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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTES


GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL –
HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

Bianca da Silva Araújo Ferraz

A reconfiguração das interações humanas e com o espaço através dos RPGs de realidade
aumentada: O CASO INGRESS

Maceió
2014
BIANCA DA SILVA ARAÚJO FERRAZ

A reconfiguração das interações humanas e com o espaço através dos RPGs de realidade
aumentada: O CASO INGRESS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao curso de Graduação em Comunicação
Social – Habilitação em Jornalismo – da
Universidade Federal de Alagoas como
requisito obrigatório para a obtenção do grau
de Bacharel.

Orientador: Prof. Dr. Ronaldo Bispo dos


Santos

Maceió
2014
Folha de Aprovação

AUTOR: BIANCA DA SILVA ARAÚJO FERRAZ

A reconfiguração das interações humanas e com o espaço através dos RPGs de realidade
aumentada: O CASO INGRESS

Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao


corpo docente do curso de Graduação em
Comunicação Social – Habilitação em
Jornalismo – da Universidade Federal de
Alagoas e aprovado em de de
2014.

__________________________________________________________________
Prof. Dr. Ronaldo Bispo dos Santos, UFAL (Orientador)

Banca Examinadora:

_____________________________________________________________________
Prof. Dr. Aloisio Nunes, UFAL (Examinador Interno)

_____________________________________________________________________
Prof.ª MSc. Manoella Neves, UFAL (Examinadora Interna)

_______________________________________________________________________
Prof. Dr. José Wagner Ribeiro, UFAL (Suplente)
A todos os meus.
AGRADECIMENTOS

A Deus, que se mantém fiel a mim ainda que eu o conheça tão pouco.
A esta Universidade, que mais que me auxiliar a conseguir ser quem eu gostaria
profissionalmente, foi, até aqui, a maior de minhas janelas para o mundo e me impulsionou a
descobrir quem eu gostaria de ser como pessoa.
Aos novos amigos, feitos aqui dentro, com os quais tenho afinidades que me fazem
querê-los para sempre por perto e aos antigos, que torceram enquanto esperavam lá fora.
Ao meu orientador, Ronaldo Bispo, que talvez desconheça a importância que suas
aulas tiveram para que eu me mantivesse firme apesar das dificuldades.
Aos meus pais e irmãos, pelo amor, incentivo e apoio incondicionais.
A Bruno, companheiro, amigo e parceiro, por tudo o quanto representou nestes
quatro anos. Sem ele, a jornada teria sido mais longa e menos alegre.
E a todos que direta ou indiretamente contribuíram para minha formação, o meu
muito obrigada.
“Tudo aquilo que não me destrói, torna-me mais forte.”
Friedrich Nietzsche
RESUMO

A proposta aqui apresentada elabora uma análise do Ingress, jogo de RPG de Realidade
Aumentada criado pelo Google em 2012. Para tanto, o trabalho usa como principais
fundamentações a teoria do simulacro e o conceito de jogos móveis locativos. Mentor da
primeira, Baudrillard afirma que nos afastamos da realidade de tal forma que sequer sabemos
distingui-la de uma simulação. Assim, aspiraríamos a ilusão de não precisarmos mais do real,
agora oculto pelos simulacros. Já André Lemos, um dos maiores pesquisadores brasileiros
sobre tecnologia digital, caminha em via oposta. O autor vê com otimismo a inserção de
tecnologia nas relações interpessoais, confia na capacidade que o usuário contemporâneo tem
de filtrar somente o que é válido nesse processo de reconfiguração e assegura que estes novos
processos comunicacionais não destroem ou nos iludem com algo que não é verdadeiro. Este
trabalho busca evidenciar a maneira como o Ingress encontra espaço para sustentar a
perspectiva de ambos os autores e de que mais que um jogo, é um exemplo expressivo das
novas formas de interação social que acompanham a evolução das plataformas e interfaces de
entretenimento.

Palavras-chave: Cibercultura; simulacro e simulação; jogos móveis locativos; Realidade


aumentada; RPG; Ingress.
ABSTRACT

The present work has the proposal of draw up an analysis of Ingress, a Augmented Reality
Role-Playing game created by Google in 2012. Thus, the work uses the main basis of the
Simulacra and Simulation Theory to locative mobile games. Mentor of the theory, Baudrillard
says we are so far from reality that we can not discern it from a simulation. So, we may have
the illusion to no longer need the real, now hidden by simulacra. To André Lemos, one of the
largest Brazilian researchers on digital technology, goes in the opposite way. The author is
optimistic about the inclusion of technology in interpersonal relations, relies on the ability that
the user has to filter what is only valid for this reconfiguration process and ensures that reset
does not mean destroy or deceive with something that is not true. This work seeks to
demonstrate how the game Google Ingress find space to sustain the view of both authors and
more than a game, it is an outstanding example of new forms of social interaction that
accompany the development of platforms and entertainment interfaces.

Key-words: cyberculture; simulacra and simulation; locative mobiles games; augmented


realitive; RPG; Ingress.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - O mito da caverna......................................................................................21


Figura 2 - Cena de Matrix..........................................................................................22
Figura 3 - Ítens do jogo...............................................................................................23
Figura 4 - Livro do jogador.........................................................................................25
Figura 5 - Live Action Guerra dos 100 anos...............................................................29
Figura 6 - Guerreiro D&D Microsoft PixelSense Table.............................................31
Figura 7 - Cenário D&D Microsoft PixelSense Table................................................31
Figura 8 - Tecnologia Vs. Proximidade......................................................................34
Figura 9 - Sobre já termos sido mais próximos..........................................................36
Figura 10 - Real e Virtual intercalados.......................................................................42
Figura 11 - Camadas de informação eletrônicas sobre o mundo real.........................43
Figura 12 - Filme Homem de Ferro – Matéria prima e tecnologia:............................43
Figura 13 - Atirador em primeira pessoa....................................................................45
Figura 14 - Sergey Brin usa o Glass...........................................................................46
Figura 15 - Logomarca do jogo..................................................................................47
Figura 16 - Interface principal do jogo.......................................................................49
Figura 17 - Portais......................................................................................................51
Figura 18 - Iluminados vs. Resistência.......................................................................52
Figura 19 - O lúdico por trás dos portais....................................................................53
Figura 20 - Copa Mundia de Ingress 2014 …............................................................54
Figura 21 - Portal Attack............................................................................................55
Figura 22 - Portal Chat...............................................................................................57
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Narrativa de um diálogo...........................................................................27


Quadro 2 - Regras da batalha campal Guerra dos 100 anos.......................................29
Quadro 3 - Conceituando os JML...............................................................................40
Quadro 4 - Tipos de MMOG......................................................................................44
Quadro 5 - Ferramentas do Jogo Ingress....................................................................48
Quadro 6 - Elementos da intarface principal..............................................................50
Quadro 7 - Características dos portais........................................................................51
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................11
2. COMUNICAÇÃO SOCIAL................................................................................13
2.1 Teorias da comunicação....................................................................................13
2.2 Estética da comunicação...................................................................................15
2.2.1 A arte como bem de consumo....................................................................16
2.3 A teoria culturológica........................................................................................18
2.3.1 Simulacros e Simulação.............................................................................19
2.3.2 A matriz......................................................................................................20
3. O RPG....................................................................................................................23
3.1 Live Action.......................................................................................................27
3.2 Microsoft PixelSense Table..............................................................................30
4. CIBERCULTURA................................................................................................32
4.1 Cibercidades.....................................................................................................33
4.1.1 O Flêuner...................................................................................................36
4.2 Mídias locativas................................................................................................38
4.2.1 Jogos móveis locativos..............................................................................39
4.2.2 Realidade Aumentada................................................................................41
4.2.3 Massively Multiplayer Online Games.......................................................43
5. O INGRESS...........................................................................................................46
5.1 Conhecendo as ferramentas do jogo.................................................................48
5.2 Teoria do McGuffin..........................................................................................51
5.3 Teoria dos jogos................................................................................................53
5.4 A aldeia global..................................................................................................56
6. DELINEAMENTO DA PESQUISA E DOS RESULTADOS...........................58
6.1Definição de amostra ou população-alvo..........................................................58
6.2 Coleta de dados.................................................................................................58
6.3 Gráficos e Análises...........................................................................................58
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................64
REFERÊNCIAS........................................................................................................66
ANEXOS....................................................................................................................69
11

1. Introdução
Este trabalho dá seguimento aos estudos da autora iniciados no Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e se aprofunda na pesquisa dos RPGs
de realidade aumentada, descrevendo desde a conceituação da indústria cultural apresentada
por Adorno e Horkheimer (1985) e que se faz relevante na compreensão do consumo não
apenas dos programas, mas também dos dispositivos eletrônicos que hospedam os aplicativos
em questão, até o uso prático de jogos deste segmento em intervenções urbanas não apenas
imaginárias, mas visíveis. Além disto, a indústria cultural está diretamente ligada ao consumo,
o que nos auxilia no entendimento da necessidade que a sociedade contemporânea tem de
adquirir novas tecnologias, ainda que caras e desnecessárias.
O cerne da pesquisa ocupa-se em avaliar até que ponto a forma diferenciada com que
os usuários interagem entre si consiste numa mudança que gera prejuízo à comunicação entre
jogadores e não jogadores, coabitantes de dois mundos diferentes porém intercalados como
afirma Baudrillard (1981) ou se, como exposto por Lemos (2010), o comportamento dos
gamers e a maneira como eles deambulam1 pelo espaço ao seu redor nada mais é que uma
reorganização natural advinda da passagem do tempo e das facilidades de acesso às
plataformas tecnológicas.
As análises são expostas à medida que a fundamentação acontece, em um estudo
dividido em duas fases. No primeiro momento temos a investigação bibliográfica, onde os
principais autores são estudados por meio de suas publicações e estas servem como base para
a elaboração teórica do projeto e por último, o estudo de caso do Ingress, com a pesquisa de
campo feita com o uso do jogo pela autora e a aplicação de questionário aos usuários através
da página do jogo em rede social. De início, foram traçados os caminhos percorridos desde
autores da primeira geração da Escola de Frankfurt até estudiosos atuais como Lemos e
Santaella, o que nos leva a conceber o perfil dos jogadores de Role-Playing Game (RPG) 2,
nos moldes como os jogos se apresentam graças aos recursos oferecidos pelo advento da
mídia locativa.
O Ingress, objeto deste estudo de caso, trata-se de um Massively Multiplayer Online
Game (MMOG) criado pela Niantic Labs, subsidiária do Google e que até pouco tempo era
um aplicativo apenas para o sistema Android. É, como todos os MMOGs, um jogo
colaborativo, onde os usuários precisam realizar missões tanto na interface quanto no “mundo
1 Termo utilizado para caracterizar os que andam sem rumo. O mesmo que vagar despreocupadamente.
2 Jogos de interpretação de personagens.
12

real”. Concebido a priori para divulgar o GoogleGlass, o jogo se tornou um sucesso nos
grandes centros, tendo sido baixado mais de cinco milhões de vezes em todo o mundo. Em
eventos coordenados pela Niantic, por exemplo, mais de 12.300 agentes se reuniram em 65
cidades de diversos países ao passo que, em paralelo, têm ocorrido encontros promovidos
pelos próprios jogadores, no que eles chamam de Copa do Mundo de Ingress
(ingressguide.com), onde se reúnem para capturar portais em parceria.
Conceitos de Manovich (2001 apud Silva e Alvarenga, 2009), em torno da ideia de
interatividade, auxiliaram na elaboração do questionário aplicado entre jogadores do Ingress
com o objetivo de definir seu perfil e identificar características que explicam o modus
operandi de uma atividade de entretenimento que exige tempo, criatividade e interação
constantes de seus usuários. O autor afirma (ibid) que isso ocorre devido às restrições físicas
da cidade que são superadas na internet, fazendo com que sua rota reflita sua própria
subjetividade. Para Lemos (2008) não há, de maneira alguma, o fim do espaço físico, mas sua
atualização.
O ponto de vista de pensadores que apesar de terem vivido em épocas e lugares
diferentes, bem como o auxílio de textos secundários, mas não menos importantes, abrem um
leque de possibilidades sobre os benefícios ou possíveis danos às relações interpessoais,
causados pelo surgimento da cibercultura e suas cibercidades. Com a elaboração do estudo de
caso do jogo tomamos conhecimento quanto à forma como seus usuários se comunicam
dentro do conceito de inteligência coletiva e o trabalho é finalizado com a conclusão obtida
ante os aspectos que motivam o indivíduo dentro dessa nova forma de existir, tendo em vista
as particularidades que modificaram o conceito de verdade, no sentido do que é real. O
propósito deste trabalho visa compreender as atuais recolocações provocadas pela tecnologia,
de que maneira elas alteraram as relações interpessoais e até onde o contato dito “real” pode
ser substituído.
13

2. Comunicação social

2.1 Teorias da comunicação

A palavra comunicar é oriunda do termo em latim comunicare e significa “tornar


comum” (ROCHA 1997, p.154). Segundo Marques de Melo (1995, p. 14), quando se
comunica algo, esta coisa se torna comum a ambos. Para o autor, em sociedade, a
comunicação sempre existiu porque ela própria caracteriza o processo social, sendo a maior
responsável pela troca de informações e conhecimento, divulgação de notícias, propagação de
cultura e arte. Comunicação, comunhão, comunidade são palavras que têm a mesma raiz e
estão relacionadas ao mesmo conceito de algo compartilhado. Habermas (1984) diz que a
sociedade é, basicamente, comunicação e citá-lo não poderia ser mais pertinente, já que esse
trabalho encontra a maior parte de seu auxílio em textos provenientes da Escola de Frankfurt.

Não é a relação de um sujeito solitário com algo no mundo objetivo que pode ser
representado e manipulado mas a relação intersubjetiva, que sujeitos que falam e
atuam, assumem quando buscam o entendimento entre si, sobre algo. Ao fazer isto,
os atores comunicativos movem-se por meio de uma linguagem natural, valendo-se
de interpretações culturalmente transmitidas e referem-se a algo simultaneamente
em um mundo objetivo, em seu mundo social comum e em seu próprio mundo
subjetivo (Habermas, 1984, p. 392).

