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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

GERAULY DUARTE VASCONCELOS

A GEOPOLÍTICA DOS GOVERNOS MILITARES BRASILEIROS: A


CONSTRUÇÃO DAS RODOVIAS 174 E 401 NO EXTREMO NORTE DA
AMAZÔNIA (1967 – 1977)

BOA VISTA, RR
2016
GERAULY DUARTE VASCONCELOS

A GEOPOLÍTICA DOS GOVERNOS MILITARES BRASILEIROS: A


CONSTRUÇÃO DAS RODOVIAS BR 174 E 401 NO EXTREMO NORTE DA
AMAZÔNIA (1967 – 1977)

Monografia apresentado como pré- requisito para conclusão


do curso de bacharelado e licenciatura em História, pela
Universidade Federal de Roraima.

Orientador: Prof. Dr. Nelvio Paulo Dutra Santos.

BOA VISTA, RR
2016
GERAULY DUARTE VASCONCELOS

A GEOPOLÍTICA DOS GOVERNOS MILITARES BRASILEIROS: A


CONSTRUÇÃO DAS RODOVIAS FEDERAIS BR 174 E 401 NO EXTREMO NORTE DA
AMAZÔNIA (1967 – 1977)

Monografia apresentada como pré-requisito para conclusão do curso de bacharelado e


licenciatura em História, pela Universidade Federal de Roraima, defendida em 28 de março de
2016 e avaliada pela seguinte banca examinadora.

_______________________________________
Prof. Dr. Nelvio Paulo Dutra Santos
Professor do Curso de História

______________________________________
Prof. Dr. Américo Alves de Lyra Junior
Professor do Curso de Relações Internacionais

_____________________________________
Prof. Dr. Reginaldo Gomes de Oliveira
Professor do curso de História
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)
Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima

V331g Vasconcelos, Gerauly Duarte.


A geopolítica dos governos militares brasileiros: a construção
das rodovias 174 e 401 no extremo norte da Amazônia (1967 –
1977) / Gerauly Duarte Vasconcelos. – Boa Vista, 2016.
82 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Nelvio Paulo Dutra Santos.

Monografia (graduação) – Universidade Federal de Roraima,


Curso de História.

1 – Geopolítica. 2 – Segurança Nacional. 3 – Amazônia. 4 – BR


174. 5 – BR 401. I – Título. II – Santos, Nelvio Paulo Dutra
(orientador).

CDU – 911.3:32(811)
AGRADECIMENTOS

Durante os sete anos de graduação apareceram grandes dificuldades por motivos


familiares e trabalhistas, mas a força de motivação da família e amigos foi fundamental na
conclusão da pesquisa. Nesse sentido, gostaria de agradecer primeiramente a Deus, por tudo
que tenho e tudo que sou, por cada instante de minha vida, muito obrigado Senhor.
A minha mãe Maria das Graças Duarte Vasconcelos, pois sempre me acompanhou
durante essa caminhada e sonhou com esse momento, e hoje, está muito feliz com a realização
desse sonho.
A meu pai Lauri de Vasconcelos, mesmo distante, me apoiou nessa empreitada
mandando energias positivas.
Aos meus irmãos e sobrinhas, em particular ao meu querido irmão Lauri Gean
Duarte Vasconcelos, pelo amor que nos une, por todos os momentos que passamos juntos, e
pelas conquistas compartilhadas.
Aos meus amigos de vida, Marcel, Jairo, Jarlon, Darlan, Sonismar, Maurício, André
Luiz, Ederlan um exemplo de amizade, ajuda ao próximo e companheirismo, meu especial
obrigado.
Aos meus colegas de classe, em especial a Hiarle, Marineide, Valdenora, Thiago,
Marcio, Fagner, Franco, Kleber, obrigado pela força.
A meu orientador, Professor Nelvio Paulo Dutra Santos, pela colaboração e
orientação durante esta pesquisa.
E, a todos aqueles que direta e indiretamente colaboraram com meu conhecimento,
meu muito obrigado.
RESUMO

Nessa monografia analisei as medidas tomadas pelo governo militar brasileiro em relação ao
extremo Norte da Amazônia, no período de 1967 a 1977. Nas mentalidades dos militares, o
caráter estratégico dessa região que durante séculos foi ameaçada pelos países vizinhos e por
isso tinha que ser integrada a sociedade nacional brasileira. Apoiados num pensamento
geopolítico construído pela Escola Superior de Guerra (ESG), os militares deslocaram uma
grande estrutura militar e administrativo visando assegurar o domínio desse espaço frente às
nações que fazem fronteira com a Amazônia. A construção das rodovias BR 174 e 401
permitiu acesso às diversas regiões do país e ligação com a República Cooperativista da
Guiana e República da Venezuela, garantindo, de acordo com o pensamento dos militares, a
segurança e a soberania nacional. Nesse TCC, a abordagem foi fundamentada
necessariamente na Geopolítica, ramo da História Política que estuda os espaços geográficos
para dar suporte à compreensão dos principais fatores para a construção de grandes obras
estruturantes na região amazônica.

Palavras chave: Geopolítica; Amazônia; Segurança Nacional; BR 174 e 401; Roraima.


ABSTRACT

In this monograph analyzed the measures taken by the Brazilian military government in
relation to the extreme north of the Amazon, in the period from 1967 to 1977. In the
mentalities of the military, the strategic importance of this region for centuries was threatened
by neighboring countries and so had to be integrated into the Brazilian national society.
Supported a geopolitical thought constructed by the Superior School of War (ESG), the
military moved a large military and administrative structure to ensure that the domain space
facing the nations bordering the Amazon. The construction of the BR 174 and 401 highways
allowed access to the various regions of the country and link to the Cooperative Republic of
Guyana and the Republic of Venezuela, ensuring, according to the thinking of the military,
security and national sovereignty. TCC that the approach was necessarily founded on
Geopolitics, Political History branch of that studies the geographic areas to support the
understanding of the main factors for the construction of large structural works in the Amazon
region.

Keywords: Geopolitics; Amazon; National Security; BR 174 and 401; Roraima.


LISTA DE MAPAS

MAPA 1 – Manobra de Integração Nacional de Golbery de Couto e Silva.......................... 24


MAPA 2 – Manobra de Integração Nacional de Carlos de Meira Mattos............................. 26
MAPA 3 – Áreas interiores de intercâmbio fronteiriço......................................................... 27
MAPA 4 –Território Luso – brasileiro em 1959, após assinatura do Tratado de Madri....... 31
MAPA 5 – Plano Rodoviário Nacional.................................................................................. 36
MAPA 6 – Programa de Integração Nacional – PIN............................................................. 44
MAPA 7- Planta das estradas federal BR - 174 e 401........................................................... 61
MAPA 8 – Localização da produção pecuária em 1970........................................................ 72
MAPA 9 – Área de colonização no Território Federal de Roraima entre 1970 e 1980......... 74
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Política de Ocupação da Amazônia Legal....................................................... 45


FIGURA 2 – Região da estrada perdida............................................................................... 58
FICURA 3 – Vice – Presidente Adalberto P. dos Santos inaugurando a BR 174................ 60
FIGURA 4 – Localização da Terra Indígena Waimiri Atroari.............................................. 65
FIGURA 5 - Monumento aos mortos na área Waimiri – Atroari......................................... 69
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – O itinerário das rodovias federais BR 174 e 401................................................. 62


Tabela 2 – Evolução demográfica do Estado de Roraima..................................................... 75
LISTA DE ABREVIATURAS

ESG – Escola Superior de Guerra


BEC – Batalhão de Engenharia e Construção
CMA – Comando Militar da Amazônia
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
GEC – Grupamento de Engenharia e Construção
DER-AM – Departamento de Estradas de Rodagem do Amazonas
TFR – Território Federal de Roraima
II PND – II Plano Nacional de Desenvolvimento
DSN – Doutrina de Segurança Nacional
PNV – Plano de Viação Nacional
URSS – União das República Socialista Soviética
EUA – Estados Unidos da América
PROTERRA – Programa de Redistribuição e Terras e de Estímulos a Agroindústria o Norte e
Nordeste
INCRA – Instituto Nacional Colonização e Reforma Agrária
PGVN – Plano Geral de Viação Nacional
PNC – Poples’s National Congress
UF – Unitad Force
PP – Pople’s Progressive Party
SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
PIN – Programa de Integração Nacional
JBV – Jornal Boa Vista
SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus
SUMÁRIO

Introdução.............................................................................................................. 12
1. O Pensamento Geopolítico Brasileiro.................................................................. 15
1.1 A geopolítica brasileira e a segurança nacional....................................................... 15
1.2 A geopolítica de Integração Nacional de Golbery Couto e Silva e Carlos de Meira
Mattos...................................................................................................................... 22
2. Os Militares no Poder: A construção de estradas na Amazônia....................... 29
2.1 A geopolítica brasileira na Amazônia...................................................................... 29
2.2 Antecedentes históricos: a construção de estradas na Amazônia...............................34
2.3 O Programa de Integração Nacional – PIN................................................................39
3. A Construção das Estradas Federias 174 e 401 no Extremo Norte da
Amazônia...................................................................................................................46
3.1 As primeiras tentativas de construção de estradas no Território Federal de Roraima46
3.2 Segurança Nacional e Desenvolvimento interno e externo: a construção das estradas
federais 174 e 401.......................................................................................................50
3.2.1 A resistência Waimiri–Atroari....................................................................................62
3.2.2 Os resultados da construção das estradas federais 174 e 401....................................70
4. Considerações finais.................................................................................................78
Referências bibliográficas........................................................................................80
12

Introdução

As ideias sobre ocupação e reorganização do espaço amazônico de forma planejada


da Amazônia, se iniciam no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), passando pelo
governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961) com as construções das rodovias federais
Belém-Brasília e Brasília-Acre. Mas, foi só no governo militar (1964-1985) que pudemos
identificar um conjunto de ações como objetivo de integrar a Amazônia setentrional com as
demais regiões do país. É, nesse processo, que houve a construção das rodovias federais,
como a BR 174 e 401 no extremo Norte da região.
Minha motivação para a pesquisa sobre essa temática se deve a partir do momento
que fui admitido no Departamento de Estradas de Rodagem de Roraima em maio de 2000,
como auxiliar de Topografia. Nesse período, trabalhei na construção da ponte sobre o rio
Branco, na estrada federal BR 174 no município de Caracaraí, e me perguntava: Por que se
construiu primeiro a ponte sobre o rio Branco, no município de Boa Vista? Outro ponto que
me chamou atenção foi conversas com ex-militares e civis que comentavam sobre “massacres
de índios Waimiri-Atroari pelo Exército brasileiro nas décadas de 1960 a1970”.
A realização desse trabalho do ponto de vista da relevância acadêmica servirá como
um novo elemento de análise da história do Estado de Roraima. Do ponto de vista social,
contribuirá para professores e alunos das redes públicas e privadas, pois, no período que
cursei a disciplina “Estágio Supervisionado do Ensino Fundamental e Médio”, percebi que os
discursos transmitidos nas escolas em relação à história de Roraima, não dão muita atenção
para as ações movidas ao temo do Regime Militar na Amazônia setentrional
A pesquisa se refere a um momento de tensão mundial proporcionado pela Guerra
Fria. Nesse contexto, a América vivia sob a ameaça de uma “invasão comunista” após o
alinhamento do governo cubano com Moscou, que passou a garantir apoio às guerrilhas nos
países da América do Sul, Central e Caribe. Para aumentar as preocupações dos militares
brasileiros, no final da década de 1960 explodia uma guerra civil na República Cooperativista
da Guiana, com notícias de invasão do território brasileiro. Também, se buscou o
conhecimento histórico da evolução do pensamento geopolítico brasileiro para compreender
as ações voltadas para integrar a região amazônica.
O espaço da pesquisa esta inserido no extremo Norte da Amazônia. Região
estratégica, desde o século XVIII até os dias atuais, sempre viveu sobre ameaça de uma
“invasão” dos países vizinhos. Durante o regime militar foi instalado uma grande estrutura
administrativa no Estado do Amazonas e no Território Federal de Roraima. Essas investidas
13

do governo autoritário seriam de extrema importância para segurança da Amazônia Ocidental,


segundo a geopolítica da época. Assim, o principal objeto de estudo consiste em compreender
no contexto geopolítico externo e interno, as principais razões dos militares brasileiros
construírem as rodovias federais BR 174 e 401, anterior às obras de grande monta e de
extrema importância para o governo Militar, como a construção da BR – 230
(Transamazônica).
O recorte temporal foi pensado a partir de 1967, por ser um período que se inicia a
construção das BR 174 e 401, dentro do quadro de ações dos militares para a Amazônia
Ocidental, que incluiu a transferência do Comando Militar da Amazônia, a criação da
Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o Banco da Amazônia S/A, e uma nova legislação
para os Territórios como os Decretos-Lei 200, de fevereiro de 1967; e/ou 411 de 1969. Essas
medidas atenderiam de imediato as necessidades geopolíticas dos militares. E, o recorte final,
foi definido em 1977 quando se conclui as rodovias federais BR 174 e 401.
Este trabalho resultou de uma pesquisa com uma diversidade de fontes. O primeiro
passo foi analise de trabalhos bibliográficos, sendo que a maior parte desse material foi
produzida por professores da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Essas leituras me
levaram para o segundo passo que foi analisar uma investigação de corpus documental, de
materiais que se encontram nas principais Universidades do Brasil como: UNB, UNICAMP,
FGV etc.; disponibilizados em seu site: livros, dissertações, teses e outras publicações
científicas que contribuíram para o desenvolvimento do trabalho, além de jornais, documentos
e relatórios oficiais.
Quanto a linha teórica de pesquisa, foi utilizada a Geopolítica, um ramo da História
Política, visto que o trabalho teve como objeto de estudo as ações públicas conduzidas pelo
Estado1, ações estas, que levaram o governo a construir estradas que garantissem a integração
regional e uma articulação eficiente das Forças Armadas Brasileiras numa imaginada invasão
de nossas fronteiras. Sendo desta forma feitos estudos de conceitos sobre Geopolítica e
Segurança Nacional, ferramentas que foram essenciais na construção do trabalho.
O conceito sobre o qual se fundamenta o pensamento geopolítico é o Estado –
Nação. Logo, a geopolítica se faz presente e necessária frente à necessidade de resguardar a
integridade da Nação. Conforme Miyamoto, “a geopolítica tem como fim dar auxílio da

1
Para Rémond (2003, p. 21) “nas sociedades contemporâneas, a política organiza-se em torno do Estado e
estrutura-se em função dela: o poder do Estado representa o grau supremo da organização política e também seu
principal objeto de competição”.
14

formulação da política de segurança nacional, onde o espaço representa um instrumento


político. A geopolítica, portanto, é uma teoria do poder, apoiado fundamentalmente no
território nacional”. (MIYAMOTO, 1981, p. 27). Portanto, esse pensamento estava articulado
no binômio Segurança e Desenvolvimento. Logo, os militares lançariam seus projetos na
Amazônia Ocidental, visando à ocupação de nossas fronteiras.
O Trabalho está dividido em três capítulos: sendo o primeiro sobre O Pensamento
Geopolítico Brasileiro. Neste, buscou-se compreender a evolução do pensamento geopolítico
brasileiro a partir dos trabalhos dos teóricos como Everardo Backheuser, Mario Travassos e
Lisias Rodrigues. Suas ideias buscaram fortalecer o Estado nacional principalmente nas
regiões de fronteira, seus trabalhos tiveram grande influência no Governo do Presidente
Vargas (1930-1945). No mesmo capítulo, salientam-se os estudos de dois teóricos da Escola
Superior de Guerra (ESG), os generais Golbery de Couto e Silva e Carlos de Meira Mattos,
seus estudos no campo da geopolítica e segurança nacional foram da grande relevância na
política estratégica de integração nacional, patrocinado pelo Estado brasileiro no Governo
Militar (1964-1985).
O segundo capítulo trata sobre os Militares no Poder: A construção de estradas na
Amazônia. No primeiro momento buscou-se investigar desde as medidas tomadas pelo
ministro português, Marquês de Pombal no século XVIII, o qual lançou o primeiro
planejamento estratégico para ocupação do espaço amazônico. Em seguida, veremos as
primeiras tentativas de se construir estradas na região amazônica pelo governo federal. No
governo de Getúlio Vargas, várias autarquias foram criadas para iniciar a construção de
estradas, mas, não tiveram sucesso por falta de recursos. Já no governo de Juscelino
Kubitschek, se constrói as bases de integração do espaço amazônico com a construção das
rodovias: Belém-Brasília e Brasília-Acre. Mas foi no Governo Militar (1964-1985), que se
tornou realidade o sonho da Amazônia integrada com o restante do país, quando foi lançado o
Programa de Integração Nacional – PIN.
O último capítulo versa sobre as construções das estradas federais 174 e 401 no
extremo Norte da Amazônia. Nesse capítulo buscou-se conhecer as primeiras ações tomadas
pelo governo do Amazonas para tirar a região do rio Branco – atual Roraima - do isolamento,
ocorridas no final do século XIX e início do século XX. O enfoque central é do ponto de vista
da integração e segurança nacional. Também tratamos de um breve comentário sobre os
resultados da construção dessas estradas. Como: a resistência do povo Waimiri- Atroari e o
“boom” de migrantes vindo do Nordeste na busca pela terra.
15

1. O PENSAMENTO GEOPOLÍTICO BRASILEIRO

Para compreendermos as ações promovidas pelo Estado brasileiro durante o Regime


Militar (1964-1985) na Amazônia, a partir do pensamento Geopolítico e da Segurança
Nacional, precisaram se conhecer as novas atribuições do Estado Moderno2. Conforme
Rémond (2003) nessa perspectiva diversos fatores são analisados para entender as políticas
públicas desenvolvidas pelos novos Estados Nacionais para ampliar seus poderes de coerção e
imposição. Dessa forma, para o sociólogo Max Weber, em seu livro Economia e Sociedade:
fundamentos da sociologia compreensiva (1999), o autor aponta o Estado do ponto de vista
sociológico, como uma associação política que se mantém pela dominação institucional com o
monopólio da violência legítima, a partir de uma coação física. (WEBER, 1999, p. 525). Fica
claro, que o Estado se sustenta na coação física, no uso da força e da centralização do poder,
observando compreender todo seu território sob seu comando político.
Esse comando político de caráter centralizador nasce no Brasil no governo de
Getúlio Vargas após 1930, se acentuando com a implantação do Estado Novo (1937-1945).
Nesse governo se iniciou a aplicação das ideias dos teóricos brasileiros com objetivo de
proteger nossas fronteiras. Mas, esta se consolida no Governo Militar (1964-1985), com
atuação dos geopolíticos da Escola Superior de Guerra (ESG) que os estrategistas militares
aplicaram a teoria geopolítica e a ideologia de Segurança Nacional formulada pela ESG.
Ainda nesse capitulo buscaremos compreender influencia dos teóricos da ESG
general Golbery de Couto e Silva e Carlos de Meira Mattos, estes, desenvolveram uma
política de integração nacional para garantir a segurança nacional e desenvolvimento do
Brasil.
.
1.1 A geopolítica brasileira e a Segurança Nacional

De acordo com Costa (2013), a teoria geopolítica que o estado nacional se apropriou
para garantir sua segurança interna e externa surgiu em 1905, com o jurista e burocrático
sueco Rudolf Kjéllen (1846-1922), mas foi o geógrafo e alemão F. Ratzel (1844-1904) que é
considerado o inspirador da corrente geopolítica, pois seus estudos sobre em relação Estado-
espaço rapidamente se espalharam pelo mundo “civilizado” principalmente nos centros de
pesquisar militares.

2
Às revoluções políticas, o advento da democracia, as lutas partidárias, a I e II Guerras Mundiais e os confrontos
entre ideologias políticas levaram os novos Estados Nacionais ampliar seu poder sobre a sociedade. (RÈMOND,
2013).
16

De acordo com Santos (2013), na primeira metade do século XX, nomes como: Sir
Halford J. Mackinder3 (1861-1947), e Karl Haushofer4 (1869-1946) tornaram-se
mundialmente conhecidos pelos trabalhos desenvolvidos durante a I e II Guerra Mundial.
Mas, foi no período da Guerra Fria, que surge no cenário internacional e no campo da
geopolítica, o teórico político Nicolas Spykman5. Santos, salienta que “as ideias do professor
influenciaram diretamente diversas correntes e ações geopolíticas na America Latina,
principalmente no Brasil, Chile, Argentina e no México” (SANTOS, 2013, p. 55).
O conceito sobre o qual se fundamenta o pensamento geopolítico é o Estado –
Nação, este, “é concebido como um grupo de pessoas unidas por laços naturais e por tanto
eternos – ou pelo menos existentes ab immemorabili – e que, por causa desses laços se torna a
base necessária para a organização do poder sob forma de Estado nacional” (BOBBIO, 1998
p. 796). Logo, a geopolítica se faz presente e necessária frente à necessidade de resguardar a
integridade da Nação. De acordo com Atencio (1975);

Geopolítica é a ciência que estuda a influência dos fatores geográficos na vida e


evolução dos estados, a fim de extrair conclusões de caráter político. A geopolítica
guia o estadista na condução da política interna e externa do Estado, e orienta o
militar na preparação da defesa nacional e na constituição da relativa permanência
da realidade geográfica, e permite deduzir a forma concordante com essa realidade
em que se podem alcançar os objetivos e, em consequência, as medidas de
conclusão da política estratégicas convenientes (ATENCIO, 1975 apud SILVA,
2004, p. 37).

Essa condução atribuída ao estadista no campo da geopolítica, no primeiro momento,


está relacionada com o espaço e a posição geográfica que se encontra a Nação, seguido por
um sistema de integração que garantisse uma logística eficiente das forças armadas na defesa
do território nacional. Como sugere Miyamoto, (1995, p. 148) “a geopolítica objetiva o estudo
dos meios de comunicação para determinar a sua importância na formulação da política
estratégica nacional”. Assim sendo, o sistema de comunicação é visto como um meio
essencial para ocupar esse espaço, sem o qual não se torna mesmo possível o fortalecimento
do poder estatal.
No Brasil, as teorias geopolíticas começam a se firmar como campo de estudo do
Estado na “Revolução de 1930”, no governo de Getúlio Vargas, ganhando espaço durante o
Estado Novo (1937-1945). Isso só foi possível por que o governo autoritário de Getúlio

3
“Mackinder, geógrafo e professor de Oxford, autor de O pivô geográfico da história (1904), adquiriu
notoriedade mundial, incluindo o conceito de “Heartland”. Este, situado na região da Eurásia, seria o centro
geopolítico do mundo, a “Ilha do Mundo” (SANTOS, 2013, p. 56).
4
General e professor alemão teve grande influência na política expansionista alemã na II Guerra Mundial.
5
Professor de Ciência Política da Universidade de Yale (EUA).
17

Vargas foi apoiado por militares que ganharam espaço na superestrutura estatal, logo suas
ideias se constituíram como estratégia de defesa da nação, pois estavam preocupados com a
segurança de nossas fronteiras. Apoiados nas ideias de Ratzel6 buscaram desenvolver políticas
gerais e territoriais que garantissem o pleno domínio do território nacional.
Em seus estudos sobre as principais obras dos geopolíticos brasileiros, Costa (2013),
salienta que estes absorveram as ideias geopolíticas desenvolvidas na Europa, que
privilegiavam a necessidade de unidade nacional-territorial, ao nível de ambiente ideológico
interno. Essa ideia do domínio integral do território sobre a tutela do Estado era defendido
pelo conservadorismo nacional. Como afirma Costa (2013, p. 185), “o pensamento
conservador brasileiro, desde o período colonial, passando pelo o Império, é de certo modo
até os dias atuais, sempre tendeu a expressar um conceito de nação articulado com o
território”. Esse pensamento, segundo Costa (2013), era representado por intelectuais como
Alberto Torres (1865-1917) e Oliveira Viana (1883-1951), ambos de caráter antidemocrático,
que viam como solução para o domínio integral do território brasileiro, a centralização do
poder político e da gestão territorial sob o comando do Estado.
No Brasil, podemos identificar como os precursores das ideias geopolítica, atuantes
desde os anos de 1920, 1930 e 1940, Pandiá Calógeras (1870-1934), Everardo A. Backheuser
(1879-1951), Mário Travassos (1891-1973) e Lisias Rodrigues (1896-1957). Mas, o
pensamento geopolítico brasileiro amadureceu com a Escola Superior de Guerra, fundada em
1949, onde podemos apontar dois teóricos de grade expressão como os generais Golbery do
Couto e Silva (1911-1987) e Carlos de Meira Mattos (1913-2007), estes vão produzir seus
trabalhos voltados para a segurança, integração e o desenvolvimento do Brasil.
Como veremos a seguir, as ideias apresentadas pelos geopolíticos brasileiros
buscavam fortalecer o Estado nacional, dessa forma poderia conduzir políticas eficientes
voltadas para nossas fronteiras, além de neutralizar o avanço da República da Argentina,
garantindo ao Brasil o pleno domínio do continente sul americano.

