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A reconfiguração das interações humanas e com o espaço através dos RPGs de realidade
aumentada: O CASO INGRESS
Maceió
2014
BIANCA DA SILVA ARAÚJO FERRAZ
A reconfiguração das interações humanas e com o espaço através dos RPGs de realidade
aumentada: O CASO INGRESS
Maceió
2014
Folha de Aprovação
A reconfiguração das interações humanas e com o espaço através dos RPGs de realidade
aumentada: O CASO INGRESS
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Ronaldo Bispo dos Santos, UFAL (Orientador)
Banca Examinadora:
_____________________________________________________________________
Prof. Dr. Aloisio Nunes, UFAL (Examinador Interno)
_____________________________________________________________________
Prof.ª MSc. Manoella Neves, UFAL (Examinadora Interna)
_______________________________________________________________________
Prof. Dr. José Wagner Ribeiro, UFAL (Suplente)
A todos os meus.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que se mantém fiel a mim ainda que eu o conheça tão pouco.
A esta Universidade, que mais que me auxiliar a conseguir ser quem eu gostaria
profissionalmente, foi, até aqui, a maior de minhas janelas para o mundo e me impulsionou a
descobrir quem eu gostaria de ser como pessoa.
Aos novos amigos, feitos aqui dentro, com os quais tenho afinidades que me fazem
querê-los para sempre por perto e aos antigos, que torceram enquanto esperavam lá fora.
Ao meu orientador, Ronaldo Bispo, que talvez desconheça a importância que suas
aulas tiveram para que eu me mantivesse firme apesar das dificuldades.
Aos meus pais e irmãos, pelo amor, incentivo e apoio incondicionais.
A Bruno, companheiro, amigo e parceiro, por tudo o quanto representou nestes
quatro anos. Sem ele, a jornada teria sido mais longa e menos alegre.
E a todos que direta ou indiretamente contribuíram para minha formação, o meu
muito obrigada.
“Tudo aquilo que não me destrói, torna-me mais forte.”
Friedrich Nietzsche
RESUMO
A proposta aqui apresentada elabora uma análise do Ingress, jogo de RPG de Realidade
Aumentada criado pelo Google em 2012. Para tanto, o trabalho usa como principais
fundamentações a teoria do simulacro e o conceito de jogos móveis locativos. Mentor da
primeira, Baudrillard afirma que nos afastamos da realidade de tal forma que sequer sabemos
distingui-la de uma simulação. Assim, aspiraríamos a ilusão de não precisarmos mais do real,
agora oculto pelos simulacros. Já André Lemos, um dos maiores pesquisadores brasileiros
sobre tecnologia digital, caminha em via oposta. O autor vê com otimismo a inserção de
tecnologia nas relações interpessoais, confia na capacidade que o usuário contemporâneo tem
de filtrar somente o que é válido nesse processo de reconfiguração e assegura que estes novos
processos comunicacionais não destroem ou nos iludem com algo que não é verdadeiro. Este
trabalho busca evidenciar a maneira como o Ingress encontra espaço para sustentar a
perspectiva de ambos os autores e de que mais que um jogo, é um exemplo expressivo das
novas formas de interação social que acompanham a evolução das plataformas e interfaces de
entretenimento.
The present work has the proposal of draw up an analysis of Ingress, a Augmented Reality
Role-Playing game created by Google in 2012. Thus, the work uses the main basis of the
Simulacra and Simulation Theory to locative mobile games. Mentor of the theory, Baudrillard
says we are so far from reality that we can not discern it from a simulation. So, we may have
the illusion to no longer need the real, now hidden by simulacra. To André Lemos, one of the
largest Brazilian researchers on digital technology, goes in the opposite way. The author is
optimistic about the inclusion of technology in interpersonal relations, relies on the ability that
the user has to filter what is only valid for this reconfiguration process and ensures that reset
does not mean destroy or deceive with something that is not true. This work seeks to
demonstrate how the game Google Ingress find space to sustain the view of both authors and
more than a game, it is an outstanding example of new forms of social interaction that
accompany the development of platforms and entertainment interfaces.
1. Introdução
Este trabalho dá seguimento aos estudos da autora iniciados no Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e se aprofunda na pesquisa dos RPGs
de realidade aumentada, descrevendo desde a conceituação da indústria cultural apresentada
por Adorno e Horkheimer (1985) e que se faz relevante na compreensão do consumo não
apenas dos programas, mas também dos dispositivos eletrônicos que hospedam os aplicativos
em questão, até o uso prático de jogos deste segmento em intervenções urbanas não apenas
imaginárias, mas visíveis. Além disto, a indústria cultural está diretamente ligada ao consumo,
o que nos auxilia no entendimento da necessidade que a sociedade contemporânea tem de
adquirir novas tecnologias, ainda que caras e desnecessárias.
O cerne da pesquisa ocupa-se em avaliar até que ponto a forma diferenciada com que
os usuários interagem entre si consiste numa mudança que gera prejuízo à comunicação entre
jogadores e não jogadores, coabitantes de dois mundos diferentes porém intercalados como
afirma Baudrillard (1981) ou se, como exposto por Lemos (2010), o comportamento dos
gamers e a maneira como eles deambulam1 pelo espaço ao seu redor nada mais é que uma
reorganização natural advinda da passagem do tempo e das facilidades de acesso às
plataformas tecnológicas.
As análises são expostas à medida que a fundamentação acontece, em um estudo
dividido em duas fases. No primeiro momento temos a investigação bibliográfica, onde os
principais autores são estudados por meio de suas publicações e estas servem como base para
a elaboração teórica do projeto e por último, o estudo de caso do Ingress, com a pesquisa de
campo feita com o uso do jogo pela autora e a aplicação de questionário aos usuários através
da página do jogo em rede social. De início, foram traçados os caminhos percorridos desde
autores da primeira geração da Escola de Frankfurt até estudiosos atuais como Lemos e
Santaella, o que nos leva a conceber o perfil dos jogadores de Role-Playing Game (RPG) 2,
nos moldes como os jogos se apresentam graças aos recursos oferecidos pelo advento da
mídia locativa.
O Ingress, objeto deste estudo de caso, trata-se de um Massively Multiplayer Online
Game (MMOG) criado pela Niantic Labs, subsidiária do Google e que até pouco tempo era
um aplicativo apenas para o sistema Android. É, como todos os MMOGs, um jogo
colaborativo, onde os usuários precisam realizar missões tanto na interface quanto no “mundo
1 Termo utilizado para caracterizar os que andam sem rumo. O mesmo que vagar despreocupadamente.
2 Jogos de interpretação de personagens.
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real”. Concebido a priori para divulgar o GoogleGlass, o jogo se tornou um sucesso nos
grandes centros, tendo sido baixado mais de cinco milhões de vezes em todo o mundo. Em
eventos coordenados pela Niantic, por exemplo, mais de 12.300 agentes se reuniram em 65
cidades de diversos países ao passo que, em paralelo, têm ocorrido encontros promovidos
pelos próprios jogadores, no que eles chamam de Copa do Mundo de Ingress
(ingressguide.com), onde se reúnem para capturar portais em parceria.
Conceitos de Manovich (2001 apud Silva e Alvarenga, 2009), em torno da ideia de
interatividade, auxiliaram na elaboração do questionário aplicado entre jogadores do Ingress
com o objetivo de definir seu perfil e identificar características que explicam o modus
operandi de uma atividade de entretenimento que exige tempo, criatividade e interação
constantes de seus usuários. O autor afirma (ibid) que isso ocorre devido às restrições físicas
da cidade que são superadas na internet, fazendo com que sua rota reflita sua própria
subjetividade. Para Lemos (2008) não há, de maneira alguma, o fim do espaço físico, mas sua
atualização.
O ponto de vista de pensadores que apesar de terem vivido em épocas e lugares
diferentes, bem como o auxílio de textos secundários, mas não menos importantes, abrem um
leque de possibilidades sobre os benefícios ou possíveis danos às relações interpessoais,
causados pelo surgimento da cibercultura e suas cibercidades. Com a elaboração do estudo de
caso do jogo tomamos conhecimento quanto à forma como seus usuários se comunicam
dentro do conceito de inteligência coletiva e o trabalho é finalizado com a conclusão obtida
ante os aspectos que motivam o indivíduo dentro dessa nova forma de existir, tendo em vista
as particularidades que modificaram o conceito de verdade, no sentido do que é real. O
propósito deste trabalho visa compreender as atuais recolocações provocadas pela tecnologia,
de que maneira elas alteraram as relações interpessoais e até onde o contato dito “real” pode
ser substituído.
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2. Comunicação social
Não é a relação de um sujeito solitário com algo no mundo objetivo que pode ser
representado e manipulado mas a relação intersubjetiva, que sujeitos que falam e
atuam, assumem quando buscam o entendimento entre si, sobre algo. Ao fazer isto,
os atores comunicativos movem-se por meio de uma linguagem natural, valendo-se
de interpretações culturalmente transmitidas e referem-se a algo simultaneamente
em um mundo objetivo, em seu mundo social comum e em seu próprio mundo
subjetivo (Habermas, 1984, p. 392).