Data-se do período entre guerras a aplicação dos principais conceitos que


conhecemos acerca das teorias da comunicação. À época, principalmente por meio do rádio,
as notícias conseguiram atingir grande popularidade, adquirindo características de meio de
comunicação de massa. Isso se explica na necessidade de difundir a ideologia de um regime e
enaltecer tanto a figura do líder quanto a de seu governo. Em virtude de seu imediatismo, a
utilização do rádio auxiliava na troca de informações entre as posições dos soldados no front.
Segundo Azevedo (2014), “o uso do rádio por regimes totalitários é marcante no caso alemão
durante a Segunda Guerra, onde Hitler pronunciava seus discursos racistas e inflamados
conclamando a união da raça 'superior' para dominar o mundo”.

Teorias como a da Agulha Hipodérmica, Funcionalista e o Paradigma Matemático


Informacional se encaixam na espécie de manipulação hitleriana, com elementos
primordiais para que alcançasse seus objetivos. Na Teoria da Bala Mágica, o modelo
estímulo-resposta é bastante presente no Nazismo, pois os alemães estavam vivendo
em uma situação degradante após a Primeira Guerra Mundial, necessitando se
apegarem a algo. No Funcionalismo, funções como vigilância e integração
predominam pelo fato de que suas mensagens buscavam manter o grupo unido de
qualquer ameaça a sua ordem, necessitando alerta da população e a exclusão por
parte do povo contra, por exemplo, os judeus, considerados por Adolf Hitler como
um povo que deveria ser exterminado em nome de uma sociedade ariana. O
14

Paradigma Matemático Informacional está representado pela repetição dos valores


nazistas nas propagandas desse governo totalitário, causando a alienação em grande
parte dos alemães na época da Segunda Guerra Mundial. (Correia e Souza, 2014, p.
1)

Nascida nos Estados Unidos em 1969, a internet, assim como o rádio, também
descende da engenharia militar. Articulada durante a guerra fria, que dividia o mundo entre
duas potências, sua função era basicamente belicosa, para articular centros de defesa em caso
de um ataque soviético. Após a segunda guerra e tendo perdido sua utilidade inicial, a internet
chegou aos meios acadêmicos e, atualmente, encontra-se na sua terceira fase, a comercial,
que, segundo dados de estudo realizado pela Companhia de Pagamentos Digitais (Pagtel),
67% de pessoas com smartphones já tiveram algum contato com o chamado m-commerce3.
Entre os fatores apontados para o movimento de adesão aos meios móveis está não só a
popularização dos aparelhos, mas também a melhoria nos serviços de internet móvel.
A Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 – Hábitos de Consumo de Mídia pela População
Brasileira (Brasil, 2014, p.48), encomendada ao Ibope pela Secretaria de Comunicação Social
da Presidência da República, aponta que a internet é o segundo meio de comunicação mais
utilizado pelos brasileiros, perdendo apenas para a televisão, mas já à frente do rádio. A
pesquisa detalhou o uso dos meios de comunicação por gênero, faixa etária, renda familiar
escolaridade, porte do município e atividade. A internet é mais popular entre os jovens de 16 a
25 anos – 48% relataram usá-la diariamente. Na faixa etária superior a 65 anos, 92%
afirmaram que nunca usam ou não costumam usá-la.
Muito da prosperidade da internet, segundo a pesquisa, se deve à baixa do custo de
acesso e à interação com as ferramentas tecnológicas. Martín-Barbero (2006) enfatiza a
relação tecida entre emissores e receptores num processo em que a comunicação é vista de
forma ampla, o que possibilita compreender o fascínio exercido pelos novos formatos
midiáticos e o modo como o massivo não anula o cultural, possibilitando, ao contrário, o
surgimento de tipos diversos de interligações sociais.

Sobrecarregada tanto pelos processos de transnacionalização quanto pela


emergência de sujeitos sociais e identidades culturais novas, a comunicação está se
convertendo num espaço estratégico a partir do qual se podem pensar os bloqueios e
as contradições que dinamizam essas sociedades-encruzilhadas, a meio caminho
entre um subdesenvolvimento acelerado e uma modernização compulsiva. Assim, o
eixo de debate deve se deslocar dos meios para as mediações, isto é, para as
articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais, para as diferentes
temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais (Martin-Barbero, 2006, p.
260)

3 Comércio digital, onde compras são realizadas apenas por meio da página do website, sem qualquer contato
pessoal com a loja e seus funcionários.
15

Santaella (2013) subdivide os meios tecnológicos em cinco categorias diferentes: as


tecnologia do reprodutível – referentes às mídias inseridas na era da reprodutibilidade técnica,
como os jornais e o cinema; as tecnologias da difusão – meios responsáveis pelo alastramento
da cultura de massa, como rádio e televisão; tecnologias do disponível – denominada pela
autora de cultura das mídias, onde se encaixariam os aparelhos para uso de um público
específico, tais quais o videocassete e as máquinas de xérox; as tecnologias de acesso – que
englobam os computadores e por isso são representantes da revolução digital, tendo nos
trazido, segundo ela, “modificações, inclusive, antropológicas” (ibid p.287, 2013) e por fim,
as tecnologias da conexão contínua, que tem no telefone móvel seu exemplo mais tenaz.
Santaella (ibid) explica que o celular por não possuir limitadores físicos, ele fez com que todo
o ambiente urbano adquirisse um novo aspecto e as cidades um novo sentido.

2.2 Estética da comunicação

Estudos sobre a beleza estética aparecem como descendentes de alguns importantes


textos filosóficos, a exemplo da Arte Poética no qual, antes mesmo de poder denominá-la,
Aristóteles (1975) já falava em artes belas e feias no livro que reuniu seus escritos para uma
narrativa acerca da mimese, catarse e peripécia. Na Poética, o autor pontua várias
manifestações artísticas e cria uma ponte entre elas e a poesia. Aristóteles (ibid) trata a beleza
de maneira em que se apresente totalmente despida de conceituações hipócritas.
Apesar de não desmerecer o que há de belo no interior dos seres, por dentro não
sofremos influência da necessidade de que haja harmonia de proporções, como acontece na
beleza exterior. A narrativa expõe a mimese contida na arte, que nada poderia ser além de uma
imitação da vida real, que apenas reproduz o sofrimento ante a perda de um filho, a dor de
perceber-se apaixonado pela esposa de um amigo, retrata o calvário da família em que irmãos
se confrontam por dinheiro. Bem como é no mundo, em que existem as pessoas que são boas
e as más criaturas, assim seria na arte ou em jogos de interpretação de personagens, por
exemplo.

Como a imitação se aplica aos atos das personagens e estes não podem ser senão
bons ou maus (pois os caracteres dispõem-se quase só nestas duas categorias,
diferindo apenas pelas práticas do vício ou da virtude), daí resulta que as
personagens são representadas ou melhores ou piores ou iguais a todos nós. Assim
fazem os poetas: Polignoto pintava tipos melhores; Páuson, piores; e Dionísio, tais
quais são. É evidente que cada uma das imitações de que falamos apresentará estas
mesmas diferenças e também aspectos diversos segundo esta variedade. Assim na
dança, na aulética, na citarística, é possível encontrar estas diferenças e também nas
obras em prosa, nos versos não cantados; por exemplo, Homero pinta o homem
16

melhor do que é; Cleofonte, tal qual é; Hegémon de Taso, o primeiro autor de


paródias e Nicócares, em sua Delíade, o pintam pior. O mesmo caráter de imitação
no Ditirambo e nos nomos e a mesma possibilidade de imitação, como em os Persas
e os Ciclopes de Timóteo e de Filóxeno. A mesma diferença distingue a tragédia da
comédia: uma propõe-se imitar os homens, representando-os piores, a outras
melhores do que na realidade são (Aristóteles, 1973, p. 242)

Suassuna (1996) explica que as subdivisões do campo estético se dão por influência
de Kant e oposição aos conceitos de Hagel onde, segundo ele, os pensadores propuseram que
a Estética deveria ser dispersada do campo filosófico vindo a ocupar o posto de ciência. O
termo “Belo” fora substituído por “Estético” sendo o primeiro uma categoria do segundo, já
que existe estética também no que não é considerado bonito. O próprio Aristóteles (ibid)
considerava a Comédia como uma arte feia dada a sua desordem, mas nem por isso a excluíra
do campo estético.

O nome Estético passou, então, a designar o campo geral da Estética, que incluía
todas as categorias pelas quais os artistas e os pensadores tivessem demonstrado
interesse, como o Trágico, o Sublime, o Gracioso, o Risível, o Humorístico etc.,
reservando-se o nome Belo para aquele tipo especial, caracterizado pela harmonia,
pelo senso de medida, pela fruição serena e tranquila – o Belo chamado clássico,
enfim. De fato, o campo estético abrange várias categorias além do Belo. Algumas
delas já foram consideradas como ilegítimas no campo estético, exatamente por
entrarem em choque com a ideia de medida, ordem e serenidade, característica do
Belo. Mas depois que se chamou atenção para a necessidade de fragmentar o campo
estético, receberam elas definitivamente o selo de legitimação. (Suassuna, 1996, p.
23)

É por meio da Ciência do Estético que se faz a ligação entre a pluralidade inerente
aos novos meios e a comunicação social. Gardner (apud BUNNIN e TSUI-JAMES, 2002)
reflete sobre as sensações que vivenciamos ao nos deparar com qualquer manifestação
artística que, de alguma forma, nos emocione. O autor chama de “receptividade estética” o
reagir silencioso que a maioria das pessoas têm em relação a uma música, poema, quadros e
até mesmo cenas da natureza e afirma que “uma pessoa sem qualquer capacidade de resposta
estética, caso se consiga imaginar alguém assim, não poderia ser qualificado como um ser
humano plenamente desenvolvido” (Ibid, p.07).

2.2.1 A arte como bem de consumo

Temos então, com a intensa propagação do acesso à cultura, ainda que de massa, a
gigantesca popularização da arte e, consequentemente, a facilidade do acesso a ela graças à
indústria do capitalismo cultural. A Estética passa a ser incorporada a esses novos meios
levantando, a posteriori, debates que pautam sua preocupação não no excesso de
17

modernidade, mas na espetacularização de um mero entretenimento, muitas vezes com


valores inacessíveis para a maioria. A corrente mais importante tem origem com o surgimento
do conceito de indústria cultural, na qual os filósofos alemães Adorno e Horkheimer (1985)
afirmam que massa e arte constituem um paradoxo e apontam por tanto, a negatividade da
massificação do artístico, argumentando que a mesma lógica da mercadoria e racionalidade
aplicada na esfera de produção pode ser percebida no ambiente de consumo.

O aumento da produtividade econômica, que por um lado produz as condições para


um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho técnico e aos grupos
sociais que o controlam uma superioridade imensa sobre o resto da população. O
indivíduo vê-se completamente anulado em face dos poderes econômicos. Ao
mesmo tempo, estes elevam o poder da sociedade sobre a natureza a um nível jamais
imaginado. Desaparecendo diante do aparelho a que serve, o indivíduo vê-se, ao
mesmo tempo, melhor do que nunca provido por ele. (Adorno e Horkheimer, 1985,
p.03)

A crítica feita pela Escola de Frankfurt que precederia a concepção do que vem a ser
o “esclarecimento” compila as mudanças de comportamento em relação a antigos dogmas e a
um processo de racionalização que leva o sujeito a romper com suas tradições, crendo apenas
em conceitos baseados no lógico. É a chamada “matematização do conhecimento”
(ADORNO e HORKHEIMER, ibid, p.14), que valida apenas o que pode ser confirmado e
testado segundo a lógica racional da ciência moderna. Encantada pelo capitalismo, a
sociedade compra o que este o oferece e passa a subestimar o sensível, fazendo uso exagerado
do técnico, tornando o mundo um lugar de práticas burocráticas e tecnicistas. Para os autores
“A elevação do padrão de vida das classes inferiores, materialmente considerável e
socialmente lastimável, reflete-se na difusão hipócrita do espírito. Sua verdadeira aspiração é
a negação da reificação” (Ibid, p.03).
Cancline (1996) relaciona a indústria cultural ao desejo de consumir para se tornar
aceito. Ele (1996) esclarece que não são os gastos individuais que prevalecem ante o sistema,
mas que este se influencia pelo que o autor chama de “racionalidade integrativa e
comunicativa da sociedade”. Sob o pretexto de obedecer aos ritos sociais, como natais e
outras datas especiais, os gastos realizados pelos mais pobres seriam responsáveis por uma
espécie de organização racional. Isso explicaria o porque de uma empresa como o Google vir
investindo em bens de consumo para além de seus softwares e ferramenta de busca.
Como exemplo, temos o jogo Ingress, que nasceu como meio de divulgação de um
produto que estava por vir. O GoogleGlass, que ainda não fora lançado, deverá custar US$ 1,5
mil (techtudo). Todas as funções do óculos já são executadas por um bom smarthphone, mas,
para o consumidor que o espera, ele é o GoogleGlass e não um smarthphone. De volta a
18

Cancline (Ibid), da perspectiva da economia clássica, o objetivo de toda produção é o


consumo, o que pode gerar a oportunidade de controle e manipulação por parte da indústria e,
em alguns casos, o objeto de compra pode ganhar prestígio maior apenas por possuir valor
elevado porque, de acordo com o autor, “quanto mais custosos sejam os bens, mais forte será
o investimento afetivo e a ritualização que fixa os significados a eles associados
(Cancline,1996, p.59)”.

2.3 A teoria culturológica

Todos os autores aqui citados até agora e que se dedicaram às pesquisas relacionadas
ao consumo encontram na teoria culturológica, criada na década de 1960, principalmente a
partir de Morin (1997), a base para suas afirmações. Para Morin, os avanços tecnológicos e
científicos trouxeram muito mais que o bônus do progresso e das facilidades. Junto perdemos
nossa capacidade de pensar no coletivo, imersos em uma cultura que vive de alimentar o
semirreal. O cinema e suas celebridades, os programas de TV, os personagens de uma novela
e até o McGuffin de um jogo de RPG de realidade aumentada, são as consequências das
imposições da Cultura de Massa, que aprisiona o indivíduo, levando-o a consumir o
desnecessário e o efêmero.