Na Argentina, os militares da Marinha que desenvolveram um pensamento e uma


estratégia geopolítica valorizando as vantagens ligadas ao fato de seu país deter o
controle da bacia do Prata e a ligação ao sul do Atlântico com o Pacífico. [...] Na
América Latina predominava preocupações com os três pólos geopolíticos: as bacias

6
Conforme Costa (2013, p. 37-38), o Estado na ótica de Ratzel, pode formular e executar políticas gerais e
territoriais. No primeiro caso o território é tomado a priori, constituindo-se numa base, onde serão desenvolvidas
ações. Já as políticas territoriais consistem na apreensão do território como elemento fundamental, exigindo do
Estado e do povo relações de domínio, sendo as ações necessariamente desenvolvidas como políticas não
territoriais como: as políticas econômicas e sociais, sem as quais a política territorial torna-se unicamente
política de expansão.
18

do Orinoco, do Prata, e da Amazônia, Tratava-se, na prática, um antigo problema


que vinha dos tempos coloniais e que marcaria praticamente todos os conflitos de
natureza geopolítica no continente, principalmente Brasil e Argentina . O mesmo
“problema” envolvia como resultado da evolução tecnológica e do processo político,
assuntos que abordavam a temática da abertura de comunicação com o Pacífico e o
Caribe (SANTOS, 2013, p 55-56).

Esses problemas de natureza geopolítica na América do Sul foram identificados por


intelectuais brasileiros, que viam que articular o território nacional era um dos maiores
desafios do Estado brasileiro, principalmente por causa da imensidão do território nacional.
Na década de 1920, surgem as primeiras ideias com objetivo de integrar todo o
território nacional, o autor do projeto foi o professor Pandiá Calógeras, este, com um espírito
de clara visão geopolítica “em 1926, propõe um sistema de comunicação capaz de atender os
interesses políticos e econômicos desse país-continente”. (MATTOS, 1975, p. 51). Calógeras
considerava o sistema rodoviário essencial para transporte de grandes distâncias. Mas, em
tempos que as ferrovias eram o principal meio de transporte, seu projeto não foi adiante.
Em 1920-1930, surgem os estudos sistematizados do professor Everaldo Backheuser,
considerado o precursor do estudo geopolítico com critério científico em nosso país. Para
Miyamoto (1995), o professor via que a falta de organização constituía o grande problema
nacional e deveria ser solucionado. Árduo defensor de um governo autoritário e centralizador,
via nesse modelo de governo a solução para resolver os problemas no Estado Brasileiro.
O pensamento de Backheuser estava essencialmente na consciência da necessidade
de uma revisão e reformulação de nossa política de fronteiras. No seu livro Geopolítica Geral
do Brasil (1952), aponta o perigo do abandono das nossas fronteiras, “a fronteira é a epiderme
do organismo estatal, captadora das influências e pressões forâneas e, como tal, regiões que
devem está subordinadas ao poder central e não as autoridades regionais que manifestam
menor sensibilidade para esses problemas”. (BACKHEUSER 1952 apud MATTOS, 1975, p.
53). Para resolver esses problemas, o professor elaborou um conjunto de medidas como: “a
criação de territórios federais nas áreas de intercomunicação lindeira, criação de colônias
militares, primeiro projeto de transportes para as povoações fronteiriças, estabelecimento de
um correio Aéreo a cargo da aviação militar” (MATTOS, p. 74). Esses conceitos de
Backheuser foram decisivos na criação dos nossos territórios federais na faixa de fronteira.
Para Mattos (1975a, 1977b), outro geopolítico que desenvolvera seus estudos na
década de 1930, foi o general Mário Travassos7, que influenciou as doutrinas estratégicas

7
Segundo Costa (2013, p.197), “no campo intelectual, a geopolítica de Travassos sofreu uma influência de
Mackinder, com sua teoria de poder terrestre, [...]. Para Travassos, o controle da Bolívia, região – pivô do
continente, antagonismo ao Brasil o domínio político econômico sul-americano”.
19

posteriores, sendo considerado o principal geopolítico brasileiro para a primeira metade do


século. Este traçou os grandes rumos da uma política nacional destinada a nos levar à posição
de maior potência sul-americana. Seu pensamento estava assentado por dois antagonismos
principais: Atlântico x Pacífico e Prata x Amazonas; como aponta em seu livro Projeção
Continental do Brasil (1931):

No campo da análise geopolítica, o general destaca os dois grandes antagonismos


geográficos do nosso Continente – do Atlântico e do Pacífico. Mostra a importância
da cordilheira andina como divisor desses antagonismos. Aponta no grande divisor
que se estende da Venezuela à Patagônia, os pontos de menos resistência, os
chamados nudos, onde a montanha oferece passagem mais fácil de uma vertente
para outra. Pesquisa nossa posição atlântica, por sua vez submetida por dois
antagonismos geográficos – o Prata e o do Amazonas. [...] Realça em termos de uma
política continental, a importância geopolítica do triângulo estratégico Santa Cruz de
La Sierra, Cochabamba e Sucre. [...] O poder sul-americano que conseguir controlar
esse triângulo-chave, ponto de encontro das três forças geográficas que operam no
continente, dominará a política continentalista da América do Sul. (MATTOS, 1975,
p. 52).

Sendo assim, o Brasil necessitava exercer o controle desse triângulo, pressionando as


nossas fronteiras sobre os países vizinhos, principalmente a Argentina. De acordo com Mattos
(1975), as soluções levantadas pelo autor situavam-se, essencialmente no campo de uma
política de viação, capaz de neutralizar a nosso favor os desequilíbrios potenciais oferecidos
pelas forças geográficas do continente sul-americano, Travassos8, propõe:

[...] que se complete uma construção de uma rede ferroviária capaz de carrear para
os portos do Atlântico, Santos, Paranaguá, São Francisco, Porto Alegre e Rio
Grande, as influências platinas sobre essas bacias do rio Uruguai, Paraná, Paraguai.
Posteriormente, essa rede de trilhos chagaria a Santa Cruz de La Sierra, e daí ao
Pacífico. Enfim, o general em termos de vertebração de nossa massa continental
sugere ampla conjugação dos sistemas ferroviários, fluvial e aéreo, além de propor
um sistema aéreo interamericano, capaz de superar, temporariamente, as
dificuldades de trânsito oferecidas pelos obstáculos geográficos (MATTOS, 1975 p.
52).

Na década de 1940 e 1950, podemos citar as ideias de Brigadeiro Lisias A.


Rodrigues, que em seu trabalho Geopolítica do Brasil (1947) inspirado principalmente, em
Backheuser, o autor enfoca a questão da unidade nacional que desde o período colonial
entendendo-a como tema de primeira grandeza, este, mostra-se defensor da centralização do
poder pós-1930, e especialmente durante o Estado Novo. Para ele, nesse período, o Estado
finalmente assumiu o poder dirigente na construção do território nacional. (MATTOS; 1975,

8
Para Lewis Tambs, a América Latina comporta dois pólos estratégicos: o nexo andino do “maciço boliviano do
Charcas” e o mar “fechado do caribe” (TAMBS apud SANTOS, 2004, p. 83).
20

p. 53, COSTA; 2013, p. 192). Lisias propõe a redivisão territorial do país, só que neste caso,
com a criação de territórios federais na porção setentrionais dos (Estados de Mato Grosso,
Pará e Amazonas). Segundo Mattos (1975, p. 53), “Lisias se mostrava particularmente
preocupado com o futuro de nossas fronteiras do norte, nas áreas de confinamento com países
europeus (França, Holanda e Inglaterra)”. Pois, esses países tinham o caráter expansionista,
principalmente a Alemanha Nazista. Salienta que a redivisão do território nacional deveriam
ser seguidas exclusivamente pelo poder central.
Conforme o pensamento de Rémond, “entre os fatores políticos que concorrem para
moldar uma sociedade e influenciar o curso dos acontecimentos, estão às instituições”
(RÉMOND, 2003, p.448). No final da década de 1940, as ideias difundidas pelo professor
Everaldo Backheuser e o general Mário Travassos influenciaram toda uma geração de
geopolíticos militares e civis, que fundaram em 1949, a Escola Superior de Guerra (ESG)9.
Esta instituição fundou as bases do campo da geopolítica nacional, possibilitando o
surgimento de uma doutrina militar brasileira, que formulou a Doutrina de Segurança
Nacional.
Portanto, para entendermos a condução do Estado brasileiro nas áreas de segurança e
desenvolvimento do território nacional, devemos conhecer ideias sistematizadas do General
Golbery de Couto e Silva (1911-1987), considerado o mago das decisões políticas,
continuador de um tipo de pensamento militar inaugurado por Backheuser e Travassos, que
em sua obra Conjuntura Política Nacional: o Poder Executivo e Geopolítica do Brasil (1981),
o general se dedica nos primeiros capítulos aos estudos de Thomas Hobbes (1588 – 1679),
autor de Leviatã (1651)10.
Base de seu pensamento, a obra de Hobbes aponta o papel do Estado Moderno para
garantir a segurança do cidadão. Segundo o general, “o Estado Soberano, surgido das fontes
profundas do Medo para prover a segurança individual e a coletiva da Terra, passaria a
afirmar sua vontade onipotente sobre o destino de todos os súditos que haviam criado”
(SILVA, 1981, p. 7). O mesmo afirma “que a insegurança do cidadão dentro da nação e a
insegurança de uns Estados em face dos outros, a visão [...] da guerra civil ou guerra
subversiva ou guerra internacional – dominam o mundo de nossos dias” (SILVA, 1981, p. 9),
conforme Golbery, o Medo levaria alguns governos a defenderem o Estado autoritário e a
centralização do poder como forma de garantir a segurança da Nação.

9
É constituída através do decreto presidencial, assinado por Eurico Gaspar Dutra, em 20/08/1949. Sua
constituição extrapola o âmbito militar, contemplando civis em seus cursos de formação geopolítica.
10
Publicado em 1651, Leviatã, ou “a matéria, a forma e o poder de um Estado Eclesiástico e civil.
21

No Brasil não vai ser diferente, o general como os outros geopolíticos citados,
defendem que só um governo de caráter autoritário e centralizador poderiam garantir a
sobrevivência da Nação. Golbery (1981), afirma que era necessário construir uma estratégia
para a defesa do Estado-nacional, apontando a questão nacional como enfoque principal. Para
o autor, só um Estado forte, centralizador e realizador das “aspirações nacionais” poderiam
colocar o Brasil entre as grandes potências mundiais. Esse pensamento estava articulado no
binômio “Segurança e Desenvolvimento”, que para conduzir os interesses do Estado
brasileiro, formulou o conceito de Segurança Nacional.

Entendido é claro – na sua mais ampla e ativa acepção permeada aos poucos o
domínio todo da política estatal, condicionada quando não promovendo ou
determinando todo e qualquer planejamento, seja da ordem econômica, seja da
natureza social ou política, para não falar dos planos propriamente militares, tanto na
guerra como na paz. (SILVA, 1981, p.23.)

Esse conceito seria o embrião da Doutrina de Segurança Nacional, formulado pela


ESG que segundo Furniel (1993), apresenta um conjunto de medidas que assim as definem:

A Segurança Nacional como um certo grau de garantia na consecução da


manutenção dos objetivos vitais da Nação; esse “certo grau de garantia” é variável,
não tem um valor absoluto e é relativa, também, a segurança de outros Países; as
ações que o Estado empreende para assegurar a consecução ou manutenção dos
objetivos nacionais abrangem todos os campos de atividade do Estado: o político, o
econômico, o psicossocial e o militar; a segurança deve realizar-se em face de
quaisquer antagonismos e das pressões que deles se originam, mesmo aquelas que
possam conduzir à guerra. Dessa forma, dentro dessas medidas citadas solidifica-se
o pensamento da Escola Superior de Guerra (ESG), no binômio Segurança e
Desenvolvimento. (FURNIEL, 1993, p. 29).

Para atender os objetivos propostos pelos militares na DSN, deveria haver uma “[...]
integração crescente do grupo social que compõe a Nação, tanto do ponto de vista político
como psicossocial e econômico, é também condição fundamental da própria sobrevivência do
Estado” (SILVA, 1981, p. 168). Mas adiante, diz a mesma fonte “à sobrevivência, essencial é
ainda a manutenção do território, base física do Estado, uma vez que sua mutilação redundará,
em qualquer caso, em prejuízo da integração e em redução do bem-estar, da prosperidade e
dos prestígios nacionais” (p. 169). Para o general, “nossa geopolítica, deverá ser, pois, ainda
uma geopolítica de expansionismo interior, de integração e valorização territoriais” (SILVA,
1981, p.170).
Golbery mostrava-se preocupado com os problemas apresentados no domínio do seu
espaço geográfico, desde o período colonial, passando pelo Império até a República. As
22

nossas fronteiras não apresentavam um sistema de integração e defesa. Logo, para garantir a
segurança do Estado, era necessário apresentar um projeto que garantisse a articulação do
território nacional e o seu desenvolvimento. No governo militar (1964-1985), vários projetos
foram elaborados para a região amazônica, onde podemos citar dois pela sua envergadura e
alcance do ponto de vista estratégico, O Programa de Integração Nacional (1970) e o II PND
– Plano Nacional de Desenvolvimento (1974-1979).

1.2 A geopolítica de integração nacional de Golbery de Couto e Silva e Carlos de Meira


Mattos.

Em 1964 os militares chegam ao poder através de um golpe que permitirá a aplicação


de um projeto de Segurança Nacional e Desenvolvimento formulado pela Escola Superior de
Guerra – (ESG)11. Esse projeto foi elaborado num período de grande preocupação dos
geopolíticos brasileiros, que viam na Guerra Fria um momento de tensão global, levando o
Brasil manter um alinhamento com o irmão poderoso do Norte, se colocando na defesa da
civilização ocidental democrática cristã contra as eventuais ameaças do grande inimigo do
oriente comunista (URSS). Nesse jogo, o Brasil se torna uma peça importante da defesa da
América do Sul12.
Essa aliança assumida pelo Brasil com os Estado Unidos, dava oportunidade do país
se tornar a maior força na America do Sul. Mas, historicamente o Estado brasileiro
apresentava dificuldades em resguardar seu território, principalmente na faixa de fronteiras13.
De acordo com Miyamoto (1995), o general Golbery via o território brasileiro como um
imenso espaço desigualmente ocupado e carente de integração, e aponta soluções para
dinamizar o processo de integração e defesa do Estado.

A geopolítica de Golbery de Couto e Silva está fundamentada nas concepções de


Segurança Nacional. Através da tentativa de resguardar o território nacional propôs

11
Conforme Mattos (1977, p. 82), Castelo Branco (1964-1967), ao assumir o poder, já contou com o cabedal de
estudos sobre política e segurança nacional da Escola Superior de Guerra, exercitada durante quatorze anos no
cassarão do Forte São João; [...] onde foi formulado uma metodologia de racionalização e planejamento da
política nacional. Castelo teve que aplicar a metodologia da ESG no equacionamento de nossa política.
12
Segundo Miyamoto (1995, p. 96), “[...] em 1966, foi elaborado um documento “secreto” de 25 páginas pela
ESG em que se colocava o Brasil como satélite privilegiado dos Estados Unidos na América Latina. Essa
estratégia de vinculação com os Estados Unidos é encontrada não só em Golbery do Couto e Silva como também
no teórico Nicolas j. Spykman”.
13
Segundo Becker (1990, p. 11), a fronteira é, pois para a nação, símbolo e fato político de primeira grandeza,
como espaço e projeção para o futuro, potencialmente alternativo. [...] A potencialidade econômica e política de
fronteira, por sua vez, torna-se uma região estratégica para o Estado, que se empenha em sua rápida estruturação
e controle.
23

a elaboração de um plano geopolítico que abrangesse todo o território nacional,


protegendo ao mesmo tempo que se ocupa o espaço vazio (Miyamoto, 1995, p. 98).

A solução apontada resume-se na incorporação, desenvolvimento e domínio de todo


território nacional. Como afirma o general Golbery “a geopolítica adota sempre um ponto de
vista único privativo, o do espaço físico, que deve ser o elemento, não exclusivo por certo,
mas dominante” (SILVA, 1981, p. 33). O mesmo propõe uma manobra geopolítica, mediante
três fases: (Conforme mapa 01)

1.ª – articular firmemente a base ecumênica de nossa projeção continental, ligando o


Nordeste e o Sul ao núcleo central do país; ao mesmo passo que garantir a
inviolabilidade da vasta extensão despovoada do interior pelo tamponamento eficaz
das possíveis vias de penetração; 2.ª - impulsionar o avanço para noroeste da onda
colonizadora, a partir da plataforma central do país; - a atual região nuclear do país-,
de modo a integrar a península centro-oeste no todo ecumênico brasileiro, (para o
que se combinação o processo da marcha de azeite preconizado por Lyauty e dos
núcleos avançados atuando como pontos de condensação; e 3.ª – inundar de
civilização a Hiléia amazônica, a coberto dos nódulos fronteiriços, partindo de uma
base avançada constituindo do Centro-Oeste, em ação coordenada com a progressão
E.-O. seguindo o eixo do grande rio.(SILVA, 1981, p. 92) (Grifos nosso)

Assim sendo, a geopolítica de integração nacional apresentada pelo general Golbery,


partiria de sua base ecumênica da região do triângulo Rio de Janeiro – São Paulo e Belo
Horizonte, núcleo central onde se encontrar o maior centro econômico e populacional; essa
base proporcionaria a criação de três frentes de circulação, Norte – Sul - Nordeste, em seguida
Leste-Oeste buscando a Planalto Central; depois partiríamos para a conquista da Amazônia
visando à integração e valorização de todo território nacional. Resumindo, essas medidas para
Golbery resolveriam os problemas estratégicos do Brasil.
Como nosso interesse limita-se a região amazônica, região que no plano estratégico
de Golbery, ficaria por ultimo na sua manobra de integração nacional. Contudo, para garantir
a segurança da Hiléia Amazônica frente qualquer ameaça externa, propôs como solução no
primeiro momento:

O tamponamento efetivo dos caminhos naturais de penetração, que de além –


fronteiras conduzem à Amazônia, é medida que se impõe com urgência, para que,
como dissemos, possamos levar a cabo, quando oportuno, tranquila e
metodicamente, um plano de integração e valorização daquele imenso mundo ainda
perdido (SILVA, 1981, p. 55).
24

Mapa 01: Manobra de Integração Nacional de Golbery de Couto e Silva

Fonte: Fonte: SILVA, 1981, p 46.

Na década de 1970 surge o discurso triunfalista do general Meira Mattos (1975a;


1977b; 1980c). Para ele o país dispunha de extensão territorial, população, recursos naturais,
capacidade industrial, localização, capacidade militar etc.; condições para se tornar uma
potência mundial até o ano 2000. Diferente de Golbery, que em seus estudos, via na região do
Rio da Prata principal áreas estratégica para o país, Meira Mattos dava maior atenção para a
integração da região amazônica. Em sua obra Uma Geopolítica14 Pan-Amazônica (1980),
Mattos defende que a conquista da Amazônia se daria através de um amplo programa de
construção de estradas articuladas com o potencial hidroviário da região.
A linha de pensamento do general Meira Mattos estava amparada nas ideias do
historiador Arnold Toynbee, este salienta que, “a façanha humana do planeta é marcada pela
luta. Venceram os fortes no confronto com o meio físico e na defrontação com as dificuldades
para harmonizar a seu favor o ambiente humano” (MATTOS, 1975, p.8). Mattos (1980) sabia

14
De acordo com Meira Mattos, o conceito de geopolítica: “é a política aplicada aos espaços geográficos” (1980,
p. 160).
25

das dificuldades que a Amazônia apresentava e os desafios que o Estado iria enfrentar como:
a imensidão do território, florestas, pântanos, rios, planícies etc.; mas se mostrava otimista
nesse momento da história do Brasil, pois só respondendo e superando esses obstáculos
poderíamos ambicionar nosso espaço entre as grandes potências mundiais.
Para Costa (2013), o Brasil possui potencialidades, mas uma maior fragilidade
encontra-se justamente nas fronteiras desguarnecidas do poder militar e uma população que
desconhece à importância das suas fronteiras para a nação. Logo, reverter esse quadro são os
principais objetivos dos geopolíticos brasileiros, que apontavam como solução a
interiorização no sentido Norte – Sul e Leste – Oeste15, como aponta Mattos (1980):
(Conforme mapa 02).

Durante 200 anos tentamos a conquista do nosso interior e particularmente da


imensa bacia amazônica apoiada na estratégia especialmente fluvial. Fracassamos
porque a navegação fluvial é caprichosa; não nos leva onde queremos; a navegação
dos rios sofre influência das águas altas e águas baixas; há inúmeras quedas e
cachoeiras que interrompe na maioria dos cursos de água. Mudamos de estratégia
nos anos 50, e começamos a implantá-lo nos anos 60. A nova tentativa seria a
conquista do Planalto Central, onde se encontra o divortium aquarium entre as três
maiores bacias brasileiras – do Prata, do Amazonas e do São Francisco; montado
nesse divisor (instalação de Brasília), tentamos baixar a planície amazônica pelos
grandes espigões que separam as águas dos afluentes da margem sul do ‘grande rio’.
E assim o fizemos, descemos pelo divisor que separa o Tocantins do Araguaia para
alcançar Belém na foz do Amazonas. Baixamos pelo espigão que separa o Xingu do
Tapajós, até Santarém no baixo Amazonas. Aí está a nossa estratégia de conquista
da Amazônia. O êxito desse empreendimento animou-nos. Depois veio a grande
transversal cortando os espigões de leste-oeste, e ligando entre si as artérias
longitudinais que seguiram esses divisores – a Transamazônica. (MATTOS, 1980,
p. 110).