Nascida nos Estados Unidos em 1969, a internet, assim como o rádio, também
descende da engenharia militar. Articulada durante a guerra fria, que dividia o mundo entre
duas potências, sua função era basicamente belicosa, para articular centros de defesa em caso
de um ataque soviético. Após a segunda guerra e tendo perdido sua utilidade inicial, a internet
chegou aos meios acadêmicos e, atualmente, encontra-se na sua terceira fase, a comercial,
que, segundo dados de estudo realizado pela Companhia de Pagamentos Digitais (Pagtel),
67% de pessoas com smartphones já tiveram algum contato com o chamado m-commerce3.
Entre os fatores apontados para o movimento de adesão aos meios móveis está não só a
popularização dos aparelhos, mas também a melhoria nos serviços de internet móvel.
A Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 – Hábitos de Consumo de Mídia pela População
Brasileira (Brasil, 2014, p.48), encomendada ao Ibope pela Secretaria de Comunicação Social
da Presidência da República, aponta que a internet é o segundo meio de comunicação mais
utilizado pelos brasileiros, perdendo apenas para a televisão, mas já à frente do rádio. A
pesquisa detalhou o uso dos meios de comunicação por gênero, faixa etária, renda familiar
escolaridade, porte do município e atividade. A internet é mais popular entre os jovens de 16 a
25 anos – 48% relataram usá-la diariamente. Na faixa etária superior a 65 anos, 92%
afirmaram que nunca usam ou não costumam usá-la.
Muito da prosperidade da internet, segundo a pesquisa, se deve à baixa do custo de
acesso e à interação com as ferramentas tecnológicas. Martín-Barbero (2006) enfatiza a
relação tecida entre emissores e receptores num processo em que a comunicação é vista de
forma ampla, o que possibilita compreender o fascínio exercido pelos novos formatos
midiáticos e o modo como o massivo não anula o cultural, possibilitando, ao contrário, o
surgimento de tipos diversos de interligações sociais.
3 Comércio digital, onde compras são realizadas apenas por meio da página do website, sem qualquer contato
pessoal com a loja e seus funcionários.
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Como a imitação se aplica aos atos das personagens e estes não podem ser senão
bons ou maus (pois os caracteres dispõem-se quase só nestas duas categorias,
diferindo apenas pelas práticas do vício ou da virtude), daí resulta que as
personagens são representadas ou melhores ou piores ou iguais a todos nós. Assim
fazem os poetas: Polignoto pintava tipos melhores; Páuson, piores; e Dionísio, tais
quais são. É evidente que cada uma das imitações de que falamos apresentará estas
mesmas diferenças e também aspectos diversos segundo esta variedade. Assim na
dança, na aulética, na citarística, é possível encontrar estas diferenças e também nas
obras em prosa, nos versos não cantados; por exemplo, Homero pinta o homem
16
Suassuna (1996) explica que as subdivisões do campo estético se dão por influência
de Kant e oposição aos conceitos de Hagel onde, segundo ele, os pensadores propuseram que
a Estética deveria ser dispersada do campo filosófico vindo a ocupar o posto de ciência. O
termo “Belo” fora substituído por “Estético” sendo o primeiro uma categoria do segundo, já
que existe estética também no que não é considerado bonito. O próprio Aristóteles (ibid)
considerava a Comédia como uma arte feia dada a sua desordem, mas nem por isso a excluíra
do campo estético.
O nome Estético passou, então, a designar o campo geral da Estética, que incluía
todas as categorias pelas quais os artistas e os pensadores tivessem demonstrado
interesse, como o Trágico, o Sublime, o Gracioso, o Risível, o Humorístico etc.,
reservando-se o nome Belo para aquele tipo especial, caracterizado pela harmonia,
pelo senso de medida, pela fruição serena e tranquila – o Belo chamado clássico,
enfim. De fato, o campo estético abrange várias categorias além do Belo. Algumas
delas já foram consideradas como ilegítimas no campo estético, exatamente por
entrarem em choque com a ideia de medida, ordem e serenidade, característica do
Belo. Mas depois que se chamou atenção para a necessidade de fragmentar o campo
estético, receberam elas definitivamente o selo de legitimação. (Suassuna, 1996, p.
23)
É por meio da Ciência do Estético que se faz a ligação entre a pluralidade inerente
aos novos meios e a comunicação social. Gardner (apud BUNNIN e TSUI-JAMES, 2002)
reflete sobre as sensações que vivenciamos ao nos deparar com qualquer manifestação
artística que, de alguma forma, nos emocione. O autor chama de “receptividade estética” o
reagir silencioso que a maioria das pessoas têm em relação a uma música, poema, quadros e
até mesmo cenas da natureza e afirma que “uma pessoa sem qualquer capacidade de resposta
estética, caso se consiga imaginar alguém assim, não poderia ser qualificado como um ser
humano plenamente desenvolvido” (Ibid, p.07).
Temos então, com a intensa propagação do acesso à cultura, ainda que de massa, a
gigantesca popularização da arte e, consequentemente, a facilidade do acesso a ela graças à
indústria do capitalismo cultural. A Estética passa a ser incorporada a esses novos meios
levantando, a posteriori, debates que pautam sua preocupação não no excesso de
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A crítica feita pela Escola de Frankfurt que precederia a concepção do que vem a ser
o “esclarecimento” compila as mudanças de comportamento em relação a antigos dogmas e a
um processo de racionalização que leva o sujeito a romper com suas tradições, crendo apenas
em conceitos baseados no lógico. É a chamada “matematização do conhecimento”
(ADORNO e HORKHEIMER, ibid, p.14), que valida apenas o que pode ser confirmado e
testado segundo a lógica racional da ciência moderna. Encantada pelo capitalismo, a
sociedade compra o que este o oferece e passa a subestimar o sensível, fazendo uso exagerado
do técnico, tornando o mundo um lugar de práticas burocráticas e tecnicistas. Para os autores
“A elevação do padrão de vida das classes inferiores, materialmente considerável e
socialmente lastimável, reflete-se na difusão hipócrita do espírito. Sua verdadeira aspiração é
a negação da reificação” (Ibid, p.03).
Cancline (1996) relaciona a indústria cultural ao desejo de consumir para se tornar
aceito. Ele (1996) esclarece que não são os gastos individuais que prevalecem ante o sistema,
mas que este se influencia pelo que o autor chama de “racionalidade integrativa e
comunicativa da sociedade”. Sob o pretexto de obedecer aos ritos sociais, como natais e
outras datas especiais, os gastos realizados pelos mais pobres seriam responsáveis por uma
espécie de organização racional. Isso explicaria o porque de uma empresa como o Google vir
investindo em bens de consumo para além de seus softwares e ferramenta de busca.
Como exemplo, temos o jogo Ingress, que nasceu como meio de divulgação de um
produto que estava por vir. O GoogleGlass, que ainda não fora lançado, deverá custar US$ 1,5
mil (techtudo). Todas as funções do óculos já são executadas por um bom smarthphone, mas,
para o consumidor que o espera, ele é o GoogleGlass e não um smarthphone. De volta a
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Todos os autores aqui citados até agora e que se dedicaram às pesquisas relacionadas
ao consumo encontram na teoria culturológica, criada na década de 1960, principalmente a
partir de Morin (1997), a base para suas afirmações. Para Morin, os avanços tecnológicos e
científicos trouxeram muito mais que o bônus do progresso e das facilidades. Junto perdemos
nossa capacidade de pensar no coletivo, imersos em uma cultura que vive de alimentar o
semirreal. O cinema e suas celebridades, os programas de TV, os personagens de uma novela
e até o McGuffin de um jogo de RPG de realidade aumentada, são as consequências das
imposições da Cultura de Massa, que aprisiona o indivíduo, levando-o a consumir o
desnecessário e o efêmero.
Contudo, o autor (ibid) faz saber que a indústria do entretenimento não cria nada
irreal. O desejo de possuir, de fazer parte, tem a ver com o despertar da identificação e isso
não ocorre caso os heróis sejam intocáveis e impossíveis. Temos, novamente, a retomada da
espetacularização, com a afirmativa de que é por meio do Estético que se estabelece a relação
de consumo do imaginário (ibid, p. 77). Isto atesta que “todo um setor das trocas entre o real e
o imaginário, nas sociedades modernas, se efetua no modo estético, através das artes, dos
espetáculos, dos romances, das obras ditas de imaginação” (MORIN, 1997, p. 79). Eis aqui o
princípio de tudo. O indivíduo “mergulha” em um mundo constituído por simulacros e ao
fazê-lo, tal qual afirma Baudrillard (1981, p.09), as representações passam a ser parte de sua
vida e não uma vida em paralelo.
Temos uma perspectiva aludindo que ainda que não esteja visando propriamente o
19
lucro, “todo sistema industrial tende ao crescimento e toda produção de massa destinada ao
consumo tem sua própria lógica que é a de máximo consumo” (MORIN, 1997, p. 35). A
elaboração de um jogo como o Ingress tem um alto custo financeiro que, não inocentemente,
a Google concordar em arcar. À mostra, um novo dispositivo que será lançado com a
promessa de revolucionar o mundo do digital, trazendo o que o mercado tem de mais
moderno e eficiente no seguimento de jogos móveis locativos. Em resumo, um único intuito:
o de ser o mais consumido e com isso, o mais conhecido e por tanto mais desejado.
Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não tem. O
primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. Mas é mais
complicado pois simular não é fingir. Logo fingir, ou dissimular, deixam intacto o
princípio da realidade: a diferença continua a ser clara, está apenas disfarçada,
enquanto que a simulação põe em causa a diferença do verdadeiro e do falso, do real
e do imaginário. (Baudrillard, 1981, p. 09,10)
Uma das assertivas mais relevantes para esta pesquisa de tudo o que fora dito por
Baudrillard em Simulacros e Simulação é o entendimento de que todo objeto tem um valor
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simbólico que é sempre mais importante que seu valor de uso ou de troca. Embutida na
diversão e no entretenimento, estão a necessidade de um smarthphone moderno e de resposta
rápida, um aparelho de recarga extra (já que o jogo consome muita bateria) e um bom pacote
de dados. Joga-se pelo prazer, mas também para subir de nível, conquistar muitos portais e ser
importante nas comunidades do game.
2.3.2 A matriz
Fonte: corujasapiens.com
...a Disneylândia existe para esconder o que é o país ‘real’, toda a América ‘real’ que
é a Disneylândia. [...] A Disneylândia é colocada como imaginário a fim de fazer
crer que o resto é real, quando toda a Los Angeles e a América que a rodeia já não
são reais, mas do domínio do hiper-real e da simulação. Já não se trata de uma
representação falsa da realidade [...], trata-se de esconder que o real já não é o real e
portanto salvaguardar o n princípio de realidade (Baudrillard, 1991, p.21).
O que falta para o filme é a ambiguidade vivida entre o real e o virtual, numa Matriz
mostrada como ficcional, mas nem por isso perigosa e muito mais prazerosa. O deserto do
real, incerto, dramático e agonizante fora substituído por uma tecnologia capaz de prever
inclusive os riscos e defeitos do sistema. Em resumo, os irmãos Wachowski ainda que tenham
vilanizado a Matrix por todas as truculências exigidas para que ela se mantenha funcionando,
parecem tomados pelo fascínio cultural das tecnologias computacionais.
22
Fonte: reddit.com
Desse modo, temos a matriz como nada mais que uma simulação, pois imita uma
realidade que não lhe é inerente, mas assim como uma pessoa que simula estar doente
necessita recriar os sintomas da doença (BAUDRILLARD, 1985, p.09) a matriz recria as
características do real. Em contrapartida, também o mundo real não deixa de ser uma
simulação, a partir do instante em que recria a realidade buscada pelos que saíram da Matrix.
O mundo como o conhecemos é o hiper-real, um real sem origem nem realidade e foi descrita
por Baudrillard como um “lugar onde o real dá sua ressurreição artificial, pois tudo está
antecipadamente morto e ressuscitado” (ibid, 1985, p. 14)
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3. O RPG
Sem desconsiderar que dominó, gamão, xadrez, dama e alguns outros jogos de
estratégia abstrata contam, quase sempre, com o dinamismo advindo de resultados surpresa, a
maioria dos games de tabuleiro tradicionais reservam poucas possibilidades de desfecho. De
regras muito bem estabelecidas, a obviedade acaba por tornar exemplos como Detetive e
Monopoly enfadonhos para muitos, levando à perda de sua funcionalidade com o passar do
tempo e apesar de ainda contarem com grandes números de adeptos, o incômodo com um
passatempo cíclico fez com que aos poucos, cartas e peças estáticas se transformassem em
miniaturas de personagens, armas e veículos e que as normas não levassem a resultados
sempre tão previsíveis. Assim, na década de 70, os Estados Unidos ouvem pela primeira vez o
termo Role-Playing Game, ou RPG.
Fonte: portallo.com
Gomes (2003) versa que, quando surgiram os primeiros jogos eletrônicos, um pouco
do conceito de RPG já habitava em suas simplórias interfaces, com a diferença de que,
segundo ela, atualmente “o personagem não é apenas um pretexto para o jogo e sim, a maior
parte dele” (GOMES, 2003, p.28). A entrega ao lúdico é o grande diferencial entre um jogo de
tabuleiro comum e jogos em que os participantes interpretam personagens. O desapego ao
medo de parecer ridículo e a entrega pessoal necessária ao bom andamento da partida faz dos
Role-playing uma característica de determinado estilo de vida.
O Brasil recebeu seu primeiro kit completo de Rolle-Playing, na década de 1994, por
meio da Grow, uma das maiores fabricantes de brinquedos do país. É comum encontrar
adeptos do jogo no universo geek. A nomenclatura é antiga, porém tem sido difundida em
larga escala há poucos anos servindo como substituta para os que antes eram adjetivados
como nerds. Algumas correntes defendem que o nerd era apenas um bobo estereotipado que,
apagado por sua timidez, focava em seus estudos por falta de opção, mas que o geek detém
personalidade e inteligência destacáveis, principalmente numa era em que a tecnologia se
tornou tão indispensável, como aludido por Matos:
O geek, que, geralmente, compõe uma turma constituída por pessoas com interesses
semelhantes aos seus, tem numa batalha de RPG, a possibilidade de aliar sua criatividade à
força física que, no mundo real, ele não detém. Os personagens do jogo são criados com
características que não poderão ser substituídas posteriormente. Assim, o mais lógico é
assumir um avatar imaginário que tenha condições tanto de sair de um labirinto, quanto de
arrombar a porta que o faz prisioneiro dentro dele (Ibid, p.3).
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O Dungeons & Dragons ou apenas D&D, primeiro RPG de que se tem notícia,
surgiu, nos anos de 1970, como complemento para um jogo com peças em miniatura, muito
comum nos Estados Unidos. Durante a partida, eles começaram a acrescentar, por conta
própria, elementos imaginários como fortalezas inatingíveis e reis guerreiros dispostos a
morrer na tentativa de atravessá-las. Nem todas as ideias a respeito da história surgem ao
acaso, no desenrolar da partida. As normas vêm escritas em livros que contém instruções e
propostas para a criação de emocionantes campanhas, protagonistas e personagens
secundários. O RPG de mesa, é jogado apenas com o auxílio de lápis, papel e dados além, é
claro, dos livros e da criatividade dos envolvidos.
Fonte: mestredamaestria.com
Tal qual numa peça de teatro, existe alguém responsável por dirigir a trama: o
narrador ou game master. Durante o jogo os personagens vivem aventuras que lembram os
grandes épicos da literatura e do cinema. Enfrentam monstros, salvam princesas, desafiam
impérios galácticos. Contudo, nada impede que os gamers interpretem vilões e anti-heróis. No
RPG, assim como em qualquer jogo, a dinâmica flui sob a influência das regras, a isso dá-se o
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nome de Sistema. Sem o Sistema, não haveria diferença entre o que as crianças fazem dentro
de seu mundo imaginário proporcionado pelo direito que elas têm de não serem obrigadas a
obedecerem ao padrão social do que é considerado aceitável e um jogo entre adultos, já
enredados no que Freud conceituou como Superego. Andrade usou a descrição de Castronova
ao explicar o comportamento dos personagens:
Jogadores enxergam literalmente através dos olhos de seus avatares e o que eles
estão habilitados para ver, que depende dos atributos do avatar. Mais à frente, os
jogadores só poderão se conectar aos outros jogadores atavés de seus avatares. Se eu
quiser conversar com Mrs. Jones eu devo, em primeiro lugar, mover meu avatar até
o de Mrs. Jones para “escutá-la”. Se eu quiser fazê-la ver meu “olá”, devo deixar
claro que meu avatar está em frente ao dela. Para todos os efeitos, o avatar vem a ser
o corpo do jogador, para todas as intenções e propósitos, quando o jogador está
presente no mundo virtual. Assim como os corpos terrestres, o “corpo” do avatar
tem impactos em seu dia-a-dia. Avatares maiores conseguem “enxergar” mais longe
que os avatares menores. Avatares mais fortes lutam melhor que avatares mais
fracos. Avatares mais “talentosos”, geralmente, têm poderes diferenciados no mundo
virtual: lutam melhor, viajam mais rápido, têm casas armas e veículos melhores.
Avatares com características masculinas e femininas (como corpo, tipo de cabelo
etc) são tratados como macho e fêmea do mesmo jeito que na terra, pela sociedade
constituída pelos outros jogadores. (Castronova apud Andrade, 2006, p.43)
Em jogos deste tipo, é o mestre quem prepara o enredo, com algum desafio a ser
superado. São os jogadores quem criam os personagens que se envolverão nesta trama. As
histórias normalmente são chamadas de “aventuras” e um conjunto de aventuras jogado com
os mesmos personagens forma uma “campanha”. Muitos dos livros de RPG também
descrevem os cenários onde as aventuras podem acontecer e o tipo de personagem que os
jogadores podem ou não criar. Que pese o fato de que as coisas têm, obrigatoriamente, que
fazer sentindo. Há coerência em ser um cowboy no Velho Oeste, mas não em uma história
medieval.