É então possível começar a participar da civilização do bem-estar e essa participação


embrionária no consumo significa que o lazer não é mais apenas o vazio do repouso
e da recuperação física e nervosa; não é mais a participação coletiva nas festas, não é
tanto a participação nas atividades familiares produtivas ou acumulativas, é também,
progressivamente, a possibilidade de ter uma vida consumidora. (Morin, 1997, p.
69)

Contudo, o autor (ibid) faz saber que a indústria do entretenimento não cria nada
irreal. O desejo de possuir, de fazer parte, tem a ver com o despertar da identificação e isso
não ocorre caso os heróis sejam intocáveis e impossíveis. Temos, novamente, a retomada da
espetacularização, com a afirmativa de que é por meio do Estético que se estabelece a relação
de consumo do imaginário (ibid, p. 77). Isto atesta que “todo um setor das trocas entre o real e
o imaginário, nas sociedades modernas, se efetua no modo estético, através das artes, dos
espetáculos, dos romances, das obras ditas de imaginação” (MORIN, 1997, p. 79). Eis aqui o
princípio de tudo. O indivíduo “mergulha” em um mundo constituído por simulacros e ao
fazê-lo, tal qual afirma Baudrillard (1981, p.09), as representações passam a ser parte de sua
vida e não uma vida em paralelo.
Temos uma perspectiva aludindo que ainda que não esteja visando propriamente o
19

lucro, “todo sistema industrial tende ao crescimento e toda produção de massa destinada ao
consumo tem sua própria lógica que é a de máximo consumo” (MORIN, 1997, p. 35). A
elaboração de um jogo como o Ingress tem um alto custo financeiro que, não inocentemente,
a Google concordar em arcar. À mostra, um novo dispositivo que será lançado com a
promessa de revolucionar o mundo do digital, trazendo o que o mercado tem de mais
moderno e eficiente no seguimento de jogos móveis locativos. Em resumo, um único intuito:
o de ser o mais consumido e com isso, o mais conhecido e por tanto mais desejado.

2.3.1 Simulacros e Simulação

Em entrevista concedida ao "Le Nouvel Observateur" em 2003, Baudrillard afirmou


que em seu conceito de Matriz, os dois mundos se colidem. Em oposição ao que acontece no
Mito da Caverna, de Platão, não seríamos meros espectadores de um mundo refletido nas
paredes às quais estamos acorrentados. Quando abrimos o aplicativo do jogo em questão,
somos imediatamente cumprimentados por uma voz feminina que informa quanto tempo
passamos fora e fornece nossa localização atual. A partir daí, nos dividimos entre o real e o
imaginário, em um mundo híbrido, na Matriz idealizada por Baudrillard (1981), que versa
sobre o modo como isso nos afasta do real e nos provoca a habitar um mundo de ideias, de
vontades, do que gostaríamos de ser mas não somos.
Contudo, o autor explica não se tratar de uma mentira, pois simulação e dissimulação
são teorias antagônicas, apesar de ambas se distanciarem da realidade. Para Baudrillard (1981,
p. 09 e 10), não temos se quer um modelo real existente. Tudo se trata de simulação e,
consequentemente, vivemos a simulação da simulação. Avaliando uma partida de Roling-
Play, por exemplo, temos jogadores que simulam a vida em um outro local, com outras
pessoas, sendo eles próprios, pessoas diferentes. A partir do que Baudrillard (Ibid) propõe,
esta seria uma terceira vida e todas elas fariam parte de uma hiper-realidade, já que não se
conhece o real original.

Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não tem. O
primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. Mas é mais
complicado pois simular não é fingir. Logo fingir, ou dissimular, deixam intacto o
princípio da realidade: a diferença continua a ser clara, está apenas disfarçada,
enquanto que a simulação põe em causa a diferença do verdadeiro e do falso, do real
e do imaginário. (Baudrillard, 1981, p. 09,10)

Uma das assertivas mais relevantes para esta pesquisa de tudo o que fora dito por
Baudrillard em Simulacros e Simulação é o entendimento de que todo objeto tem um valor
20

simbólico que é sempre mais importante que seu valor de uso ou de troca. Embutida na
diversão e no entretenimento, estão a necessidade de um smarthphone moderno e de resposta
rápida, um aparelho de recarga extra (já que o jogo consome muita bateria) e um bom pacote
de dados. Joga-se pelo prazer, mas também para subir de nível, conquistar muitos portais e ser
importante nas comunidades do game.

2.3.2 A matriz

De acordo com artigos, declarações e entrevistas que Jean Baudrillard concedeu no


que diz respeito à trilogia Matrix filmada pelos irmãos Wachowski, o melhor modo de
descomplicar o conceito de matriz, da maneira como seu divulgador a imaginou, seria
explicando o que não é a matriz. Platão (1956) compara o estado da natureza humana em
relação à ciência com uma situação em pessoas estão, desde que nasceram, presas pelos pés e
pescoços dentro de uma iluminada caverna. Do modo como foram posicionados, não lhes é
possível enxergar nada além do que está à frente. Atrás deles, a certa distância e altura, há o
fogo que ilumina o ambiente. Projetadas na parede, imagens de pessoas, animais e outras
coisas passam o tempo todo enquanto os prisioneiros acham que exercem alguma influência
sobre os acontecimentos. Este era o mundo como eles conheciam.
Certo dia, um desses cativos escapou e olhando para fora da caverna, a luz natural o
encandeou, deixando-o momentaneamente cego. Com o passar do tempo, fora aos poucos
recobrando a visão e enxergando um mundo diferente do que sabia por certo. Voltou para a
caverna, narrou o fato aos seus companheiros, mas eles o assassinaram, por revolta diante da
“mentira” contada. Com essa estória, Platão divide o mundo em duas realidades: a sensível,
que se percebe pelos sentidos, e a inteligível, que se trata do mundo das ideias. A primeira
delas resume a imperfeição, enquanto a segunda desmistifica as superstições e revela a
verdade até então desconhecida.
21

Figura 1 - O mito da caverna.

Fonte: corujasapiens.com

Logo no início do primeiro filme, Neo, o protagonista de Matrix, retira um de seus


programas ilegais de computador de dentro do livro Simulacra and Simulation, o que denota a
influência de Baudrillard na construção do roteiro. O filósofo, contudo, refuga esta afirmativa
em todas as entrevistas que concedeu em relação à obra cinematográfica e esclarece que
“Matrix é certamente o tipo de filme sobre a matriz que a matriz teria sido capaz de produzir”.
Isso porque a película se aproxima muito mais de Platão que de Baudrillard, já que a matriz
não é um mundo paralelo acontecendo fora da caverna. São dois mundos interligados, tão
próximos e homogêneos que dificultam nossa percepção quanto ao que é, verdadeiramente,
realidade ou simulação, como exemplificado pelo autor na citação abaixo:

...a Disneylândia existe para esconder o que é o país ‘real’, toda a América ‘real’ que
é a Disneylândia. [...] A Disneylândia é colocada como imaginário a fim de fazer
crer que o resto é real, quando toda a Los Angeles e a América que a rodeia já não
são reais, mas do domínio do hiper-real e da simulação. Já não se trata de uma
representação falsa da realidade [...], trata-se de esconder que o real já não é o real e
portanto salvaguardar o n princípio de realidade (Baudrillard, 1991, p.21).

O que falta para o filme é a ambiguidade vivida entre o real e o virtual, numa Matriz
mostrada como ficcional, mas nem por isso perigosa e muito mais prazerosa. O deserto do
real, incerto, dramático e agonizante fora substituído por uma tecnologia capaz de prever
inclusive os riscos e defeitos do sistema. Em resumo, os irmãos Wachowski ainda que tenham
vilanizado a Matrix por todas as truculências exigidas para que ela se mantenha funcionando,
parecem tomados pelo fascínio cultural das tecnologias computacionais.
22

Figura 2 - Cena de Matrix

Fonte: reddit.com

Desse modo, temos a matriz como nada mais que uma simulação, pois imita uma
realidade que não lhe é inerente, mas assim como uma pessoa que simula estar doente
necessita recriar os sintomas da doença (BAUDRILLARD, 1985, p.09) a matriz recria as
características do real. Em contrapartida, também o mundo real não deixa de ser uma
simulação, a partir do instante em que recria a realidade buscada pelos que saíram da Matrix.
O mundo como o conhecemos é o hiper-real, um real sem origem nem realidade e foi descrita
por Baudrillard como um “lugar onde o real dá sua ressurreição artificial, pois tudo está
antecipadamente morto e ressuscitado” (ibid, 1985, p. 14)
23

3. O RPG

Sem desconsiderar que dominó, gamão, xadrez, dama e alguns outros jogos de
estratégia abstrata contam, quase sempre, com o dinamismo advindo de resultados surpresa, a
maioria dos games de tabuleiro tradicionais reservam poucas possibilidades de desfecho. De
regras muito bem estabelecidas, a obviedade acaba por tornar exemplos como Detetive e
Monopoly enfadonhos para muitos, levando à perda de sua funcionalidade com o passar do
tempo e apesar de ainda contarem com grandes números de adeptos, o incômodo com um
passatempo cíclico fez com que aos poucos, cartas e peças estáticas se transformassem em
miniaturas de personagens, armas e veículos e que as normas não levassem a resultados
sempre tão previsíveis. Assim, na década de 70, os Estados Unidos ouvem pela primeira vez o
termo Role-Playing Game, ou RPG.

Figura 3 - Ítens do jogo

Fonte: portallo.com

Diferente dos jogos convencionais, nos RPGs existe a interpretação de cada


personagem e a necessidade de jogar em colaboração, sem a preocupação com o resultado da
partida e em sair vencedor. Há um roteiro a ser seguido e esse é o principal norte de uma
“campanha (jogo em curso)”, que busca resultados individuais obtidos com o desenrolar da
participação dentro de um único time do qual todos fazem parte.
24

No caso do RPG do gênero restrito, ser o personagem é o jogo em si, e de maneira


muito específica: o personagem é definido por suas habilidades, poderes e até
mesmo características psicológicas, tudo representado quantitativamente, e o
objetivo do jogo é aumentar esse índice de habilidades. Se, pela própria definição de
jogo, “a forma como se vence é mais importante do que a vitória em si” (Caillois,
1990: 14), no RPG per se , a vitória só pode ser conquistada como reflexo direto do
crescimento do personagem no arco de sua participação no jogo/mundo ficcional.
(Gomes, 2003, p. 40)

Gomes (2003) versa que, quando surgiram os primeiros jogos eletrônicos, um pouco
do conceito de RPG já habitava em suas simplórias interfaces, com a diferença de que,
segundo ela, atualmente “o personagem não é apenas um pretexto para o jogo e sim, a maior
parte dele” (GOMES, 2003, p.28). A entrega ao lúdico é o grande diferencial entre um jogo de
tabuleiro comum e jogos em que os participantes interpretam personagens. O desapego ao
medo de parecer ridículo e a entrega pessoal necessária ao bom andamento da partida faz dos
Role-playing uma característica de determinado estilo de vida.
O Brasil recebeu seu primeiro kit completo de Rolle-Playing, na década de 1994, por
meio da Grow, uma das maiores fabricantes de brinquedos do país. É comum encontrar
adeptos do jogo no universo geek. A nomenclatura é antiga, porém tem sido difundida em
larga escala há poucos anos servindo como substituta para os que antes eram adjetivados
como nerds. Algumas correntes defendem que o nerd era apenas um bobo estereotipado que,
apagado por sua timidez, focava em seus estudos por falta de opção, mas que o geek detém
personalidade e inteligência destacáveis, principalmente numa era em que a tecnologia se
tornou tão indispensável, como aludido por Matos:

...é notório o fato de as duas principais grandes livrarias no Brasil, a Saraiva e a


Livraria Cultura, terem aberto departamentos específicos para este segmento, com
espaço físico e sites exclusivos ("Ctrl+Nerd" e "Geek.etc" respectivamente. Ambos
inaugurados em abril deste ano). Já no ramo editorial, a revista Superinteressante
(publicação mensal da Editora Abril focada em ciência, história e curiosidades) se
volta cada vez mais para esse público, com ações específicas em redes sociais e uma
coluna online intitulada “Nerdices”. Recentemente, em agosto de 2013, também
chegou às bancas o primeiro número da revista Mundo Nerd da editora Europa. A
publicação se dedica ao estilo de vida nerd e curiosidades da cultura pop. (Matos,
2003, p.03)

O geek, que, geralmente, compõe uma turma constituída por pessoas com interesses
semelhantes aos seus, tem numa batalha de RPG, a possibilidade de aliar sua criatividade à
força física que, no mundo real, ele não detém. Os personagens do jogo são criados com
características que não poderão ser substituídas posteriormente. Assim, o mais lógico é
assumir um avatar imaginário que tenha condições tanto de sair de um labirinto, quanto de
arrombar a porta que o faz prisioneiro dentro dele (Ibid, p.3).
25

O personagem é definido por suas habilidades, poderes e até mesmo características


psicológicas, tudo representado quantitativamente, e o objetivo do jogo é aumentar
esse índice de habilidades. Se,pela própria definição de jogo, a forma como se vence
é mais importante do que a vitória em si, no RPG per se , a vitória só pode ser
conquistada como reflexo direto do crescimento do personagem no arco de sua
participação no jogo/mundo ficcional. (Gomes, 2003, p. 73)

O Dungeons & Dragons ou apenas D&D, primeiro RPG de que se tem notícia,
surgiu, nos anos de 1970, como complemento para um jogo com peças em miniatura, muito
comum nos Estados Unidos. Durante a partida, eles começaram a acrescentar, por conta
própria, elementos imaginários como fortalezas inatingíveis e reis guerreiros dispostos a
morrer na tentativa de atravessá-las. Nem todas as ideias a respeito da história surgem ao
acaso, no desenrolar da partida. As normas vêm escritas em livros que contém instruções e
propostas para a criação de emocionantes campanhas, protagonistas e personagens
secundários. O RPG de mesa, é jogado apenas com o auxílio de lápis, papel e dados além, é
claro, dos livros e da criatividade dos envolvidos.