Mas adiante, o mesmo autor dá continuidade na estratégia terrestre de interiorização,


agora chegando ao Extremo Norte da Amazônia setentrional:

Ao norte do “grande rio” estamos esboçando a continuação da mesma estratégia,


buscando o espigão entre o Jari e o Trombetas para chegar a Tiriós, na fronteira com
o Suriname; procurando pequenos divisores para alcançar Roraima e as fronteiras da
Venezuela e República da Guiana e, futuramente, talvez, o divisor entre o Rio Negro
e o Solimões para abordar a fronteira colombiana. Cortando transversalmente essas
longitudinais, ao Norte do Amazonas, traçamos a Perimetral Norte, talvez a mais
arrojada, partindo de Macapá para tocar Mitu, na fronteira colombiana. (MATTOS,
1980, p. 111) [Grifos nosso]

15
Conforme Mattos (1980, p 146) A interiorização, a nossa “Marcha para Oeste”, que foi representado no
talento de Cassiano Ricardo, onde conta a epopéia dos bandeirantes que realizaram há mais de 200 anos, em
termos de fronteiras políticas, e que as gerações que sucederam não conseguiram em termos de fronteiras
econômicas. Agora, a estratégia deverá corresponde aos meios técnicos e científicos que estão atualmente à
disposição dos projetos políticos e econômicos.
26

Mapa 02: Manobra de Integração Nacional de Carlos de Meira Mattos

Fonte: MATTOS, 1980, p. 127.

Essa orientação do poder central de integrar a região amazônica com todo território
nacional, num processo patrocinado pelo Estado, estava de acordo com a política adotada pela
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos (EUA) que
desenvolveram o pleno domínio de sua massa continental transformando-se ambas as nações
em potências econômicas, políticas e militares, conforme a citação de Mattos (1980):

A mesma problemática geopolítica tiveram os Estados Unidos e União Soviética,


que só alcançaram a integração e valorização de suas enormes áreas interiores
quando foram capazes de vertebrá-las num sistema de transporte próprios que criou
pólos internos de interesses recíprocos – foi o caso das regiões interiores dos
Estados norte-americanos de Michigan, Wsconsin, Ohio, Indiana, Arizona, Novo
México, Arkansas, e das área continental soviética da Sibéria e Mongólia
(MATTOS, 1980, p. 151).

Mattos (1980) assevera que após dominar seu território, os EUA e URSS criaram
pólos de desenvolvimento nos pontos estratégicos do país. Para ele “enfrentar a problemática
de conquista de seu próprio território, de integrar sua porção marítima e continental, mostram-
27

nos a importância de uma estratégia de transportes terrestres e de povoamento, capaz de


materializar, no chão geográfico, a vontade política do Estado” (MATTOS, 1980, p.165). Fica
claro que o general aplicaria no Brasil o mesmo projeto estratégico dessas nações.
A criação de pólos de irradiação para dinamizar a região próxima as nossas
fronteiras, estaria articulada com as redes de transportes, hidroviária e aérea. Pode-se observar
no (mapa 03) que foram selecionadas três áreas de intercambio fronteiriço na Amazônia, pois
apresentavam maior sensibilidade com os países vizinhos, como sugere Mattos (1980).

No sistema alto Rio Negro e Branco visualizamos duas subáreas-pólos, uma já


implantada, constituída pelo triângulo internacional, Rio Branco (Brasil) Santa
Helena (Venezuela) e Lethen (Guiana) [...]. O Sistema Rio Solimões articula enorme
região entre Brasil, Colômbia e Peru [...]. Esta área-pólo é bem servida de
particularmente no eixo do Solimões onde destacamos: Tefé, São Paulo de Oliveira,
Tabatinga, Benjamim Constant, Letícia (Colômbia), Ramón Castilla e Iquitos (Peru)
[...] Os Sistemas fluviais Madeira e Purus, articulam a terceira área-pólo interior do
arco fronteiriço amazônico [...]. As localidades de Porto Velho, Guajará Mirim e Rio
Branco, no Brasil, Guayará Marín, Reberalta e Cobija na Bolívia dão suporte à
região. Trata-se de uma área interior com razoável articulação interna e boas
ligações externas com Manaus e Cuibá - S. Paulo. (MATTOS, 1980, p. 72 -73).

Mapa 03: Áreas interiores de intercâmbio fronteiriço.

Fonte: MATTOS, 1980, p. 154.

Essa manobra mais ampla, buscando articular essas três frentes até os limites do
território amazônico, tinha como objetivo segundo Mattos (1980) criar áreas pólos que
atuariam como verdadeiros dínamos “[...] que produzirão irradiações de desenvolvimento
28

econômico e social que difundirão energia renovadora em círculos concêntricos crescentes,


cujo poder e velocidade de difusão variariam conforme a força e dínamo gerador” (1980, p.
174). Tal estratégia de domínio do espaço amazônico buscará também garantir “a preservação
ecológica dentro de um conceito tradicional e o respeito as reservas indígenas” (MATTOS,
1980, p. 175).
A geopolítica apresentada pelo general Meira Mattos (1980) tinha como objetivo
uma estratégia de integração continental, onde se buscou criar saídas terrestres para o
Atlântico, Pacífico e o Mar do Caribe, apoiado por pólos de desenvolvimento. Para o general
essa estratégia iria superar as dificuldades geográficas oferecidas pela natureza que gerações
anteriores não conseguiram superar.
Pode-se dizer que o pensamento geopolítico de Golbery do Couto e Silva e Carlos de
Meira Mattos, tinha como objetivo levar o Brasil a se tornar uma potência global. Como
afirma Mattos, “devemos chegar ao fim do século com um dispositivo de segurança militar
capaz de garantir a nossa utilização de todas as rotas aéreas, marítimas e terrestres no
Atlântico Sul e dispondo de uma força estratégica dissuasiva de alta mobilidade” (MATTOS,
1977, p. 142). Essa equação militar proposta por Mattos (1977), certamente haverá de
prevalecer o pensamento estratégico do Presidente Castelo Branco, pronunciado por ocasião
da Aula Inaugural da Escola Superior de Guerra, em 1967, quando defendeu com veemência,
o fortalecimento de segurança continental, como solução para os futuros problemas do
Hemisfério.
Portanto, para alcançar tais objetivos, o Estado brasileiro tinha que conduzir com
sucesso um projeto de integração nacional do território brasileiro. Como afirma Costa, “o
mais importante que a extensão, é a articulação e a coesão do espaço político, ou organismo
estatal-territorial. Reconhece, porém, que esse é um dos maiores problemas do Estado
Moderno” (COSTA, 2013, p.40). Enfim, todo Estado e povo devem ter um projeto
geopolítico para garantir a sobrevivência do Estado - Nação. E um dos símbolos desse projeto
era a construção de estradas na Amazônia.
29

2. OS MILITARES NO PODER: A CONSTRUÇÃO DE ESTRADAS NA


AMAZÔNIA

A Amazônia brasileira representa toda a fronteira Norte do país. Essa imensa área de
floresta abrange, além do Brasil, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname,
Guina e Guina Francesa (Estado Ultramarino da França), com a maior parte da floresta
presente no Território Brasileiro. Segundo Becker (1990), a Amazônia sul-americana
corresponde a 1/20 da superfície terrestre, 2//5 da América do Sul, 3/5 do Brasil, essa
fantástica massa florestal de 6 500 000 Km², mais da metade do território nacional e 63,4% da
Amazônia sul-americana. Devido sua localização estratégica é disputada desde o século XVI
até o XX pelas grandes potências europeias pelo seu potencial econômico e estratégico.
Desde o século XVII até a chegada dos militares no poder em 1964, várias tentativas
foram feitas para ocupar os “espaços vazios da Amazônia” pelo Estado. Conforme já
mencionado, “região estratégica, a Amazônia ocupava um lugar especial na mentalidade dos
militares brasileiros, há décadas. A antiga ideia de sua integração à economia e à vida
nacional vinha sendo defendida por inúmeros geopolíticos, principalmente após a década de
1920” (SANTOS, 2013, p. 82). No entender dos estrategistas militares como Golbery de
Couto e Silva e Carlos de Meira Mattos, uma política bem formulada na área de transportes
garantiria uma logística eficiente para as futuras ações do Estado na região amazônica.
No governo militar (1964-1985), amparados em princípios geopolíticos de segurança
nacional e desenvolvimento, os militares defendiam uma política de integração nacional da
Amazônia, ao ecúmeno nacional. Como medidas para cumprir seus objetivos deram a criação
do Programa de Integração Nacional – PIN – publicado pelo Decreto-Lei nº 1.106, de
16/06/1970, tendo como principal objetivo a integração física da nação, através de
construções de rodovias. Neste capítulo conheceremos as ações desenvolvidas pelo Estado
para construir estradas na Amazônia brasileira.

2.1 A geopolítica brasileira na Amazônia

A história da expansão portuguesa na Amazônia do ponto de vista geopolítico se


assenta na construção do Forte do Presépio e na fundação da cidade de Belém (1616), para
conter as constantes investidas de holandeses, franceses, espanhóis e ingleses na foz do rio
Amazonas. Para resolver os problemas, segundo Oliveira (2003, p. 60), cria-se o Estado do
30

Maranhão e Grão-Pará16, onde passará ter autonomia como nova unidade administrativa
separada do Brasil e ligada diretamente a Lisboa. Essa medida fortaleceu as imensas
fronteiras do norte da América lusitana, facilitando a conquista e colonização da Amazônia.
Nesse período o território amazônico já constituía um amplo espaço para o
desenvolvimento da Coroa portuguesa. Conforme Nádia Farage (1991), desde o século XVII
os portugueses através de entradas e bandeiras, em busca dos índios fugidos (descimentos e
resgates)17 e das especiarias (drogas do sertão), penetravam no sertão em direção à Amazônia.
No entanto, a região estava sobre o domínio da Coroa Espanhola conforme o Tratado de
Tordesilhas18, segundo Oliveira (2003) o que facilitou a exploração dos lusitanos sem
interferência dos espanhóis, foi o interesse espanhol pelas minas de ouro e prata no Peru e
México, seguido com a unificação das coroas19 que integrou Portugal a União Ibérica. Estes
dois pontos possibilitaram um processo de ocupação pacífica do vale amazônico pelos
portugueses, permitindo o alargamento das fronteiras, mas não garantia por definitivo sua
posse.

A intervenção do Estado português de forma consistente na Amazônia dar-se no


século XVIII no governo do Sebastião de Carvalho Mello, o Marquês de Pombal (1750-
1777), o ministro português para estabelecer o monopólio da navegação na região amazônica,
solicitou “o fechamento dos caminhos de entrada para a Amazônia dos rios por meio de
construção de fortalezas” (SANTOS, 2013, p. 61). Tal medida garantiria o controle de futuras
ameaças de franceses, ingleses, holandeses e espanhóis na foz do rio Amazonas.
Pombal também demonstrava preocupação com as fronteiras amazônicas. Para
Farage (1991), uma forte razão para tanto, era o recém-assinado Tratado de Madri (1750),
cujo objetivo era a demarcação das possessões luso-espanholas na América do Sul (Conforme
mapa 04). A assinatura do Tratado de Madri (1750) e, posteriormente de Santo Idelfonso
1777, instituto diplomático que já assinalava uma vitória de Portugal valendo-se do principio

16
“Criado por carta régia de 13 de junho de 1623, pelo rei Felipe III” (OLIVEIRA, 2003, p. 60).
17
Segundo Farage (1991), a expansão portuguesa na Amazônia, se deu pelo esgotamento do fornecimento de
mão de obra escrava indígena nas áreas próximas a Belém, se estendendo até o século XVIII, já atingindo ao
Norte o rio Negro e Branco.
18
Assinado em 07 de junho de 1494, o Tratado daria aos portugueses todas as terras à 370 léguas das ilhas de
Açores e Cabo Verde, que demarcou o litoral brasileiro por meio de um meridiano que passa por Belém (ao
Norte) e Laguna (ao Sul), dando ao Império português o domínio de quase toda bacia do Atlântico sul, além de
parte de terra firme a leste.
19
No período histórico de 1580 até 1640, quando da morte do Cardeal Dom Henrique (1580), rei de Portugal,
sem deixar herdeiros diretos, o reino passou para o poder de Felipe II, rei da Espanha. A união entre as duas
Coroas (portuguesa e espanhola) ampliou o poder político ibérico nas terras do Novo Mundo e despertou reação
agressiva entre as outras nações européias, que disputavam o comércio internacional. (OLIVEIRA, 2003)
31

da uti possidetis20 como critério demarcatório. Essa vitória lusitana se deve às medidas
tomadas por ações do ponto de vista geopolítico do ministério pombalino, como aponta
Mattos (1980):

Do ponto de vista geopolítico observa-se, nessa época, o gradual deslocamento do


centro de poder de São Luiz para Belém. Realmente, Belém estava melhor
posicionada para vigiar a boca do grande rio, ameaçada pelas constantes incursões
de navegantes franceses, holandeses e ingleses, assim como para servir de base
logística às expedições exploratórias da imensa bacia, respondendo às preocupações
de Portugal, relativas as noticias de instalação de fundações religiosas espanholas
nos cursos do Mananõn e do Amazonas e seus afluente”(MATTOS, 1980, p. 35).

Essa posição estratégica de Belém na boca do “grande rio” em 1751 marcou


oficialmente a transferência de poder político de São Luiz para Belém, além de possibilitar à
condução de sua política expansionista.

Mapa 04: Território Luso - brasileiro em 1759, após assinatura do Tratado de Madri.

Fonte: MATTOS, 1980, p. 37.

20
O critério estabelecido pelo “Uti possidetis” permitiu a definição do novo marco territorial entre Portugal e
Espanha. Onde garantia a posse da terra quem já estivessem estabelecidos colonos portugueses.
32

Assim, para consolidar o poder português na Amazônia Ocidental, o governo de


Lisboa cria a Capitania de São José do Rio Negro (1755), que tinha como objetivo completar
“o aparelhamento defensivo da coroa portuguesa na orla fronteiriça, iniciada em Mato Grosso
e prosseguida com o governo militar de São Pedro do Rio Grande do Sul; ademais com essa
nova unidade política estabelecia-se um melhor controle da vida na hinterlândia” (MATTOS,
1980, p. 38). Outra medida do ponto de vista estratégico, de acordo com Oliveira (2003), foi à
ampliação de uma rede de fortes nos principais rios da Amazônia, reforçando o poderio
militar na região, garantindo a posse das terras das constantes investidas espanholas,
holandesas, inglesas e francesas. Enfim, devemos a Pombal o primeiro planejamento
estratégico e político para a ocupação e exploração da Amazônia.
Com o fim da administração pombalina na região amazônica, o Estado português
necessitava de gente para proteger suas fronteiras, principalmente no extremo Norte, já que
essa região tinha seus limites com grandes potencias européias (Holanda, França, Inglaterra),
estas, envolvidas nas guerras napoleônicas. Santos (2013) salienta que o resultado foi que “o
próprio território português foi invadido, fugindo a corte lusa para o Brasil21 e apressando a
independência deste, que já superava economicamente a metrópole” (SANTOS, 2013, p. 63).
Na segunda metade do século XIX, na Amazônia, segundo Benchimol (2010, p. 602)
“iria ocorrer o “rush” da borracha, sob a pressão do impacto tecnológico da indústria de
veículos nos países da Europa e Estados Unidos. Ela ocorreu sob o signo do liberalismo
econômico do “laissez faire”. Benchimol salienta que a procura no mercado internacional da
goma elástica levou milhares de nordestinos a se deslocarem para trabalhar nos seringais da
Amazônia.
No inicio da década de XX, de acordo com Benchimol (2010) a expansão da
produção gumífera no sudeste asiático derrubou os preços no mercado mundial, atingindo
fortemente a borracha da Amazônia22 (BENCHIMOL, 2010). Para o autor, esse impacto se
deve porque o Brasil não acompanhou a mudança tecnológica provocada pela borracha no
sudeste asiático. Como medida o governo do presidente Hermes da Fonseca, sancionou a Lei
nº: 2.542 – A, de 5912, que formulou o primeiro Plano de Valorização Econômica da
Amazônia:

21
A chegada da família real no Brasil (1808) buscou tirar o poder das forças regionais, adotando medidas
modernizadores, essas acompanhadas de uma maior centralismo e poder político do novo governo. (COSTA,
1989, p. 34).
22
Para Barros (1995, p. 56-57) “com a grande crise da coleta de borracha, que se inicia em torno de 1920[...], a
pecuária do alto rio Branco vai perder o estimulo de mercado que causara sua expansão desde 1870. [...] essa
crise, levou a região do rio Branco migrar para a mineração, setor que passar ser o principal produto de
exportação, deixando a pecuária para o segundo plano.
33

Foi a primeira tentativa de exprimir racionalidade à ação federal através de um


programa qualificável de metas que, para a época, constitui um extraordinário
avanço, precursor que foi das modernas técnicas de programação econômica. A sua
não execução provocou o colapso da estrutura econômica de toda região, que
emergiu profunda depressão durante mais de trinta anos (BENCHIMOL, 2010, p.
603).

O fim do período Imperial descentralizava o poder no Brasil. Dessa forma, os


Estados passaram a ter autonomia política com a Constituição Republicana de 1891. Nesse
período, os militares já manifestavam preocupação com as fronteiras amazônicas, carentes de
proteção e desenvolvimento. Na década de 1930, Getúlio Vargas através de um golpe,
tornava-se presidente do Brasil. Os militares que apoiaram o novo governo pressionaram-no
para formular políticas públicas de cunho nacionalista, que garantiram a segurança do
território brasileiro23, estes, apontaram conflitos em nossas fronteiras que foram decididos por
arbitragem, nem sempre a favor do Brasil24, como afirma Oliveira (2003):

A área na fronteira em litígio no Essequibo foi neutralizada com a assinatura de um


acordo em 1942, entre Brasil e Grã-Bretanha, que não abdicou de seus direitos sobre
a região alegando que as terras herdadas dos holandeses inicia até onde se estendia a
aliança com os índios. Ao contrario dos portugueses, que usava os índios como
fronteira viva, para provar a posse da terra (Tratado de Madri), o direito da posse da
terra pelos ingleses era reclamado como base na relação comercial tribal. Em 1904,
essa questão foi resolvida por um acordo diplomático entre Brasil e Inglaterra e
tendo árbitro o rei italiano que reconheceu e delimitou a posse inglesa da região
(NABUCO, 1941 apud OLIVEIRA 2003, p. 112-113)

Essa vitória à Inglaterra da área na região do rio Tacutu e Mau, em disputa ficou
conhecido como o caso do Pirara.
Para Mattos (1980) a Constituição de 1937, conhecida como constituição do Estado
Novo, rompe com a iniciativa estadual, e abriu caminho para a criação dos Territórios
Federais, sempre defendida pelos geopolíticos e intelectuais brasileiros, principalmente na
extensa região amazônica. Conforme o mesmo autor, a criação dos Territórios Federais.
Invoca no artigo 6.º, o principio da segurança nacional estipulado: “a União poderá criar, no
interesse da defesa nacional, com partes desmembradas dos Estados, territórios federais, cuja

23
Conforme Costa (2013), no governo de Getúlio Vargas como parte do reaparelhamento do Estado foram
criados: Em 1931, o Conselho Nacional de Estatística, e em seguida o Serviço Geográfico e Histórico do
Exército 1934 e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 1938 com objetivo de promover estudos dos
problemas históricos do Brasil.
24
Questões fronteiriças com França e Bolívia foram resolvidos pelo Presidente da Confederação Suíça (1900), e
pelo Tratado de Petrópolis (1903), favorável ao Brasil, Já a decisão por arbitragem do Rei Vitório Emanuel III
(1904), conhecido com Pirara, deu vitória a Inglaterra de uma grande área do rio Tacutu e Mau..
34

administração será regulada em lei especial” (MATTOS, 1980, p. 69). Assegurado por lei, o
governo abria-se para uma intervenção estatal na Amazônia.
No inicio da II Guerra Mundial (1939-1945), o Brasil manteve uma política distante
das grandes potências envolvidas na guerra, mas com a assinatura dos “Acordos de
Washington em (1942)”, o país decide por uma política de alinhamento com os Estados
Unidos:

[...] a ampliação da ameaça alemã no mundo determina um avanço nas negociações


militares entre Brasil e Estados Unidos e, em 1942, são assinados os chamados
“acordos de Washington” que criavam duas comissões mistas, uma no Rio de
Janeiro e outra em Washington, responsáveis pela elaboração de plano de defesa
conjunta e que definiam as bases de cooperação entre as Forças Armadas dos dois
países (MOURA, 1980 apud FURNIEL, 1993, p. 27)

Essa ameaça alemã resultou na valorização de nossas fronteiras, levando o Presidente


Getúlio Vargas (1930-1945) tomar medidas quanto a região amazônica por causa da ocupação
da França e Holanda pelas forças de Hitler. Havia o temor que as possessões europeias na
América do Sul (Guianas) caíssem nas mãos da Alemanha nazista. Logo, “como medida para
articular as áreas de fronteira da região, o governo de Getúlio Vargas criou, em 1943, os
territórios federais: Rio Branco (Roraima), do Amapá, do Guaporé (Rondônia), Ponta – Porã
25
(Mato Grosso) e Iguaçu (Santa Catarina)” (FREITAS, 1993, p. 30). A criação dos
territórios federais na faixa fronteiriça era velhas reivindicações de geopolíticos brasileiros,
adeptos de uma política nacionalista que obedecia a outra estratégia, apoiada numa ideologia
que expressava um movimento de “marcha para o oeste” (MATTOS, 1980).
Com o fim do Estado Novo (1945), o país entrava numa fase de redemocratização e
descentralização do poder, chegando ao fim a intervenção estatal na Amazônia promovida
pelo governo Vargas. No entanto somente no governo Kubitschek com a construção da capital
federal no centro-oeste, e posteriormente a transferência do governo para Brasília, na década
de 1960, pode-se falar que a Amazônia receberia atenção novamente do governo federal.

2.2 Antecedentes históricos: a construção de estradas na Amazônia.

A construção de estradas aparece na história da sociedade brasileira como


instrumento transformador da realidade socioeconômica, e de inegável importância para o
processo de desenvolvimento nacional, pois integrar os territórios com os grandes centros

25
Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943.
35

urbanos era uma preocupação dos governantes brasileiros, desde o período colonial até o
presente. De acordo com Maull (1960):

Quem tem os meios de comunicação de um país em seu poder domina o país. [...] As
estradas são tão importantes para os Estados como as fronteiras, os meios de
comunicação constituem o sistema nervoso do Estado, daí sua importância
(MAULL, 1960 apud MIYAMOTO 1995, p. 146).

Historicamente desde o Império foram elaborados planos para ocupar os “espaços


vazios” do Brasil através de meios de transportes, esses planos não exclui à Amazônia,
principalmente no que tange a região próxima as fronteiras. Como salienta Miyamoto (1995):

[...] em 1858, quando se inaugurou a Estrada de Ferro D. Pedro II, Cristiano Otoni,
alertou as autoridades sobre a necessidade de se elaborar um Plano Nacional de
Viação. [...] plano que possibilitasse ocupar todo território nacional, [...] se
estendendo tanto pelo lado da fronteira paraguaia, como atingindo também a
fronteira da Guiana Francesa” (MIYAMOTO, 1995, p. 150).

