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reducoes-jesuiticas

O verdadeiro multiculturalismo na
música das Reduções jesuíticas

Os missionários jesuítas dos séculos


XVI e XVII estavam convencidos de que a música era um caminho para chegar a Deus, um caminho de
evangelização assim como a palavra ou a imagem. Hoje, é preciso ousar mais, é preciso propôr aos
seres humanos um caminho íngreme, mas rico em aquisições espirituais.

A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e


professora da Universidade La Sapienza de Roma. O artigo foi publicado no jornal L'Osservatore
Romano, 19-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

As notas e as vozes maravilhosas dos Ex Cathedra – o grupo vocal e instrumental


deBirmingham dirigido por Jeffrey Skidmore, pela primeira vez na Itália, no Teatro Cucinelli,
de Solomeo, na Sagra Musicale Umbra – encantaram o numeroso público com um refinado repertório
de música das reduções jesuíticas e das missões da América Latina, e composto por artistas do
calibre de Araujo, Salazar, Padilla e do pratenseDomenico Zipoli.

Poucas horas antes, na igreja de San Francesco di Trevi, um original diálogo musical entre órgão e
cravo, ainda com trechos de Zipoli, encheu de alegria os corações dos espectadores. As notas alegres e
harmoniosas do cravo se uniam perfeitamente às mais profundas do órgão, sugerindo um diálogo entre
prazeres da vida, superficiais mas jocosos, e aprofundamento espiritual, igualmente necessário ao ser
humano.

À Sagra Musicale Umbra – evento que revela ser a cada ano mais interessante e importante no
panorama da música sacra e da música em geral – vai o mérito de ter dado a conhecer a um público mais
amplo essas raridades tão extraordinárias. Composições que, além do prazer da audição, suscitam
intensos estímulos intelectuais, justamente por causa daquela harmoniosa e irresistível mistura entre
tonalidades e técnicas de matriz europeia e cores musicais locais, e por causa do emprego das línguas
faladas pelos índios (como o chiquitano, o nahuatl e o quíchua), alternadas e misturadas ao latim litúrgico.

Hoje, quando falamos continuamente de multiculturalismo, entendendo-o muitas vezes como um


amontoado sem sentido de culturas folclóricas mal assimiladas, temos muito a aprender com esse
extraordinário experimento de multiculturalismo verdadeiro, que se baseia na criação de nova arte, nova
cultura, que nascem do contato inovador entre tradições diferentes.

O sentido profundo de tudo isso é dado pela fé, por aquela apaixonada força de evangelização que
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animava os missionários e os músicos. Permitindo criar verdadeiramente o novo, enquanto acompanha –
e, ao mesmo tempo, suscita – a renovação total da vida de um povo. Há um projeto, um desígnio único ao
qual todos olham, ao qual todos colaboram, e não uma aproximação relativista de fragmentos culturais
diferentes e incomunicáveis.

Além disso, causa uma admiração quase incrédula a capacidade dos missionários de ensinar aos índios
uma música tão diferente das suas próprias tradições – tocada com instrumentos desconhecidos e
cantada com novos modos – com uma paciência e um entusiasmo capazes de suscitar neles uma paixão
que ainda dura. Porque os missionários estavam convencidos de que a música era um caminho para
chegar a Deus, um caminho de evangelização como a palavra ou a imagem, talvez até mais intensa, e
não poupavam esforços para ensiná-la e para fazer com que a amassem.

Os sucessos, testemunhados por esses belíssimos textos musicais, ainda em grande parte executados e
amados naAmérica Latina, não se fizeram esperar.

Portanto, é preciso refletir sobre a pobreza de muita música litúrgica de hoje, que, no esforço para se
modernizar e se aproximar dos gostos de um povo cada vez menos cultivado musicalmente, decai
frequentemente em ritmos que lembram as canções populares e não levam a uma tensão religiosa. É
música de entretenimento, para cantar em coro para se sentir juntos, e não música que aproxima a Deus,
que faz com que o fiel toque, mesmo que iletrado, o poder e o mistério do Criador.

Os missionários dos séculos XVII e XVIII tinham mais coragem: a escuta das maravilhosas músicas
da Sagra Musicale Umbra nos ensina que é preciso ousar mais, que é preciso propôr aos seres
humanos um caminho íngreme, mas rico em aquisições espirituais, em vez de se acomodar ao imediato
favor de um público não mais educado a abrir seus próprios ouvidos para se aproximar de Deus.

PARA LER MAIS:

 08/01/2012 - Sons novos e antigos que vêm da selva do Paraguai


 08/01/2012 - Música sacra nas Reduções jesuíticas. Artigo de Gianpaolo Romanato
 24/07/2011 - Três grandes maquetes completam a Exposição das Reduções Jesuítas do Paraguai
 29/10/2010 - A religião como poder espaço-temporal das reduções
 28/10/2010 - Utopia ou heterotopia? As reduções jesuíticas no mundo
 28/10/2010 - O corpo e a sexualidade nas reduções jesuíticas
 12/10/2010 - Índios guaranis paraguaios jogavam futebol nas Reduções
 11/09/2010 - A história dos Guarani antes e durante as missões e reduções jesuíticas
 24/10/2010 - As missões jesuítico-guarani. Entrevista especial com Bartomeu Melià
 29/05/2010 - Os Guarani. O contínuo caminhar de um povo. Entrevista especial com Roberto
Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin

VEJA TAMBÉM:

 A experiência missioneira: território, cultura e identidade - Revista IHU On-Line nº. 348
 Os Guarani. Palavra e Caminho - Revista IHU On-Line nº. 331

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