Cada jogador utiliza um formulário – a ficha de personagem – na qual realiza
anotações sobre tudo aquilo que seu personagem sabe fazer. Em geral, essas habilidades estão
associadas a um número (bom escalador: 2, lutador de artes marciais: 6 etc.) e se jogam dados
contra esses valores para saber se o personagem foi ou não bem sucedido em sua ação. O jogo
inteiro baseia-se nas escolhas feitas pelos personagens que, interpretados pelos jogadores,
modificam a trama, afetando o mundo da narração. Cabe ao mestre descrever as
consequências dos atos de cada personagem e isso gera novas situações para que eles
escolham novas ações. Assim, a história vai sendo construída de modo coletivo, como
explicitado no exemplo abaixo:
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Em uma típica aventura futurista, quatro rebeldes tentam buscar remédios e água potável
em um laboratório desativado, mas do lado de fora do prédio abandonado em que estão protegidos,
existem pessoas que, atingidas por um vírus mutante, se transformaram em zumbis e agora vagam
no exterior da fortaleza.
NARRADOR – Vocês seguem pelos corredores escuros e úmidos do subterrâneo da
fortaleza. A luz das lanternas de vocês mostra uma porta logo à frente. Quando vocês se
aproximam, percebem uma sombra do lado direito, como se alguém, além de vocês estivesse
parado, do lado de dentro do prédio. O que vocês vão fazer?
RENATO – Eu paro e falo baixinho para o grupo: “Estamos todos aqui ou alguém se
afastou da equipe?”.
BRUNO – Eu digo: “Todos aqui!”.
PEDRO – Apaguem as lanternas ou ele também verá a gente.
LUIS– Se preparem pra lutar! Ele pode não estar sozinho.
NARRADOR – Ok. Vocês apagam as luzes e sacam suas armas, preparando-se para o
pior. E você, Laura?
LAURA – Vou esperar que todos façam silêncio e fazer minha personagem tentar ouvir
alguma coisa, pra saber se tem ou não perigo.
NARRADOR – Ok, Laura! Vamos rolar os dados! Se você passar no teste eu lhe conto o
que sua personagem ouviu...
A primeira grande intervenção no modo como se joga RPG talvez seja também a
maior responsável pelas características do jogo em formato de realidade avançada que
conhecemos hoje. Com o surgimento do Live Action (Ação ao Vivo), o cenário passou a não
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ser mais descrito pelo narrador, mas vivido através da utilização do espaço em volta, que pode
ser uma caverna, floresta, fazenda ou o espaço urbano. No Live Action, os jogadores
representam seus personagens como um ator de teatro representa um papel, inclusive com o
aparato de vestimentas específicas para o papel.
O respeito às orientações do Game Master e ao sistema de regras também aqui é
imprescindível. Propositalmente semelhante à uma peça de teatro, as dinâmicas se diferem
ante a influência do mestre na construção do personagem e na ausência de um roteiro pré-
definido. Além disso, existe a deliberação primordial de que um avatar não toque no outro
durante uma possível batalha. Mais incomum que o jogo jogado em mesa, o Live Action
confronta uma incompreensão muito maior que seu antecessor. Por estarem fantasiados e sob
incorporação de um personagem fantasioso como magos, vampiros, duendes e cavaleiros
medievais, a tendência é que os cenários sejam lugares afastados dos olhares públicos, em
eventos que chegam a reunir mais de 50 pessoas. A importância de um jogo em que se faz
necessário o uso desse tipo de desempenho para que se possa chegar ao tipo de tecnologia de
entretenimento que temos atualmente é elucidada:
Principal herdeiro dos jogos baseados em texto, os role-playing games -os RPGs-
têm empreendido a mais óbvia e confessa tentativa de levar a cabo a missão de
possibilitar ao interator a potencialização do movimento de "assujeitamento",
através da corporificação de um personagem implicado na história e presente num
mundo virtual implementado pelo game. Em algum nível, todo e qualquer game com
apelo figurativo tem algo de role-playing, uma vez que é possível projetarmo- nos
em elementos mínimos para ter a noção de cumprir a função vagamente narrativa de
um personagem –ou “proto-personagem”, como nos já citados PONG e Spacewar.
(Gomes, 2003, p.40)
Em seu website, a Confraria das Ideias explica quais as regras utilizadas em batalhas
ao ar livre que reproduzem históricos combates reais do passado:
Juízes treinados são os interlocutores de uma partida de Batalha Campal. Eles devem zelar
para que todas as regras sejam cumpridas e que os infratores sejam penalizados de acordo com a
falta cometida. As regras gerais são de uso comum à diversos grupos existentes de Batalha
Campal, e tem como base o bom senso:
- Proibido o uso de força excessiva: apesar das espadas serem confeccionadas com um
material leve e macio, o uso da força é desaconselhado, evitando assim qualquer chance de
ferimentos durante as partidas.
- Golpes: são permitidos apenas golpes no tronco e nos membros, excluindo assim a
cabeça e o pescoço, os órgãos sexuais e a linha abaixo do joelho, para reforçar o item de
segurança.
- Amizade acima de tudo: como em todo esporte existe a competição e, naturalmente,
vencedores e perdedores. Mas o principal objetivo é reunir pessoas que gostam do mesmo tema e
proporcionar uma diversão coletiva, onde a amizade de todos deve estar acima de qualquer
disputa.
- Um adversário será derrotado após levar um golpe no tronco ou dois golpes nos
membros (braços e pernas).
- Um golpe proposital na cabeça do adversário elimina imediatamente aquele que desferiu
30
o golpe.
- O uso de força desproporcional elimina o competidor após primeiro aviso dos juízes.
- Os golpes pelas costas são permitidos.
- Durante a Guerra dos Cem Anos, enquanto uma fileira está em combate, a segunda
fileira pode usar espadas, lanças e flechas caso algum adversário se aproxime da fileira. A terceira
fileira poderá usar apenas flechas. Da mesma forma, se uma flecha ou lança passar pelo bloqueio
da primeira fileira e atingir a segunda, o golpe será validado.
Fonte: Confraria das Ideias
D&D, ainda conta com inúmeros adeptos do game jogado com cartas, fichas e dados,
mas ganhou nova roupagem com uma versão beta feita para a antiga Table Microsoft Surface
(2008) que funciona com multi-toque capturado através de câmeras infravermelho e promete
menor intervenção do Game Master (GM), porém garantindo a grande graça da brincadeira
que é o fator aleatoriedade. Logicamente, a mesa não foi concebida exclusivamente para o
jogo. A intenção de seus criadores era a de misturar o conceito físico com o virtual,
promovendo ao usuário uma experiência totalmente interativa (TecMundo.com).
Atualmente chamada de PixelSense, a mesa interativa criada em parceria com a
empresa Samsung começou a ser vendida em 2012, apenas para empresas como bancos e
imobiliárias sob o valor de 45 mil reais, já inclusa a licença do sistema operacional Microsoft
Windows Seven. A mesa possui uma tela de 40 polegadas com mais de 2 milhões de sensores
infravermelhos. É um aparelho com tecnologia multi touch – toques reconhecidos em pontos
diversos da superfície – o que abre novas possibilidades para a colaboração em documentos
ou, para o que é relevante neste trabalho, a interação em jogos.
Com a possibilidade de digitalização do jogo, tudo o que antes necessitava estar
escrito para que não se perdesse (como armas conquistadas, por exemplo), passou a ser
adicionado numa espécie de inventário virtual, que se localiza num determinado local da
interface do aplicativo. Tendo em vista que o objetivo não é a venda caseira do produto, o
jogo sofre limitações principalmente em relação ao território de combate, que, quando na
imaginação do mestre, poderia ter a dimensão que ele quisesse. Contudo, ainda que de forma
independente, a exploração do espaço aberto e a tecnologia do RPG jogado de forma
tecnológica foram fundamentais para que os RPGs de realidade aumentada fossem possíveis.
31
Fonte: techcrunch.com
Fonte: techcrunch.com
32
4. Cibercultura
Lemos (2010) simplifica a conceituação do que é cibercultura como sendo esta a
cultura da leitura e da escrita. Se antes, apenas líamos o que vinha escrito nos jornais e
revistas, assistíamos o que era transmitido pela TV ou absorvíamos, sem filtro algum, as
lições transmitidas pelo professor em sala de aula, impossibilitados de questionar o único
detentor das informações, a cibercultura ampliou a perspectiva de leitura e o fez de maneira
imediata. O indivíduo passou a ser também escritor e não apenas leitor. Ele é crítico do que lê
e produtor de suas críticas por meio de seus blogs, redes sociais e até games, tudo isso
independente de autorização ao Estado ou de parcerias políticas.
De acordo com Lemos (ibid) a cibercultura surge em paralelo com a
microinformática na década de 70. O autor separa ainda a correlação, muitas vezes errônea,
que as pessoas fazem entre ela e a cibernética, embora as duas não andem separadas. Segundo
a teoria cibernética de Wierner (1948 apud Lemos 2010) existe um vínculo entre a
individualidade humana e a troca de informação e todo o otimismo de Lemos toma forma ao
enxergar na microinformática um intensificado acesso às informações permutadas de maneira
democrática, que além de conceder tecnologia ao seu usuário, possibilitou sua inserção em um
novo movimento social. Os computadores deixam de ser tão somente equipamentos
burocráticos usados para calcular e se transformam em ferramentas de convívio, prazer e
comunicação.