Percebe-se que a Amazônia aparece como área estrategica para as autoridades


brasileiras, antes dado só para o Sul do Brasil. No inicio do período republicano, as ferróvias
entravam na era de decadência, pois a política nacional passou a priorizar os transportes
rodoviários. Se iniciava um projeto de integração nacional para o país.
De acordo com Miyamoto (1995), Pandiá Calógeras em 1926, quando era Ministro
da Guerra, apresentou um relátorio que buscava construir milhares de kilomentros de estradas
de Sul a Norte para atender as necessidades bélicas, o plano de Calógeras permitiu que o
governo de Washington Luíz (1926-1930), criasse o Programa de Rodovias em âmbito
nacional, no entanto, os investimentos não ocorreram.
No governo do Presidente Getúlio Vargas (1930-1945), duas medidas foram tomadas
para construção de estradas. Em 1937, foi criado o Departamento Nacional de Estradas e
Rodagem (DNER); e em 1945 foi aprovada a criação do Fundo Rodoviário Nacional, através
do Decreto Lei nº 8.463, de 27/12/1945. Essas medidas não trouxeram o resultado esperado,
mas dava inicio a uma cobrança de impostos sobre produtos gasosos, com objetivo de investir
nas futuras rodovias.
Em 1948, o Deputado Federal Jales Machado apresentou um projeto de construção
de rodovias que ligasse todo território nacional. Nesse projeto a futura capital federal era
representada por um coração no Planalto Central. O mapa de Machado apresenta um extenso
e completo plano rodoviário de circulação que contava com vias perimetrais e radiais. No
extremo Norte seriam construídos as estrada Manaus – Boa Vista – Venezuela; Boa Vista -
36

Guiana Inglesa e Macapá – Oiapoque (Fronteira da Guiana Francesa). Seria a primeira


proposta rodoviária que alcançaria a Amazônia Ocidental. (Conforme mapa 05).

Mapa 05: Plano Rodoviário Nacional, segundo Jales Machado.

Fonte: Jales Machado, 1948.

O fim do Estado Novo em 1945, conforme Santos (2013, p. 74) “não interrompeu a
idéia de ocupação da Amazônia, patrocinado pelo governo federal”. O retorno de Vargas ao
poder (1951-1954)26 se constrói as bases da integração e o desenvolvimento da Amazônia,
após o governo aprovar a lei da criação da Superintendência do Plano de Valorização da
Amazônia – SPEVEA27.

26
No governo de Getúlio Vargas (1951-1954) o presidente criou a Amazônia Legal prevista no artigo 199 da
Constituição de 1946 é regulamentada pela Lei 1.806 de 1953 que constitui o território segundo critérios
político, fisiográfico e geográfico envolvendo os Estados do Pará e Amazonas, o norte do paralelo 16° do Estado
de Mato Grosso, norte do paralelo 13° do Estado de Goiás, oeste do meridiano 44° do estado do Maranhão e os
Territórios Federais de Guaporé, Rio Branco e Acre.
27
Conforme Bahiana, A Constituição Federal de 18 de setembro de 1946, determinava no seu Artigo 199, que
na execução do Plano de Valorização da Amazônia, a União aplicará, durante pelos menos vinte anos
consecutivos, quantia não inferior a três por cento de sua renda tributária. Em 6 de janeiro de 1953, o Congresso
votou a Lei n.º 1.806, criando a Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia – SPVEA, com o
objetivo de “promover o desenvolvimento da agricultura e a exploração da floresta em termos de maior
37

Em 1951, conforme Miyamoto (1995), o governo federal apresentou o Plano Geral


de Viação Nacional (PGNV), diferente dos anteriores, o plano apresentava três projetos
distintos: rodoviário, ferroviário e fluvial. Para o mesmo autor, o PGNV deveria atender os
princípios da racionalidade econômica, motivos políticos, e atender aos interesses da
segurança nacional.
O sonho de Jalles Machado de um país integrado começou ser concretizado no
governo de Juscelino Kubitschek28 (1956-1961), após a construção da capital federal no
Centro-Oeste, e posteriormente a transferência do governo para Brasília no Planalto Central29,
na década de 1960. A mudança da Capital Federal do Rio de Janeiro está ligado a fatores
geopolíticos que podem ser definidos em três pontos, de acordo com Costa (2014):

Do momento de redefinição da acumulação capitalista e da regionalização interna do


Brasil; à ideologia nacionalista desenvolvimentista do governo Kubitschek,
potencializada pela ânsia da integração nacional; à influência do pensamento
geopolítico cuja centralidade estava na defesa do país (COSTA, 2014, p. 9).

Brasília seria a nova sede logística e administrativa do Brasil, uma de suas metas era
expandir a fronteira rumo ao Centro-Oeste e ao Norte do País, pois correspondia ao
pensamento geopolítico de Segurança Nacional, que tinha como objetivo maior, segundo
Vesentini (1987):

[...] a interligação mais efetiva do espaço nacional; a ocupação do interior do país


mediante uma “marcha para oeste”; estabelecimento de uma divisão territorial
(administrativa) “mais racional do país”; a construção de uma rede de transportes
densa e eficaz, para facilitar a interiorização da economia e da população; a
preocupação com as fronteiras do país; e, o grande tema a, que praticamente
incorpora e norteia os demais o de ser estabelecer metodicamente um conceito de
Segurança Nacional (VESENTINE, 1987, p. 70).

rendimento e melhor técnica de trabalho, fomentar o criatório e a pesca e indústria decorrentes, promover o
aproveitamento de recursos minerais, incrementar a industrialização de matérias primas, realizar um plano de
viação, promover a recuperação permanente das terras inundáveis, estabelecer uma política demográfica,
desenvolver o sistema de crédito bancário regional, e as relações comerciais com os centros de consumo e
abastecedores, nacionais e estrangeiros, proceder a pesquisas, à formação dos quadros técnicos necessários,
incentivar o capital privado para que se integre nos propósitos de valorização (BAHIANA, 1991, p. 18).
28
No governo do Presidente Juscelino Kubitschek, foi preparado o Programa de Metas (1956 – 1960), tendo se
baseado nos estudos do Grupo Misto CEPAL/BNDE e da Comissão Mista Brasil – Estados Unidos, O plano
consistia de 30 metas para diferentes campos de energia, transportes, alimentos, indústria básicas e educação de
pessoal técnico. (COSTA, 2014)
29
A construção de Brasília no Planalto Central, já tinha defendida por José de Bonifácio (1763 - 1838) e
Vanharge (Visconde de Porto Seguro), que desde o Império defendiam uma nova localização da capital que seria
no “Planalto Central”. Essa proposta ganhou apoio na Constituinte de 1891, que resultou em 1892, na criação da
Comissão Cruls, que pré-determinou no Retângulo Cruls, área com 14Km², que seria a sede da nova capital
(COSTA, 2013, p. 192).
38

Corrobora com essa ideia Barros (1995), onde afirma que no governo de Juscelino
Kubitschek, a Amazônia receberia atenção especial com a abertura de estradas rumo à Oeste:

O Brasil se industrializou progressivamente a partir do século atual, e formou-se um


centro ao core nacional, que passa a ser gestor das relações espaciais do país. A
construção de Brasília no centro-oeste, e as rodovias Belém – Brasília e São Paulo –
Cuiabá – Acre expressam a orientação do poder central de integrar, àquela core, o
oeste (Amazônia) (BARROS, 1995, p. 35).

Pode-se afirmar que a capital é definida estrategicamente segundo interesse do


Estado. Como afirmar Whitteney (1939) “a sede dos Estados unitários tende a localizar-se em
áreas eqüidistantes das bordas de seus territórios, por imposição das necessidades de defesa e
de uma maior eficácia em seu papel de integração” (Whitteney, 1939 apud COSTA, 2013, p.
153). Por essas razões, afirma-se que as capitais são um elemento essencial na estrutura das
relações político-territoriais.
Para construção de estradas, conforme Bahiana “o governo Kubitschek, dentro de seu
plano de metas destinou 30% dos investimentos para o setor rodoviário” (BAHIANA, 1991,
p. 18). Com esse capital foi possível implantar as duas rodovias citadas, que faziam parte de
um programa estratégico do governo federal de desenvolvimento nacional, e a região
amazônica seria extremamente beneficiada.
Segundo Bahiana (1991), a primeira a ser construída foi à rodovia Belém – Brasília,
esta fazia parte de um projeto maior, que partindo de Bajé, no Rio Grande do Sul,
atravessando o país pelo centro demandando Belém, recebendo o nome de Transbrasiliana
com 5.000 km. Já a rodovia Brasília-Acre, se estenderia por 3.500 km rumo a oeste,
alcançando a fronteira do Peru.
O objetivo do governo após a construção das estradas conforme Bahiana era, “abrir a
fronteira pré-amazônica e amazônica aos capitais do centro, colocando a região em pé de
igualdade relativa com as outras regiões do País no que se refere as ligações viárias do poder”
(BAHIANA, 1991, 18). Para o mesmo autor essas rodovias, “além do impacto local-regional,
vai funcionar como um redirecionador de fluxos migratórios como os que se originam na
Região do Nordeste, incrementando também os fluxos do Centro-Oeste-Sul para o Norte”
(1991, p.18).
As metas propostas pelo governo Kubitschek, não tiveram sucesso esperado, como a
Brasília-Acre, que após o seu governo, ficou no esquecimento, levando alguns pontos a serem
tomados pela selva. Por outro lado, como afirma Bahiana “o governo Kubitschek estabeleceu
verdadeiramente as bases da inserção do Norte no espaço nacional, preparando, através da
39

implantação dos eixos, o grande movimento de extensão da fronteira” (BAHIANA, 1991, 19).
Portanto, o sonho da Amazônia integrada de Kubitschek, só se tornaria realidade no governo
militar 1964, que lançaria grandes projetos na Amazônia.

2.3 O Programa de Integração Nacional - PIN

A ascensão do estamento militar ao comando do aparelho do Estado em 1964, dava


oportunidade dos militares colocarem em prática ideias formuladas para a região amazônica a
partir de um pensamento estratégico de segurança nacional e desenvolvimento, construído por
militares e geógrafos da Escola Superior de Guerra (ESG), que há décadas viam a importância
em se integrar os “espaços vazios da Amazônia”, conforme afirma Mattos (1980):

Quando veio da Revolução de 1964 a doutrina da Escola Superior de Guerra já


estava formulada e exercitada em termos laboratoriais ou escolares. Foi fácil para o
chefe da revolução o presidente Castelo Branco e seus principais assessores
Golbery, Ernesto Geisel, Juarez Távora, Cordeiro de Farias, todos ex-militares (sic),
participantes ativos na formulação dessa doutrina, pois todos haviam pertencido aos
quadros da ESG, transferirem para a prática governamental a doutrina formulada
durante 14 anos no casarão do Forte São João (MATTOS, 1980, p. 61).

De acordo com Becker (1988), fundamentada na Doutrina de Segurança Nacional


(DSN) a ocupação da Amazônia se torna prioridade máxima após o golpe de 1964. O objetivo
básico do governo militar é a implantação de um projeto de modernização nacional,
acelerando uma radical reestruturação do país, incluindo a redistribuição territorial de
investimentos e um forte controle social. (BECKER, 1990, p.13). Essa posição chave
assumida pelos militares frente à Amazônia, no entender de Becker, estava diretamente ligada
“às prioridades econômicas e geopolíticas na ordem interna e externa”.

A solução conjunta para os problemas de tensão sociais no Nordeste e para a


continuidade do crescimento do centro dinâmico do sudeste, abrindo a possibilidade
de novos investimentos, recursos e mercados em tempos rápidos. As implicações
geopolíticas de ordem externa também pesaram: a vulnerabilidade da extensa e
isolada região quanto à organização de focos revolucionários; o dinamismo interno
dos países vizinhos, que, embora menos industrializados, têm também movimentos
de investimentos e de populações para suas Amazônias, que são próximas dos
respectivos centros vitais. A essas preocupações, soma-se a necessidade de assegurar
a presença do Brasil na exploração dos recursos da Amazônia sul-americana.
Tratava-se de garantir que está exploração não fosse capturada para a órbita do
Pacífico e do Caribe, como sugeriam a construção da Carretera Bolivariana
Marginal de La Selva, rasgando perpendicularmente o interior amazônico, e a
proposta do Instituto Hudson de construção de Grandes Lagos, submergindo a
Amazônia. (BECKER, 1990, p. 13). (Grifos nosso)

Percebe-se que o governo federal tinha que buscar soluções para assegurar de forma
eficiente o domínio da Amazônia brasileira, frente a outras nações que já buscavam explorar
40

os recursos naturais de suas amazônias. Para Becker (1990, p. 13), “a missão de incorporar as
terras, defender nossas fronteiras, preservar as riquezas, enfim, a nacionalização do território
[...] era prioridade dos militares”. Essas medidas seriam feitas através da implantação de redes
de integração espacial, onde podemos destacar como mais relevantes: a rede rodoviária, as
telecomunicações, a rede urbana das instituições estatais e privadas e a rede hidrelétrica.
Nosso interesse limita-se a rede rodoviária.
Em 13 de junho de 1965, em Belém – PA, o presidente da República Humberto de
Alencar Castelo Branco (1964 – 1967)30 em um discurso dá o primeiro passo para a ocupação
da Amazônia em nome da segurança nacional e o desenvolvimento, declarando que “já é
tempo de adotarmos para esta região alguma estratégia [...] que vise integrá-la
verdadeiramente no Brasil, abrindo-a para o mundo” (LOPES 1982 apud FURNIEL 1993, p
52). Para Castelo Branco, “a Amazônia apresentava a grande fronteira de recursos a ser
explorada e ao mesmo tempo preocupação geopolítica para os militares que passam a vê-la
como fronteira nacional que deve ser protegida”. (LOPES 1982 apud FURNIEL 1993, p 52).
Portanto, os militares buscaram atuar de forma rápida e consistente, para a segurança e o
desenvolvimento da Amazônia, colocando em prática um conjunto de metas e planos
necessários como a criação em 1966 da Superintendência para o Desenvolvimento da
Amazônia (SUDAM)31, o Banco da Amazônia S/A (BASA), em 1967 criou a
Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA)32.
No entender de Bahiana (1991, p. 19), “tudo isso era apenas parte de um plano
maior, de nítidas concepções geopolíticas, que buscavam colocar em práticas aquelas antigas
ideias de ocupação formuladas [...] desde o período Vargas. É desta maneira que nasce a
Operação Amazônia (1965 – 1967)33”. Corrobora com essa ideia Skidmore (1988), ao afirma

30
Segundo Santos (2013, p 51–52), Castelo Branco era alinhado com a ala mais moderada dos militares,
conhecida como Sorbonne, isto é, da Escola Superior de Guerra (ESG). A Escola tinha um projeto para a
integração, segurança e desenvolvimento da Amazônia.
31
Nesse período foi criada a Amazônia Legal; Art.2.º da Lei 5. 173, de 27.10.66, entidade espacial e legal, sua
área de atuação abrangeria os Estados do Acre, Amazonas, e Pará; parte dos Estados de Goiás – norte do paralelo
de 13 graus; Maranhão – oeste do meridiano de 44 graus; Mato Grosso – norte do paralelo de 16 graus; e pelos
então Territórios Federais do Amapá, Rondônia e Roraima. (BARROS, 1995, p. 19).
32
Segundo Mattos (1980, p. 98), “a criação da Zona Franca de Manaus representou, assim como a anterior
transferência da Capital para Brasília, um artifício geopolítico visando acelerar o processo de interiorização do
território, a responder aos apelos da política de continentlidade. Brasília foi destinada a ser o grande pólo de
conquista do interior e irradiação do progresso ao Brasil Continental. A Zona Franca de Manaus, em proporções
regionais deveria ser o pólo acelerador do desenvolvimento da Amazônia Ocidental”.
33
Segundo Santos (2004) a Operação Amazônia “objetivava colocar em prática em prática as antigas ideias de
ocupação, desenvolvimento e integração, formulada desde o primeiro Governo de Getúlio Vargas (1930-2945),
mas aperfeiçoado nas décadas posteriores, nos institutos de pesquisa e planejamento oficiais, como o Instituto de
Pesquisa Econômicas e Social (IPES). (MAHAR 1978 apud SANTOS 2004, p. 91).
41

que o objetivo principal era garantir a segurança e controle dos setores mais delicados do
Brasil, nossa fronteira:

O interesse de Médici pela Amazônia tinha outra lógica. [...] A elite brasileira,
especialmente os militares, há muitos receavam que o país perdesse a Amazônia por
falta de colonização. Gerações de cadetes do Exército brasileiro foram
conscientizados sobre a significação geopolítica da Amazônia, agora, como oficiais,
temiam possíveis incursões de peruanos, venezuelanos pelo vasto, mas esparsamente
povoado território rio acima. (SKIDMORE, 1988, p. 290)

Esse era o momento dos militares executarem seu programa estratégico para a
Amazônia, como afirma Barros (1995, p. 36), “a fronteira amazônica dos anos de 1970
corresponde à ideia “centro-periferia”, no auge do centralismo de estado, regime militar, e
discurso de potência emergente”. Enfim, o perigo que a Amazônia apresentava a segurança
nacional por causa da sua vasta “fronteira praticamente vazia” e sem pólos de
desenvolvimentos, direcionava para região medidas imediatas.
Visando alcançar tais objetivos, o Presidente da República Emiliano Garrastazu
Médici34 (1969-1974), no uso das atribuições que lhe confere cria o Decreto-Lei nº 1. 106 de
16 de junho de 1970 que lança o Programa de Integração Nacional – PIN35, considerando de
extrema urgência e de relevante interesse público promover a maior integração à economia
nacional das regiões compreendidas nas áreas da SUDENE e SUDAM. Essa integração se
daria através de um amplo programa de construção de estradas que buscava articular a
Amazônia e o Nordeste às regiões Centro-Oeste e Centro-Sul, possibilitando um programa de
colonização das suas margens e o desenvolvimento das atividades econômicas da região.
Chamo a atenção para o artigo nº 2 do PIN:

Art. 2º A primeira etapa do Programa de Integração Nacional será constituída pela


construção imediata das rodovias Transamazônica e Cuiabá – Santarém.
§ 1º Será reservada para colonização e reforma agrária, faixa de terra de até dez
quilômetros è esquerda e à direita das novas rodovias para, com recursos do Programa de
Integração Nacional, se executar a ocupação da terra e adequada e produtiva exploração
econômica.
Trechos das estradas Transamazônica e Cuiabá – Santarém:

34
O Presidente Médici (1969 – 1974), como Costa e Silva fazia parte da “linha dura” do Exército.
35
Esse Decreto-Lei permite a definição de políticas públicas pelo executivo nacional sem necessitar de
aprovação do plenário do Congresso Nacional, instituída da Constituição de 1967.
42

 Transamazônica (BR 230): partiria da conexão com a rede rodoviária


nordestina, na cidade piauiense de Picos, atravessaria a rodovia Belém –
Brasília, na altura de Marabá, e, cruzando as bacias dos rios Xingu e Tapajós,
alcançaria Humaitá, aí encontrado – se com Porto Velho, às margens do rio
Purus.
 Cuiabá – Santarém (BR 163): a estrada ligaria o Centro – Oeste, partindo de
Cuiabá, capital de Mato Grosso, seguindo a Norte até Santarém no Pará.

De acordo com Bahiana (1991), a urgência dessas obras, “tratava-se, portanto, de


promover a ida dos sem-terra, principalmente do Nordeste, para uma área que se julgava
“terra sem homens”, na tentativa ideológica de desagregar os graves conflitos agrários do
Nordeste agravados pela seca” (BAHIANA, 1991, p. 19). Logo, o governo federal deslocaria
para a região amazônica cerca de 70.000 mil famílias vindas do Nordeste, dentro de um
processo de ocupação “gradual dos espaços vazios”. Como afirma Skidmore (1988):

Médici decidiu que o Nordeste e a Amazônia deviam ser atacados com um só


problema. O Brasil construiria uma estrada transamazônica que abriria o
“despovoado” vale amazônico. O excesso de população do nordeste seria levado
para a Amazônia atraída pelas terras férteis e baratas proporcionadas pelo Programa
de Integração Nacional (PIN), Médici chamou a isso. A solução de dois problemas:
homens sem terra no Nordeste e terras sem homem na Amazônia. (SKIDMORE,
1988, p. 288 - 289).

Para Médici36, além de resolver os problemas do Nordeste, também explicava que o


PIN “era uma tentativa de deslocar o centro de gravidade da economia empurrando para o
Norte, e tentar repetir naquela região o que já se conseguiu na região Centro-Sul do país”
(SKIDMORE, 1988, p. 292). Em pronunciamento nos fins de 1972, o presidente afirmava que
“a Amazônia, mais da metade do território nacional, poderia absorver muito mais do que toda
população atual do Brasil. [...] cabendo-nos o privilégio de incorporar a cada passo novos e
imensos espaços, praticamente vazios, ao nosso patrimônio econômico”. (SKIDMORE, 1988,
p. 293).
Para da inicio nesses grandes empreendimentos no Nordeste e na Amazônia, o
governo federal, segundo Pereira (1974) buscou recursos provenientes de impostos e
concedidos por instituições estrangeiras como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento.

O esquema financeiro, montado a partir de 1968 para execução deste programa


rodoviários, foi calcado principalmente: a) no aumento de recursos do Imposto
Único sobre lubrificantes Líquidos e Gasosos; b) na criação de novos recursos como

36
Para Skidmore (1988, p. 293), “os programas amazônicos eram ideias para a campanha triunfalista de relações
públicas do governo que exaltava a “grandeza” do Brasil e seu inexorável salto para o status de potência
mundial”.
43

a Taxa Rodoviária Única, o Imposto sobre Transporte de Passageiros; c) numa


política de endividamento interno e externo através do Banco Mundial, do Banco
Interamericano, de bancos particulares e diversos fornecedores estrangeiros
(PEREIRA, 1974, apud FURNIEL, 1993, p. 163)

O crescente aumento no numero de migrantes, levou o governo federal acrescentar


nesse projeto, o asfaltamento da rodovia Belém – Brasília e a Cuiabá – Porto Velho – Rio
Branco. Essas estradas não garantiriam o domínio pleno da Amazônia pelos militares do
ponto de vista estratégico, já que as fronteiras ainda estavam desguarnecidas. Logo, no
governo do presidente Médici, cria-se o Decreto – Lei nº 5. 917 de 10 de setembro de 1973, o
Plano de Viação Nacional (PNV)37. O PNV acrescentaria novas rodovias com a missão de
articular todo território amazônico com o Planalto Central, além de abrir caminho para a
região do Pacífico e Caribe. (conforme mapa 06)

 BR – 364 - Trecho: Porto Velho – Abunã – Rio Branco – Feijó – Cruzeiro do


Sul – Japim 1.000 km;
 BR – 319 – Trecho: Manaus – Humaitá – Porto Velho – 760 km;
 BR – 174 – Trecho: Manaus – Caracaraí – Boa Vista – fronteira com a
Venezuela – 970 km;
 BR – 401 – Trecho: Boa Vista – fronteira com a Guiana – 140 km;
 BR – 307 – Trecho: Cruzeiro do Sul – Benjamim Constante – Içana – Cucui
fronteira com a Venezuela e suas ligações com as localidades de Elvira (BR –
411) e Caxias (BR – 413), na fronteira com o Peru – 1.750 km;
 BR – 210 – Perimetral Norte – Trecho: Macapá – Caracaraí – Içana – Mitu
fronteira com a Colômbia – 2.450 km;

Essas estradas viriam acompanhadas de um plano de colonização nas suas


margens, como foi estabelecido no PIN, que seria das seguintes maneiras, de acordo com
Bahiana (1991):

 Agrovilas: pequenos centros residenciais com capacidade média de 100 a 300


famílias, possuindo sede administrativa, escola primária, unidade de saúde,
pequeno centro comercial;
 Agrópolis: centro intermediário que englobaria 20 agrovilas teria uma
cooperativa, escolas de 1º e 2º graus, bancos e posto de correio e centro
telefônico;
 Rurópolis: com um raio de 140 km, apoiando diversas agrovilas e agrópolis,
possuiria aeroporto, hospital, unidades de beneficiamento da produção e uma
estrutura de serviços técnicos que cobriria sua área de influência.