Figura 4 - Livro do jogador.

Fonte: mestredamaestria.com

Tal qual numa peça de teatro, existe alguém responsável por dirigir a trama: o
narrador ou game master. Durante o jogo os personagens vivem aventuras que lembram os
grandes épicos da literatura e do cinema. Enfrentam monstros, salvam princesas, desafiam
impérios galácticos. Contudo, nada impede que os gamers interpretem vilões e anti-heróis. No
RPG, assim como em qualquer jogo, a dinâmica flui sob a influência das regras, a isso dá-se o
26

nome de Sistema. Sem o Sistema, não haveria diferença entre o que as crianças fazem dentro
de seu mundo imaginário proporcionado pelo direito que elas têm de não serem obrigadas a
obedecerem ao padrão social do que é considerado aceitável e um jogo entre adultos, já
enredados no que Freud conceituou como Superego. Andrade usou a descrição de Castronova
ao explicar o comportamento dos personagens:
Jogadores enxergam literalmente através dos olhos de seus avatares e o que eles
estão habilitados para ver, que depende dos atributos do avatar. Mais à frente, os
jogadores só poderão se conectar aos outros jogadores atavés de seus avatares. Se eu
quiser conversar com Mrs. Jones eu devo, em primeiro lugar, mover meu avatar até
o de Mrs. Jones para “escutá-la”. Se eu quiser fazê-la ver meu “olá”, devo deixar
claro que meu avatar está em frente ao dela. Para todos os efeitos, o avatar vem a ser
o corpo do jogador, para todas as intenções e propósitos, quando o jogador está
presente no mundo virtual. Assim como os corpos terrestres, o “corpo” do avatar
tem impactos em seu dia-a-dia. Avatares maiores conseguem “enxergar” mais longe
que os avatares menores. Avatares mais fortes lutam melhor que avatares mais
fracos. Avatares mais “talentosos”, geralmente, têm poderes diferenciados no mundo
virtual: lutam melhor, viajam mais rápido, têm casas armas e veículos melhores.
Avatares com características masculinas e femininas (como corpo, tipo de cabelo
etc) são tratados como macho e fêmea do mesmo jeito que na terra, pela sociedade
constituída pelos outros jogadores. (Castronova apud Andrade, 2006, p.43)

Em jogos deste tipo, é o mestre quem prepara o enredo, com algum desafio a ser
superado. São os jogadores quem criam os personagens que se envolverão nesta trama. As
histórias normalmente são chamadas de “aventuras” e um conjunto de aventuras jogado com
os mesmos personagens forma uma “campanha”. Muitos dos livros de RPG também
descrevem os cenários onde as aventuras podem acontecer e o tipo de personagem que os
jogadores podem ou não criar. Que pese o fato de que as coisas têm, obrigatoriamente, que
fazer sentindo. Há coerência em ser um cowboy no Velho Oeste, mas não em uma história
medieval.
Cada jogador utiliza um formulário – a ficha de personagem – na qual realiza
anotações sobre tudo aquilo que seu personagem sabe fazer. Em geral, essas habilidades estão
associadas a um número (bom escalador: 2, lutador de artes marciais: 6 etc.) e se jogam dados
contra esses valores para saber se o personagem foi ou não bem sucedido em sua ação. O jogo
inteiro baseia-se nas escolhas feitas pelos personagens que, interpretados pelos jogadores,
modificam a trama, afetando o mundo da narração. Cabe ao mestre descrever as
consequências dos atos de cada personagem e isso gera novas situações para que eles
escolham novas ações. Assim, a história vai sendo construída de modo coletivo, como
explicitado no exemplo abaixo:
27

Quadro 1 - Narrativa de um diálogo.

Em uma típica aventura futurista, quatro rebeldes tentam buscar remédios e água potável
em um laboratório desativado, mas do lado de fora do prédio abandonado em que estão protegidos,
existem pessoas que, atingidas por um vírus mutante, se transformaram em zumbis e agora vagam
no exterior da fortaleza.
NARRADOR – Vocês seguem pelos corredores escuros e úmidos do subterrâneo da
fortaleza. A luz das lanternas de vocês mostra uma porta logo à frente. Quando vocês se
aproximam, percebem uma sombra do lado direito, como se alguém, além de vocês estivesse
parado, do lado de dentro do prédio. O que vocês vão fazer?
RENATO – Eu paro e falo baixinho para o grupo: “Estamos todos aqui ou alguém se
afastou da equipe?”.
BRUNO – Eu digo: “Todos aqui!”.
PEDRO – Apaguem as lanternas ou ele também verá a gente.
LUIS– Se preparem pra lutar! Ele pode não estar sozinho.
NARRADOR – Ok. Vocês apagam as luzes e sacam suas armas, preparando-se para o
pior. E você, Laura?
LAURA – Vou esperar que todos façam silêncio e fazer minha personagem tentar ouvir
alguma coisa, pra saber se tem ou não perigo.
NARRADOR – Ok, Laura! Vamos rolar os dados! Se você passar no teste eu lhe conto o
que sua personagem ouviu...

Fonte: autoria própria

O Ministério da Educação – MEC - (portaldoprofessor.com) incentiva a criação de


oficinas do game em sala de aula como forma de liberar estímulos à cooperatividade,
criatividade, relacionamentos e abstração. O MEC defende o entendimento de que através do
lúdico presente nos jogos, a criança abstrai seus medos e frustrações, aguçando a capacidade
de simulação própria da fase. O RPG auxiliaria o pequeno jogador a construir seu próprio
conhecimento ao invés de apenas repetir o que lhe é dito.

3.1 Live Action

A primeira grande intervenção no modo como se joga RPG talvez seja também a
maior responsável pelas características do jogo em formato de realidade avançada que
conhecemos hoje. Com o surgimento do Live Action (Ação ao Vivo), o cenário passou a não
28

ser mais descrito pelo narrador, mas vivido através da utilização do espaço em volta, que pode
ser uma caverna, floresta, fazenda ou o espaço urbano. No Live Action, os jogadores
representam seus personagens como um ator de teatro representa um papel, inclusive com o
aparato de vestimentas específicas para o papel.
O respeito às orientações do Game Master e ao sistema de regras também aqui é
imprescindível. Propositalmente semelhante à uma peça de teatro, as dinâmicas se diferem
ante a influência do mestre na construção do personagem e na ausência de um roteiro pré-
definido. Além disso, existe a deliberação primordial de que um avatar não toque no outro
durante uma possível batalha. Mais incomum que o jogo jogado em mesa, o Live Action
confronta uma incompreensão muito maior que seu antecessor. Por estarem fantasiados e sob
incorporação de um personagem fantasioso como magos, vampiros, duendes e cavaleiros
medievais, a tendência é que os cenários sejam lugares afastados dos olhares públicos, em
eventos que chegam a reunir mais de 50 pessoas. A importância de um jogo em que se faz
necessário o uso desse tipo de desempenho para que se possa chegar ao tipo de tecnologia de
entretenimento que temos atualmente é elucidada:

Principal herdeiro dos jogos baseados em texto, os role-playing games -os RPGs-
têm empreendido a mais óbvia e confessa tentativa de levar a cabo a missão de
possibilitar ao interator a potencialização do movimento de "assujeitamento",
através da corporificação de um personagem implicado na história e presente num
mundo virtual implementado pelo game. Em algum nível, todo e qualquer game com
apelo figurativo tem algo de role-playing, uma vez que é possível projetarmo- nos
em elementos mínimos para ter a noção de cumprir a função vagamente narrativa de
um personagem –ou “proto-personagem”, como nos já citados PONG e Spacewar.
(Gomes, 2003, p.40)

Outra orientação unânime entre os adeptos do Role-Playing ao ar livre é a de não


utilizar armas verdadeiras, nem imitações que sejam correspondentes. Se o uso de uma espada
for necessário para a composição do personagem o ideal é optar por uma que possua cores
vivas e visivelmente semelhantes a um brinquedo. Isto diminui o risco de que o jogo seja
interrompido por alguém que não sabia se tratar apenas de uma brincadeira. Em várias cidades
do Brasil existem clubes cadastrados de membros permanentes que se reúnem em criar
batalhas, algumas delas como reprodução de combates reais vividos no passado, como é o
caso da Confraria das Ideias, ONG paulistana criada em 1999, que utiliza o RPG como
“instrumento para estimular o censo-crítico e o desenvolvimento social e pessoal”.
29

Figura 5 - Live Action Guerra dos 100 anos.

Fonte: Confraria das Ideias

Em seu website, a Confraria das Ideias explica quais as regras utilizadas em batalhas
ao ar livre que reproduzem históricos combates reais do passado:

Quadro 2 - Regras da batalha campal Guerra dos 100 anos.

Juízes treinados são os interlocutores de uma partida de Batalha Campal. Eles devem zelar
para que todas as regras sejam cumpridas e que os infratores sejam penalizados de acordo com a
falta cometida. As regras gerais são de uso comum à diversos grupos existentes de Batalha
Campal, e tem como base o bom senso:
- Proibido o uso de força excessiva: apesar das espadas serem confeccionadas com um
material leve e macio, o uso da força é desaconselhado, evitando assim qualquer chance de
ferimentos durante as partidas.
- Golpes: são permitidos apenas golpes no tronco e nos membros, excluindo assim a
cabeça e o pescoço, os órgãos sexuais e a linha abaixo do joelho, para reforçar o item de
segurança.
- Amizade acima de tudo: como em todo esporte existe a competição e, naturalmente,
vencedores e perdedores. Mas o principal objetivo é reunir pessoas que gostam do mesmo tema e
proporcionar uma diversão coletiva, onde a amizade de todos deve estar acima de qualquer
disputa.
- Um adversário será derrotado após levar um golpe no tronco ou dois golpes nos
membros (braços e pernas).
- Um golpe proposital na cabeça do adversário elimina imediatamente aquele que desferiu
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o golpe.
- O uso de força desproporcional elimina o competidor após primeiro aviso dos juízes.
- Os golpes pelas costas são permitidos.
- Durante a Guerra dos Cem Anos, enquanto uma fileira está em combate, a segunda
fileira pode usar espadas, lanças e flechas caso algum adversário se aproxime da fileira. A terceira
fileira poderá usar apenas flechas. Da mesma forma, se uma flecha ou lança passar pelo bloqueio
da primeira fileira e atingir a segunda, o golpe será validado.
Fonte: Confraria das Ideias

3.2 Microsoft PixelSense Table

D&D, ainda conta com inúmeros adeptos do game jogado com cartas, fichas e dados,
mas ganhou nova roupagem com uma versão beta feita para a antiga Table Microsoft Surface
(2008) que funciona com multi-toque capturado através de câmeras infravermelho e promete
menor intervenção do Game Master (GM), porém garantindo a grande graça da brincadeira
que é o fator aleatoriedade. Logicamente, a mesa não foi concebida exclusivamente para o
jogo. A intenção de seus criadores era a de misturar o conceito físico com o virtual,
promovendo ao usuário uma experiência totalmente interativa (TecMundo.com).
Atualmente chamada de PixelSense, a mesa interativa criada em parceria com a
empresa Samsung começou a ser vendida em 2012, apenas para empresas como bancos e
imobiliárias sob o valor de 45 mil reais, já inclusa a licença do sistema operacional Microsoft
Windows Seven. A mesa possui uma tela de 40 polegadas com mais de 2 milhões de sensores
infravermelhos. É um aparelho com tecnologia multi touch – toques reconhecidos em pontos
diversos da superfície – o que abre novas possibilidades para a colaboração em documentos
ou, para o que é relevante neste trabalho, a interação em jogos.
Com a possibilidade de digitalização do jogo, tudo o que antes necessitava estar
escrito para que não se perdesse (como armas conquistadas, por exemplo), passou a ser
adicionado numa espécie de inventário virtual, que se localiza num determinado local da
interface do aplicativo. Tendo em vista que o objetivo não é a venda caseira do produto, o
jogo sofre limitações principalmente em relação ao território de combate, que, quando na
imaginação do mestre, poderia ter a dimensão que ele quisesse. Contudo, ainda que de forma
independente, a exploração do espaço aberto e a tecnologia do RPG jogado de forma
tecnológica foram fundamentais para que os RPGs de realidade aumentada fossem possíveis.
31

Figura 6 - Guerreiro D&D Microsoft PixelSense Table

Fonte: techcrunch.com

Figura 7 - Cenário D&D Microsoft PixelSense Table

Fonte: techcrunch.com
32

4. Cibercultura
Lemos (2010) simplifica a conceituação do que é cibercultura como sendo esta a
cultura da leitura e da escrita. Se antes, apenas líamos o que vinha escrito nos jornais e
revistas, assistíamos o que era transmitido pela TV ou absorvíamos, sem filtro algum, as
lições transmitidas pelo professor em sala de aula, impossibilitados de questionar o único
detentor das informações, a cibercultura ampliou a perspectiva de leitura e o fez de maneira
imediata. O indivíduo passou a ser também escritor e não apenas leitor. Ele é crítico do que lê
e produtor de suas críticas por meio de seus blogs, redes sociais e até games, tudo isso
independente de autorização ao Estado ou de parcerias políticas.
De acordo com Lemos (ibid) a cibercultura surge em paralelo com a
microinformática na década de 70. O autor separa ainda a correlação, muitas vezes errônea,
que as pessoas fazem entre ela e a cibernética, embora as duas não andem separadas. Segundo
a teoria cibernética de Wierner (1948 apud Lemos 2010) existe um vínculo entre a
individualidade humana e a troca de informação e todo o otimismo de Lemos toma forma ao
enxergar na microinformática um intensificado acesso às informações permutadas de maneira
democrática, que além de conceder tecnologia ao seu usuário, possibilitou sua inserção em um
novo movimento social. Os computadores deixam de ser tão somente equipamentos
burocráticos usados para calcular e se transformam em ferramentas de convívio, prazer e
comunicação.