Aquilo que Lemos (ibid) trata por Reconfiguração Cultural Generalizada diz respeito à
capacidade de agregar pessoas com pensamentos comuns. As críticas musicais, teatrais e de
conteúdo, saem das anotações no fundo da gaveta, onde elas não possuem serventia e
ganham vida através da emissão coletiva e em rede aberta. Todos podem ler se assim
quiserem como também podem comentar e somar mais indivíduos que comungam da mesma
forma de pensar. Isso não se deve somente aos novos equipamentos eletrônicos como
smartphones, tablets e afins, mas, principalmente, à capacidade de problematizar, gerando
33
A cibercultura, tanto quanto quais quer outros tipos de cultura, são criaturas
humanas. Não há uma separação entre uma forma de cultura e o ser humano. Nós
somos essas culturas. Elas moldam nossa sensibilidade e nossa mente, muito
especialmente as tecnologias digitais, computacionais, que são tecnologias da
inteligência, conforme foi muito bem desenvolvido por Lévy e De Kerckhove. Por
isso mesmo, são tecnologias autoevolutivas, pois as máquinas estão ficando cada
vez mais inteligentes. Mas, tanto quanto posso ver, não há por que desenvolver
medos apocalípticos a respeito disso. As máquinas vão ficar cada vez mais parecidas
com o ser humano, e não o contrário. (Santaella, 2003, p.30)
4.1 Cibercidades
segredos. As janelas de vidro dos escritórios modernos, os salões gigantescos onde inúmeros
empregados trabalham em comum, podendo ser facilmente vigiados pelo público e pelos
chefes, não permitem mais que tenhamos conversas particulares. Mesmo nas repartições, o
contribuinte está protegido de desperdício de tempo dos servidores. Mas os meios de
comunicação separam as pessoas também fisicamente. A ferrovia foi substituída pelos
automóveis. O carro próprio reduz os contatos de viagem a hitchhikers4 inquietantes. As
pessoas viajam sobre pneus de borracha, rigorosamente isoladas umas das outras. Em
compensação, só se conversa num carro o que se discute em outro; a conversa da família
isolada está regulada pelos interesses práticos. A imagem abaixo faz referência à necessidade
constante de estarmos conectados todo o tempo e em qualquer lugar, mesmo estando
acompanhados:
Fonte:cafécomverso.co
4 Expressão norte-americana utilizada para definir indivíduos que pedem carona na beira da estrada.
35
isto se faz tão natural que não se tem mais ideia sobre qual o aspecto que o real possivelmente
teria. Há o conformismo, a adequação ao sistema, opressor e consumista nos violenta e
acatamos, pois essa violência nos é necessária para viver.
Lemos (2004), por sua vez, afirma que não existem evidências que confirmem o
abandono das relações interpessoais, mas a inserção de comandos que apenas modificam o
espaço urbano. Semáforos, energia elétrica, esgoto e gás, são exemplos de serviços que
passaram a ser comandados por computadores. É um serviço maior acima de todo o resto.
Isso, por si só, já configura a virtualização das cidades. Dominados pelo medo inicial, a ideia
de efetuar uma compra pela web ou conferir o extrato no home banking, trazia o pânico da
ausência de um lugar físico.
Nossos preconceitos foram cedendo espaço para a necessidade diária de tempo extra.
A internet passou a unir pessoas de interesses comuns em seus chats, messengers, sites de
buscas e de compras etc. É cômodo e isso facilitou sua aceitação. A imagem que se segue,
feita na década de 1950, fundamenta a tese de que as relações interpessoais estão sendo
reconfiguradas. As pessoas se distraem, se fecham em sua individualidade e isso não é
provocado pelo digital.
A relação das cidades com redes técnicas e sociais não é um fato novo. Toda forma
urbana configura-se a partir das mais diversas redes técnicas e sociais (água, auto-
estradas, ferrovias, aeroportos, telégrafo, telefone, televisão, esgoto, correios,
eletricidade). A cidade é e sempre foi um artefato. (Lemos, 2004, p.2)
36
Fonte:theatlantic.com
4.1.1 O Flêuner
Em seus estudos, Saturnino (2012) alude sobre outra modificação conceitual advinda
da globalização dos ciberespaços. Tida como a capital das grandes revoluções políticas e
industriais, foi em Paris que nasceu o conceito do flanêur para identificar o indivíduo vagante,
sem pretensões específicas ou utilidade pré-definida. Tanto por sua enorme contribuição
artística, quanto filosóficas e militares, a mais importante cidade francesa sempre foi um
ambiente propício para a personalização da flanêrie, personificando o que Saturnino chama de
“cidade aberta”.
Misturado à multidão, o indivíduo se dissocia da sua própria personalidade, vindo a
ser parte do cenário geral, invisível e, desse modo, não notado. A figura do flâneur se
disseminou para todos os grandes centros principalmente na virada do século XIX. Baudelaire
(apud SATURNINO, 2006) via o ato de deambular sem preocupação como um exercício de
contemplação artística. Na vida contemporânea, com as intervenções digitais e as muitas
camadas de informação, o vagabundo digital5 não é mais um anônimo neste espaço
“desterritorializado”. É impossível e até indesejável ficar oculto. O autor explica que “na
'meta-cidade', o ciber-flâneur rende-se, não mais aos centros comerciais, mas à justificação da
presença. Não há gozo em perder-se na multidão de informação. Ao contrário, a Internet de
hoje exige reputação” (SATURNINO, 2012, p.8).
De volta a Lemos (2004), o que fica claro é que não se trata nem de eliminação, nem
de destruição. O ambiente comunicacional, mais rico e agregador, vem sendo reconfigurado.
5 O flâneur das cibercidades.
37
As pessoas conhecem melhor o lugar onde moram, porque têm acesso a ele sem que seja
preciso sair de casa. Quando saem, informações aparecem por meio de jogos e aplicativos
locais que estreitam as relações entre cidadão e cidade. Os problemas são expostos de maneira
coletiva e coletivos também são os debates tecidos ante questões políticas, sociais e culturais.
A viralização de algo que foi compartilhado em uma rede social, tem o poder de movimentar
o poder público e forçá-lo a assumir uma determinada postura neste novo ambiente.
Não se trata da emergência de uma nova cidade, ou da destruição das velhas formas
urbanas, mas de reconhecer a instauração de uma nova dinâmica de reconfiguração
que faz com que o espaço e as práticas sociais das cidades sejam reconfiguradas com
a emergência das novas tecnologias de comunicações e das redes telemáticas. O
objetivo deve ser o de criar formas efetivas de comunicação e de reapropriação do
espaço físico, reaquecer o espaço público, favorecer a apropriação social das novas
tecnologias de comunicação e informação e fortalecer a democracia contemporânea.
Não está em pauta aqui o abandono da cidade física pela cidade virtual, mas
propiciar a sinergia entre o espaço de fluxos planetários e o espaço de lugar das
cidades “reais”. ( Lemos, 2004, p. 2)
Aplicativos como o Foursquare, que além de ser um jogo em que o gamer recebe
pontos ao realizar um check-in, também fornece informações sobre lugares com os mais
variados tipos de serviço, além de dicas e sugestões de outras pessoas que frequentaram o
ambiente anteriormente (CARVALHO e TORRES, 2014), não afastam seus usuários das
relações concretas e verídicas, muito pelo contrário. Novos contatos são feitos e de maneira
muito mais rápida e eficiente temos a chance de conhecer pessoas com interesses semelhantes
e gostos afins. O modelo não é substitutivo, ele é complementar. Através das ideias do
sociólogo Piérre Lévy (apud LEMOS, 2004), encontramos a definição dos quatro capitais que
compõe a ciência da inteligência coletiva que constitui uma determinada localidade: social,
intelectual, cultural e técnico.
O capital social diz respeito à consistência das relações que firmamos por meio de
contatos digitais, mais especificamente, o webcontato. O capital intelectual está ligado ao
valor da propriedade intelectual e das contribuições “humanas” feitas por cada um. O capital
cultural vem associado ás memórias incutidas em centros culturais, como museus, bibliotecas
e galerias. Por último, o capital técnico, que é a soma de todas as tecnologias utilizadas no
funcionamento do dispositivo, desde os próprios computadores até seus softwares. A
contribuição oferecida pelas cibercidades é vista aqui como uma potência e não como uma
utopia ou previsão futurística. Sim, as novas cidades estão recebendo um grande fluxo de
informações. Não. Nada novo. Nada apocalíptico.
38
O termo mídia locativa foi proposto por Russel (2003) como a síntese do resultado
entre a junção de uma determinada tecnologia e a recepção de dados através dela que digam
respeito á localidade. Antes dele, Ben Russel (1999) dissertava sobre o modo como a internet
vinha “pingando”6 informações sobre o mundo real. A recepção e emissão de dados, atreladas
ao ambiente em que se está, cria uma nova gama de possibilidades e reorganiza o espaço
urbano. Com as mídias locativas, as informações deixam de ter horário fixo pois não são mais
exclusividade dos meios de massa. O fluxo informacional não é transmitido em um cenário
fechado. Qualquer um pode ser comunicador e receber comunicados, basta que tenha o
suporte necessário.