37
Conforme Mattos (1980, p. 99), o governo federal também tinha planos específicos para o setor hidroviário e
aeroviário com a construção de portos e aeroportos.
44

Mapa 06: Programa de Integração Nacional - PIN

Fonte: ALBUQUERQUE, 2009, p. 32.

Para agilizar a estratégia da ocupação da Amazônia, o governo federal criou o


Decreto – Lei 1.178, de julho de 1971, o PROTERRA – Programa de Redistribuição de
Terras e de Estímulos a Agroindústria o Norte e Nordeste. Esse programa tinha como objetivo
facilitar o acesso a terra e fomentar as atividades agropecuárias através de créditos e
incentivos fiscais38. Para o governo militar, deslocar a fronteira agrícola para a região
amazônica, era na sua política de ocupação espacial da Amazônia Legal, de suma
importância, dando início de forma planejada como se observa na (figura 01). No primeiro
mapa, percebe-se o eixo de desenvolvimento, ou seja, as estradas construídas, planejadas e
projetadas; áreas de terras devolutas que seriam incorporadas pelo Governo Federal para
assentar colonos vindos do Nordeste, além de polígonos de desapropriação. No segundo,

38
Segundo Furniel (1993, p. 51; Bahiana 1991, p. 20), na realidade muitos desses recursos atendeu mais as
grandes proprietários de terras e grandes projetos agropecuária e de mineração como: a Jari Florestal e
Agropecuária, do estadunidense Daniel K. Ludwig, um extenso projeto de silvicultura para a produção de
celulose, de mineração de caulim e de cultura comercial de arroz, no vale do rio Jari (PA).
45

podem-se localizar as áreas prioritárias para o governo instalar os pólos de desenvolvimento


relacionados à agricultura, pecuária e mineração.

Figura 01: Política de Ocupação da Amazônia Legal.

Fonte: Baseado em Amazônia Brasileira em Foco, n. 6. 1971/1972; L. Machado;


Projeto Calha Norte apud Becker 1990, p 15.

Percebe-se que o Estado para sobreviver precisa tomar políticas agressivas de “cunho
nacionalista”, e não vai ser diferente no território nacional, e posteriormente na região
amazônica, quando aparecem os primeiros sinais de pressões internas e externas contra seu
território. Pode-se dizer que o pensamento geopolítico visa ser o porta-voz dos interesses do
Estado brasileiro na Amazônia, pois era extremamente importante para os geopolíticos
brasileiros o domínio da massa continental da America do Sul.
46

3. A CONSTRUÇÃO E OS RESULTADOS DAS ESTRADAS FEDERAIS 174 E 401.

Pesquisar sobre o Território Federal de Roraima requer um olhar sobre a importância


estratégica que a região passou a ter desde o desde o século XVIII para Portugal. Nesse
período, segundo Farage (1991), se intensificou a ocupação da Amazônia setentrional (hoje
Roraima) pelas forças militares lusitanas no governo do Marquês de Pombal, que empunhou
uma política oficial do Estado visando defender nossas fronteiras de possíveis aventuras
expansionistas dos vizinhos espanhóis, holandeses e ingleses. De acordo com Santos (2013),
essas constantes ameaças levaram o Governador da Província do Amazonas, Lobo D’
Almada, providenciar a construção do Forte São Joaquim (1777 – 1779), na conjunção do rio
Urariquera com o Tacutu, onde estes formam o rio Branco e introduziu gado bovino nos
campos da região.
No período Imperial brasileiro (1822-1889), e inicio do Governo Republicano
Brasileiro (1889) nossas fronteiras no Extremo Norte ficaram desguarnecias, o resultado foi à
perda de uma grande extensão de terra para a Inglaterra. Essa perda levou os militares após a
chegada de Getúlio Vargas no poder em 1930, influenciar o presidente para que conduzissem
políticas territoriais para ocupar as regiões próximas as nossas fronteiras. O resultado foi
criação do Território Federal do Rio Branco39 em 1943, durante a 2º Guerra Mundial.
Contudo, a consolidação do Território dar-se-á durante o governo dos militares
(1964-1985). Estes apoiados em ideias geopolíticas de segurança nacional e desenvolvimento,
lança o Programa de Integração Nacional – PIN e o II Plano Nacional Desenvolvimento – II
PND. Portanto, esses programas mudaram toda estrutura física e administrativa do Território
Federal de Roraima.

3.1 As primeiras tentativas de construção de estradas no Território Federal de Roraima.

O então Território Federal de Roraima localiza-se na porção setentrional da região


norte do Brasil, possuindo um território de 230. 104 Km40, faz fronteira ao Norte e Nordeste
com a República Bolivariana da Venezuela, ao Leste, com a República Cooperativista da
Guiana, a Oeste e Sul com o Amazonas, e a Sudeste com o Pará, com uma população

39
Criado pelo Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943, chamando-se Território Federal do Rio Branco,
tem o nome alterado para Território Federal de Roraima através da Lei 4.182, de 13 de dezembro de 1962.
40
Fonte: Brasil: Ministério do Interior. Conforme o IBGE o atual Estado de Roraima possui cerca de 224.300
Km².
47

distribuída nos municípios de Boa Vista41 e Caracaraí42. Hoje o Estado de Roraima é


composto por 15 municípios, tendo como capital Boa Vista.
Historicamente a abertura de estradas no extremo Norte da Amazônia, se insere num
contexto político, econômico e social, impulsionado pelo “boom da borracha” 43
. De acordo
com Souza (2011), os transportes no noroeste da Amazônia eram feitos principalmente por
estradas naturais “rios”, mas por causa da estiagem do rio Branco44, o comércio de bovinos e
mercadorias, entre Manaus e o Vale do Rio Branco prejudicava fazendeiros e comerciantes.
Assim sendo, os governadores da Província do Amazonas buscaram construir uma estrada
ligando Manaus ao Rio Branco, como afirma Freitas:

As tentativas de construção da Manaus – Boa Vista, consoantes antigas


memórias, tiveram início ao tempo do ilustre amazonense Coronel João
Henrique Matos que em 1847, ordenou a abertura de uma picada para o rio
Branco. E foi exatamente Sebastião Diniz que abriu uma picada do rio
Branco com o seguinte itinerário: rio Tarumã, Cuieiras, Urubu, Uatumã,
Jauaperi, Anauá, Branco e Mucajaí, na extensão de 815 km. (FREITAS,
1993, p. 161).

No inicio do século XX teve-se talvez a primeira tentativa de abertura da estrada no


trecho Manaus - Boa Vista. Diante da importância do empreendimento houve outras
iniciativas no processo de integrar o Vale do rio Branco à Manaus. Dessas tentativas, a única
que concluiu o itinerário foi do Guianensse Collis, como afirma Souza (1993):

Em 27 de janeiro de 1927, no governo de Ephigênio Ferreira de Salles, houve uma


nova investida com objetivo de ligar Manaus – Boa Vista. Coube ao Guianensse
Collis essa árdua missão que segundo seu relatório transcrito pelo engenheiro José
Adilson de Melo Távora, [...] o trabalho foi executado com sucesso, 45 homens
destravaram 868 km através de pântanos, lagos, igarapés, campos, etc; essa
empreitada levou 21 meses. (SOUZA, 1993, p. 28)

De acordo com Freitas (1993) fica claro que o tempo e a falta de tecnologia adequada
eram os principais inimigos dos construtores, pois rapidamente a mata se encarregava de
fechar os trechos iniciais. Outro ponto importante que dificultava a conclusão da obra era as
péssimas condições de trabalho, ocasionando óbitos. Mas, o isolamento do Rio Branco era um

41
O município de Boa Vista do Rio Branco foi criado em 09 de julho de 1890 através do Decreto nº 49, pelo
governador do Estado do Amazonas Augusto Ximeno de Villeroy, que desmembrou as terras do município de
Moura. (Hoje Amazonas)
42
O município de Catrimani foi criado pelo Decreto-Lei 5.812/1943, tendo seu nome alterado pela Lei Federal
nº 2.795, de 28 de maio de 1955, para Caracaraí.
43
No século XIX houve o “boom da borracha” na Amazônia, milhares de nordestinos se deslocaram para
Manaus, levando a uma explosão populacional, para atender essa demanda, a região do rio Branco passou
abastecer a capital amazonense com carne bovina, que passou a ser seu maior produto de exportação.
44
Por causa da estiagem na região do rio Branco, os 7 km de corredeiras do Bem Querer tornava-se um grande
obstáculo para a navegação, restando 4 meses do ano navegável.
48

entrave para o desenvolvimento da região, levando as autoridades a continuar pressionando o


poder central para ser construído uma estrada de rodagem ou uma ferrovia.
No inicio do século XX as ferrovias já dominavam os transportes de longas
distâncias. Na Amazônia estava sendo construída a Estrada de Ferro Madeira Mamoré45.
Dessa forma, a construção de uma ferrovia poderia resolver os problemas dos rio-
branquenses. Segundo Souza (2011), o Prelado do Rio Branco Pedro Eggerath46 fez uma
denúncia que os ingleses estavam construído uma estrada de ferro que ligaria a capital
guinensse até os limites do rio Branco, e que a “estrada se encontrava adiantada”. Para Souza
(2011, p. 32), não se encontrava em construção nenhuma estrada da região citada, o que
realmente existia era o interesse de Hamilton Rice que após a expedição47 propôs a construção
de uma ferrovia que ligaria o rio Branco à Manaus, mas, com a condição de explorar os
recursos, de ambos os lados da estrada por um período de 30 anos.
O sonho de construir uma estrada de ferro não saiu do papel, mas os Beneditinos48
não desistiram de tirar o Rio Branco do isolamento, estes, buscaram apoio do governo federal
para construir uma estrada de rodagem de Boa Vista – Caracaraí, como aponta Vieira (2003,
p. 108):

Em pouco meses de freqüentes reuniões, a sociedade conseguiu uma subvenção do


Governo Federal no valor de $ 50 conto de réis, para a construção de uma estrada de
rodagem que acabaria com as dificuldades de transporte entre o baixo e alto Rio
Branco, eliminando o obstáculo das cachoeiras de Caracaraí. Logo em seguida foi
conseguido mais $ 100 contos de réis para dar prosseguimento a mesma obra.
(VIEIRA, 2003, 108)

Corrobora com essa ideia Barros (1995), ao afirmar que [...] “as picadas para abrir a
estrada começaram a ser feitas na década de 1920, através da concessão da Companhia
Industrial do Rio Branco49, pertencente aos Beneditinos, que teriam levado o caminho
carroçável e sem pontes até a área de Mucajaí”. (BARROS, 1995, p. 60). Mas, a empresa da

45
Construída entre os anos de 1907 e 1912, estendia-se por 366 Km na Amazônia, ligando Porto Velho (atual
Rondônia) a Guajará –Mirim.
46
Segundo Souza (2011) O Prelado do Rio Branco Pedro Eggerath em 1924, também denunciou no Instituto
Histórico e Geográfico do Brasil, a falta de meios de comunicação com o Rio Branco elevara em preços
absurdos os matérias para a agricultura e gêneros de primeira necessidade.
47
Conforme Souza (2011, p 32), “a “expedição de Rice” resultou em um minucioso mapeamento de boa parte do
território do Rio Branco, levantando a fauna, a flora e os minérios ali presentes.
48
Ordem Religiosa de São Bento, ou Ordem dos Beneditinos, se instalou no Vale do Rio Branco em 1909. Essa
ordem foi a única a fazer uma trabalho de assistência religiosa contínua entre os colonos e também as populações
indígenas. (VIEIRA, 2003, p. 89)
49
De acordo com Vieira (2003), o interesse em construir a estrada Rio Branco – Caracaraí, foi devido ao projeto
Agroindustrial do Rio Branco, essa industria estava ligada a vários departamentos como: navegação, charqueada,
curtume, fábrica de gelo, eletricidade, sala de cinema etc. A construção da estrada erra essencial para o sucesso
do empreendimento.
49

Ordem de São Bento apresentava dificuldades na administração por uma serie de fatores
como aponta Vieira (2003): os problemas nas instalações das caldeiras e transportes, a falta de
mão de obra especializada, desvio de mercadorias, má administração da casa comercial, levou
a Ordem dos Beneditinos abrirem falência em 1927. Dessa forma, as obras na estrada tiveram
que ser suspensas, a falta de capital para fazer a manutenção da estrada, ocasionou na invasão
da vegetação, destruindo novamente a estrada.
Na década de 1940, como anteriormente citado, por razões geopolíticas de segurança
nacional o governo do Presidente Getúlio Vargas criou em 1943 o Território Federal do Rio
Branco. Em 1944 o governo federal manda para região do rio Branco o Técnico
administrativo do governo federal Araújo Cavalcante50, juntamente com sua equipe tinha
como objetivo realizar um levantamento da vida econômica do recém criado Território. Desse
levantamento foram apontados problemas em todos os setores da administração pública51.
O técnico aponta o setor de transportes, como essencial no desenvolvimento do
Território. Relata ao governo federal a necessidade de construírem estradas próximas as
nossas fronteiras, para garantir acesso a três mercados consumidores de Manaus-Venezuela e
Guiana Britânica, assegurando a segurança e o desenvolvimento econômico do Território do
Rio Branco. O Plano Rodoviário Territorial proposto por Cavalcante partiria do Rio Branco –
Venezuela – Rio Branco – Guiana – Rio Branco – Caracaraí, esta última já começada e
concluída nos fins de 1947.
Tal medida se deve conforme o autor, após o Decreto Presidencial do Governo da
Venezuela de 17 de dezembro de 1938, onde o Presidente Lopes Contreiras, deu atenção
especial para promover e desenvolver parte de seu território inexplorado de sua Amazônia, na
área venezuelana fronteira ao Território do Rio Branco, com objetivo de incorporar essa
região à economia integral da nação (CAVALCANTE, 1949).
O Relatório de Cavalcante deixava clara a importância de se construir estradas no
Território Federal do Rio Branco, principalmente a estrada Boa Vista – Caracaraí, conforme
Barros:

O governo do Território reinicia por várias vezes as obras, para finalmente alcançar,
em 1948/1949, o caminho carroçável alcançar Caracaraí. [...]. Este caminho só
poderia ser trafegado por veículos no período de maior baixa das águas, por que não

50
Em 1944, o Técnico Araújo Cavalcante foi encarregado pelo Governo Federal de elaborar um estudo
socioeconômico, intitulado Plano de Recuperação e Desenvolvimento do Vale do Rio Branco, com o objetivo
de organizar o referido Território Federal (CAVALCANTE, 1949).
51
Segundo Cavalcante (1949) a organização administrativa era extremamente simples e reduzida em 1945. Logo
aponta os setores principais para serem beneficiados no projeto: eletrificação, transportes (rodoviário, fluvial e
aéreo, colonização, imigração, obras e equipamentos, aquisição de materiais, desenvolvimento gradual dos
órgãos administrativos e o desenvolvimento progressivo do pessoal, etc.
50

havia pontes. Na realidade, somente o trecho Mucajaí/Boa Vista era realmente


trafegado na estação do estio (BARROS, 1995, p. 60).

De acordo com Freitas (1993, p. 42), “em 1949 estava previsto a construção de 620
Km de estradas federais para o Território Federal do Rio Branco, atingindo a fronteira da
Venezuela e Guiana Inglesa”. Porém, as obras não foram concluídas, o insucesso nas obras
“foi por motivos de corte de verba na proposta, a escassez de mão de obra e equipamentos”
(FREITAS, 1993, p. 55). Assim sendo, o projeto não foi concluído no prazo estabelecido
pelo governo federal, gerando sérios problemas para a administração local. Portanto, as
estradas seriam retomadas novamente com a chegada dos militares no poder em 1964.

3.2 SEGURANÇA NACIONAL E DESENVOLVIMENTO INTERNO E EXTERNO: A


CONSTRUÇÃO DAS ESTRADAS FEDERAIS 174 E 401.

A geopolítica privilegiou as ações voltadas para segurança nacional e o


desenvolvimento do ponto de vista do Estado brasileiro. Na Amazônia esses atos estavam
diretamente ligados às regiões próximas as nossas fronteiras e, a construção de estradas era
estrategicamente fundamental para o sucesso dessas ações. Como afirma Miyamoto (1995,
p.147), “um sistema comunicação eficiente torna possível atingir qualquer ponto do país, em
tempo relativamente curto, protegendo os locais mais sensíveis, principalmente aqueles
situados ao longo das fronteiras internacionais, e que possam colocar em risco a soberania
nacional”. Enfim, a construção dessas estradas no primeiro momento seria a meta do Governo
Militar Brasileiro.
De acordo com Santos (2013, p. 105), ao analisar que “a intervenção na Amazônia
pelos governos militares após 1964 tem sido considerada como iniciada com a construção da
rodovia transamazônica, em 1970, após a visita do presidente Médici ao Nordeste para
verificar os efeitos da terrível seca”. Mas, para o mesmo autor “no Norte da Amazônia
Ocidental houve medidas anteriores de grande monta, como a continuação da rodovia BR
174, ligando Manaus a Boa Vista, até então aberta lentamente pelo governo amazonense”
(SILVA JR 1994 apud SANTOS 2013, p. 105).
Integrar passa ser a palavra chave dos militares e corresponde a unificação da
Amazônia. Essa unificação visando à segurança de nossas fronteiras estava diretamente ligada
o acirramento da Guerra Fria, que após a crise dos mísseis soviéticos em outubro de 1962 em
Cuba, não significou para o governo de Moscou a renúncia do projeto expansionista na
América, que tinha os cubanos como seu principal aliado. Segundo Sabatine (1998, p. 57-58),
51

o governo brasileiro mantinha uma aliança como os Estados Unidos, e não iria tolerar
movimentos guerrilheiros nos países vizinhos, principalmente após a criação em 1967, na
cidade de Havana, da Organização Latino-Americana de Solidariedade, um instrumento com
que Cuba esperava fomentar guerrilhas no continente. Como assevera Santos (2013):

O abandono da doutrina de fronteiras ideológicas pelo governo Costa e Silva (1967-


1969) [...], não significou que o governo militar brasileiro toleraria governos de
esquerda, revolucionários na bacia do rio da Prata. Pode-se dizer que o mesmo valia
para a bacia amazônica, a julgar pelas ações ali desenvolvidas. (BANDEIRA, 1995
apud SANTOS, 2013, p. 108)

Logo, o governo Costa e Silva52 (1967-1969) para melhor articular seus projetos de
integração e segurança nacional, toma uma decisão estratégica para a Amazônia Ocidental53,
como afirma Mattos (1980):

[...] a transferência da sede do Comando Militar da Amazônia, de Belém para


Manaus. Isto significou deslocar o pólo de irradiação de ação governamental militar
para a Amazônia Ocidental. [...] Com essa mudança para Manaus, da sede do
comando Militar da Amazônia um novo esforço de cooperação para o
desenvolvimento foi acrescentado: vieram os Batalhões de Engenharia de
Construção, os grupamentos de engenharia e novas colônias militares destinados
inclusive a fixar o homem nas regiões fronteiriças, varias rodovias tiveram sua
construção a cargo da engenharia militar entre as quais se destacam Porto Velho –
Rio Branco, Rio Branco – Cruzeiro do Sul, Manaus – Caracaraí – Boa Vista e
Cuiabá – Santarém. (MATTOS, 1980, p. 99).

Tal medida se deve como foi afirmado por Becker no (capítulo 02, p. 30), onde a
autora salienta que fundamentado na Doutrina de Segurança nacional, os militares tomaram
uma série de medidas estratégicas para a região amazônica por motivos da ordem interna e
externa. Registram-se aqui os pontos relevantes: 1) A solução conjunta de problemas de
tensão sociais no Nordeste; 2) a organização de focos revolucionários na região; 3) o
dinamismo dos países vizinhos nas suas amazônias; 4) a construção da estrada Carretera
Bolivariana Marginal de La Selva; 5) a exploração e escoamento de recursos naturais na
região. Dessa forma, após a instalação do Comando Militar da Amazônia (CMA) em Manaus,

52
O general Artur da Costa e Silva (1967 – 1969) fazia parte da “linha dura” do Exército, defensor intransigente
da ordem e do desenvolvimento sob a égide do Estado.
53
Conforme Mattos (1980, p. 110), “Exército, Marinha e Aeronáutica conjugaram esforços para manter viva a
sua missão amazônica, atuando principalmente nas regiões mais longínquas e mais hostis onde a iniciativa
empresarial não tem interesse em chegar. As três forças deslocaram de Belém para Manaus, na Amazônia
Ocidental, seu principal centro de operações de cooperação com seu desenvolvimento. O Exército atuou
essencialmente com seu Grupamento de Engenharia e seus batalhões de construção, tomando a seu cargo a
implantação das rodovias mais afastadas e difíceis. A Aeronáutica com seus “históricos” Catalinas, verdadeiros
barcos voadores e os mais modernos Búfalos e Hércules, assegurou a ligação das povoações nos confins
amazônicos e deu substancial apoio aos batalhões de engenharia de construção e a construção de aeródromos. A
Marinha de Guerra renovou sua flotilha fluvial e manteve sua tradicional ajuda às localidades longínquas através
da exploração de hidrovias”.
52

os militares fundaram vários Batalhões de Engenharia54 para iniciar a construção de estradas


na Amazônia. Em março de 1967 cria-se o 6º Batalhão de Engenharia de Construção
(BEC)55(SILVA JR, 1994, p. 283). Acrescenta-se, a nova legislação56 que promoveu uma
reforma administrativa nos territórios federais.
Nessa perspectiva se insere os projetos rodoviários para a Amazônia Ocidental, em
particular as rodovias BR 174 e 401, que atingiriam as fronteiras setentrionais do Brasil. Mas,
para Santos (2013) a pressa dos militares em construir as rodovias está ligada diretamente por
razões geopolíticas de segurança nacional, como a instável tensão política da República
Cooperativista da Guiana, ex-inglesa que se inicia na década de 1950.
Segundo Lima (2011, p. 48), “em abril de 1953, os lideres marxistas Cheddi Jargan57
e Forbes Burnham58 obtiveram triunfante vitória na primeira eleição com sufrágio universal.
[...] formaram o primeiro governo marxista eleito para o cargo”. Mas adiante, o mesmo autor
salienta que “ao assumir o cargo de Primeiro Ministro, o Dr. Jagan além de adotar uma atitude
de confronto com a metrópole, mostra sua intenção de se aproximar da então União
Soviética”. Tal medida levou o governo Britânico intervir e suspender a Constituição, levando
Burnham em 1955 romper com Jagan, pois, este sabia que os ingleses e americanos jamais
permitiriam a instalação de um governo comunista na região59. Logo, “a solução encontrada
pelos americanos e ingleses foi alijar Jagan e pavimentar a ascensão de Burnham ao poder”
(IDEM, 2011, p. 51). Assim foi feito, em 26 de maio de 1966, a aliança PNC e UF60 chegou
ao poder. Nesse mesmo ano, “Rainha Elizabeth II, transmitiu para Burnham, no Parlamento,
os instrumentos constitucionais que outorgaram a independência à Guiana” (LIMA, 2011, p.

