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O que é transtorno

mental?
Flávio Guimarães Fernandes
Instituto de Psiquiatria - USP

Leituras recomendadas

Campo de Interesse

Definição de loucura sempre esteve presente na história da


humanidade.

Fundamental para os profissionais de saúde mental.

Poucos sabem da definição

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Efeitos dos transtornos mentais na vida

São inequívocos:
- sofrimento emocional, perda de liberdade de agir, prejuízos no
funcionamento social e no trabalho, insatisfação nas relações
interpessoais

Demanda do paciente: necessidade de um diagnóstico que oriente o


tratamento na prática clínica

Por outro lado...


Sofrimento emocional e mudanças de comportamento não são sinônimos
de doença mental

diagnóstico não é suficiente para conduzir o tratamento

Para além do diagnóstico - aspectos subjetivos e as características


individuais do paciente:
personalidade, forma de reagir às frustrações e o meio sociocultural

Plano de tratamento

Dificuldade em realizar Dx

Psiquiatria pouco conta com elementos de propedêutica clínica (exame


físico) e armada (exames complementares) -> maior objetividade.

Exame psicopatológico aliado à anamnese

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Tratamento amplo
Grande variedade de tratamento:

Reação de ajustamento (estresse), depressão leve:


melhoram sem intervenção médica
Esquizofrenia e autismo:
reduz os sintomas mas mantém prejuízos severos na socialização.

grupo heterogêneo de pacientes:


necessitarem de algum tipo de ajuda profissional no campo “psi”

O método de diagnóstico psiquiátrico

- falta de rigor técnico


- a banalização por meio do uso de instrumentos padronizados
- interesses de cunho ideológico ou financeiro

É preciso entender os fundamentos do diagnóstico psiquiátrico


exploração dos significados, relevância e operacionalidade dos conceitos
de transtorno mental

O Diagnóstico

Pressupostos – sofrimento é uma experiência subjetiva e singular, porém


existe um conjunto de saberes científicos que podem ajudar nessa
situação.

Desafio do diagnóstico em psiquiatria:


Interface entre as ciências naturais e as ciências humanas

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Benefícios do diagnóstico
Janela de oportunidade:

- Tratamento psicofarmacológico ou psicoterapêutico


- Recuperar sua autoestima e funcionalidade
- Planejamento de políticas públicas em saúde mental
- Questões judiciais (homicídio por psicótico, processo trabalhista)
- Atividade profissional de risco (porte de armas, aviador)

Nenhum campo da saúde o diagnóstico tem uma interface e um


impacto social tão amplos como na saúde mental

Importância do diagnóstico
A capacidade de crítica dos médicos e psiquiatras quanto aos
fundamentos epistemológicos do diagnóstico em psiquiatria é
fundamental para a boa prática

Exemplo : Homossexualidade foi considerada doença e cujo diagnóstico


esteve presente nos manuais até os anos 80

Organização Mundial de Saúde

“a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e


social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de
enfermidade”

bem-estar que está além dos aspectos físicos, considerando


sentimentos (mental) e o mundo que habita (social)

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O que define doença em medicina

Critério definidor de doença

Clínica e cirurgia:
o critério definidor de doença é anatomopatológico.

corpo é objeto de estudo cartesiano:


medições quantitativas (falta ou excesso) de seus órgãos e
seus tecidos

Na Psiquiatria

esse critério não pode ser utilizado*

exceção: demências, epilepsia e tumores cerebrais

é necessário critérios para a definição de transtorno mental

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Normalidade “ideal”
Utópico e potencialmente problemático

Pode ser ou não referendada socialmente e não há


embasamento científico

Homossexualidade

Normalidade estatística
Extremos da curva, à direita ou à esquerda, passa a ser considerado
anormal
Bom para fenômenos quantitativos, como peso, altura, pressão arterial,
nível de colesterol
Impossível a medição de um comportamento “normal”

Exemplo: “lentes corretivas”

Aspectos Dinâmicos e Subjetivos

comportamento de uma criança, de um adolescente ou de um indivíduo


adulto - muito diferente e faz parte do comportamento “normal” do
indivíduo em amadurecimento

Subjetivamente entende o que é normal ou o que está alterado em seu


comportamento e buscar ou não ajuda médica.
Critério corriqueiro pois normalmente é o próprio indivíduo que sofre que
buscará ajuda médica

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Perda da Liberdade

Psiquiatra Henry Ey: “doença mental é a patologia da liberdade”.