Embora seja possível sua aplicação analógica, são os meios digitais que possibilitam
a troca. Santaella (2013, p.15-16) tratou por comunicação ubíqua a possibilidade que
aparelhos móveis - que agora se dividem em “dumb” e “smart” - têm de serem usados em
qualquer lugar, a qualquer hora, com uma informação modificável e não mais engessadas
como as que outrora foram possíveis e como comunicação pervasiva7 (Ibid, p.17) a
capacidade que o ambiente tem de detectar outros dispositivos que venham a se conectar com
ele. O espaço, antes estático, hoje é móvel e sensível. Lemos (2007) assim definiu o conceito
de mídias locativas:
Percebida como camadas de conteúdo que sobrepõe, as tecnologia móveis e sem fio,
como GPS, Bluetooth e WiFi, utilizadas em dispositivos igualmente móveis tais quais
palmtops, smartphones e notebooks, são capazes de localizar, classificar, coletar e arquivar
referências, bem como se desfazer delas. Santaella (2010, p.125) catalogou à época, com base
em suas próprias pesquisas, 19 tipos de prática com mídias locativas que como critérios
básicos se utilizam de ao menos uma dessas características. São elas: realidade móvel
aumentada, mapeamento e monitoramento, geotags, anotação urbana e os games wireless.
6 O termo pingando se refere às informações sobre as cidades que vão aparecendo na tela do dispositivo
digital, como se camadas de informação intercalassem o real e o virtual.
7 Do inglês pervasive, a expressão serve para conceituar algo que se espalha, infiltra e conecta.
39
Bitarello et al. (2013) dissertam sobre os cinco princípios, idealizados por Manovich
(2001) e ainda a serem complementados pelo autor, com a finalidade de facilitar a
compreensão do que vêm a ser as novas mídias. São eles:
Segundo eles, tais princípios nos auxiliam a perceber nossa participação diante do
todo, através da apropriação de pequenas fatias informacionais, impondo nossa subjetividade
e estreitando os laços com essa nova mídia, que é revestida de cultura, mas sem perder a
lógica computacional que faz com que ela funcione. Manovich (ibid) ressalta a
interdisciplinaridade composta de matemática, modulação e arte que compõe o conceito de
novas mídias. Trata-se de um processo híbrido, onde cada camada de informação advém de
um determinado campo resultando na interatividade característica que tem possibilitado as
modificações que estão acontecendo.
territórios físicos e virtuais, ainda que, sem essa barreira, o flâneur tenha perdido a capacidade
de vagar sem ser notado – sua principal característica.
E vagando, não tardou para que o uso recreativo das mídias locativas se alastrasse.
Os jogos móveis locativos (JML) se utilizam de três princípios básicos para assim serem
definidos: uso de dispositivos móveis digitais de comunicação, como telefones celulares,
smartphones e notebooks, por exemplo; a imprescindibilidade de conexão com redes sem fio,
como Wi-Fi, bluetooth, GPRS, GPS e outras; e por fim, a integração entre espaços físicos e
eletrônicos como característica essencial de suas ações, regras ou objetivos. Kiefer et al.
(apud Mont'Alverne, 2012) classificaram em três categorias gamers que fazem uso das
tecnologias de localização para linkar9 o universo do game ao mundo real de seus usuários.
Segundo eles, a divisão se dá entre jogos baseados em localização, jogos de realidade mista
ou jogos de realidade aumentada. Mont'Alverne (ibid) esclarece:
Quando foi lançado, em 2003, o jogo americano de realidade virtual, Second Life,
arrebatou adeptos no mundo inteiro, mas, apenas quatro anos depois (2007) o game foi
perdendo espaço porque, de acordo com Lemos (2009), o game isolava seus usuários, já que a
“segunda vida” era experienciada em um outro universo, personificando todas as vias do
simulacro. Lemos ressalta que a intenção da realidade aumentada é o inverso do que
propunha a realidade virtual e seus mundos paralelos, como no caso do Second Life. Em vez
de isolar a pessoa e criar outro universo, a realidade aumentada “enriquece o ambiente” com
informações, “como se colasse post-its nos lugares”. Na realidade aumentada, o virtual
incorpora o real e vice-versa.
A ideia nunca foi que a informação ficasse aprisionada em um espaço virtual, fora
da minha realidade concreta, e que eu teria que me conectar em uma Matrix para
navegar. A popularização da mistura entre real e digital vai se dar mesmo com as
tecnologias portáteis: celulares, smartphones e netbooks (Lemos, 2009,
andrelemos.info/2009/09/realidade-aumentada-4/).
10 A retomada de um local por seus habitantes. O cidadão volta a exercer poder sobre o espaço.
42
Fonte: mobilepedia.com.br
A predominância do ambiente real, tais como retratado no cinema por meio de filmes
como Homem de Ferro, Minority Report e Avatar, apenas enriquecidos com elementos
virtuais, que têm a função de facilitar e trazer alguma benesse utilitária é para Kirner e Tori
(2006) uma de suas características mais importantes. Azuma foi pioneiro ao estudar
especificamente o assunto e o definiu da seguinte forma: “Realidade Aumentada é toda a
tecnologia que permite a combinação de dados reais e virtuais no ambiente, opera
interativamente, em tempo real e de maneira que os dados fiquem em registro (AZUMA 2001,
apud KIRNER e TORI 2006). Várias são as aplicações atuais, desde no campo da medicina,
até no que é, de fato, relevante para esta pesquisa: jogos e entretenimento.
Amplamente discutida na engenharia, arquitetura e computação, que a apresentaram
através de filmes de ficção científica, a realidade aumentada como estudo da comunicação
vem ganhando forma depois de ter chegado a dispositivos de uso caseiro como celulares e
tablets. Os telefones deixaram de ser apenas móveis, se tornando ferramentas
ultrainteligentes, capazes de desenvolver funções semelhantes às de qualquer computador.
A redução do valor financeiro, bem como da burocracia em contratar um bom pacote
de dados também tem grande responsabilidade na rapidez com que outro uso além de realizar
e receber chamadas e mensagens de texto se tornaram a utilidade menos importante dos
aparelhos celulares. Como mostrado na figura 11, onde as extintas Torres Gêmeas
novaiorquinas aparecem ao apontarmos o dispositivo para o lugar onde já estiveram, a
realidade aumentada intercala informações reais e virtuais.
43
Fonte:andrelemos.info
Fonte: shadowrun-brasil.blogspot.com
Tudo que o sujeito faz no ambiente virtual depende dos atributos do seu avatar – que
concede seus “olhos” ao interator. Assim como os corpos terrestres, o avatar tem um
impacto muito grande no bem estar de seu interator dentro do universo do jogo em
virtude de suas proficiências – uns lutam mais, outros enxergam melhor etc.
(Andrade, 2006, p. 43)
11 Snipers são atiradores, geralmente militares, treinados para que, em posição oculta no flanco, sejam capazes
de efetuar a execução rápida e certeira do inimigo.
45
Fonte: oyun.tamindir.com
46
5. O Ingress
Quase 50 anos depois da criação do Dangeous and Dragons, o Google lança seu
primeiro jogo, unindo brincadeira e tecnologia no que deveria ser tão somente uma plataforma
para apresentar o Google Glass12. Há muito tempo a empresa deixou de ser apenas um site de
buscas e suas atividades inovadoras têm transitado por carros que andam sem motorista até
um óculos que nos manterá conectados ininterruptamente. Atualmente o Glass - como é
chamado - encontra-se ainda em fase de testes, enquanto o Ingress se tornou totalmente
independente, com mais de 5 milhões de downloads na Android Play Store. O game, que
utiliza geolocalização, transforma o mundo inteiro (literalmente) num único cenário do jogo.
Fonte: thenextweb.com
Ingress, fora desenvolvido em 2012 pela Niantic Labs, subsidiária do Google, que
pertence à categoria dos RPGs de realidade aumentada e dos Massively Multiplayer Online
(Ingress.com). Nele, o usuário precisa tanto realizar missões na interface do aplicativo como
cumprir tarefas na vida real que incluem, na maior parte do tempo, andar pelas ruas,
hackeando seus próprios portais e capturando os portais inimigos. É um game social que
utiliza as tecnologias do Google Maps, Google Earth e do Google+ e obriga o jogador sair de
12 O GoogleGlass é um dispositivo vestido de óculos que possibilita a interação dos usuários com diversos
conteúdos em realidade aumentada. Também chamado de Project Glass, o dispositivo é capaz de tirar fotos a
partir de comandos de voz, enviar mensagens instantâneas e realizar videoconferências. Seu lançamento está
previsto para 2015, e seu preço deve ser de US$ 1,5 mil.