54
Foi construído o 5º Batalhão de Engenharia de Construção foi estruturado na cidade de Porto Velho _
Rondônia, para fazer a ligação com Manaus e Cuiabá; o 7º Batalhão sediado na cidade de Cruzeiro do Sul no
Acre, ligaria as cidades próximas as fronteiras; o 8º e 9º Batalhões tiveram como sede as cidades de Santarém e
Cuiabá, suas atribuições era ligar as duas cidades. (MARTINELLI, 2004)
55
Segundo Silva Jr (xxx, p. 283) o 6º BECnst foi criado pelo Decreto Presidencial nº 60.456, de 13 de março de
1967, e organizado pela Portaria nº 50-Res, de 13 de julho de 1967. Sua origem foi a 1ª Companhia Especial de
Engenharia de Manaus-AM. Em 09 de agosto de 1968, ocorreu a instalação da Companhia, ainda em Manaus.
No mesmo mês, transformou-se do 6º BECnst.
56
Segundo Santos (2013, p.110) O Decreto-Lei 200, de fevereiro de 1967, com seus 613 artigos, deu nova forma
à máquina administrativa federal brasileira. Entre outras coisas abriu caminho para disposições legais como o já
referido Decreto-Lei 411/69, de janeiro de 1969, o principal regimento dos governadores dos territórios durante
o regime militar.
57
Cheddi Jargan era presidente do PPP (People’ s Progressive Party), o partido era composto por
indoguianenses, cujo o objetivo era a independência da colônia. (LIMA, 2011).
58
Forbes Burnhan era presidente do PNC ( People’ s National Congress), foi criado para expressar a vontade dos
guianeses.
59
O governo americano via a ascensão do Partido Popular Progressista ao poder com a transformação da Guiana
numa nova Cuba. O que não admitiriam como demonstra a comunicação do secretário do governo Kennedy,
Dean Rusk, ao Ministro das Relações Exteriores do Reino Unido: (...) acreditamos que Jargan e sua esposa
americana são realmente esquerdistas, e que sua ascensão ao poder na Guiana Britânica seria um sério e
desagradável revés nesse hemisfério. (LIMA, 2011, p. 50)
60
United Force – UF Partido da Força Unida, representado pela elite capitalista guianense.
53

51). No entender de Lima, o plano de Burnham deu certo, no poder o presidente rompeu com
o UF, e consolidou seu controle sobre o Estado, dando inicio a nacionalização de empresas
estrangeiras.
De acordo com Borges (2005, p. 52), “o processo de organização do Estado de
Burnham, excluía os fazendeiros do Rupununi por serem grandes proprietários de terra”.
Levando o UF romper com o PNC 1967, o fim da aliança foi o principal combustível para os
fazendeiros do Rupununi se organizarem e se aproximarem da Venezuela61, dando inicio no
que seria conhecido como A Revolta do Rupununi em 1969.
Borges afirma que (2005), a liderança da Revolta ficou com as famílias de Hart e
Melville, o ex-senador Ted Melville após fazer várias reuniões, ficou acordado que a ação
militar deveria tomar os pontos estratégicos na região. No dia 1 de janeiro de 1969, todos os
representantes do governo da Guiana na região estavam presos. Mas a rebelião foi um
fracasso, devido à ausência das forças venezuelanas. No dia seguinte, as forças armadas do
governo guianense62 chegaram à região dando inicio ao movimento de repressão da revolta.
Os revoltosos se retiraram em direção do Brasil. Para Freitas (1993), nessa época, nossa
fronteira com a Guiana, como também com a Venezuela era totalmente desguarnecida, o que
facilitou a entrada dos revoltosos no país.
A invasão de nossas fronteiras, segundo Freitas (1993) mostrou os grandes
problemas do Território Federal de Roraima (TFR) “não tínhamos estradas, não tínhamos
caminhão para o transporte de tropas, não tínhamos enfim, como manter a soberania nacional
de modo digno em nossas fronteiras” (FREITAS, 1993, p. 176). Dessa forma não houve
resistência brasileira contra a invasão. Como afirma Borges (2005):

No dia 02 de janeiro foi o marco do fim da revolta do Rupununi, quando os


revoltosos atravessaram o rio Tacutu em direção ao Brasil. No dia seguinte da
revolta, um pelotão da companhia de fronteira do Exército Brasileiro em Boa Vista
foi deslocado para Bonfim, já no final da tarde. [...] Foi esse grupo de militares que
capturou a família Melville e Hart lideres da revolta. [...] Todos os capturados foram
levados para Boa Vista, por decisão do general Edmundo Costa Neves, na época
comandante do GEF – Grupamento Especial da Fronteira. (BORGES, 2005, p. 106)

O general Edmundo Costa Neves decidiu contratar caminhões particulares para o


transporte de soldados, os caminhões velhos atolavam e/ou quebravam no lavrado

61
De acordo com Borges (2005, p. 88) Tal situação levou os fazendeiros a se aproximar da Venezuela, que
mantinha uma pendência territorial com a Guiana em torno da região do Essequibo. São exatamente tais relações
iminência no interior da estrutura social da Guiana que desencadeou a Revolta com apoio daquele país.
62
Conforme Borges (2005, p. 114), depois que da forças armadas do governo assumiu o controle do Rupununi,
passaram a chegar noticias a Georgetown dando conta de uma brutal repressão aos índios da região, e àqueles da
parte noroeste do Essequibo, nas regiões fronteiriças com a Venezuela. Apavorados, muitos índios teriam se
refugiados no Brasil.
54

transformando numa verdadeira anarquia, sob o ponto de vista logístico de Segurança


Nacional (FREITAS, 1993). Tal situação surpreendeu o governo Hélio Campos e,
posteriormente o governo federal, pois se passava uma “revolução no país vizinho, e ninguém
sabia”. Para piorar nossa a situação Borges (2005) salienta que:

No dia 03 de janeiro de 1969, pousou no aeroporto da cidade um avião guianense


com 17 soldados armados, supostamente para resgatar os prisioneiros que haviam
sido capturados pelo Exército Brasileiro. O avião ficou retido no aeroporto por
soldados brasileiros e membros da Guarda Nacional em comprimento à decisão do
general. No dia 05 de janeiro, chegou a Boa Vista um grande general de brigada,
Rodrigo Otávio Jordão Ramos, comandante da 8º Região, com objetivo explicito de
tomar conhecimento da realidade na fronteira. Foi dele a decisão de levar os
revoltosos capturados a Manaus e depois para o Rio de Janeiro, onde foram
liberados. (BORGES, 2005, p. 108)

Essa desordem que se passava no TFR para o governador Hélio Campos63 (1967-
1970) “era uma vergonha para o país” (FREITAS, 1993, 173). No entender de Freitas (1993),
a invasão foi extremamente importante, pois ganhou destaque de modo rápido na agenda do
governo federal, que passou da prioridade na conquista da Amazônia Setentrional.

Hélio Campos, governador da época, reconhece, no entanto, que a revolução


guianense, teve realmente influência nesse aspecto de Segurança Nacional, por que
surpreendeu a todos. Uma revolução em nossa frente e ninguém tinha conhecimento
dela, se bem que alguns habitantes de Roraima, depois, vinha saber, tiveram
conhecimento que a revolução iria acontecer, mas não comunicaram ao governo. É
ainda Hélio Campos afirma que o próprio governo federal foi surpreendido.
(FREITAS, 1993, p. 177) (Grifos nosso)

Em entrevista concedida para Freitas (1993) Hélio Campos reconhece que a Revolta
do Rupununi foi essencial para o governo federal, direcionar uma logística eficiente que
atendessem as necessidades estratégicas de Segurança Nacional do TRF. Como medida, os
militares deslocaram o 6º Batalhão de Engenharia de Construção (BEC) para Boa Vista dia 09
de janeiro de 1969. Segundo Silva Jr (1994), nesse mesmo ano, foi assinado o convênio entre
o governo federal, representado pelo 6º BEC e o Departamento Nacional de Estradas e
Rodagem (DNER) para a construção da BR 174 e 40164 que reiniciou a abertura da BR 174
ligando Manaus – Boa Vista, até então a cargo do governo do estado do Amazonas.

63
O Tenente – coronel aviador Hélio Campos, provinha do Correio Aéreo Nacional. Amigo do Ministro do
Interior, general Albuquerque Lima, e este ardente nacionalista, componente da “linha dura”, teria sido o
“padrinho” da nomeação de Campos. Este, também gozava do apoio do Ministro dos Transportes Mario
Andreazza para as obras. (FREITAS, 1993, p.166)
64
Segundo Santos (2013, p. 108), “essas estradas já tinham sugeridas na década de 1940 por Cavalcante (1949),
o que demonstra sua visão geopolítica e, também, que há uma continuidade entre a ideologia do Estado Novo e o
regime militar pós-1964”.
55

O Comando Militar da Amazônia, (CMA) preocupado com as fronteiras


setentrionais, toma outra decisão extremamente importante na sua gestão estratégica, como
salienta Silva JR (1994), em 14 de setembro de 1970, juntamente com outras unidades de
Engenharia Militar, passou a dar apoio ao 6º BEC o 2º Grupamento de Engenharia de
Construção – 2º GEC, e pela fixação de outros pelotões militares nas localidades de Bonfim,
Normandia e Surumu.
Havia pressa para a construção dessas estradas por parte do governo federal.
Portanto, o CMA e o Ministério dos Transportes65, segundo Souza (1977), solicitou ao 6º
BEC abrir duas frentes de trabalho conhecidas como frente Norte (2º CIA E CONST)
localizada em Caracaraí e a frente Sul (1º CIA e CONST) em Manaus. A retomada as pressas
tinha um objetivo, além de garantir a segurança da região do ponto de vista estratégica,
também representava para o governo a conquista definitiva do Brasil setentrional pelas forças
militares, garantindo acesso para o Caribe.
Após assinatura de um convênio do 6º BEC com o DNER, os militares segundo
Martinelle66 (2004) destacaram sua equipe técnica de topografia para Boa Vista, capital do
Território Federal de Roraima (TRF) dando inicio no levantamento topográfico das estradas
BR – 401 com destino a Guiana e a 17467 sentido Venezuela. O mesmo salienta que a base de
orientação obtida das cartas topográficas era apoiada em caminhos das antigas rotas de acesso
de gado. Atrás da equipe de topografia o trabalho de terraplenagem era feito em ritmo
acelerado pela engenharia militar.
O inicio das chuvas, as obras diminuíam o ritmo e a equipe era transferida para
Manaus68. Por essa alternância no regime de chuvas, o programa de trabalho das estradas
previa deslocamentos das equipes de topografia e terraplenagem de Boa Vista – Manaus, e
vice–versa. “O contingente maior de máquinas, militares e civis, estava concentrada na BR
174 – Boa Vista – Rio Uraricoera, a chegada das chuvas paralisava as atividades para
redirecionar suas forças para Manaus” (MARTENELLE, 2004, p.36). Essa orientação do

65
O Ministério do Exército e o Ministério dos Transportes juntaram esforços para a implantação de rodovias na
região amazônica, com o propósito de reduzir custos e, ao mesmo tempo ocupar a Amazônia Legal
(MARTINELLE, 2004, p. 28)
66
Autor do livro: Dois anos na Floresta Amazônica: abrindo estradas pioneiras nos anos de 1970 e 1971.
67
Conforme Souza (1977), a BR 174, nasce na cidade de Cárceres (Mato Grosso), seu projeto original era
Cáceres – Vilhena – Canumã – Careiro – Manaus – Caracaraí – Boa Vista – BV8 (Venezuela), se transformando
numa estrada Transcontinental.
68
Segundo Martinelli (2004), Manaus e Boa Vista são cidades na região Norte e a distância entre elas e pequena.
Apesar disso, o regime de chuvas apresenta um comportamento muito peculiar para ambas as cidades, talvez por
estarem em hemisférios diferentes. De junho a novembro as chuvas são intensas na região de Boa Vista e mais
fracas nas regiões de Manaus e dezembro e maio, quando se inverte.
56

CMA para terminar a frente Norte mais rápido do que a frente Sul, era porque o poder central
via essa região como setor mais delicado da Amazônia Ocidental.
Instalado a equipe de topografia no trecho Manaus – Caracaraí, frente Sul, km 48,
próximo o rio Tarumanzinho. Conforme Martinelle (2004), a equipe de topografia e
terraplenagem daria continuidade na estrada inicialmente construída pelo DNER, e após
contato com índios Waimiri – Atroari interromperam as obras, que foram entregues para o
comando do 6º BEC. Os militares deram continuidade na obra, após restauração do trecho
construído pelo DNER, para se adequar com o projeto original. Devido os diversos atritos
com os índios tiveram que para as obras várias vezes.
Na década de 197069, no segundo governo Hélio Campos (1970 – 1974) o governo
federal lança vários programas na Amazônia, com objetivos de garantir investimentos para
levar os projetos adiante como afirma Santos:

Na década de 1970, recursos oriundos do PIN, dos PNDs e do POLOMAZONIA,


além dos específicos dos PDAs da SUDAM, seriam investimentos em Roraima e
mudariam sua história, administrativa com entusiasmo por dois governadores
militares do período: Hélio Campos e Fernando Ramos Pereira. (SANTOS, 2004, p.
127)

Esses recursos, além de garantir a continuidade das estradas, segundo Freitas (1993)
também daria inicio em outra grande obra estratégica quanto a Segurança Nacional, começava
se construída em frente Boa Vista, a ponte sobre o rio Branco70. Esta daria inicio a rodovia
BR-401, que ligaria Boa Vista – Normandia – Bonfim, na fronteira da República
Cooperativista da Guiana. Como as construções da ponte e da estrada tinham prioridades, os
militares criaram o 2.º GPT e CONST71 em parceria com as demais Unidades de Construção
da Amazônia e o 6.º BEC, e, em 1972 alcançaram a fronteira da Republica Cooperativista da
Guiana, como afirma Souza (1977):

[...] 04 de fevereiro de 1972, quando suas máquinas atingiram BONFIM, na


fronteira BRASIL - GUIANA, ligando deste modo BOA VISTA à cidade guianense
de LETHEM, para em seguida, com os prosseguimentos dos trabalhos rumo a
NORMANDIA, atingir em 29 de abril de 1972 as margens do mesmo rio em
Conceição do MAÙ. (SOUZA, 1977, p. 298)

69
Conforme Souza (1977, p. 298), “somente nos anos de 1970 a 1976 foram investidos aproximadamente Cr$
361.220.000, 00 (trezentos e sessenta milhões e duzentos mil cruzeiros), [...] demonstrando a prioridade do
governo em ligar Roraima ao restante do país”.
70
A Ponte dos Macuxis ainda em uso tem 1200 metros de aço e concreto armado, a maior no gênero construída
na America do Sul, foi inaugurada em 02 de agosto de 1975. (SOUZA, 1977)
71
Portaria Min. Res. N.º 35, de 04 de setembro de 1970. (SOUZA, 1977, p. 298)
57

Essa vitória significaria para os militares que a fronteira Brasil – Guiana, jamais seria
invadida por qualquer força estrangeira, pois, já se encontrava instalado na região o 1.º e 2.º
Pelotão Especial de Fronteira – PEF, de Bonfim e Normandia, garantindo a segurança dessa
fronteira internacional.
No trecho, Boa Vista – Venezuela, os trabalhos não pararam segundo Souza (1977),
o 6.º BEC, em 1972, alcançava o alto da Serra de Pacaraima, em fevereiro de 1973, a frente
Norte sentido Venezuela seria inaugurado pelo presidente do Brasil General Emílio
Garrastazu Médici e da Venezuela Rafael Caldeira no Marco BV – 8, linha considerado limite
entre os dois países.

No primeiro semestre de 1973, na segunda gestão do Governo do Coronel Hélio


Campos, Roraima viveu momentos de expectativas quando recebeu a visita do então
Presidente General Emilio Garrastazu Médici que, de Boa Vista, seguiu para vila de
Pacaraima a fim de, num palanque internacional, instalado no pé do marco BV -,
fronteira Brasil-Venezuela, inaugurar o trecho da BR 174 que liga Boa Vista àquele
País vizinho. (SOUZA, 1974, p. 40)

Pode-se afirma que a pressa em concluir o trecho Norte, das BR 174 e 401 pelas
FFAA, demonstrava que os militares não admitiriam novamente uma invasão a nossa
soberania, principalmente de governos de esquerda. Essa posição do governo federal fica
claro na citação de Meira Mattos (1980) na fala do geógrafo Otto Maull, sobre as finalidades
das nossas fronteiras: “distinguir o meu do teu; - proteger o território nacional; isolá-lo,
grande necessário, e facilitar-lhe o intercâmbio quando conveniente”. (MAULL, 1960 apud
MATTOS, 1975, p. 29).
Com a conclusão das estradas ao Norte do TFR, os trabalhos se voltaram para o Sul
com a mesma prioridade, pois os trabalhos ainda não estavam concluindo, o TFR ainda
continuava isolado. Agora, a prioridade era abrir caminho em direção o Estado do Amazonas.
A estrada Boa Vista – Caracaraí já se encontrava em ótimo estado, os militares
instalaram uma base logística na Vila de Vista Alegre, no município de Caracaraí para da
continuidade da estrada. Para Martinelli “A missão de lançar a linha topográfica para a
implantação da rodovia BR 174 no trecho ainda não explorado de Caracaraí - Manaus, sem
apoio de qualquer levantamento geodésico ou aerofotogramétrico, era no mínimo uma
aventura, embora um risco calculado”. (MARTINELLI, 2004, p. 57). O resultado foi que no
trecho localizado na rodovia BR – 174 aproximadamente no quilometro 60 ao sul da
Caracaraí, a estrada parou no meio de uma floresta alagada. Com isso, os engenheiros tiveram
que traçar um novo percurso, perdendo 40 km de rodovia construída, que ficou conhecida
como “estrada perdida”.
58

Figura 02 – Região da Estrada Perdida.

Fonte: Baseado em MMA: ICMBIO 2010.

Os engenheiros do 6.º BEC retomaram as obras a partir de uma nova rota, com o
objetivo de se encontrar com a frente Sul, que vinha de Manaus, mas o conflito com o povo
Waimiri – Atroari foi inevitável, pois o projeto da rodovia cortaria suas terras. Diante dessa
situação, as obras foram suspensas para mediação das partes, o órgão responsável do governo
foi a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Entretanto, para os militares as obras não
poderiam para, logo, a frete de trabalho foi redirecionada para a construção da BR 210 –
Perimetral Norte no sudeste do TFR.
Lançada no Plano de Viação Nacional de 1973, pelo presidente Médici, a rodovia BR
210 - Perimetral Norte inicia suas obras em Porto Grande (Amapá), em 29 de julho de 1973,
buscava entrecortar a Amazônia setentrional, ligando os estados do Amapá, Pará, Roraima e
Amazonas. (ver mapa 05) No TFR, segundo Barros (1995, p.84) a rodovia se junta com a BR
174, na vila de Novo Paraíso, ali forma uma única via, seguindo até Caracaraí no sentido
norte, daí seguiria no sentido leste na fronteira colombiana, já no estado do Amazonas, ali se
interligaria com a BR-307 que chagaria no Acre.
O sonho de construir uma estrada margeando toda fronteira da Amazônia Ocidental
não se realizou. As razões para Neto (2015) estão no equivoco na implantação da rodovia,
59

devido a geografia com diversos rios e áreas inundáveis, e principalmente o endividamento do


Estado provocado pela crise do petróleo em 1973. A construção dessa estrada pioneira foi um
fracasso, só um pequeno trecho no Território do Amapá e no Sul de Roraima foi construído,
cortando o Estado no centro (BARROS, 1995). Neto (2015) afirma que o interesse pela
construção da estrada não estava somente voltado para Segurança Nacional, as noticias de
minério72 no trajeto da Perimetral Norte levou o Ministro dos Transportes, Mario Andreazza,
fazer um acordo com a empresa Paranapanema, que ficaria responsável por um trecho da
construção da estrada e futuras concessões de exploração mineral. .
Em janeiro de 1974 se inicia governo do General Ernesto Geisel (1974-1979), o
general nomeou em abril de 1974 para o Território Federal de Roraima (TFR), o coronel
aviador Fernando Ramos Pereira (1974-1979), pessoa de confiança do Ministro do Interior,
Rangel Reis. No seu primeiro discurso de posse em Boa Vista, Ramos Pereira declara:

Não vim para mandar, ou comandar, vim apenas servir, participar e contribuir com
um esforço pessoal, para que o desejo, a esperança e o sonho dos filhos da terra em
desenvolver o território e transformá-lo em um Estado da federação ocorra num
futuro próximo. (Jornal Boa Vista, 29/05/1974, p. 01).

Com o slogan “ocupar, desenvolver e integrar” (Jornal Boa Vista, 27/071974, p. 01),
o governador Ramos Pereira assume a responsabilidade de concluir a estrada BR 174 no sul
do Estado, trecho Caracaraí – Manaus. Além das pontes de concreto armado e metálica sobre
os rios, Branco, Mucajaí e Urariquera73.
Conforme Souza (1977) no dia 06 de abril de 1977, no km 355,8 da BR 174 a frente
de trabalho Norte se encontrou com a frente Sul no ponto de passagem da linha do Equador
numa extensão de 971 Km. No dia 30 de abril de 1977, o Vice – Presidente da República,
General Adalberto Pereira dos Santos; o governador do Amazonas, Henoch da Silva Reis e do
Território Federal de Roraima, Fernando Ramos Pereira, além de uma grande comitiva74

72
Perimetral Norte completa o plano – Minérios como o manganês e as pedras preciosas passaram a ser
exploradas em maior escala com a construção da Perimetral Norte, na Amazônia, que atravessará terras férteis e
ricas em minérios, como do Território do Amapá e Roraima. [...] Além da exploração industrial de minérios e de
pedras preciosas, fontes do DNER revelaram ontem que a Perimetral Norte tem ainda por objetivo promover a
colonização da região amazônica, completando o plano referente à estrada Transamazônica. (Jornal Estado de
São Paulo, p. 38, 22 de set. 1973)
73
Segundo Hélio Campos, as pontes de concreto sobre os rios Branco e Urariquera foram construídas não em
função de sua estratégia econômica, mas, sim pela sua posição estratégica quanto a Segurança Nacional. Essa
afirmação se dá após o projeto original se modificado para atender exigências técnicas da Marinha de Guerra
Brasileira, que previa a construção de uma barragem do Bem Querer, para navegação de grande porte.
(FREITAS, 1993, p. 192)
74
Ministro Dirceu Nogueira, dos Transportes; General Ernani Ayrosa da Silva Comandante Militar da
Amazônia; Major Brigadeiro Protásio Lopes de Oliveira, Cmt. Do 1.º Comando Aéreo Regional; General
Ismarth de Araújo, da FUNAI; entre outrso. (SOUZA, 1977)
60

inauguraram a rodovia federal BR 174, transformando a estrada numa rodovia


Transcontinental. (ver figura 03)

Figura 03: Vice-Presidente Adalberto P. dos Santos inaugurando a BR 174.

Fonte: Jornal Informativo O Pium, 6.º BEC, Ano III, 35, Boa Vista – RR, de 30 de abril de 1977, p. 01.