A parte interna do desenvolvimento tecnológico (pesquisa, desenvolvimento e


produção industrial) dita, por um lado, as regras do jogo; ela domina condutas e
impõe formas de comportamentos em relação aos objetos técnicos. No caso da
microinformática, podemos dizer que a relação entre o campo social e as novas
tecnologias é constituída pela apropriação simbólica, onde à funcionalidade técnica
e à eficiência econômica (os sonhos da modernidade tecnológica) adicionam-se
delírios, esperanças e invenções quotidianas que desestabilizam as regras do jogo.
Esta apropriação desvia ou prolonga os usos de maneira inesperada e desenvolve
práticas sociais enraizadas no imaginário comum.(Lemos, 2010, p.106)

Aquilo que Lemos (ibid) trata por Reconfiguração Cultural Generalizada diz respeito à
capacidade de agregar pessoas com pensamentos comuns. As críticas musicais, teatrais e de
conteúdo, saem das anotações no fundo da gaveta, onde elas não possuem serventia e
ganham vida através da emissão coletiva e em rede aberta. Todos podem ler se assim
quiserem como também podem comentar e somar mais indivíduos que comungam da mesma
forma de pensar. Isso não se deve somente aos novos equipamentos eletrônicos como
smartphones, tablets e afins, mas, principalmente, à capacidade de problematizar, gerando
33

assim um novo conteúdo. A positividade de Lemos ao constatar a importância desse processo


também se reproduz na narrativa de Santaella:

A cibercultura, tanto quanto quais quer outros tipos de cultura, são criaturas
humanas. Não há uma separação entre uma forma de cultura e o ser humano. Nós
somos essas culturas. Elas moldam nossa sensibilidade e nossa mente, muito
especialmente as tecnologias digitais, computacionais, que são tecnologias da
inteligência, conforme foi muito bem desenvolvido por Lévy e De Kerckhove. Por
isso mesmo, são tecnologias autoevolutivas, pois as máquinas estão ficando cada
vez mais inteligentes. Mas, tanto quanto posso ver, não há por que desenvolver
medos apocalípticos a respeito disso. As máquinas vão ficar cada vez mais parecidas
com o ser humano, e não o contrário. (Santaella, 2003, p.30)

Nossa interação com um mundo à nossa volta encontrou na tecnologia a chance de


exercer sua pluralidade e de desprender-se do sistema de regras impostas pelos signos do bem
visto pelas imposições sociais. Todos podem, caso queiram, transitar em “um espaço livre da
programação, onde as regras do jogo podem ser ludibriadas e onde podemos encontrar
elementos essenciais de uma mitologia não programada” (Ibid, p.107). Como forma de fugir
dos mitos impostos pelo Estado, somos levados a necessitar da ideia de que podemos
manipular o mundo e escapar, mesmo que rapidamente, dos constrangimentos simbólicos
existentes. No universo cibercultural todas as coisas são também constituídas de símbolos,
contudo, vagamos invisíveis por eles.

4.1 Cibercidades

A tecnologia digital vem, de fato, servindo para o abastecimento da indústria do


consumo, que lança seus produtos num espaço de tempo cada vez menor, com as alterações
de modelos e softwares igualmente pequenas. Muito antes do modelo de comércio
tecnológico que conhecemos atualmente, a Escola de Frankfurt já trabalhava com a
preocupação diante das mudanças quanto ao importante. Niilistas que agora somos
(BAUDRILLARD, 1981), nosso conhecimento se tornou aparato de dominação e as crenças
de nossos antecessores perderam lugar para a um tipo de conhecimento matemático, que
admite como válido somente o que pode ser comprovado e testado segundo a lógica racional
da ciência. Para Frankfurt, poder e conhecimento se converteram, assustadoramente, numa
única coisa e a antiga conduta social se encontra em ruínas, dando lugar a outra, vazia e
consumista, que gasta o que não tem, em dispositivos que não necessita.
O progresso separa literalmente as pessoas. O pequeno guichê da estação ou do
banco possibilitava ao caixa cochichar com o colega e partilhar com ele seus pequenos
34

segredos. As janelas de vidro dos escritórios modernos, os salões gigantescos onde inúmeros
empregados trabalham em comum, podendo ser facilmente vigiados pelo público e pelos
chefes, não permitem mais que tenhamos conversas particulares. Mesmo nas repartições, o
contribuinte está protegido de desperdício de tempo dos servidores. Mas os meios de
comunicação separam as pessoas também fisicamente. A ferrovia foi substituída pelos
automóveis. O carro próprio reduz os contatos de viagem a hitchhikers4 inquietantes. As
pessoas viajam sobre pneus de borracha, rigorosamente isoladas umas das outras. Em
compensação, só se conversa num carro o que se discute em outro; a conversa da família
isolada está regulada pelos interesses práticos. A imagem abaixo faz referência à necessidade
constante de estarmos conectados todo o tempo e em qualquer lugar, mesmo estando
acompanhados:

Figura 8 - Tecnologia Vs. Proximidade.

Fonte:cafécomverso.co

Muitas das teorias da comunicação nascidas na Escola de Frankfurt levam-nos a crer


que as benesses do progresso devam talvez serem repensadas pois, de certo modo, acabam por
extinguir vantagens muito mais relevantes advindas da comunicação ao redor. Baudrillard
(ibid) enxerga nisto um niilismo dissimulado que, mesmo sendo maior e mais perigoso, finge
não o ser. Não debatemos a morte de Deus porque praticamos seu funeral cotidianamente.
Mas ele não está morto. Tornou-se hiper-real porque imergimos no universo dos simulacros e

4 Expressão norte-americana utilizada para definir indivíduos que pedem carona na beira da estrada.
35

isto se faz tão natural que não se tem mais ideia sobre qual o aspecto que o real possivelmente
teria. Há o conformismo, a adequação ao sistema, opressor e consumista nos violenta e
acatamos, pois essa violência nos é necessária para viver.

O universo e todos nós, entramos vivos na simulação, na esfera maléfica,


indiferente, da dissuasão: o niilismo de maneira insólita, realizou-se inteiramente, já
não na destruição, mas na simulação e dissuasão. De fantasma ativo, violento, de
mito e de cena que ele era, historicamente também, passou para o funcionamento
transparente, das coisas. Que resta, pois, de niilismo possível em teoria? Que nova
cena pode abrir-se, onde pudesse voltar-se a jogar o nada e a morte como desafio,
como questão? (Baudrillard, 1981, p.195-196)

Lemos (2004), por sua vez, afirma que não existem evidências que confirmem o
abandono das relações interpessoais, mas a inserção de comandos que apenas modificam o
espaço urbano. Semáforos, energia elétrica, esgoto e gás, são exemplos de serviços que
passaram a ser comandados por computadores. É um serviço maior acima de todo o resto.
Isso, por si só, já configura a virtualização das cidades. Dominados pelo medo inicial, a ideia
de efetuar uma compra pela web ou conferir o extrato no home banking, trazia o pânico da
ausência de um lugar físico.
Nossos preconceitos foram cedendo espaço para a necessidade diária de tempo extra.
A internet passou a unir pessoas de interesses comuns em seus chats, messengers, sites de
buscas e de compras etc. É cômodo e isso facilitou sua aceitação. A imagem que se segue,
feita na década de 1950, fundamenta a tese de que as relações interpessoais estão sendo
reconfiguradas. As pessoas se distraem, se fecham em sua individualidade e isso não é
provocado pelo digital.

A relação das cidades com redes técnicas e sociais não é um fato novo. Toda forma
urbana configura-se a partir das mais diversas redes técnicas e sociais (água, auto-
estradas, ferrovias, aeroportos, telégrafo, telefone, televisão, esgoto, correios,
eletricidade). A cidade é e sempre foi um artefato. (Lemos, 2004, p.2)
36

Figura 9 - Sobre já termos sido mais próximos.

Fonte:theatlantic.com

4.1.1 O Flêuner

Em seus estudos, Saturnino (2012) alude sobre outra modificação conceitual advinda
da globalização dos ciberespaços. Tida como a capital das grandes revoluções políticas e
industriais, foi em Paris que nasceu o conceito do flanêur para identificar o indivíduo vagante,
sem pretensões específicas ou utilidade pré-definida. Tanto por sua enorme contribuição
artística, quanto filosóficas e militares, a mais importante cidade francesa sempre foi um
ambiente propício para a personalização da flanêrie, personificando o que Saturnino chama de
“cidade aberta”.
Misturado à multidão, o indivíduo se dissocia da sua própria personalidade, vindo a
ser parte do cenário geral, invisível e, desse modo, não notado. A figura do flâneur se
disseminou para todos os grandes centros principalmente na virada do século XIX. Baudelaire
(apud SATURNINO, 2006) via o ato de deambular sem preocupação como um exercício de
contemplação artística. Na vida contemporânea, com as intervenções digitais e as muitas
camadas de informação, o vagabundo digital5 não é mais um anônimo neste espaço
“desterritorializado”. É impossível e até indesejável ficar oculto. O autor explica que “na
'meta-cidade', o ciber-flâneur rende-se, não mais aos centros comerciais, mas à justificação da
presença. Não há gozo em perder-se na multidão de informação. Ao contrário, a Internet de
hoje exige reputação” (SATURNINO, 2012, p.8).
De volta a Lemos (2004), o que fica claro é que não se trata nem de eliminação, nem
de destruição. O ambiente comunicacional, mais rico e agregador, vem sendo reconfigurado.
5 O flâneur das cibercidades.
37

As pessoas conhecem melhor o lugar onde moram, porque têm acesso a ele sem que seja
preciso sair de casa. Quando saem, informações aparecem por meio de jogos e aplicativos
locais que estreitam as relações entre cidadão e cidade. Os problemas são expostos de maneira
coletiva e coletivos também são os debates tecidos ante questões políticas, sociais e culturais.
A viralização de algo que foi compartilhado em uma rede social, tem o poder de movimentar
o poder público e forçá-lo a assumir uma determinada postura neste novo ambiente.

Não se trata da emergência de uma nova cidade, ou da destruição das velhas formas
urbanas, mas de reconhecer a instauração de uma nova dinâmica de reconfiguração
que faz com que o espaço e as práticas sociais das cidades sejam reconfiguradas com
a emergência das novas tecnologias de comunicações e das redes telemáticas. O
objetivo deve ser o de criar formas efetivas de comunicação e de reapropriação do
espaço físico, reaquecer o espaço público, favorecer a apropriação social das novas
tecnologias de comunicação e informação e fortalecer a democracia contemporânea.
Não está em pauta aqui o abandono da cidade física pela cidade virtual, mas
propiciar a sinergia entre o espaço de fluxos planetários e o espaço de lugar das
cidades “reais”. ( Lemos, 2004, p. 2)

Aplicativos como o Foursquare, que além de ser um jogo em que o gamer recebe
pontos ao realizar um check-in, também fornece informações sobre lugares com os mais
variados tipos de serviço, além de dicas e sugestões de outras pessoas que frequentaram o
ambiente anteriormente (CARVALHO e TORRES, 2014), não afastam seus usuários das
relações concretas e verídicas, muito pelo contrário. Novos contatos são feitos e de maneira
muito mais rápida e eficiente temos a chance de conhecer pessoas com interesses semelhantes
e gostos afins. O modelo não é substitutivo, ele é complementar. Através das ideias do
sociólogo Piérre Lévy (apud LEMOS, 2004), encontramos a definição dos quatro capitais que
compõe a ciência da inteligência coletiva que constitui uma determinada localidade: social,
intelectual, cultural e técnico.
O capital social diz respeito à consistência das relações que firmamos por meio de
contatos digitais, mais especificamente, o webcontato. O capital intelectual está ligado ao
valor da propriedade intelectual e das contribuições “humanas” feitas por cada um. O capital
cultural vem associado ás memórias incutidas em centros culturais, como museus, bibliotecas
e galerias. Por último, o capital técnico, que é a soma de todas as tecnologias utilizadas no
funcionamento do dispositivo, desde os próprios computadores até seus softwares. A
contribuição oferecida pelas cibercidades é vista aqui como uma potência e não como uma
utopia ou previsão futurística. Sim, as novas cidades estão recebendo um grande fluxo de
informações. Não. Nada novo. Nada apocalíptico.
38

4.2 Mídias locativas

O termo mídia locativa foi proposto por Russel (2003) como a síntese do resultado
entre a junção de uma determinada tecnologia e a recepção de dados através dela que digam
respeito á localidade. Antes dele, Ben Russel (1999) dissertava sobre o modo como a internet
vinha “pingando”6 informações sobre o mundo real. A recepção e emissão de dados, atreladas
ao ambiente em que se está, cria uma nova gama de possibilidades e reorganiza o espaço
urbano. Com as mídias locativas, as informações deixam de ter horário fixo pois não são mais
exclusividade dos meios de massa. O fluxo informacional não é transmitido em um cenário
fechado. Qualquer um pode ser comunicador e receber comunicados, basta que tenha o
suporte necessário.
Embora seja possível sua aplicação analógica, são os meios digitais que possibilitam
a troca. Santaella (2013, p.15-16) tratou por comunicação ubíqua a possibilidade que
aparelhos móveis - que agora se dividem em “dumb” e “smart” - têm de serem usados em
qualquer lugar, a qualquer hora, com uma informação modificável e não mais engessadas
como as que outrora foram possíveis e como comunicação pervasiva7 (Ibid, p.17) a
capacidade que o ambiente tem de detectar outros dispositivos que venham a se conectar com
ele. O espaço, antes estático, hoje é móvel e sensível. Lemos (2007) assim definiu o conceito
de mídias locativas:

Podemos definir mídia locativa (locative media) como um conjunto de tecnologias e


processos info-comunicacionais cujo conteúdo informacional vincula-se a um lugar
específico. Locativo é uma categoria gramatical que exprime lugar, como “em”, “ao
lado de”, indicando a localização final ou o momento de uma ação. As mídias
locativas são dispositivos informacionais digitais cujo conteúdo da informação está
diretamente ligado a uma localidade. Trata-se de processos de emissão e recepção de
informação a partir de um determinado local. Isso implica uma relação entre lugares
e dispositivos móveis digitais até então inédita (Lemos, 2007, p.1)

Percebida como camadas de conteúdo que sobrepõe, as tecnologia móveis e sem fio,
como GPS, Bluetooth e WiFi, utilizadas em dispositivos igualmente móveis tais quais
palmtops, smartphones e notebooks, são capazes de localizar, classificar, coletar e arquivar
referências, bem como se desfazer delas. Santaella (2010, p.125) catalogou à época, com base
em suas próprias pesquisas, 19 tipos de prática com mídias locativas que como critérios
básicos se utilizam de ao menos uma dessas características. São elas: realidade móvel
aumentada, mapeamento e monitoramento, geotags, anotação urbana e os games wireless.