47
casa. Ao transitar conectado por lugares movimentados, o gamer consegue carregar seus XM,
energia imprescindível para ter o direito de realizar as tarefas mais avançadas, como visitar os
portais sem que seja necessário estar próximo a eles. Para jogar, o futuro utilizador necessita:
Possuir um dispositivo Android ou IOS13;
Conexão com a Internet;
GPS;
Conhecimentos básicos da língua inglesa para entendimento dos objetivos das
missões;
Tempo e disposição para alimentar o jogo.
Fonte: ingress.xanderhyde.com
13 Até julho de 2014 o jogo esteve disponível apenas para o Sistema Android.
48
Os jogos móveis locativos são jogos urbanos que utilizam tecnologias e serviços
baseados em localização nos quais o lugar é parte integrante das regras e das ações
dos jogos. Eles são um exemplo das mídias locativas e têm como terreno de jogo o
que chamamos de “território informacional”, fronteiras informacionais formadas
pela intersecção do espaço físico com o eletrônico. (Lemos, 2008, p. 05)
Quando criou o aplicativo, o Google fez convites aleatórios a algumas pessoas e cada
uma delas, ao iniciarem o jogo, teve direito a outros cinco convites para distribuir entre os
amigos e assim, sucessivamente. Dois anos depois de sua criação, basta ir à Play Store e fazer
o download. Com a solicitação aprovada, o usuário recebe um e-mail com seu código de
ativação que deverá ser usado para entrar no game. Ao inseri-lo e iniciar o jogo, o agora
personagem é conduzido para um tutorial (em inglês) com as coordenadas iniciais e objetivos
gerais. Escolhe-se, obrigatoriamente, seu nome de guerreiro e, o mais importante, opta por
fazer parte ou da equipe dos Enlightened (Iluminados) ou do time da Resistance (Resistência).
Aqui, como em todo MMOG, o próprio sistema do aplicativo é o Game Master.
Nas redes sociais on-line (WhatsApp, Hangouts e comunidades do Google+), entre os
jogadores da mesma facção, as conversas sobre o jogo são quase ininterruptas, seja
planejando ações, seja recrutando e instruindo novos agentes. Uma vez instalado, o aplicativo
funcionará em qualquer lugar do mundo onde existam portais Ingress, conforme mostra os
anexos I e II. As telas mudam de acordo com a presença local do usuário, já que, como dito
anteriormente, o game utiliza geolocalização como uma de suas exigências mais básicas.
Durante um trajeto, o deslocamento do gamer vai sendo “scaneado” para que ele perceba os
portais ao longo do caminho. Além da tela do jogo, o chat de mensagens para comunicação
também muda seus participantes de cidade para cidade.
Portal Key As chaves permitem que o usuário crie um link até outro
portal. Porém, só com a chave dos dois portais ele
conseguirá criar links entre eles, que também o permitem
recarregar os ressonadores (Ressonators) remotamente,
desde que tenha energia XM suficiente.
Portal Shield Campo de proteção do portal, também chamado de escudo.
Ajuda a proteger o portal de ataques inimigos. Cria uma
redoma em volta do portal que fica carregando de forma
intermitente. Podem ser dos tipos: very rare (muito raro),
49
1) Action Points (AP) and Level: O número no centro é o nível atual. O AP do jogador é
mostrado em torno do seu nível. Quando ele ganhar APs, o contorno será preenchido e o nível
subirá automaticamente.
2) Exotic Matter (XM): Capturados pelo caminho, sem interferência do usuário. Permitem que o
usuário efetue ações no Ingress, como por exemplo, criar um link entre portais.
3) OPS menu: Tocando no OPS é possível acessar o inventário, missões de treinamento e outras
configurações.
4) Portal: Uma construção XM que fornece itens quando hackeado. O link entre três portais
formam um campo de controle.
5) Agent position and action range: A posição do jogador é indicada por uma seta azul ou verde.
O círculo em torno dele é seu raio de ação. Isto significa que um portal deve estar em seu raio de
ação para que possa interagir com ele.
6) COMM: Forma do usuário se comunicar com outros agentes da sua facção (chat).
Portais:
Os portais a serem construídos e defendidos são criados pelos próprios usuários
obedecendo alguns critérios. Os Beta Tester fotografam o possível local, enviam a foto
diretamente para o Google e permanecem aguardando a aprovação ou negativa. É
fundamental que os futuros portais digam respeito a lugares de interesse comum, como um
monumento, fachada de museus e teatros e locais de marco histórico. No caso de liberação, é
criado um portal cinza, que terá a cor da facção que o hackear primeiro.
Para deixá-lo na cor de sua facção, é necessário ir até o local e “capturá-lo”. Isso
significa que o fato de tê-lo fotografado não o faz de imediata propriedade daquele jogador.
Portais descarregam e voltam a se tornar cinza. É preciso visitá-los com frequência se quiser
manter sua posse. Em resumo, eles são assim:
51
Figura 17 - Portais.
Fonte: althingsd.com
COR ESTADO
CINZA Portal que acabou de ser aprovado pelo Google (Niantic) via foto encaminhada por algum Beta Tester.
Ou portal que descarregou (XM) com o tempo.
VERDE Portal cinza que foi conquistado pelos Iluminados. Além de ganhar elementos, o usuário ganha pontos
(AP) para evoluir de nível. Os portais são carregados com energia (XM), através dos seus
ressonadores.
AZUL Portal cinza que foi conquistado pela Resistência. O usuário deve hackear sempre para conseguir
elementos (Chave, Ataque, Escudo, Ressonador ou Mídia).
Fonte: Autoria própria
pessoa ou uma motivação. Normalmente, é o foco inicial do ato, perdendo completamente sua
relevância posteriormente. Exemplos práticos da teoria aplicada a filmes seriam a mala de
dinheiro em Pulp Fiction, o colar em Titanic e o anel em Senhor dos anéis. É simplesmente o
start do problema, mas não o mais importante para seu desenrolar. Nos MMOG nada mais é
que a história criada pelos próprios jogadores de RPG quando o jogo se desenvolve na mesa.
Nos RPGs de realidade aumentada, a história e seu McGuffin já vêm prontos.
O Ingress é como qualquer jogo de interpretação de personagens, que não
sobreviveria sem o lúdico por trás da batalha. Imaginar as missões é condição fundamental
para justificá-las. A partida precisa fazer sentido. Sair de casa apenas para jogar não traduz o
Ingress ou qualquer outro RPG, pois não se trata de efêmera descontração mas de estar imerso
em um determinado estilo de vida onde a interação com o espaço é uma das peças
indispensáveis que compõe o todo.
Fonte: galleryhip.com
A guerra:
acarretar ao planeta. Muitos, porém, acreditam que essa energia está controlando nossa
maneira de pensar. Os Enlightened (Iluminados) buscam trabalhar em parceria com essa
energia e usá-la da melhor forma possível, nos ajudando a utilizar mais do que o usual em
nosso cérebro, mas a Resistance (Resistência) luta para defender e proteger o que resta de
nossa humanidade da influência da matéria exótica, que está aqui para nos escravizar. Cada
jogador é, então, um agente que luta de um desses lados.
Com o aplicativo Ingress instalado, é possível ter acesso ao jogo em qualquer cidade
do mundo. Umas mais coloridas que outras, isso dá ao gamer a noção da quantidade de
usuários e a efetividade da contribuição feita por eles naquele local. À medida que os
jogadores constroem ligações triangulares, a imagem exibida na tela do dispositivo móvel
confirma de quem é o domínio de determinada área: Iluminados ou Resistência. Grandes
porções verdes significam a supremacia dos Iluminados – conhecidos como Frogs -, áreas
azuis afirmam a força da Resistência – chamados de Smurfs -.
Fonte: youtube.com
respeitar as regras para que os participantes sejam recompensados por agir pelo bem do grupo
e não apenas de si mesmo, pois sem isso não há ganho para ninguém. No RPG, o jogo é mais
importante que o resultado do jogo, isso significa dizer que o divertimento maior vem do
envolvimento com a trama e com o que se tem que fazer para alcançar os objetivos. Jogando
sempre de modo individual, as chances de que todo mundo perca são grandes. Tal qual na
vida.
A teoria dos jogos pode ser definida como a teoria dos modelos matemáticos que
estuda a escolha de decisões ótimas sob condições de conflito. O elemento básico
em um jogo é o conjunto de jogadores que dele participam. Cada jogador tem um
conjunto de estratégias. Quando cada jogador escolhe sua estratégia, temos então
uma situação ou perfil no espaço de todas as situações (perfis) possíveis. Cada
jogador tem interesse ou preferências para cada situação no jogo. Em termos
matemáticos, cada jogador tem uma função utilidade que atribui um número real (o
ganho ou payoff do jogador) a cada situação do jogo. (Sartini, et al, 2004, p. 4 a 6)
Apenas no primeiro semestre de 2014, enquanto o jogo era disponível apenas para
dispositivos Android eventos coordenados pela própria Niantic Labs, milhares de pessoas em
suas partidas coletivas. Mais de 11.908.820 quilômetros (mais de três vezes a circunferência
da terra) foram percorridas por eles durante 65 live events que aconteceram nos quatro cantos
do planeta. Neste mesmo período, foram realizadas mais de 22.400.000 ações in-
game (hacking) com visitações in loco aos portais. Pelo mundo, tem acontecido anualmente
encontros que os jogadores denominaram de Copa Mundial de Ingress.