Comportamentos humanos são respostas às demandas impostas pelo meio


interno ou externo.

A possibilidade limitada de resposta a essas demandas pode ser


patológico.

Transtornos de personalidade - restrição de repertórios que leva a um


sofrimento grande para ele mesmo ou outros a sua volta.

Definição de transtorno mental no DSM-V

“Um transtorno mental é uma síndrome caracterizada por perturbação


clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no
comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos
processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes
ao funcionamento mental.

Transtornos mentais estão frequentemente associados a sofrimento ou


incapacidade significativa que afetam atividades sociais, profissionais
ou outras atividades importantes. Uma resposta esperada ou aprovada
culturalmente a um estressor ou perda comum, como a morte de um
ente querido, não constitui transtorno mental.

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Desvios sociais de comportamento (p. ex., de natureza política, religiosa
ou sexual) e conflitos que são basicamente referentes ao indivíduo e à
sociedade não são transtornos mentais a menos que o desvio ou conflito
seja o resultado de uma disfunção no indivíduo, conforme descrito.” (grifos
nossos).

Ideia fundamental

perturbação que gera disfunção

a ideia é apoiada por outras condições que devem estar associadas:


- Sofrimento/incapacidade
- Não deve ser uma resposta esperada a um estressor ou perda comum
- Não é culturalmente sancionado
- Não corresponde a desvios sociais de comportamento

Sofrimento/incapacidade

Disfunção: sofrimento psíquico, perda de capacidade cognitiva, emocional


ou comportamental de um indivíduo

sofrimento e incapacidade
“constituem a fenomenologia pessoal e social fundamental das
circunstâncias que as pessoas trazem para a clínica, e assim aparecerão,
no mínimo, como marcadores operacionalizados de qualquer outra coisa
que possamos supor por doença ou transtorno.”
Bolton (Oxford textbook – pg 437)

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Não deve ser uma resposta esperada a um estressor ou perda comum

pretende excluir o sofrimento associado às dificuldades da vida (luto)

o “esperado” cria uma pergunta sem resposta

condição de vida social e interpessoal complicada, é “esperado” um


transtorno depressivo

pessoa que tem sofrimento, sem transtorno psiq, se beneficia dos


tratamentos disponíveis no campo da saúde mental.

Não é culturalmente sancionado

DSM V:
“Os limites entre normalidade e patologia variam em diferentes culturas
com relação a tipos específicos de comportamentos. Os limiares de
tolerância para sintomas ou comportamentos específicos são diferentes
conforme a cultura, o contexto social e a família. Portanto, o nível em que
uma experiência se torna problemática ou patológica será diferente. (...) A
consciência da importância da cultura pode corrigir interpretações
errôneas de psicopatologia, mas a cultura também pode contribuir para
vulnerabilidade e sofrimento.”

Não corresponde a desvios sociais de comportamento

proteger a sociedade de abusos cometidos pelo


diagnóstico psiquiátrico, não utilizando-os para fins
políticos ou de controle social

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Diagnóstico em Psiquiatria

tarefa complexa: não pode se limitar à instrumentos ou escalas


padronizadas

entrevista extensa, exame psíquico criterioso e subjetividade são


sempre ferramentas

critérios objetivos: confiabilidade entre os médicos, produzir novos


conhecimentos e estabelecer tratamento para os transtornos mentais
codificados

manuais diagnósticos: uniformizar a linguagem e estabelecer uma


comunicação eficaz entre médicos e pacientes.

o critério de funcionalidade permite avaliar o indivíduo dentro de seu


contexto sociocultural levando em consideração suas características
individuais.

estabelecer um padrão de comportamento que deve ser considerado um


transtorno mental e o melhor tratamento disponível.

Conclusão

limitações presentes ao associar o transtorno mental ao sofrimento e


perda de funcionalidade

atende à necessidade de estabelecer rigor mínimo para que o


diagnóstico não seja impreciso e sem objetividade

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