6 O termo pingando se refere às informações sobre as cidades que vão aparecendo na tela do dispositivo
digital, como se camadas de informação intercalassem o real e o virtual.
7 Do inglês pervasive, a expressão serve para conceituar algo que se espalha, infiltra e conecta.
39

Bitarello et al. (2013) dissertam sobre os cinco princípios, idealizados por Manovich
(2001) e ainda a serem complementados pelo autor, com a finalidade de facilitar a
compreensão do que vêm a ser as novas mídias. São eles:

i) Representação numérica – as novas mídias são criadas por computadores ou por


fontes a elas análogas. Logo são compostas por códigos digitais que podem ser
quantificados (representações numéricas) e programados;
ii) modularidade – este princípio pode ser conhecido como a “estrutura fractal das
novas mídias”. Como os fractais, estas possuem a mesma estrutura modular, porém
em escalas diferentes. Mesmo organizadas de modo a formar um todo maior, as
partes menores são independentes e não perdem sua autonomia como objetos;
iii) automação – os códigos numéricos, os algoritmos e a característica modular da
programação possibilitam a automação de diversas operações nas novas mídias.
Deste modo, parte da intencionalidade humana pode ser removida do processo
criativo;
iv) variabilidade – um número indeterminado de mídias pode ser criado a partir dos
mesmos dados. Trata-se de uma lógica semelhante à de produção sob demanda em
que o próprio indivíduo determina as características das suas mídias;
v) transcodificação – através do computador, as mídias são transformadas em dados
de modo a possuírem uma estrutura própria. Elas seguem as convenções
estabelecidas pela organização de dados dos computadores e podem ser utilizadas
em diversos formatos. (MANOVICH apud BITARELLO et al. 2013, p.4)

Segundo eles, tais princípios nos auxiliam a perceber nossa participação diante do
todo, através da apropriação de pequenas fatias informacionais, impondo nossa subjetividade
e estreitando os laços com essa nova mídia, que é revestida de cultura, mas sem perder a
lógica computacional que faz com que ela funcione. Manovich (ibid) ressalta a
interdisciplinaridade composta de matemática, modulação e arte que compõe o conceito de
novas mídias. Trata-se de um processo híbrido, onde cada camada de informação advém de
um determinado campo resultando na interatividade característica que tem possibilitado as
modificações que estão acontecendo.

4.2.1 Jogos móveis locativos

Após avaliar mais de 70 jogos em quase 10 anos de pesquisa, Lemos (2008)


compilou a conclusão de seus estudos em um manifesto de libertação aos adeptos da
vadiagem digital8, dentre várias razões para isto, talvez a mais concisa e direta seja a
vantagem de ver o uso habitual dos espaços modificados pelo efeito lúdico. O otimismo com
que o usuário desses espaços é tratado denota as razões para crer que não existe, atrelada à
cibercultura, o entrelaçamento de dois mundos, mas a reconfiguração de um único mundo,
que , simplesmente, adquiriu novas funções. Segundo o autor, não há, de maneira alguma, o
fim do espaço físico, mas o oposto. São novas formas de espacialização com a quebra dos

8 O ato de deambular pelas cibercidades.


40

territórios físicos e virtuais, ainda que, sem essa barreira, o flâneur tenha perdido a capacidade
de vagar sem ser notado – sua principal característica.
E vagando, não tardou para que o uso recreativo das mídias locativas se alastrasse.
Os jogos móveis locativos (JML) se utilizam de três princípios básicos para assim serem
definidos: uso de dispositivos móveis digitais de comunicação, como telefones celulares,
smartphones e notebooks, por exemplo; a imprescindibilidade de conexão com redes sem fio,
como Wi-Fi, bluetooth, GPRS, GPS e outras; e por fim, a integração entre espaços físicos e
eletrônicos como característica essencial de suas ações, regras ou objetivos. Kiefer et al.
(apud Mont'Alverne, 2012) classificaram em três categorias gamers que fazem uso das
tecnologias de localização para linkar9 o universo do game ao mundo real de seus usuários.
Segundo eles, a divisão se dá entre jogos baseados em localização, jogos de realidade mista
ou jogos de realidade aumentada. Mont'Alverne (ibid) esclarece:

Quadro 3 - Conceituando os JML.

LOCALIZAÇÃO REALIDADE MISTA REALIDADE AUMENTADA


São jogos que utilizam tecnologias Jogos baseados em localização que Jogos de realidade mista que criam
de localização e que integram acrescentam uma camada virtual uma camada virtual sobre o mundo
posição de um ou de muitos ao mundo real do jogador. Os real, possível de ser percebida
jogadores como elemento elementos dessa camada virtual visualmente pelos jogadores por
fundamental de suas regras. não têm um equivalente no mundo meio de sensores especiais e
físico. capacetes adaptados para captar
seus movimentos. Esse conjunto
de dispositivos e sensores cria uma
perspectiva em primeira pessoa do
ambiente do jogador realçado por
elementos virtuais, exigindo menos
de sua imaginação.
Fonte: Mont'Alverne (2012)

Os jogos móveis locativos (JML), também chamados de “pervasive games”, aliam


tecnologias digitais móveis e sistemas de geolocalização, criando interfaces entre os
espaços eletrônico e físico para fins de jogo. Trata-se de uma expressão urbana da
cibercultura, mesclando cultura dos games, arte eletrônica, ação urbana, tecnologias
móveis e localização. Os JML são um exemplo de uso das “mídias locativas”,
revelando a atual fase da computação ubíqua, da mobilidade e da hiperlocalização.
Essa nova fase caracteriza-se como a da “espacialização” da Internet e pode ser
compreendida, no caso dos JML, como produção social pelo uso e apropriação
lúdica e temporária do espaço urbano (Lemos, 2010, p.3).
9 Criar link, conectar.
41

Lemos (2008) assim fundamentou os jogos móveis locativos:


 Dispositivos móveis de comunicação;
 Necessidade de conexão sem fio;
 Integração entre espaços físicos e eletrônicos.

Os JML funcionam com a incorporação do espaço urbano ao ambiente da


“brincadeira”. O lugar, chamado de “território informacional” (LEMOS, 2010) é
característica irrefutável para o jogo. Fundidos, terreno real e virtual constituem a interface do
ambiente que necessita estar conectado para que seja reconhecido como “locativo”. Tal qual
um jogo de amarelinha, esquecendo o uso do aparato tecnológico, estes jogos exercitam o
apoderamento10 do território. Jogado por adultos, não deixa de ser um exemplo de atividade
lúdica.

4.2.2 Realidade Aumentada

Quando foi lançado, em 2003, o jogo americano de realidade virtual, Second Life,
arrebatou adeptos no mundo inteiro, mas, apenas quatro anos depois (2007) o game foi
perdendo espaço porque, de acordo com Lemos (2009), o game isolava seus usuários, já que a
“segunda vida” era experienciada em um outro universo, personificando todas as vias do
simulacro. Lemos ressalta que a intenção da realidade aumentada é o inverso do que
propunha a realidade virtual e seus mundos paralelos, como no caso do Second Life. Em vez
de isolar a pessoa e criar outro universo, a realidade aumentada “enriquece o ambiente” com
informações, “como se colasse post-its nos lugares”. Na realidade aumentada, o virtual
incorpora o real e vice-versa.

A ideia nunca foi que a informação ficasse aprisionada em um espaço virtual, fora
da minha realidade concreta, e que eu teria que me conectar em uma Matrix para
navegar. A popularização da mistura entre real e digital vai se dar mesmo com as
tecnologias portáteis: celulares, smartphones e netbooks (Lemos, 2009,
andrelemos.info/2009/09/realidade-aumentada-4/).

10 A retomada de um local por seus habitantes. O cidadão volta a exercer poder sobre o espaço.
42

Figura 10 - Real e Virtual intercalados.

Fonte: mobilepedia.com.br

A predominância do ambiente real, tais como retratado no cinema por meio de filmes
como Homem de Ferro, Minority Report e Avatar, apenas enriquecidos com elementos
virtuais, que têm a função de facilitar e trazer alguma benesse utilitária é para Kirner e Tori
(2006) uma de suas características mais importantes. Azuma foi pioneiro ao estudar
especificamente o assunto e o definiu da seguinte forma: “Realidade Aumentada é toda a
tecnologia que permite a combinação de dados reais e virtuais no ambiente, opera
interativamente, em tempo real e de maneira que os dados fiquem em registro (AZUMA 2001,
apud KIRNER e TORI 2006). Várias são as aplicações atuais, desde no campo da medicina,
até no que é, de fato, relevante para esta pesquisa: jogos e entretenimento.
Amplamente discutida na engenharia, arquitetura e computação, que a apresentaram
através de filmes de ficção científica, a realidade aumentada como estudo da comunicação
vem ganhando forma depois de ter chegado a dispositivos de uso caseiro como celulares e
tablets. Os telefones deixaram de ser apenas móveis, se tornando ferramentas
ultrainteligentes, capazes de desenvolver funções semelhantes às de qualquer computador.
A redução do valor financeiro, bem como da burocracia em contratar um bom pacote
de dados também tem grande responsabilidade na rapidez com que outro uso além de realizar
e receber chamadas e mensagens de texto se tornaram a utilidade menos importante dos
aparelhos celulares. Como mostrado na figura 11, onde as extintas Torres Gêmeas
novaiorquinas aparecem ao apontarmos o dispositivo para o lugar onde já estiveram, a
realidade aumentada intercala informações reais e virtuais.
43

Figura 11 - Camadas de informação eletrônicas sobre o mundo real

Fonte:andrelemos.info

Figura 12 - Filme Homem de Ferro – Matéria prima e tecnologia:

Fonte: shadowrun-brasil.blogspot.com

4.2.3 Massively Multiplayer Online Games

Em tradução livre os Massively Multiplayer Online Games ou apenas MMOG, são


jogos online de multijogadores em massa. No geral, se tratam de Rolle-Playing Games
cobertos pelo advento da tecnologia (ANDRADE, 2006).
44

Quadro 4 - Tipos de MMOG.

MMO role-playing game (MMORPG) Interpretação de personagem


MMO first person shooter (MMOFPS) Atirador em primeira pessoa
MMO social games (MMOSG) Relacionamento virtual como objetivo
MMO erotic game (MMOEG) Sexo virtual como objetivo
Fonte: autoria própria

Neles, milhares de pessoas se conectam simultaneamente para jogarem em tempo


real. Como em qualquer coisa que acontece pela internet atualmente, não existem limite
quantitativo de jogadores e tão pouco barreiras impostas pela distância. Com a exigência
mínima de que se conheçam as regras, é possível competir ou se aliar numa partida com um
usuário que esteja em qualquer lugar do mundo. Andrade (2006) esclarece que é através de
um avatar, com suas características ou dotado de melhorias e até poderes, o usuário imerge
em um universo em que ele pode trabalhar, lutar, constituir família, ser um sniper11 ou
qualquer criatura mitológica se assim desejar, se comunicando com outros usuários por meio
dos chats do próprio jogo.

Tudo que o sujeito faz no ambiente virtual depende dos atributos do seu avatar – que
concede seus “olhos” ao interator. Assim como os corpos terrestres, o avatar tem um
impacto muito grande no bem estar de seu interator dentro do universo do jogo em
virtude de suas proficiências – uns lutam mais, outros enxergam melhor etc.
(Andrade, 2006, p. 43)

Dentre as diferenças básicas entre o game de mesa e o digital, está a importância da


atividade do Master, tão indispensável no RPG tradicional, mas substituída no game virtual
por seu próprio sistema. No jogo de mesa, é o mestre quem se ocupa em policiar as regras e
em manter o bom funcionamento da partida auxiliando os jogadores em suas escolhas dentro
da margem de possibilidades, segundo as características de cada personagem. Nos MMOGs,
essas normas são asseguradas pelos limites da programação do jogo. Para saber se é possível
abrir uma porta no jogo de mesa, por exemplo, vem do mestre, que usa da lógica e das
anotações realizadas acerca da partida, a resposta para o êxito ou não. Virtualmente basta
tentar. Talvez haja uma perda no exercício da criatividade exigido pelos dados e papéis, mas
se ganha, inegavelmente, em recursos.

11 Snipers são atiradores, geralmente militares, treinados para que, em posição oculta no flanco, sejam capazes
de efetuar a execução rápida e certeira do inimigo.
45

Figura 13 - Atirador em primeira pessoa.

Fonte: oyun.tamindir.com
46

5. O Ingress
Quase 50 anos depois da criação do Dangeous and Dragons, o Google lança seu
primeiro jogo, unindo brincadeira e tecnologia no que deveria ser tão somente uma plataforma
para apresentar o Google Glass12. Há muito tempo a empresa deixou de ser apenas um site de
buscas e suas atividades inovadoras têm transitado por carros que andam sem motorista até
um óculos que nos manterá conectados ininterruptamente. Atualmente o Glass - como é
chamado - encontra-se ainda em fase de testes, enquanto o Ingress se tornou totalmente
independente, com mais de 5 milhões de downloads na Android Play Store. O game, que
utiliza geolocalização, transforma o mundo inteiro (literalmente) num único cenário do jogo.

Figura 14 - Sergey Brin usa o Glass.