Fonte: venturebeat.com
55
Fonte: ingressguide.com
56
Chats que reúnem desconhecidos por meio de seus interesses em comum há muito
deixaram de ser novidade. Já não são, sequer, bem quistos entres usuários de faixa etária mais
jovem. O que o Ingress faz é muito mais que um bate-papo comum. Tal qual uma
comunicação militar, as pessoas debatem suas táticas, combinam os horários, delegam
missões aos companheiros de nível mais baixo. As configurações são atualizadas à medida
que um gamer da mesma facção chega a cidade. Todos têm a opção de interagir ou não, como
acontecia no antigo ICQ14, por exemplo, contudo, quem leva a história a serio, sempre
interage. Não há mais fronteiras porque não se joga de maneira anônima. São todos membros
de uma única tribo, entregues ao lúdico de lutar para defender o planeta.
Fonte: ingress.su
58
Foi obtido um total de 43 respostas, sendo que a maioria dos entrevistados são
moradores de grandes centros.
59
01 5%
03 12%
05 28%
07 53%
Não estou jogando no momento 2%
Vou a pé 0 0%
Bicicleta 7 14%
Ônibus 18 42%
Carro 19 44%
Este quesito aponta duas vertentes importantes por serem ambíguas. A primeira é o
fato de nenhum dos usuários que responderam o questionário terem dito que saem a pé para
jogar, o que confronta a ideia de André Lemos (2008) sobre o conhecimento que se passa a ter
acerca da cidade. Contudo, 42% utilizam transporte público em sua jornada, o que talvez
explique a primeira questão. Não é apenas sair pela cidade, mas percorrer a distância mais
longa possível e isso endossa, sim, a teoria de Lemos.
Sim 1 2%
Não 42 98%
Embora apenas um usuário tenha declarado que se acidentou durante o jogo, isto
ratifica a possibilidade real de perigos.
Sim 2 5%
Não 41 95%
Um pequeno número afirmou ter sido assaltado enquanto jogava, o que também
confirma os riscos reais a que os jogadores se submetem para alimentar o que,
conceitualmente, é apenas uma brincadeira.
Sim 38 88%
61
Não 5 12%
Sim 4 9%
Não 39 91%
Quatro usuários admitiram possuir mais de um jogador. Esta ação caracteriza uma
fraude ao jogo, assim, ou o jogador mente em um game em que não existe vencedores ou ele
desconhece as regras. Não há sentido em burlar um sistema para os quais não haverá perdas
ou ganhos.
Sim 36 84%
Não 7 16%
Outro aspecto positivo é o fato de poder conhecer pessoas. Seja deixando armas, seja
auxiliando os novos adeptos, o Ingress não existe sozinho e como em qualquer guerra, é
62
preciso recrutar e treinar novos soldados frequentemente. De acordo com a teoria dos jogos,
proposta pelos matemáticos americanos Jonh Nash e von Neumann (apud SARTINI, et al,
2004), é uma atitude de interesse pessoal colaborar com um grupo para evitar o que a teoria
chama de “tragédia comum”.
Sim 28 65%
Não 15 35%
A maioria dos entrevistados afirmou já terem interagido com pessoas de outros locais
a fim de ajudar ou serem ajudados com a troca de itens. Gamers em estágio avançado, quando
de passagem por uma determinada cidade, combinam de deixar “armas” próximas a portais
para ajudar a equipe a se fortalecer, em gesto de colaboração. Este gesto colaborativo também
conota o consumismo virtual. Sem armas, as atividades ficam limitadas e os relacionamentos
se dão também por isso e não apenas pelo simples desejo de interagir.
9) Já deixou de fazer algo com alguém porque preferiu sair para jogar?
Sim 20 47%
Não 23 53%
Baudrillard (1988), em seu conceito de simulação, disserta sobre dois mundos que se
intercalam. Deixar compromissos em prol do jogo, como fazem grande parte dos que
responderam ao questionário, confirma o trânsito entre a matriz e o real.
63
Sim 36 84%
Não 7 16%
Aqui, mais uma vez as ideias de Lemos (2008) sobre a retomada da cidade pelo
cidadão são confirmadas.
Os nômades virtuais buscam novos territórios, os territórios informacionais. Eles
passam de ponto a ponto em busca não de água, caça ou lugares sagrados, mas
lugares de conexão. Não precisam carregar seus pertences nas costas já que tudo o
que precisam está virtualmente na rede. (LEMOS, 2009, p. 07)
Sim 16 37%
Não 27 63%
Aqui temos o consumismo real já que a quantidade de pessoas que afirmaram ter
comprado um novo celular única e exclusivamente tendo o jogo como motivação reflete a
necessidade que a indústria cultural tem de ser alimentada e desmistifica a inocência
erroneamente atribuída a esses aplicativos que, conforme os dados são muito mais que
simples jogos.
64
7. Considerações Finais
Ainda que muitos dispositivos acabem por nos proporcionar, de fato, um
desprendimento do real, seria um retrocesso desgastante e possivelmente frustrado, evitar
maneiras de não se inserir no que vem acontecendo. Tem se tornado cada dia mais difícil se
abster e mesmo que em moldes mais modestos para alguns, a tecnologia se impôs, até aos que
não a percebem ou reconhecem. Aqueles que não se associaram de nenhum modo muito
provavelmente estão fadados às dificuldades de um sistema que antes de sua existência era
apenas simples, na sociedade contemporânea, é dispendioso. Há os que, muito certamente,
veem nisto a definição de apocalipse, explicada pelo temor de que as conexões feitas com o
auxílio da interatividade destruam as relações humanas consideradas verídicas. Não destroem.
Vimos através deste trabalho que a forma como nos relacionamos é cíclica contudo,
ano após ano, algo permanece intacto: as pessoas continuam sendo o centro. O telefone não
fez com que as visitas diminuíssem, apenas possibilitou o contato quando elas são impossíveis
mas o contato é urgente. O videogame, mesmo quando factível de ser jogado sozinho, à
exceção da presença de elementos específicos do comportamento individual, sempre fora
mais divertido na companhia de um amigo e hoje, ele sai da sala de casa e nos leva para a rua;
nos possibilita o contato com cidadãos de outras estâncias e apresenta-nos à nossa própria
cidade.
Nossa onipresença confronta as teorias de espaço, lugar e tempo. Santaella (2013)
levanta questões que a física não pode solucionar. Os sentidos não são captáveis e apesar do
tempo ser algo físico, ele não é um objeto. Assim, falamos de tempo dentro do tempo. Ainda
segundo a autora, nossa ubiquidade proporcionada pelo virtual, dissocia os conceitos de
espaço e lugar, sendo o primeiro regido por seu papel social e o último pelo tipo de uso que
damos a ele. É o fim da barreira fronteiriça visto que somos ubíquos (SANTAELLA, 2013,
p.128) e apesar de sermos membros de várias tribos, pertencemos à única Aldeia existente em
todo o globo (MCLUHAN apud SILVA e ALVARENGA).
A ideia de que os contatos pessoais realizados com o auxílio de jogos como o Ingress
irão aos poucos destruir a necessidade que temos de laços feitos de modo “natural”, ignoram o
fato de que as reconfigurações que vêm acontecendo não são novidade. Como dito por Lemos
(2008), apesar de agora estarmos munidos de aparatos tecnológicos, a forma como nos
relacionamos sempre esteve em transição. O Ingress quebra o paradigma que envolve o
conceito de distância, abre os olhos do gamer para a cidade à sua volta e o leva para um
65
mundo onde ele é importante e necessário. Entregues ao lúdico de lutar em defesa do planeta,
sabem se tratar de um jogo onde facções rivais duelam em defesa de seu território, mas não é
uma fantasia esquizofrênica.
A análise de item a item do questionário respondido pelos jogadores comprova a
ambiguidade do jogo. Baudrillard está certo, a matriz existe. Isso se reflete no perfil que é
arrebatado pelo game e no estilo de vida que a maioria dessas pessoas leva. Porém, não é o
prenúncio do fim. Estamos nos reconfigurando, como Lemos (2004) afirma que continuará
acontecendo e não se trata do método, mas da recepção humana ao novo. Assim, já que o
espaço existe e os monumentos que dão vida aos portais do jogo em questão, também, o que
realmente está em pauta é o momento em que nos damos conta de que, mesmo
involuntariamente, somos parte de todo o processo e ao acordar para isso, nós é quem
decidimos se queremos a pílula azul ou a vermelha15.
15 Alusão ao filme Matrix, especificamente à cena em que o personagem Morpheu diz a Neo que a fantasia é
vermelha e a verdade é azul, ambas representadas por pílulas nestas cores.
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Referências
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Janeiro: Zahar, 1985.
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LEMOS, André (org). Cibercidade. As cidades na cibercultura. Editora e-papers, Rio de
67
Anexos
Anexo I: Tela do Ingress – Região Alagoas. Fonte: Ingress.com
Anexo II: Tela do Ingress – Região Cidade Universitária (Maceió/AL). Fonte: Ingress.com