro: JUERP, 1983). Os detalhes deste momento da
crise soteriológica podem ser encontrados em Tarling, 186-197. para uma resposta ao conceito limitado de
justificação de Paxton, ver: William G. Johnsson e Hans K. LaRondelle, O Abalo do Adventismo analisado (São
Paulo: Gráfica do Instituto Adventista de Ensino, 1988).
5
John Reiber, Three Current Views on Righteousness by Faith in the S. D. A. Church, (Tese de Mestrado, Andrews
Univrsity, 1980), 35.
6
Martin Weber, Who’s Got The Truth? Making Sense out of Five Different Adventist Gospels (Silver Spring, MD:
Home Study International Press, 1994).
15
11. A crise soteriológica na década de 1990 possui, segundo Alberto Timm1 pelo
menos cinco tendências distintas: (1) ênfase na justificação e santificação2; (2)
ênfase na justificação3 (forense);

(3) ênfase na santificação e perfeição;4(4) ênfase no relacionamento5 e (5)


ênfase nos sentimentos humanos.6

12. Segundo Martin Weber ''esta confusão expressa o dilema no qual milhares
de adventistas pensantes encontram-se. Quanto mais eles lêem sobre o
evangelho, mais confusos eles se tornam”.7

D. Superação da Crise

1. A primeira fase da crise soteriológica foi progressivamente suplantada por


três fatores principais (1) a influência direta de Ellen White, (2) a pregação de
Jones e Waggoner e (3) a rendição dos lideres que se opuseram à mensagem
da salvação pela fé pregada em Minneapolis.

2. A participação de Ellen White nas controvérsias de 1888 foi o principal fator


na suplantação da crise e na implantação da mensagem da salvação na
mentalidade do povo adventista. Ele pode ser visto pelo menos sob quatro
aspectos diferentes: (1) suas advertências contra a posição extremada dos
grupos litigantes;8 (2) suas mensagens devocionais que procuraram enfatizar a
importância de um relacionamento cortês entre os participantes da Assembléia
Geral;9 (3) o apoio dado por ela à mensagem de Jones e Waggoner10, e (4) a

1
Alberto R. Timm, “A Partial Chronological/Topical Bibliography Related to the Seventh-Day Adventist Doctrine of
Justification by Faith” (Pesquisa não publicada, 1993). Ver também: Weber, Who’s Got The Truth?
2
Edward Heppenstall, Salvation Unlimited: Perspectives in Righteousness by Faith (Washington, DC: Review and
Herald, 1074); Hans K. LaRondelle, Christ Our Salvation: What God Does for Us and in Us (Barrien Springs, MI:
First Impressions, 1988); Wallenkampf, What Every Adventist Should Know About Being Justified; H. K.
LaRondelle, Perfection and Perfectionism: A Dogmatic-Ethical Study of Biblical Perfection and Phenomenal
Perfectionism (Berrien Springs, MI: Andrews University, 1979).
3
Desmond Ford, “Documents from the Palmdale Conference on Righteousness by Faith” (Palmdale, CA: Abril de
1976); Robert D. Brinsmead, Judged by the Gospel: A Review of Adventism (Fallbrook, CA: Verdict Publications,
1980).
4
M. L. Andreasen, O Ritual do santuário, 2º ed. (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1983); Herbert E.
Douglas e outros, Perfection: Impossible Possibility (Nashville, TN: Southern Publishing Association, 1975), 13-56;
C. M. Maxwell, “Ready for His Appearing”, em: Ibid., 141-200.
5
Morris L. Venden, 95 Teses sobre justificação pela fé (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990).
6
Douglas Hacleman, Worlds Apart (Monografia não publicada, Loma Linda University, 1978); Jack Provonsha, You
Can Go Home Again (Washington, DC: Review and Herald, 1982); Dick Winn, His Healing Love, Morning Watch
Book (Washington, DC: Review and Herald, 1986), 55; Idem, O amor que restaura, Meditações Matinais (Tatuí, SP:
Casa Publicadora Brasileira, 1987), 55; Charles Scriven, God’s Justice, Yes; Penal Substitution, No, Sp 23 (Outubro,
1993), 31-38.
7
Weber, Who’s Got The Truth, 5,6.
8
Schwarz, Light Beares to the Remnant, 186-188; Wallenkampf, What Every Adventist Should Know About 1888,
32-41; Robert W. Olson, “1888 – Issues, Outcomes, Lessons”, Ministry, February of 1988, 5-7; Idem, “1888 –
Desfecho, Frutos e Lições”, MA, Maio/Junho de 1988, 4-18.
9
A. V. Olson, 252-311; Pease, By Faith Alone, 135-144.
10
G. R. Knight discute a extensão do endosso dado por Ellen White à pregação de Jones e Waggoner e conclui que
este apoio se restringe ao cristocentrismo que eles apresentaram em sua mensagem. Ver: Knight, Angry Saints, 43-
52. Ellen White disse aos delegados que “via a beleza da verdade na apresentação da justiça de Cristo em relação à
16
publicação das obras de Ellen White entre 1892 e 1898 que exaltavam a
pessoa de Cristo e Sua salvação (Caminho a Cristo, O Maior Discurso de
Cristo, O Desejado de todas as Nações e Parábolas de Jesus).