Fonte: thenextweb.com

Ingress, fora desenvolvido em 2012 pela Niantic Labs, subsidiária do Google, que
pertence à categoria dos RPGs de realidade aumentada e dos Massively Multiplayer Online
(Ingress.com). Nele, o usuário precisa tanto realizar missões na interface do aplicativo como
cumprir tarefas na vida real que incluem, na maior parte do tempo, andar pelas ruas,
hackeando seus próprios portais e capturando os portais inimigos. É um game social que
utiliza as tecnologias do Google Maps, Google Earth e do Google+ e obriga o jogador sair de
12 O GoogleGlass é um dispositivo vestido de óculos que possibilita a interação dos usuários com diversos
conteúdos em realidade aumentada. Também chamado de Project Glass, o dispositivo é capaz de tirar fotos a
partir de comandos de voz, enviar mensagens instantâneas e realizar videoconferências. Seu lançamento está
previsto para 2015, e seu preço deve ser de US$ 1,5 mil.
47

casa. Ao transitar conectado por lugares movimentados, o gamer consegue carregar seus XM,
energia imprescindível para ter o direito de realizar as tarefas mais avançadas, como visitar os
portais sem que seja necessário estar próximo a eles. Para jogar, o futuro utilizador necessita:
 Possuir um dispositivo Android ou IOS13;
 Conexão com a Internet;
 GPS;
 Conhecimentos básicos da língua inglesa para entendimento dos objetivos das
missões;
 Tempo e disposição para alimentar o jogo.

Assim o jogo se apresenta (logomarca):

Figura 15 - Logomarca do jogo.

Fonte: ingress.xanderhyde.com

Algumas pesquisas foram precursoras na tentativa de nos fazer entender as


particularidades desse novo ambiente que funde o real e o virtual. Russel, em 1999, lançou o
Headmap Manifesto, que entrevia o momento em que aparelhos como celulares e tablets
passariam a “notar” que em determinado lugar havia informações intercaladas. Tudo isso com
o auxílio do GPS. “Em vez de uma restrição ao ciberespaço, como um lugar virtual, descolado
do mundo real, a internet passaria a pingar em lugares e objetos” (MONT'ALVERN, 2005, p.
2 e 3). Lev Manovich (2005), por sua vez, adotou o termo cellspace para a criação de
camadas invisíveis e particulares de informação sobre o espaço físico. Lemos (2008) assim
definiu:

13 Até julho de 2014 o jogo esteve disponível apenas para o Sistema Android.
48

Os jogos móveis locativos são jogos urbanos que utilizam tecnologias e serviços
baseados em localização nos quais o lugar é parte integrante das regras e das ações
dos jogos. Eles são um exemplo das mídias locativas e têm como terreno de jogo o
que chamamos de “território informacional”, fronteiras informacionais formadas
pela intersecção do espaço físico com o eletrônico. (Lemos, 2008, p. 05)

Quando criou o aplicativo, o Google fez convites aleatórios a algumas pessoas e cada
uma delas, ao iniciarem o jogo, teve direito a outros cinco convites para distribuir entre os
amigos e assim, sucessivamente. Dois anos depois de sua criação, basta ir à Play Store e fazer
o download. Com a solicitação aprovada, o usuário recebe um e-mail com seu código de
ativação que deverá ser usado para entrar no game. Ao inseri-lo e iniciar o jogo, o agora
personagem é conduzido para um tutorial (em inglês) com as coordenadas iniciais e objetivos
gerais. Escolhe-se, obrigatoriamente, seu nome de guerreiro e, o mais importante, opta por
fazer parte ou da equipe dos Enlightened (Iluminados) ou do time da Resistance (Resistência).
Aqui, como em todo MMOG, o próprio sistema do aplicativo é o Game Master.
Nas redes sociais on-line (WhatsApp, Hangouts e comunidades do Google+), entre os
jogadores da mesma facção, as conversas sobre o jogo são quase ininterruptas, seja
planejando ações, seja recrutando e instruindo novos agentes. Uma vez instalado, o aplicativo
funcionará em qualquer lugar do mundo onde existam portais Ingress, conforme mostra os
anexos I e II. As telas mudam de acordo com a presença local do usuário, já que, como dito
anteriormente, o game utiliza geolocalização como uma de suas exigências mais básicas.
Durante um trajeto, o deslocamento do gamer vai sendo “scaneado” para que ele perceba os
portais ao longo do caminho. Além da tela do jogo, o chat de mensagens para comunicação
também muda seus participantes de cidade para cidade.

5.1 Conhecendo as ferramentas do jogo

Quadro 5 - Ferramentas do Jogo Ingress.

Portal Key As chaves permitem que o usuário crie um link até outro
portal. Porém, só com a chave dos dois portais ele
conseguirá criar links entre eles, que também o permitem
recarregar os ressonadores (Ressonators) remotamente,
desde que tenha energia XM suficiente.
Portal Shield Campo de proteção do portal, também chamado de escudo.
Ajuda a proteger o portal de ataques inimigos. Cria uma
redoma em volta do portal que fica carregando de forma
intermitente. Podem ser dos tipos: very rare (muito raro),
49

rare (raro) e common (comum). São obtidos através da


opção de “hacking” nos portais.
Ressonator Oito ressonadores compõem um portal e devem ser
instalados através da função upgrade (o portal cinza não
tem ressonadores). O usuário pode instalar primariamente
ressonadores de qualquer nível, obedecendo a regra dos
níveis. Depois de instalados os ressonadores, se achar
necessário, o jogador pode aumentar o seus níveis através
da opção upgrade, para isso deve ter ressonadores com ele,
obtidos através de “hacking” nos outros portais.
XMP Burster São armas de ataque de energia aos portais. Recomenda-se
que você se posicione no centro do portal, para que o
ataque atinja todos os ressonadores ao mesmo tempo. Os
ataques são classificados com níveis de 1 a 8, sendo 8 o
mais forte. Consulte a opção “OPS” (Operations) e veja
quantos ataques você tem disponíveis e os seus respectivos
níveis.
Fonte: Ingress.com

Figura 16 - Interface principal do jogo

Fonte: Ingress, 2014


50

Quadro 6 - Elementos da intarface principal

1) Action Points (AP) and Level: O número no centro é o nível atual. O AP do jogador é
mostrado em torno do seu nível. Quando ele ganhar APs, o contorno será preenchido e o nível
subirá automaticamente.

2) Exotic Matter (XM): Capturados pelo caminho, sem interferência do usuário. Permitem que o
usuário efetue ações no Ingress, como por exemplo, criar um link entre portais.

3) OPS menu: Tocando no OPS é possível acessar o inventário, missões de treinamento e outras
configurações.

4) Portal: Uma construção XM que fornece itens quando hackeado. O link entre três portais
formam um campo de controle.

5) Agent position and action range: A posição do jogador é indicada por uma seta azul ou verde.
O círculo em torno dele é seu raio de ação. Isto significa que um portal deve estar em seu raio de
ação para que possa interagir com ele.

6) COMM: Forma do usuário se comunicar com outros agentes da sua facção (chat).

Portais:
Os portais a serem construídos e defendidos são criados pelos próprios usuários
obedecendo alguns critérios. Os Beta Tester fotografam o possível local, enviam a foto
diretamente para o Google e permanecem aguardando a aprovação ou negativa. É
fundamental que os futuros portais digam respeito a lugares de interesse comum, como um
monumento, fachada de museus e teatros e locais de marco histórico. No caso de liberação, é
criado um portal cinza, que terá a cor da facção que o hackear primeiro.
Para deixá-lo na cor de sua facção, é necessário ir até o local e “capturá-lo”. Isso
significa que o fato de tê-lo fotografado não o faz de imediata propriedade daquele jogador.
Portais descarregam e voltam a se tornar cinza. É preciso visitá-los com frequência se quiser
manter sua posse. Em resumo, eles são assim:
51

Figura 17 - Portais.

Fonte: althingsd.com

Quadro 7 - Características dos portais.

COR ESTADO
CINZA Portal que acabou de ser aprovado pelo Google (Niantic) via foto encaminhada por algum Beta Tester.
Ou portal que descarregou (XM) com o tempo.
VERDE Portal cinza que foi conquistado pelos Iluminados. Além de ganhar elementos, o usuário ganha pontos
(AP) para evoluir de nível. Os portais são carregados com energia (XM), através dos seus
ressonadores.
AZUL Portal cinza que foi conquistado pela Resistência. O usuário deve hackear sempre para conseguir
elementos (Chave, Ataque, Escudo, Ressonador ou Mídia).
Fonte: Autoria própria

5.2 Teoria do McGuffin

De autoria associada a Alfred Hitchcock, a expressão McGuffin é usada no cinema


para definir algo que o protagonista persegue, embora não faça qualquer diferença na trama.
Muitas vezes tal elemento aparece sem explicação que o defina, podendo ser um lugar, objeto,
52

pessoa ou uma motivação. Normalmente, é o foco inicial do ato, perdendo completamente sua
relevância posteriormente. Exemplos práticos da teoria aplicada a filmes seriam a mala de
dinheiro em Pulp Fiction, o colar em Titanic e o anel em Senhor dos anéis. É simplesmente o
start do problema, mas não o mais importante para seu desenrolar. Nos MMOG nada mais é
que a história criada pelos próprios jogadores de RPG quando o jogo se desenvolve na mesa.
Nos RPGs de realidade aumentada, a história e seu McGuffin já vêm prontos.
O Ingress é como qualquer jogo de interpretação de personagens, que não
sobreviveria sem o lúdico por trás da batalha. Imaginar as missões é condição fundamental
para justificá-las. A partida precisa fazer sentido. Sair de casa apenas para jogar não traduz o
Ingress ou qualquer outro RPG, pois não se trata de efêmera descontração mas de estar imerso
em um determinado estilo de vida onde a interação com o espaço é uma das peças
indispensáveis que compõe o todo.

Figura 18 - Iluminados X Resistência.

Fonte: galleryhip.com

A guerra:

Uma equipe de cientistas Europeus descobriu uma misteriosa energia, chamada


Exotic Matter (XM), emanando do chão em vários pontos de todo o planeta. Mesmo
analisando o ocorrido e fazendo cruzamento de dados, ninguém foi capaz de afirmar por qual
motivo isso está acontecendo, se as consequências serão positivas ou não e o que isso pode
53

acarretar ao planeta. Muitos, porém, acreditam que essa energia está controlando nossa
maneira de pensar. Os Enlightened (Iluminados) buscam trabalhar em parceria com essa
energia e usá-la da melhor forma possível, nos ajudando a utilizar mais do que o usual em
nosso cérebro, mas a Resistance (Resistência) luta para defender e proteger o que resta de
nossa humanidade da influência da matéria exótica, que está aqui para nos escravizar. Cada
jogador é, então, um agente que luta de um desses lados.
Com o aplicativo Ingress instalado, é possível ter acesso ao jogo em qualquer cidade
do mundo. Umas mais coloridas que outras, isso dá ao gamer a noção da quantidade de
usuários e a efetividade da contribuição feita por eles naquele local. À medida que os
jogadores constroem ligações triangulares, a imagem exibida na tela do dispositivo móvel
confirma de quem é o domínio de determinada área: Iluminados ou Resistência. Grandes
porções verdes significam a supremacia dos Iluminados – conhecidos como Frogs -, áreas
azuis afirmam a força da Resistência – chamados de Smurfs -.

Figura 19 - O lúdico por trás dos portais.

Fonte: youtube.com

5.3 Teoria dos jogos

Como em qualquer Role-Playing Game, neste também há a necessidade de trabalhar


em cooperação para potencializar a força. De acordo com a teoria dos jogos, proposta pelos
matemáticos americanos Jonh Nash e von Neumann, é uma atitude de interesse pessoal
colaborar com um grupo para evitar o que a teoria chama de “tragédia comum”. É necessário
54

respeitar as regras para que os participantes sejam recompensados por agir pelo bem do grupo
e não apenas de si mesmo, pois sem isso não há ganho para ninguém. No RPG, o jogo é mais
importante que o resultado do jogo, isso significa dizer que o divertimento maior vem do
envolvimento com a trama e com o que se tem que fazer para alcançar os objetivos. Jogando
sempre de modo individual, as chances de que todo mundo perca são grandes. Tal qual na
vida.

A teoria dos jogos pode ser definida como a teoria dos modelos matemáticos que
estuda a escolha de decisões ótimas sob condições de conflito. O elemento básico
em um jogo é o conjunto de jogadores que dele participam. Cada jogador tem um
conjunto de estratégias. Quando cada jogador escolhe sua estratégia, temos então
uma situação ou perfil no espaço de todas as situações (perfis) possíveis. Cada
jogador tem interesse ou preferências para cada situação no jogo. Em termos
matemáticos, cada jogador tem uma função utilidade que atribui um número real (o
ganho ou payoff do jogador) a cada situação do jogo. (Sartini, et al, 2004, p. 4 a 6)

Apenas no primeiro semestre de 2014, enquanto o jogo era disponível apenas para
dispositivos Android eventos coordenados pela própria Niantic Labs, milhares de pessoas em
suas partidas coletivas. Mais de 11.908.820 quilômetros (mais de três vezes a circunferência
da terra) foram percorridas por eles durante 65 live events que aconteceram nos quatro cantos
do planeta. Neste mesmo período, foram realizadas mais de 22.400.000 ações in-
game (hacking) com visitações in loco aos portais. Pelo mundo, tem acontecido anualmente
encontros que os jogadores denominaram de Copa Mundial de Ingress.