Após a inauguração, o Ministro Dyrceu Nogueira fez um discurso vibrante: As


barreiras e obstáculos foram sobrepujados, à distância e o tempo foram vencidos. O objetivo
foi alcançado, Roraima estava integrado com o Brasil. (SOUZA, 1977). Mais adiante, o
Comandante Militar da Amazônia, General Ernani Ayrosa da Silva salienta “trabalho rude e
penoso, trabalho de dedicação à Pátria, trabalho em região selvagem e inóspita, trabalho
realizado no cumprimento do dever [...], trabalho que enaltece o sentimento de amor ao
Brasil” (SOUZA, 1977, p. 269). (Conforme mapa 06)
Ressalta-se também que nessas inaugurações os militares usavam o aparelho
ideológico do Estado para mostrar o moralismo, o nacionalismo e o crescimento econômico
da região para fortalecer o regime autoritário justificando suas ações em todos os campos da
61

política nacional. Essa ideologia nacionalista era passada através dos meios de comunicação
como: jornais, rádio e televisão, etc.

Mapa 07: Planta das estradas federal BR - 174 e 401.

Fonte: Arquivo pessoal do Engenheiro do Luiz Severo Avila.

Portanto, as ações dos militares do ponto de vista geopolítico para o Extremo Norte
da Amazônia estavam alcançadas. Como afirma Souza (1977) à conexão viária entre Brasília
(Brasil) através das rodovias federal BR – 060, BR – 364, BR – 319 e BR 174 com uma
extensão de 4. 462 Km até a fronteira com a Santa Helena Uairen (Venezuela), articulando ao
grande sistema rodoviário nacional e internacional. Em Boa Vista nasce e bifurca-se com a
BR 174 a estrada BR 401 rumo a fronteira de Lethem (República Cooperativista da Guiana).
62

Tabela 01: O itinerário das rodovias federais BR 174 e 401.


Manaus.......................................................................................................,,,,,,,,,,,,..............Km 0
Rio St.º Antônio do Abonari............................................................................................Km 209
Rio Alalaú........................................................................................................................Km 255
Rio Jundiá........................................................................................................................Km 329
Monumento – Linha do Equador.................................................................................Km 356,4
Rio Juaperi ......................................................................................................................Km 419
Rio Anauá........................................................................................................................Km 490
Rio Branco.......................................................................................................................Km 611
Caracaraí..........................................................................................................................Km 624
Entroncamento Norte BR-210.........................................................................................Km 633
Mucajaí............................................................................................................................Km 707
Boa Vista.........................................................................................................................Km 758
Rio Uraricoera.................................................................................................................Km 838
Brasil – Venezuela – BV-8..............................................................................................Km 971
Boa Vista – Bonfim.........................................................................................................Km 120
Boa Vista – Normandia....................................................................................................Km 185
Fonte: SOUZA, 1977.

Agora era só comemorar, registra Souza “problemas resolvidos. Guerra de revanche


contra o mundo extraordinariamente hidrográfico. Olhando e aceito pela maioria dos
brasileiros como impossível de ser domada e vencido”. (SOUZA, 1977, p. 275). Essa vitória
pode ser haurido na canção do 6.º BEC.
Toda essa estrutura para executar tais obras só foi possível, porque o TRF se
encontrava localizado numa região estratégica da Amazônia Ocidental, logo, receberam
maiores recursos e um grande impulso do governo militar. Enfim, para Santos (2004) estava
construída a maior obra estratégica do governo federal na Amazônia Ocidental, as rodovias
BR 174 e 401.

3.2.1 A RESISTÊNCIA WAIMIRI – ATROARI

A história de resistência indígena no Brasil inicia-se no período colonial e vem até os


dias atuais. Os esforços de “integração” do índio na sociedade brasileira se dão já no século
XVII com o Regimento das Missões, passando pelo Governo do Marquês de Pombal até a
criação da Fundação Nacional do Índio – FUNAI pelo Estado Brasileiro. Para Davis (1978, p.
89) “em todas as épocas, a “integração” do índio foi promovida por meios de guerras justas e
pacificação forçada, por dizimação, trabalho forçado, conversão religiosa. [...] O índio
continua a ser hoje e sempre, como objeto dos mesmos esforços integracionistas”.
De acordo com Carvalho (1982), as primeiras notícias que se tem sobre os Waimiri
Atroari, datam do século XIX, escrito no livro em 1885 do etnólogo brasileiro Barbosa
63

Rodrigues, intitulado: Juaperi, pacificação dos Crichanás. Estes eram conhecidos como
Chichanás, Juaperi, Alalaus e Waitemiris. No século XX, ficaram conhecidos como Waimiri
Atroari, “habitavam a região compreendida desde o rio Urubu [...], até a foz do rio Jauaperi,
subindo por este rio até a bacia de seu maior afluente, o rio Alalaú, onde hoje localiza a maior
concentração populacional desses índios”75 (CARVALHO, 1982, p. 63). O mesmo afirma
que nesse período:

O comércio e a exploração de castanha atingiram economicamente grande


importância. As terras ocupadas pelos Waimiri Atroari são ricas em produtos
vegetais, como castanha-do-brasil, a balata, o pau-rosa e outros produtos de grande
procura comercial (CARVALHO, 1982, p. 12).

A valorização desses produtos levou a migração e a formação de pequenos povoados


nas terras dos povos tradicionais, e posteriormente se fixando nas terras dos Waimiri Atroari,
se iniciando uma luta desigual entre índios e não índios. Para evitar um provável conflito,
em 1885, o Major Ribeiro de Vasconcelos, saiu numa expedição com objetivo de pacificar os
índios, mas o que houve foi um massacre, como afirma Carvalho (1985), a pacificação
conforme entendida, consistia em forçar à bala a rendição dos índios para que os comerciantes
pudessem explorar os produtos vegetais. Na aldeia Waimiri Atroari, os guardas travaram uma
batalha contra os povos originais. Estima-se que mais de 300 índios tenham morrido entre
adultos, crianças e velhos, estes últimos queimados dentro das malocas.
Aldeias inteiras foram dizimadas por expedições militares ou por matadores
profissionais, porque sua população era tida como empecilho à livre exploração das riquezas
naturais existentes nas terras que ocupavam.
A violência contra os Waimiri Atroari continuou, em 1887, o governo do Estado do
Amazonas fez seguir para Moura uma força do 3º. Regimento de Artilharia e outra do Corpo
Provisório, sob o comando do Brigadeiro João de Barros Falcão.

[...] subindo o rio Jauaperi, as lanchas encontrou os grupo que seguiu em vários
ubás. Os ubás foram alvejados com tiros de artilharia levando pique, os que
chegaram na margem foram também fuzilados [...], mais de 400 índios morreram
nessa expedição. Os militares com apoio dessas lanchas de guerra sistematicamente
foram matando os índios, estes, perseguiam até as regiões longínquas praticando um
verdadeiro extermínio dos Waimiri Atroari. (CARVALHO, 1982, p. 17)

Diante de tantos massacres e constantes ataques, não demorou para os índios


Waimiri Atroari revidarem, como registra Carvalho (1982):

75
Os Waimiri Atroari são classificados como do tronco linguístico Karib.
64

Os índios caíram sobre o pessoal, matando e trucidado. As canoas dos


expedicionários ficaram encharcados de sangue e a terra ficou toda em desordem, as
bagagens espalhadas, volumes de mercadorias esparsas, rifles e espingardas
encostadas a um pau, sem que nenhum dessas armas fossem utilizados. Todo o
pessoal foi vitimado pelos índios, que arrastaram alguns cadáveres para o centro da
mata. (CARVALHO, 1982, p. 39-40)

A resistência dos nativos contra os invasores continuava, mas nessa guerra desigual
foram cometidas atrocidades contra o povo Waimiri Atroari. Essas atrocidades levaram o
etnólogo Theodor Koch-Krunberg76 (1903-1905) a denunciar o Brasil no XVI Congresso de
Viena em 1908, o Brasil. Para evitar retaliação das Cortes Internacionais, o governo brasileiro
buscou criar mecanismos de legitimação para administrar as áreas ocupadas por indígenas.
Em 1910, o Governo Federal, através do Decreto nº 8.072, de 20 de junho cria Serviço de
Proteção do Índio (SPI)77 .
Em setembro de 1944, conforme Monte (1992), uma expedição organizada pelos
Norte Americanos com apoio do SPI chegou à região para fazer um trabalho na observação
astronômica78, atendendo aos acordos entre Brasil e os Estados Unidos, liderada pelo Tenente
Walter Willianson do 4th Photo Charting Squadron, do Exército Norte Americano. A
expedição partiu da vila de Moura, em 28 de setembro de 1944 com destino à região do rio
Jauaperi. Durante o mapeamento da região, os militares foram atacados pelos índios Waimiri
Atroari, o resultado foi onze mortos entre servidores do SPI e militares americanos.
No fim da II Guerra Mundial, a economia gumífera entrou novamente em crise,
levando o Governo Federal a reduzir os gastos na Amazônia, e posteriormente no SPI. Tal
medida levou o SPI a ausentar-se da região da reserva indígena, abrindo caminho para os
comerciantes, coletores e caçadores organizarem novamente uma matança contra os índios.
Como registra Monte (1992, p. 127) “em janeiro de 1949, invadiram e mataram com requintes
de perversidade e barbárie mais de 70 índios, dentro de seu próprio território”. Mesmo com
novas invasões e assassinatos dos Waimiri Atroari, o governo federal só se manifestou na
abertura da construção da rodovia Manaus – Boa Vista - Venezuela.
Como salientado no capítulo 3.2, em 1968, iniciam-se os trabalhos de construção da
BR – 174, ficando a cargo do Departamento Nacional de Estradas e Rodagem – DNER e do
Departamento Estadual de Rodagem do Estado do Amazonas DER-AM. Os trabalhos tiveram

76
No inicio do século XX, a expedição do etnólogo Theodor Koch-Krunberg (1903-1905), afirma que a
população dos Waimiri Atroari era estimada em 6.000 índios. (CARVAKHO, 1982)
77
“Por iniciativa da 1ª Inspetoria do Serviço de Proteção aos Índios, o governo do estado do Amazonas, através
da Lei nº. 941, de 16 de outubro de 1917, concedeu aos Waimiri Atroari as terras situadas a 50 km a jusante das
cachoeiras dos rios Jauaperi e Camanau” (CARVALHO, 1982, p. 37)
78
Segundo Monte (1992) os militares americanos tinham como objetivo mapear jazidas minerais.
65

que para no momento que teriam que cruzar a região habitada pelos índios Waimiri Atroari.
(Ver figura 04) Logo, os órgãos do governo buscaram apoio da Fundação Nacional do Índio -
FUNAI79. Carvalho (1982) salienta que o funcionário da FUNAI, lotado na Delegacia
Regional do Amazonas, o sertanista Gilberto Pinto Figueiredo vinha mantendo contado com
os Waimiri Atroari no Posto de Atração do rio Camanau, o sertanista era contrario a
construção da rodovia BR 174 dentro as terras dos indígenas. Essa posição levou o Presidente
da FUNAI Queiros Campos substituir pelo Pe. Italiano Giovanni Calleri80.
Figura 04: Localização da Terra Indígena Waimiri-Atroari.

Fonte: FILHO, 2010, p. 18.


Na expedição do Pe. Calerri foram disponibilizados recursos materiais e humanos
cedidos pelo DER-AM e a FUNAI. O missionário após formar uma equipe experiente, partiu
rumo à Terra Indígena Waimiri Atroari, com o objetivo de pacificar os índios, abrindo
caminho para a construção da estrada Boa Vista – Manaus – Venezuela. O padre buscaria
todos os meios para evitar o desaparecimento desses povos tradicionais, e/ou tentaria
convencê-los a se afastarem do trajeto da estrada. De acordo com Sabatine (1998):

79
Lei 5.371, de 5 de dezembro de 1967.
80
Segundo Carvalho (1982), Calleri era membro atuante da Prelazia da Consolata em Roraima, mas não tinha
pouca experiência na pacificação de índios.
66

No dia 22 de outubro de 1968 eles deixaram o acampamento do DER-AM, subindo


em direção as nascentes do rio Santo Antônio da Abonari, um afluente do rio
Uatumã , viajando em dois barcos e levando alimentos para um mês, cinco
revólveres, uma pistola, duas espingardas, um rádio transmissor – receptor e meia
tonelada de alimentos, ferramentas e tecidos para distribuir aos índios. (SABATINI,
1998, p. 17)

Sabatine (1998) salienta que às 18:00 horas, depois de instalar os equipamentos de


radiofonia transmitiu na integra, a Mensagem Oficial nº 01, do Pe. Calleri, ao DER-AM
informando que já se encontrava nas proximidades da primeira maloca dos índios Waimiri
Atroari. Todos os dias o DER-AM, era informado sobre o andamento da expedição. No dia
25/10/1968, na mensagem transmitida era informado que o missionário ordenou que fossem
efetuados tiros de espingarda para cima com objetivo de avisar que a expedição estava ali.
Como os índios não apareceram, a expedição continuou disparando tiros. (SABATINI, 1998)
Para Carvalho “essa era uma lógica absurda, nada mais fez, certamente, do que criar
apreensão entre os índios” (CARVALHO, 1982, p. 83). Durante décadas os indígenas
resistiram com muita ferocidade contra os invasores de suas terras, tinham conhecimento da
violência contra seu povo pelas armas de fogo, e poderiam revidar.
No dia 26/10/1968 o DER-AM, recebe uma notícia positiva do Padre, este, relata que
fez contato com o chefe Maroaga e tudo corria bem entre os expedicionários. Mas, os dias
seguintes um clima de tensão começou pairar sobre o acampamento. Como afirma Sabatini
(1998) na última transmissão feita com o DER-AM, nessa mensagem o Pe. Calleri apreensivo
relata “[...] hoje de madrugada, um dos melhores homens abandonou a expedição. Tudo
indica que se faltarem orações as flechas vão voar” (SABATINI, 1998, p. 96).
Alguns dias depois o único sobrevivente da expedição foi encontrado, o mateiro
Paulo Mineiro, conforme Carvalho (1982) Mineiro relata:

[...] desde o primeiro contato com os Waimiri Atroari vinha alertando o Padre
Calleri para a forma como tratava os índios. Dizia Paulo Mineiro que o Padre, ao
invés de tratar com respeito e dignidade os índios, ao contrário, procurava sempre,
aos gritos humilhá-lo, inclusive ameaçando-os com uma espingarda, quando eles
queriam forçosamente apossar-se de alguns objetos que a expedição levava.
(CARVALHO, 1982, p. 97)

Segundo Carvalho (1982), Paulo Mineiro que havia adquirido experiência em outras
expedições da FUNAI, percebendo a retaliação dos índios advertiu o missionário para mudar
seus métodos de pacificação, mas o Pe. Calleri não deu ouvidos. No dia seguinte, o
acampamento foi atacado pelos Waimiri Atroaris, o mateiro se desligou da expedição
retornando por seus próprios meios para Manaus. Na capital amazonense, além da localização
do acampamento, Mineiro relatou que todos os expedicionários tinham sido
67

assassinados81pelos Waimiri Atroari, além da localização do acampamento. Rapidamente o


DER-AM, solicitou que a Força Área Brasileira – FAB realizar-se buscas pelos corpos dos
expedicionários, através da PARASAR, que, depois de muitas semanas de procura, conseguiu
encontrar os restos mortais dos expedicionários, confirmando os relatos do mateiro Paulo
Mineiro. Entretanto, após o insucesso da expedição Calerri, por pressão da FUNAI, “foi
criado a reserva denominada Waimiri Atroari, através do Decreto nº. 69.907, de junho de
1971”82. (CARVALHO, 1982, p. 215).
Segundo Sabatini (1998, p. 101), “após o massacre da expedição de Pe. Calleri, as
obras da BR 174 ficaram praticamente paralisadas durante três anos e meio [...]. Em junho de
1972, o 6º Batalhão de Engenharia de Construção retomou as obras em ritmo acelerado”. O
mesmo salienta que “[...] os militares concluíram a ponte sobre o rio Aborari e Alalaú. Na
construção dessa ponte “em resposta, a 18 de janeiro de 1973 os índios atacaram um posto de
atração da FUNAI, matando quatro funcionários” (SABATINE, 1998, p. 101). Tal medida
deixava claro que os silvícolas não iriam tolerar invasão de suas terras.
Conforme se lê em Sabatini (1998), no dia 7 de janeiro de 1973, José Porfírio
Fontenelle de Carvalho, recebeu a visita do Major Balbino Manuel de Moraes Filho, do
comando 6º BEC e do 2º GEC, subordinado ao CMA, encarregado da abertura da estrada BR
174.
[...] As relações entre o 6º BEC e Gilberto Pinto Figueiredo Costa não eram boas, e
o major ia apenas avisar que o 6º BEC se preparava para cruzar o igarapé Santo
Antônio do Abonari, entrando em área Indígena Waimiri-Atroari, e pedi apoio e
instruções da Funai de como se comportar com os índios quando esses se
aproximasse de seus acampamentos. Talvez o major não tivesse consciência, mas
ele estava fazendo uma comunicação formal de guerra a outra nação. E os sertanistas
sabiam que os Waimiri-Atroari iriam resistir. (SABATINI, 1998, p.101).

O sertanista Gilberto Pinto83 (1982) sempre buscou orientar os militares para


mudarem a rota da estrada, mas a ordem do CMA era clara “este traçado não pode mudar!
Exigia o Comando Militar da Amazônia em consonância com a sociedade de Manaus”
(SABATINE, 1998, p. 102). Mas adiante, o CMA registra: “os índios eram considerados um
“quisto”, “inimigos”, que ameaçavam a Segurança Nacional nas fronteiras”. (IDEM, 1998, p.
102). Como foi afirmado no capitulo 3.2, a construção da BR 174 era prioridade do ponto de
vista da Segurança Nacional e Desenvolvimento para o extremo Norte. Dessa forma, as obras

81
A notícia dos assassinatos da expedição Calleri pelos índios Waimiri Atroari foi noticia nos principais jornais
nacionais e internacionais, aumentando a tensão das Forças Armadas na região.
82
Segundo Carvalho (1982) tendo em vista que o Decreto continha erros, os indigenistas da FUNAI protestaram,
levando o governo cria o Decreto nº. 74. 463 de agosto de 1974, e posteriormente o Decreto nº. 75.310/75
fixando o Terra Indígena Waimiri Atroari ao Sul do Território de Roraima e ao Norte do Estado do Amazonas.
83
Gilberto Pinto Figueiredo Costa, funcionário da FUNAI e Coordenador da Frente de Atração Waimiri Atroari.
68

foram retomadas em nível acelerado, contrariando as orientações do sertanista da FUNAI


“Agora, a guerra era inevitável”. (SABATINE, 1998, p. 101).
Em resposta a invasão de suas terras, o ataque que o sertanista esperava aconteceu,
“no dia 18 de novembro de 1974, no que ficou conhecido com “ataque dos maranhenses”.
Quatro operários da turma de desmatamento, [...] se adiantaram e foram emboscados por um
grupo de guerreiros”. (SABATINE, 1998, p. 106). Em 29 de dezembro de 1974, um novo
ataque, agora o Posto de Atração de Santo Antônio de Abonari II, levando a óbito o
indigenista Gilberto Pinto F. da Costa e seus companheiros de trabalho. Para o sertanista
Orlando Villa Boas “os Waimiri Atroari são como os outros índios. Eles repelem qualquer
invasão de suas terras e protegem suas famílias. Matam porque é a única maneira de parar o
homem branco” (DAVIS, 1978, 126).
Esses ataques foram o estopim para os militares declararem “guerra” contra os
Waimiri Atroari. Como veremos na fala do General Gentil Nogueira da Paz, “a estrada tem
que ficar pronta, mesmo que para isso tenhamos que abrir fogo contra esses índios assassinos”
(SABATINE, 1998, p. 106). No Território Federal de Roraima (TFR), o governador, Ramos
Pereira declarou ao jornal do Brasil “Sou de opinião que uma área rica como essa não pode se
da (sic) o luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas atravancando o seu
desenvolvimento” (MATTA, 1992 apud SANTOS, 2013, p. 124). Para reverter os ataques
pelas forças do Exército, o Conselho Indígena Missionário (CIMI) buscou denunciar em
jornais nacionais e internacionais as futuras ações militaras contra o povo Waimiri Atroaria,
contudo tais denúncias não foram ouvidas. Enfim, as forças militares já tinham decidido o
futuro dos indígenas. A resistência dos índios Waimiri Atroari chagava ao fim. Nessa luta
desigual, os indígenas não tinham como resistir ao massacre que caminhava pelas forças do
Estado.
Em janeiro de 1975, Conforme Davis (1978, p. 127) o agente indigenista, Sebastião
Amâncio, foi nomeado com substituto de Gilberto F. Pinto. Dando uma entrevista ao jornal O
Globo, onde dizia que a tradicional estratégia de pacificação da FUNAI havia fracassado. Para
Amâncio84 “agora era a hora de usar meios mais diretos, tais como dinamite, granadas, gás
lacrimogêneo e rajadas de metralhadoras para dar aos índios “uma demonstração de força de
nossa civilização” (DAVIS, 1978, p. 127). O discurso de Sebastião Amâncio estava em
consonância com a do general Paz e se confirmou “o 1º BIS – Batalhão de Infantaria de
Selva, uma tropa especializada em guerra na selva, entrava na área [...] as histórias que

84
O bizarro plano de Amâncio chocou a imprensa brasileira e internacional, levando o presidente da FUNAI, o
General Ismarth de Araújo Oliveira, substituir por Apoena Mairelles.
69

corriam entre os trabalhadores falavam de chacinas de comunidades indígenas inteiras”. O


objetivo de Amâncio era demonstrar a força da “civilização” para afugentar os índios e abrir
caminho para a construção da estrada.
Mas, segundo o 1º Relatório do Comitê da Verdade do Amazonas (2012, p. 9), o
Exército levou ao pé da letra, “o relatório sustenta que os militares usaram contra os índios
um aparato bélico que incluía aviões, helicópteros, bombas, metralhadoras, fios elétricos,
entre outros equipamentos”. As máquinas de terraplenagem abriam caminho rumo o
município de Caracaraí. Em abril de 1977, o objetivo principal dos militares foi alcançado,
com a conclusão da construção da rodovia BR 174. Na inauguração da estrada foi construído
pelo 6.º BEC um monumento no ponto de passagem da linha do Equador. (Ver figura 05)

Monumento aos mortos na área indígena Waimiri - Atroari.

Fonte: 6º BEC
Na placa a seguinte inscrição “em homenagem aqueles que deram suas vidas pela
realização desta obra. Não morreram em vão. Abril 1977”. (SOUZA, 1977, p. 270). Em
referência aos quatros militares e 28 civis que morreram na obra, Como afirma Souza (1977,
p. 270) “foram sacrificados, mas foram sacrificados pelo progresso”. Para os indígenas só o
esquecimento, como registra o sertanista Apoena Meireles (1975) “os Waimiri Atroari
tombaram no silêncio da mata. Foram sutilmente enterrados e esquecidos no espaço e no
tempo.” (MEIRELES, 1775 apud Relatório do Comitê da Verdade, 2012, p. 72).
70

3.2.2 OS RESULTADOS DA CONSTRUÇÃO DAS RODOVIAS FEDERAIS BR 174 E


401.