3. Entre 1888 a 1891 Ellen White1, Jones e Waggoner apresentaram,


incessantemente a mensagem da justiça vicária de Cristo em reuniões
campais, em grandes igrejas e concílios ministeriais através dos Estados
Unidos2, tendo contribuído assim para a superação da controvérsia
soteriológica.

4. O terceiro fator na suplantação da crise soteriológica foi o reconhecimento


de Uriah Smith (1890), George I. Butler (1893) e outros, do erro de se terem
oposto em 1888 à mensagem de justificação pela fé . Ellen White fala de uma
progressiva suplantação da crise de Minneapolis, iniciada com a aceitação da
justificação pela fé em Battle Creek. Conseqüentemente, em março de 1889
ela podia declarar que a ''coluna vertebral da rebelião estava quebrada''.3
Posteriormente (setembro de 1895), a mesma autora afirmou que já não era
próprio chamar homens do seu campo de trabalho para '' gastar semanas em
atender um instituto ministerial'' e acrescentou que ''houve um tempo quando
isto foi necessário, porque nosso povo opôs-se a obra de Deus por recusar a
luz sobre a justiça de Cristo pela fé”.4 Explicando esta declaração de sua mãe.
W. C. White declarou que a mensagem de 1888 foi ''apresentada e aceita'' por
aqueles que foram acessíveis e o conflito estava superado.5

5. A suplantação da segunda fase da crise soteriológica tem sido buscada


através de diversas medidas tomadas pela Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Em 1951 a Associação Geral rejeitou a acusação de pecado corporativo do
documento 1888 Re-examined, com seu uso tendencioso de citações dos
escritos de Ellen White.6

6. Na década de 1970 os adventistas do sétimo dia buscaram mais


incessantemente a solução da controvérsia soteriológica de Robert Brinsmead.
O Awakening Movement abandonou sua tendência perfeccionista devido a
uma compreensão mais clara da teologia da Reforma. Em 1970- 1971 os
lideres do movimento reconheceram seus erros diante da Associação Geral,
porém Robert Brinsmead afastou-se progressivamente das crenças adventistas
até romper finalmente com a denominação através da publicação do
Sabbatarianism Re-Examined.7

lei, conforme o doutor [E. J. Waggoner] nos tem exposto... o que têm sido apresentado se harmoniza com a luz que
Deus por bem dar-me durante todos os anos de minha experiência”. Ellen G. White, manuscrito 15, Novembro de
1888, em: Ellen White Estate, The Ellen G. White 1888 Materials, 1:163-171.
1
Ellen White fala de sua participação em determinado concílio ministerial na pregação da justiça pela fé. Ver: Ellen
G. White, diário, 27 de Fevereiro de 1891, CPEGW-BR.
2
A. L. White, Ellen White, 3:416-433, 452-492.
3
Ibid., 3:457.
4
E. G. White, Testimonies for the Church, 6:89.
5
W. C. White para Dores A. Robinson, carta, 10 de Setembro de 1895, em: Ellen G. White Estate, Manuscripts and
Memories of Minneapolis, 290.
6
Uma resposta à acusação de pecado corporativo pode ser encontrada em: Froom, Movement of Destiny, 357,358;
George E. Rice, “Arrependimento coletivo”, MA, Junho de 1988, 23-26.
17
7. A organização do Righteousness by Faith Committee em 1973,1 o encontro
de Palmdale em abril de 1976,2 a carta aberta do Pr. Neal C. Wilson de 1979,3
a reunião de 150 eruditos e lideres na capela central da Associação Geral em
outubro de 1979, e a publicação do documento O Plano da Redenção
permitiram direcionar a crise Soteriológica para uma discussão mais ampla do
tema,4 sem, contudo poder-se falar de uma suplantação definitiva da crise.

7
Para informações sobre os detalhes da controvérsia com Robert Brinsmead, ver: Tarling, 186-198; Robert D.
Brinsmead, “Sabbatarianism Re-Examined”, ver. 4 (Junho de 1981), 6-70.
1
N. R. Dower, “Righteousness by Faith”, Min, Agosto de 1976, 5-9.
2
Comissão de Palmdale, “Christ Our Righteousness” RH, 27 de Maio de 1976, 4-7.
3
Neal C. Wilson, “A Open Letter”, Min, Junho de 1979, 10-11.
4
Editorial, “The Righteousness by Faith Consulation”, Min, Dezembro de 1979, 13.

Você também pode gostar