Figura 20- Copa Mundial de Ingress

Fonte: venturebeat.com
55

Um dos principais objetivos é a posse de território e isso só é possível com a


realização de ligações triangulares entre portais próximos. Portais interligados aumentam o
poderio da equipe sobre a região. Para quebrar um desses links, é preciso atacá-los e é aí que
entra a grande representatividade da participação colaborativa. Ao “bombardear” um portal
inimigo, o jogador é atacado de volta e isso faz com ele perca XM e enfraqueça. Quando a
ação é realizada em grupo, os ataques demandam menos energia de cada e a conquista ocorre
com maior facilidade.
Gamers em estágio avançado, quando de passagem por uma determinada cidade,
combinam de deixar “armas” próximas a portais para ajudar a equipe a se fortalecer, em gesto
de colaboração com alguém que, na teoria, não passa de um desconhecido. O surpreendente
da ação é que muitos jogadores que deixam essas armas para o parceiro de luta o aguardarão
para conhecê-lo pessoalmente, além de montar guarda e proteger a munição presenteada até
que o novo dono de direito chegue. Gatunos de outras facções costumam estar atentos ao
menor ato de distração e uma vez “largadas” no local, elas pertencem a quem chegar primeiro.
Lemos contribui com sua explanação pessoal quanto ao que seria o fim da barreira de
território:

A mobilidade social tem crescido devido a fatores como o aumento da circulação


territorial e os novos meios planetários de comunicação. A migração por territórios
nacionais (geográficos e políticos) aumentou na era moderna devido aos transportes,
a globalização econômica e aos media. Aumentou também substancialmente a
circulação de coisas e valores. Uma cultura global por cidades também globais.
(Lemos, 2009, p. 05)

Figura 21 - Portal Attack.

Fonte: ingressguide.com
56

5.4 A aldeia global

Na década de 60, McLuhan desenvolveu o conceito de aldeia global como forma de


descrever os efeitos que a nova comunicação vinha influenciando a sociedade contemporânea
em todo o mundo (SILVA e ALVARENGA, 2009). A teoria explica a forma como aniquilamos
as distâncias e o tempo, num processo comunicacional em larga escala, que ignora as
barreiras culturais, étnicas e geográficas, além de nos retribalizar, homegeneizando a cultura
de todo o globo. A rapidez do acesso às tecnologias cada vez mais avançadas, principalmente
advindas da internet, corrobora com as ideias de McLuhan. A comunicação, como a
conhecemos hoje, é praticamente instantânea, mesmo que seus interlocutores estejam cada um
em um hemisfério.

O princípio que preside a este conceito é o de um mundo interligado, com estreitas


relações econômicas, políticas e sociais, fruto da evolução das Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TIC), particularmente da World Wide Web,
diminuidora das distâncias e promotora da emergência de uma consciência global
interplanetária, pelo menos em teoria. (Silva e Alvarenga, 2009, p.141)

Chats que reúnem desconhecidos por meio de seus interesses em comum há muito
deixaram de ser novidade. Já não são, sequer, bem quistos entres usuários de faixa etária mais
jovem. O que o Ingress faz é muito mais que um bate-papo comum. Tal qual uma
comunicação militar, as pessoas debatem suas táticas, combinam os horários, delegam
missões aos companheiros de nível mais baixo. As configurações são atualizadas à medida
que um gamer da mesma facção chega a cidade. Todos têm a opção de interagir ou não, como
acontecia no antigo ICQ14, por exemplo, contudo, quem leva a história a serio, sempre
interage. Não há mais fronteiras porque não se joga de maneira anônima. São todos membros
de uma única tribo, entregues ao lúdico de lutar para defender o planeta.

14 Programa de bate-papo instantâneo lançado em 1996. Um dos pioneiros no segmento.


57

Figura 22 - Portal Chat.

Fonte: ingress.su
58

6. Delineamento da pesquisa e análises dos resultados

Quanto aos meios, esta é pesquisa é bibliográfica e de campo. Bibliográfica porque


foi grande a necessidade da aplicação de teorias para a fundamentação especialmente, para
que fosse possível, através do histórico da comunicação social, construir o elo entre
pensamentos que surgiram muito antes das tecnologias atuais e sua aplicação no objeto de
pesquisa escolhido. De campo porque foram necessários a aplicação de questionário e à
observação, o que compôs a compreensão do que é o jogo e de quem é o jogador nesse
universo tão subjetivo.

6.1Definição de amostra ou população-alvo

O universo da pesquisa de campo compreende os jogadores que se voluntariaram na


fanpage do jogo na rede social Google+. Um total de 43 usuários respondeu às perguntas que
foram formuladas de forma que se pudesse concluir para onde apontam as tendências do
gamer dentro deste ambiente composto por duas escolas aparentemente antagônicas.

6.2 Coleta de dados

Foram utilizadas fontes bibliográficas que oferecessem informações sobre a ligação


entre os jogos de RPG de realidade aumentada, os MMOGs e teorias de vanguarda, como a
teoria crítica. Além disso, a pesquisa mostra a evolução do processo tecnológico,
especialmente na seara da Comunicação Social. Entre as fontes estiveram artigos, dissertações
e livros que forneceram informações relevantes sobre todo o conteúdo necessariamente
abordado. Para a pesquisa de campo foi utilizado um questionário de múltiplas escolhas, que
oferece tanto informações quantitativas quanto qualitativas a respeito do usuário, além da
observação assistemática, com o uso do aplicativo Ingress pela pesquisadora. É uma pesquisa
indutiva, visto que partimos do raciocínio particular para chegar à conclusão geral.

6.3 Gráficos e Análises

Foi obtido um total de 43 respostas, sendo que a maioria dos entrevistados são
moradores de grandes centros.
59

1) Quantas vezes por semana, em média, você joga?

01 5%
03 12%
05 28%
07 53%
Não estou jogando no momento 2%

Mais da metade dos usuários jogam diariamente. Jogadores perdem a posse de


portais não hackeados por muito tempo e a ação só é possível mediante visita ao local.

2) Que tipo de transporte utiliza quando sai para jogar?

Vou a pé 0 0%
Bicicleta 7 14%
Ônibus 18 42%
Carro 19 44%

Este quesito aponta duas vertentes importantes por serem ambíguas. A primeira é o
fato de nenhum dos usuários que responderam o questionário terem dito que saem a pé para
jogar, o que confronta a ideia de André Lemos (2008) sobre o conhecimento que se passa a ter
acerca da cidade. Contudo, 42% utilizam transporte público em sua jornada, o que talvez
explique a primeira questão. Não é apenas sair pela cidade, mas percorrer a distância mais
longa possível e isso endossa, sim, a teoria de Lemos.

3) Já se acidentou em quanto jogava?


60

Sim 1 2%
Não 42 98%

Embora apenas um usuário tenha declarado que se acidentou durante o jogo, isto
ratifica a possibilidade real de perigos.

4) Já foi assaltado durante o jogo e perdeu o celular ou tablet?

Sim 2 5%
Não 41 95%

Um pequeno número afirmou ter sido assaltado enquanto jogava, o que também
confirma os riscos reais a que os jogadores se submetem para alimentar o que,
conceitualmente, é apenas uma brincadeira.

5) Participa de algum grupo ou comunidade sobre o jogo?

Sim 38 88%
61

Não 5 12%

A maioria maciça dos gamers entrevistados mantém contatos em redes sociais ou


comunidade sobre o jogo. Isso confirma a teoria colaborativa e interativa de jogos on line em
massa. Nas redes sociais on-line (WhatsApp, Hangouts e comunidades do Google+), entre os
jogadores da mesma facção, as conversas sobre o jogo são quase ininterruptas, seja
planejando ações, seja recrutando e instruindo novos agentes.

6) Possui mais de um usuário?

Sim 4 9%
Não 39 91%

Quatro usuários admitiram possuir mais de um jogador. Esta ação caracteriza uma
fraude ao jogo, assim, ou o jogador mente em um game em que não existe vencedores ou ele
desconhece as regras. Não há sentido em burlar um sistema para os quais não haverá perdas
ou ganhos.

7) Conheceu pessoas por conta do jogo?

Sim 36 84%
Não 7 16%

Outro aspecto positivo é o fato de poder conhecer pessoas. Seja deixando armas, seja
auxiliando os novos adeptos, o Ingress não existe sozinho e como em qualquer guerra, é
62

preciso recrutar e treinar novos soldados frequentemente. De acordo com a teoria dos jogos,
proposta pelos matemáticos americanos Jonh Nash e von Neumann (apud SARTINI, et al,
2004), é uma atitude de interesse pessoal colaborar com um grupo para evitar o que a teoria
chama de “tragédia comum”.

8) Já interagiu com pessoas de outros locais para trocar itens?

Sim 28 65%
Não 15 35%

A maioria dos entrevistados afirmou já terem interagido com pessoas de outros locais
a fim de ajudar ou serem ajudados com a troca de itens. Gamers em estágio avançado, quando
de passagem por uma determinada cidade, combinam de deixar “armas” próximas a portais
para ajudar a equipe a se fortalecer, em gesto de colaboração. Este gesto colaborativo também
conota o consumismo virtual. Sem armas, as atividades ficam limitadas e os relacionamentos
se dão também por isso e não apenas pelo simples desejo de interagir.

9) Já deixou de fazer algo com alguém porque preferiu sair para jogar?

Sim 20 47%
Não 23 53%

Baudrillard (1988), em seu conceito de simulação, disserta sobre dois mundos que se
intercalam. Deixar compromissos em prol do jogo, como fazem grande parte dos que
responderam ao questionário, confirma o trânsito entre a matriz e o real.
63

10) Se acha melhor conhecedor da cidade depois do jogo?

Sim 36 84%
Não 7 16%

Aqui, mais uma vez as ideias de Lemos (2008) sobre a retomada da cidade pelo
cidadão são confirmadas.
Os nômades virtuais buscam novos territórios, os territórios informacionais. Eles
passam de ponto a ponto em busca não de água, caça ou lugares sagrados, mas
lugares de conexão. Não precisam carregar seus pertences nas costas já que tudo o
que precisam está virtualmente na rede. (LEMOS, 2009, p. 07)

11) Comprou um novo aparelho com o intuito de jogar?

Sim 16 37%
Não 27 63%

Aqui temos o consumismo real já que a quantidade de pessoas que afirmaram ter
comprado um novo celular única e exclusivamente tendo o jogo como motivação reflete a
necessidade que a indústria cultural tem de ser alimentada e desmistifica a inocência
erroneamente atribuída a esses aplicativos que, conforme os dados são muito mais que
simples jogos.
64

7. Considerações Finais
Ainda que muitos dispositivos acabem por nos proporcionar, de fato, um
desprendimento do real, seria um retrocesso desgastante e possivelmente frustrado, evitar
maneiras de não se inserir no que vem acontecendo. Tem se tornado cada dia mais difícil se
abster e mesmo que em moldes mais modestos para alguns, a tecnologia se impôs, até aos que
não a percebem ou reconhecem. Aqueles que não se associaram de nenhum modo muito
provavelmente estão fadados às dificuldades de um sistema que antes de sua existência era
apenas simples, na sociedade contemporânea, é dispendioso. Há os que, muito certamente,
veem nisto a definição de apocalipse, explicada pelo temor de que as conexões feitas com o
auxílio da interatividade destruam as relações humanas consideradas verídicas. Não destroem.
Vimos através deste trabalho que a forma como nos relacionamos é cíclica contudo,
ano após ano, algo permanece intacto: as pessoas continuam sendo o centro. O telefone não
fez com que as visitas diminuíssem, apenas possibilitou o contato quando elas são impossíveis
mas o contato é urgente. O videogame, mesmo quando factível de ser jogado sozinho, à
exceção da presença de elementos específicos do comportamento individual, sempre fora
mais divertido na companhia de um amigo e hoje, ele sai da sala de casa e nos leva para a rua;
nos possibilita o contato com cidadãos de outras estâncias e apresenta-nos à nossa própria
cidade.
Nossa onipresença confronta as teorias de espaço, lugar e tempo. Santaella (2013)
levanta questões que a física não pode solucionar. Os sentidos não são captáveis e apesar do
tempo ser algo físico, ele não é um objeto. Assim, falamos de tempo dentro do tempo. Ainda
segundo a autora, nossa ubiquidade proporcionada pelo virtual, dissocia os conceitos de
espaço e lugar, sendo o primeiro regido por seu papel social e o último pelo tipo de uso que
damos a ele. É o fim da barreira fronteiriça visto que somos ubíquos (SANTAELLA, 2013,
p.128) e apesar de sermos membros de várias tribos, pertencemos à única Aldeia existente em
todo o globo (MCLUHAN apud SILVA e ALVARENGA).
A ideia de que os contatos pessoais realizados com o auxílio de jogos como o Ingress
irão aos poucos destruir a necessidade que temos de laços feitos de modo “natural”, ignoram o
fato de que as reconfigurações que vêm acontecendo não são novidade. Como dito por Lemos
(2008), apesar de agora estarmos munidos de aparatos tecnológicos, a forma como nos
relacionamos sempre esteve em transição. O Ingress quebra o paradigma que envolve o
conceito de distância, abre os olhos do gamer para a cidade à sua volta e o leva para um
65

mundo onde ele é importante e necessário. Entregues ao lúdico de lutar em defesa do planeta,
sabem se tratar de um jogo onde facções rivais duelam em defesa de seu território, mas não é
uma fantasia esquizofrênica.
A análise de item a item do questionário respondido pelos jogadores comprova a
ambiguidade do jogo. Baudrillard está certo, a matriz existe. Isso se reflete no perfil que é
arrebatado pelo game e no estilo de vida que a maioria dessas pessoas leva. Porém, não é o
prenúncio do fim. Estamos nos reconfigurando, como Lemos (2004) afirma que continuará
acontecendo e não se trata do método, mas da recepção humana ao novo. Assim, já que o
espaço existe e os monumentos que dão vida aos portais do jogo em questão, também, o que
realmente está em pauta é o momento em que nos damos conta de que, mesmo
involuntariamente, somos parte de todo o processo e ao acordar para isso, nós é quem
decidimos se queremos a pílula azul ou a vermelha15.

15 Alusão ao filme Matrix, especificamente à cena em que o personagem Morpheu diz a Neo que a fantasia é
vermelha e a verdade é azul, ambas representadas por pílulas nestas cores.
66

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69

Anexos
Anexo I: Tela do Ingress – Região Alagoas. Fonte: Ingress.com

Anexo II: Tela do Ingress – Região Cidade Universitária (Maceió/AL). Fonte: Ingress.com

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