As velhas preocupações das Forças Armadas Brasileiras (FFAA) com o extremo


Norte da Amazônia, ainda não estavam resolvidas após o termino das BRs 174 e 401, mesmo
com a militarização da fronteira setentrional do país. Agora, o segundo passo era a execução
de programas de colonização ao longo dos novos eixos viários para desenvolver as atividades
econômicas da região. Fica claro que além de construir estradas, era preciso desenvolver na
região políticas territoriais de ocupação e povoamento, para atender os interesses estratégicos
de segurança nacional e desenvolvimento.
No governo do presidente Vargas, em 1934, quando o município de Boa Vista foi
transformado em Território Federal do rio Branco (ver capítulo 2.1, p. 24), houve um boom
demográfico por causa da chegada de um grande número de funcionários federais, e a criação
de uma maquina administrativa federal85 (SANTOS, 2013). Esse boom levou o governo
federal a incentivar a produção agrícola no Território Federal do rio Branco. Segundo Barros
(1995), em 1944 foram criadas as colônias agrícolas de Fernando Costa86 (hoje Mucajaí); e
Brás de Aguiar (hoje Cantá), essas colônias tinham como objetivos abastecer o município de
Boa Vista. Mas, para Bahiana, Vargas tinha uma política que visava “ocupar a região para
protegê-la de invasões estrangeiras e trazer benefícios para camponeses e colonos, em lugar
de alguns latifundiários” (BAHIANA, 1991, p. 16). Isso demonstra que os projetos voltados
para a Amazônia no governo Vargas estava ligado à segurança nacional e desenvolvimento.
Nas décadas seguintes o Território Federal do rio Branco estagnou, os investimentos
caíram, afetando drasticamente as colônias agrícolas. Como aponta Barros “todos esses
primeiros esforços foram arrastado pelos anos 50 e 60, sem ímpeto, até que o evento
rodoviário dos anos 1970 desse à colonização natureza de “rush” no sudeste do Estado”.
(BARROS, 1995, p. 89). E, esse era o momento de se constituir a Amazônia como nova
fronteira de ocupação e povoamento. A construção das rodovias na Amazônia pelo PIN
abriria definitivamente as portas:
Na fronteira de ocupação de estudo, portanto, em que as estradas vão à frente do
povoamento, movidas por finalidades geopolíticas de um poder central

85
Baseada no diagnóstico de Araújo Cavalcanti e sua equipe, implantada pelo decreto citado e inalterado por
duas décadas, a máquina administrativa territorial constava de: Governador; Secretaria Geral; Divisão de Saúde e
Saneamento; Divisão de Assistência à Maternidade e à Infância; Divisão de Educação; Divisão de Produção,
Terras e Colonização; Divisão de Obras; Divisão de Segurança e Guarda; Serviço de Administração Geral e
Serviço de Geografia e Estatística. (SANTOS, 2004, p. 94)
86
O governo Federal aproveitou-se da construção da estrada Boa Vista – Caracaraí, para criar a colônia de
Mucajaí.
71

extremamente centralizado, talvez se pudesse falar de um ”metropolismo” no caso


estratégico de um estado, combinado interesses políticos da administração central do
Território do país, interesses de negócios, madeira, gado, ouro, especulação em
novas terras, sediados localmente ou no core, e políticas sociais de desafogamento
de pressão fundiária nas áreas de antigo povoamento (válvula de escape), como o
nordeste do Brasil, ou Paraná e Rio Grande do Sul (BARROS, 1995, p. 35).

Como foi citado no capítulo 2.1, o PIN reservaria para colonização e reforma
agrária, um faixa de até 10 km e, posteriormente, com PVN 100 km à esquerda e direita para
ocupação da terra. Para implantação de sua política agrária, o governo federal criou em 1970,
o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)87. Para Santos (2013, p.
152) “a criação do INCRA no governo Médici não representou apenas uma mudança na sigla,
mas a passagem da colonização à frente da redistribuição, através da ênfase da modernização,
buscando a revolução tecnológica na agricultura”. Para facilitar a distribuição de terras e o
fomento, “o governo federal lançou o PROTERRA, com objetivo de alavancar uma reforma
agrária” (SANTOS, 2013, p. 152). A modernização na agricultura implantada pelo poder
central se dá com a criação de núcleos urbanos88; que podem ser classificados em três tipos:

[...] empresariais; oficiais (agrovilas, agropolis e rurópolis); e, espontâneos. Os


primeiros são os núcleos criados para servir de apoio a empresas; [...]; os segundos
correspondem a aglomerados criados a partir de projetos de colonização oficiais. Os
espontâneos, mais numerosos surgiram em toda parte onde se verifica o front. Em
geral, após criados, passam a receber regularização por parte da administração
pública. (BARROS, 1995, p. 41).

Mas, conforme Santos (2013, p. 152) “fatos novos como as secas no Nordeste – a de
1967 e a de 1979 – motivaram o governo a planejar o deslocamento do excesso populacional
nordestino para a Amazônia”. O TFR localizado numa região estratégica receberia
abundância de recursos para dar inicio à colonização desse front, principalmente, após a
construção das BRs 174, 401 e 210 (Perimetral Norte).
No inicio da década de 1970, no governo de Hélio Campos (1969-1974), Freitas
registra que “em razão de políticas públicas implantadas, Roraima e Boa Vista: a capital se
transformou num canteiro de obras, com centenas de novas casas e bairros novos. [...]
Migrantes chegavam a toda hora, em busca de novas oportunidades” (FREITAS, 1993, p. 64).
A migração representa para Santos (2010) “[...] a determinação da luta não somente contra a
imposição do capitalismo no campo, através de sua expropriação, mesmo não estando

87
Decreto nº 1.110, de 9 de julho de 1970.
88
Podemos citar dois grandes núcleos empresariais que se estalaram próximo as rodovias citadas, na BR 174, o
grupo Paranapanema, da área de mineração; no Perimetral Norte, a empresa Jari Florestal e Agropecuária, do
norte-americano Daniel Keith Ludwig.
72

consciente disso, o que está em jogo e a conjuntura estrutural de expulsão da terra” (IANNI,
1997 apud SANTOS, 2010, p. 66).
No campo, os migrantes que chegavam em Boa Vista, segundo Barros (1995) eram
deslocados para o front no sudeste do Estado89. Isso só se deu porque o nordeste já estava
povoado por um grande número de índios e fazendas90 de famílias tradicionais91 (Conforme
mapa 08). Mas, para Santos (2013) o governador Hélio Campos era bem relacionado com as
lideranças locais, para não entrar em choque, principalmente com a chegada do INCRA92. O
governador reservou um pequeno número de lotes localizados próximos às fronteiras da
Venezuela e Guiana, deixando o problema da migração espontânea, para seu sucessor
Fernando Ramos Pereira.
Mapa 08: Localização da produção pecuária em 1970

Fonte: II PND para o Território Federal de Roraima, 1975, p.49.


89
O governo do território instalou no sul de Roraima, na localidade denominada Jundiá, um posto de triagem
para atender os migrantes que chegava no Estado, com a função de direcionar para os núcleos criados como:
Equador, Nova Colina, Rorainópolis, Martins Pereira, Novo Paraíso, e Petrolina do Norte, etc. No estado do
Amazonas foram criados o município de Presidente Figueiredo, Novo Airão, Moura, além de vilas e povoados.
(BARROS, 1995)
90
No Programa de Ação do Território de Roraima (1975, p. 46) registra que a pecuária constituía-se na atividade
econômica de maior relevância, possuindo aproximadamente 330.000 cabeças de gado, a bovinocultura
desenvolvia-se em 800 propriedades que se espalhava pelas regiões do Contigo, Surumu, Amajaí e Parima.
91
Barros (1995) salienta que a construção das estradas 174 e 401 facilitaram o acesso, e com isso o aumento no
numero de fazendeiros e aglomerados populacionais.
92
Em 1973, iniciou-se uma polemica entre as autoridades federais e a sociedade local em torno da titulação
definitiva das terras pelo INCRA. Para os colonos e fazendeiros havia medo que o INCRA lhes tomasse as
terras, quando a finalidade do INCRA é efetivar a discriminação da terra, legitimando a propriedade dos
posseiros e ocupantes, separando a do governo federal. (Jornal Boa Vista, 20/10/1975, p. 6)
73

O governador Fernando Ramos Pereira (1974-1979) buscou organizar a colonização


de forma racional. Afirmava: “Roraima terá uma política de ocupação de terras” (Jornal de
Boa Vista, 02/02/1975, p. 01). Para ele “uma das maiores preocupações de seu governo, tem
sido evitar a todo custo a ocupação espontânea, a nível família ao longo dos eixos das
rodovias principais, motivada pelo fluxo carreador de contingentes em busca de melhores
oportunidades” (Jornal Boa Vista, 1975, p. 01). Porém, para Santos (2013, p. 174) “a
migração espontânea para um espaço que na época o governo territorial tentou evitar, mas não
conseguiu, apesar da autoridade de que estava investido”. Quanto aos migrantes que
avançaram para o sudeste de Roraima na década de 1970, Barros (1995) registra que:

Muitos queriam apenas a madeira para vender às serrarias; estas por sua vez,
também queriam evitar intermediários e avançavam elas próprias para a floresta;
outros queriam terra, roçado, pastos. Outros somente formar pastos. Acredita-se em
geral que logo aquelas estradas estariam asfaltadas, crenças sem dúvida nutridas
pelo ambiente de “milagre” no qual se embriagava a sociedade brasileira no começo
e meados dos anos de 1970 (BARROS, 1995, p. 33).

A primeira fase de colonização no sul do Estado foi realizada de forma espontânea,


aonde os migrantes iam chegando, tirando os lotes e formando pequenos povoados. Para
Barros (1995) isso demonstra a força do movimento e sua motivação; mesmo sem os
subsídios e vantagens fiscais, a busca pela terra e o que ela prometeria era suficiente para sua
ocupação.
Em 1974 o Presidente da República o General Ernesto Geisel, lança o II Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND)93. O programa do governo federal, segundo Becker,
Egler (1994, p. 144) “seguiam a lógica do projeto geopolítico, objetivando ordenar o território
nacional, através da ocupação rápida e combinada, incorporando o centro-oeste e a Amazônia
e modernizar a economia nacional”. A mesma autora salienta que através dessas políticas o
Estado poderia estender o controle sobre todos os lugares, principalmente na região
amazônica. No II PND continha um capítulo para a região elaborado pela SUDAM 94; o
POLAMAZONIA95.

93
Em 6 de dezembro de 1974 foi publicado no diário oficial da República, a Lei nº 6. 151 de 4 de dezembro de
1974,sancionou após aprovação no Congresso Nacional (BRASIL, 1974, p. 28)
94
Lei nº 5.173, de 27 de outubro de 1966.
95
O POLAMAZÔNIA prevê a implantação na região de 7 pólos agropecuários sendo: 1 nos Estados Amazonas,
Acre, Maranhão e Pará, 2 no norte do Mato Grosso e 1 que engloba os limites norte do antigo Estado de Goiás e
Maranhão. Também descreve o desenvolvimento de 6 pólos agrominerais 1 nos Estados e Territórios de Mato
Grosso, Rondônia, Roraima, Pará e Amapá, o Pólo de Carajás-Itaqui engloba a região limítrofe dos Estados do
74

Para a Amazônia Setentrional, foi lançado o Programa de Ação do Governo para o


Território Federal de Roraima: (Conforme mapa 09)

[...] visando o desenvolvimento do Território Federal de Roraima, a vigorarem no


período 1975-79. A sua concepção emerge da orientação governamental expressa no
II PND, contemplando definições básicas ao desenvolvimento do Território, como a
regularização fundiária, necessária para facultar mais fácil acesso à terra; o
aproveitamento dos recursos naturais, considerando-se a sua preservação e
conservação; a ampliação da infra-estrutura econômica e a dinamização das
atividades produtivas, notadamente as ligadas à agricultura, à pecuária e á mineração
(II PND para o Território Federal de Roraima, 1975, p. 8).

O plano de ação seria conduzido pelo governador Ramos Pereira. No campo de


Agropecuária, Abastecimento e Colonização tinham como medida “[...] dar ocupação ao
pequeno, ao médio e ao grande empresário rural, transpondo desse modo o grande obstáculo
ao desenvolvimento do setor produtivo rural que é a legalização de terras” (II PND para o
Território Federal de Roraima, 1975, p. 83).

Mapa 09: Áreas de colonização no TFR na década de 1970 e 1980

Fonte: BARROS, 1995, p.92

Pará e antigo Goiás. Toda essa infra-estrutura estaria ligada a três grandes pólos urbanos São Luís, Belém e
Manaus. (BRASIL, 1974, p. )
75

Dos recursos destinados para o programa, a maior parte era para fomentar os
empresários. Para estes o governo dava garantia de incentivos fiscais, subsídios e
financiamento agropecuário e da agricultura, buscando a inserção de novas tecnologias (II
PND para o Território Federal de Roraima, 1975). Já as colônias agrícolas, segundo o
Programa de Ação do Governo tinham que reestruturar as existentes e priorizar os
povoamentos espontâneos, transformando em colônias produtivas, mas, os recursos liberados
eram ínfimos frentes os projetos agropecuários. Assim, podemos citar que “[...] os problemas
que contribuíram para que as primeiras colônias oficiais não alcançassem êxito pode-se
apontar a falta de incentivos à produção como: implementos agrícolas, acompanhamento
técnico, financiamento, educação e assistência médica e uma política de colonização do
Estado” (SANTOS, 2004, p. 39). Enfim, soma-se a isso, a falta de condições para o
escoamento da produção e a precariedade durante o inverno como fatores de fracasso da
ocupação. Para piorar a situação, Barros afirma que “o “milagre” se encerra, e o gasto
público na fronteira declina drasticamente, se abandonado as estradas e obras, e projetos, e o
front equatorial é deixado à própria sorte, cercado de restrições ambientais e indigenistas. O
front de “subsídios” entra em exaustão (BARROS, 1995, p. 36).
Só, nas décadas seguintes, que os investimentos no setor agropecuário na região sul,
aumentaram substancialmente, bem como a área de pastagem. Essas medidas deslocaram a
frente agropecuária para o sul do Estado96, aumentando o número de migrantes e
investimentos nesse setor. E, o resultado foi que nas décadas seguintes essas colônias se
transformaram em municípios. (Ver tabela 01)

Tabela 02: Evolução Demográfica do Estado de Roraima


Municípios 1950 1960 1970 1980 1991 2000

Boa Vista 17.247 26.168 37.062 69.627 142.902 200.383


Caracaraí 869 3.321 4.576 12.391 8.910 14.286
Alto Alegre - - - - 11.196 17.907
Bonfim - - - - 9.454 9.326
São João da Baliza - - - - 10.089 5.091
São Luiz do Anauá - - - - 9.099 5.311
Mucajaí - - - - 13.135 11.347

96
No governo do Brigadeiro Otomar de Souza Pintos (1979-1983). Este, buscou promover o desenvolvimento
social e econômico desta região, incentivando a ocupação da terra através do pequeno produtor rural. O setor
agropecuário constitui o objetivo central da política econômica estabelecida, para o qual convergirá parcela
expressa dos recursos orçamentários e em função do qual alocados os recursos em infra-estrutura física e social.
(SANTOS, 2013, p. 189)
76

Normandia - - - - 11.165 6.138


Caroebe - - - - - 5.692
Iracema - - - - - 4.781
Amajarí - - - - - 5.294
Pacaraima - - - - - 6.990
Uiramutã - - - - - 5.802
Rorainopólis - - - - - 17.393
Cantá - - - - - 8.571
Total 18.116 29.489 41.638 82.018 215.950 324.152
Fonte: www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse, acessado em 21/02/2016

O fim do milagre econômico abriu caminho para front garimpeiro com noticias de
ouro na área Yanomami97, como afirma Barros “em medos da década de 1980 começou a
massiva invasão dos garimpeiros que veio a culminar com o “boom”. [...] Estima-se que cerca
de 40.000 garimpeiros estavam nas partes mais remotas da área Yanomami” (BARROS,
1995, p. 75). Para Barros (1995) a construção da BR 210 – Perimetral Norte no trecho
Caracaraí – Catrimani, sentido da fronteira com a Venezuela facilitou a entrada dos
garimpeiros. O aumento das atividades garimpeiras nessa região levou os Yanomamis
aproximarem suas aldeias para as margens das rodovias. O mesmo autor salienta que “os
índios tendiam viver perto dos acampamentos de garimpo. Em troca pelos trabalhos de força,
recebiam calções, camisas, relógios, rádios e toca fitas, bebidas, cigarros”. (1995, p. 79).
O resultado do avanço garimpeiro sobre a área Yanomami, segundo Barros (1995)
foi a contaminação dos cursos d’água por mercúrio e as doenças realizavam uma destruição
fulminante contra os nativos, devido os rios receberem dejetos de óleo diesel, gasolina,
esgotos humanos. Esse contato com água contaminada e doenças para Barros levou “muitos
Yanomamis desaparecerem, internando-se na floresta, outros procuravam desesperadamente a
medicina da sociedade para adiar a morte. [...] As enfermidades que mais atingiam eram:
malária, tuberculose, hepatite, desnutrição e doenças sexualmente transmissíveis etc”
(BARROS, 1995, p. 80. O aumento no numero de mortes por doenças e assassinatos de
indígenas, levou missionários e ativistas dos Direitos Humanos denunciarem nas Cortes
Internacionais.

97
A área Yanomami corresponde às partes montanhosas do noroeste de Roraima, fronteira com a Venezuela, e
as terras da floresta que se situam na metade leste da superfície estadual. Representa 54. 7000 quilômetros
quadrados em Roraima, sendo a maior reserva indígena do Estado, a partir dele se estende pelo Estado do
Amazonas. No território venezuelano fronteiriço, é lhes reservado área também. (BARROS, 1995, p. 76)
77

Portanto, a construção das rodovias federais BR 174 e 401 permitiram acesso para
outras regiões do país, e abriu caminho para o Mar do Caribe. Logo, uma das primeiras
medidas tomadas pelo governo federal foi à militarização de nossas fronteiras, garantindo a
segurança de nossa soberania. Seguiram-se medidas para desenvolvimento da região com a
implantação do II PND e o POLORORAIMA, mas o fim do milagre econômico levou o
governo corta gastos para a região, abrindo caminho para o front garimpeiro. Enfim, com a
Carta Magna de 1988, o Território Federal de Roraima, se transformou em Estado Federativo,
se iniciando um novo momento para a região.
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Considerações Finais

No período delimitado pelo estudo, a Amazônia ganhou atenção especial na agenda


dos militares brasileiros, que viam a região como peça fundamental no seu projeto de
desenvolver e integrar as regiões brasileiras. Sua base de ação se sustentava no projeto
construído pela Escola Superior de Guerra, do binômio Segurança e Desenvolvimento. Esse
marco histórico possui um liame muito particular para entender as investidas dos militaras na
região amazônica e o clima de tensão global proporcionado pela Guerra Fria.
Nesse sentido, buscou-se compreender a importância do papel da Geopolítica no
pensamento militar brasileiro e sua política de integração, ocupação e desenvolvimento da
Amazônia. Esta, desde os tempos de governo do Marquês de Pombal no século XVIII, que se
constituiu em alvo de atenções do ponto de vista estratégico e geopolítico. No século XIX e
inicio do XX, pode-se afirmar que a região amazônica se insere num contexto econômico e
social proporcionado pelo “boom da borracha”. Nesse período, iniciaram-se as primeiras
tentativas de construir estradas no extremo Norte, todavia, é importante frisar que tal medida
não estava voltada para garantir a segurança da região, e sim de caráter econômico e social.
A pesquisa demonstrou que foi só na primeira metade do século XX, no governo
autoritário de Getúlio Vargas (1930-1945), que se inicia a implantação de ideias dos teóricos
brasileiros como política de Estado na Amazônia, com objetivo de proteger as nossas
fronteiras, sob pena de perder a Soberania Nacional. No extremo Norte, criou-se o Território
Federal do rio Branco, colônias agrícolas e um 1º Pelotão de Fronteira. Dando continuidade
ao projeto iniciado por Vargas, o presidente Juscelino Kubistchek (1956-1961), tomou duas
medidas estratégicas: a construção de Brasília no Planalto Central e das rodovias Brasília-
Belém, rumo ao Norte e Brasília-Acre, a Oeste, se iniciava a política de penetração na
Amazônia. O modelo da conquista do território amazônico foi baseado no rodoviarismo.
Outro ponto relevante nas decisões do governo militar de 1964 foram as ideias de
dois teóricos da Escola Superior de Guerra, os generais Golbery de Couto e Silva e Carlos de
Meira Mattos, o primeiro formulou a doutrina de Segurança Nacional, e posteriormente um
projeto de integração nacional que buscava articular o território nacional, partindo do Sudeste
rumo às outras regiões do país. Já Mattos, deu prioridade para a Amazônia, o general
salientou que a conquista da região se dará através de um amplo programa de construção de
estradas e pólos de desenvolvimento próximos as nossas fronteiras. Resume-se que a
Geopolítica foi o guia dos teóricos brasileiros na formulação na política de defesa nacional do
79

Estado brasileiro, suas ideias foram sistematizadas pela Escola Superior de Guerra, que
formulou um projeto estratégico para a Segurança Nacional e Desenvolvimento do Brasil.
Portanto, quando os militares tomaram o poder em 1964, deram continuidade ao
projeto geopolítico de Segurança e Desenvolvimento de Getúlio Vargas e Juscelino
Kubistchek, só que, agora, aperfeiçoado por militares e geógrafos da Escola Superior de
Guerra. Para a Amazônia, foi lançada a “Operação Amazônia”. Essa posição chave assumida
pelos militares frente a região amazônica estava diretamente ligada a fatores internos e
externos: o interno ligado os problemas sociais no Nordeste proporcionado por uma grande
seca, o externo a vulnerabilidade da extensa e isolada fronteira da região e o surgimento de
possíveis “focos revolucionários”. Para resolver tais problemas, os militares criaram vários
órgão e projetos, aqui cito os mais relevantes na pesquisa, o Programa de Integração Nacional
– PIN e o Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND. Em resumo, esses projetos só foram
possíveis graças às medidas tomadas de um Estado nacional autoritário de cunho nacionalista,
e o apoio do capital internacional.
Concluímos que, a construção das rodovias federais 174 e 401no extremo Norte da
Amazônia de forma acelerada, se deve as ideias geopolíticas, que incluíam integração
nacional, desenvolvimento regional e proteção das fronteiras. Estas estariam sem proteção de
países vizinhos em crise política, como a Guiana, após a chegada ao poder do nacionalista
Forbes Burnham (1966). Enfim, em 1977, estavam construídas as duas maiores obras
estratégicas do governo federal no extremo Norte da Amazônia - as rodovias citadas.
Porém, as construções dessas estradas acabaram afetando negativamente os povos
nativos da região, como: os ataques das forças armadas contra o povo Waimiri Atroari
levando-os quase à “extinção”. Outro povo tradicional que foi afetado foi os Yanomamis. No
campo, a maior parte dos migrantes que chagavam no Território Federal de Roraima foi
deslocada para o front sul do Estado, formando pequenos povoados que nas décadas seguintes
se transformaram em novos municípios.
Diante desse exposto proponho-me continuar os estudos iniciados sobre o tema,
possibilitando uma pesquisa mais densa que o TCC, apresentando possibilidades de
identificar em arquivos oficiais políticas públicas voltadas para a segurança nacional e o
desenvolvimento do extremo Norte da Amazônia. A continuidade da pesquisa buscará
entender historicamente como esse processo foi implantado e quais os impactos na vida da
nova sociedade roraimense.
80

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