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IMAGEM

poema de Miguel Torga / música de Fernando C. Lapa

Só um poeta fala assim de uma macieira. O carácter quase ingénuo da escrita,


associado a uma espécie de encantamento patente na expressão poética, induzem
uma atitude de deslumbramento perante uma imagem tão vulgar e ao mesmo tempo
tão excepcional aos olhos do poeta. Tudo isso marca algumas das opções usadas na
sua tradução musical e na amplificação deste poema. Assim, mais do que quaisquer
outras questões de origem técnica ou estética – tais como: a eleição de um qualquer
procedimento ao nível da estruturação do discurso; a definição de um qualquer
contexto específico, nomeadamente em termos de organizações sonoras de base; a
definição de um contexto harmónico claro; a filiação directa em alguma corrente ou
linguagem específica – mais do que tudo isso, esta música valoriza principalmente o
carácter expressivo do poema. Tentando sublinhar de diversos modos algumas das
“nuances” do texto, procura de diferentes formas, encontrar um conjunto de
ferramentas que permitam revelá-lo mais plenamente e amplificar a sua ressonância.
Podemos dizer que a escrita é de contornos modais, e mais diatónica do que
cromática. A nota Sol desempenha um papel central na organização das matérias
melódicas e harmónicas. Mas esse dado nada tem de tonal. A peça está em Sol, tanto
quanto o primeiro andamento da “Música para cordas percussão e celesta” possa
estar em LA menor. Não existe nenhuma estruturação do discurso melódico e
harmónico que pressuponha uma realização tonal. Não existe também nenhuma
espécie de harmonia funcional que presida á organização e sequência de quaisquer
dados harmónicos, nem qualquer hierarquização explícita desses dados. Embora
alguns dados da gestão horizontal e vertical dos sons possam estar contidos numa
linguagem musical de caracter modal ou tonal, a sua utilização não tem minimamente
em conta uma sintaxe desse tipo.
De leitura clara e pouco complicativa, tanto em termos de fraseado ou de desenho
geral, como em aspectos de carácter métrico e rítmico, nos planos melódico e
harmónico ou em questões de articulação e dinâmica, a peça tem uma escrita
relativamente larga no que respeita a registos e texturas, nomeadamente na escrita
pianística. Contrastando com o registo mais agudo do “mote” da canção – “este é o
poema de uma macieira”, intencionalmente afirmativo e luminoso (também nisso
valorizando a escolha deste registo de Miguel Torga) – uma parte substancial da escrita
da canção está num registo mais central.
A estrutura formal da peça organiza-se á volta de uma afirmação simples “este é o
poema de uma macieira”, que quase se poderia considerar o subtítulo do texto. A
tradução musical dessa frase tem um carácter tão singelo quanto afirmativo, tentando
traduzir a valorização que o poema faz desse seu verso inicial. Esta frase é cantada
sempre da mesma forma, embora com suportes harmónicos diferentes e de figuração
variada. É repetida em diferentes momentos, pontuando toda a canção. Podemos
considerá-la como uma espécie de REFRÃO.
Os diferentes versos do poema são tratados de forma mais narrativa, traindo nos seus
contornos o ambiente particular de cada expressão ou imagem. A música segue
sempre de perto o carácter das palavras, o seu ritmo, os acentos, a métrica, o
significado…
Elementos da introdução inicial são usados em diversos momentos da peça,
pontuando toda a obra e conduzindo sempre a nova apresentação do REFRÃO.

Breve descritivo do plano formal:

c. 1 a 9 – Introdução, incluindo uma parte final (c. 6 a 9) que será reutilizada mais vezes
ao longo da canção
c. 10 a 14 – “REFRÃO” Este é o poema…” cantado sobre acorde amplo, sustentado.
Como uma afirmação indiscutível que se impõe por si mesma.

c. 14 a 17 – instala-se uma figuração diferente, em jeito de ostinato, em semínimas,


que suportará os próximos momentos da peça

c. 18 a 21 – REFRÃO, com o suporte em ostinato apresentado nos compassos


anteriores

c. 23 a 31 – novos versos, numa melodia afirmativa, articulada com o ostinato anterior

c. 32 a 35 – repetição dos últimos compassos da introdução inicial, conduzindo


também ao REFRÃO

c. 36 a 40 – REFRÃO, com um suporte diferente, assente em figurações de


semicolcheias
c. 41 a 48 – novos versos, nova escrita, sobre o ostinato
c. 49 a 55 – novos versos, nova escrita, sobre o mesmo ostinato

c. 56 a 57 – repetição da parte final da introdução inicial, conduzindo ao REFRÃO

c. 58 a 63 – REFRÃO (com suporte diferente)

c. 64 a 65 – separador

c. 66 a 73 – novos versos (nova escrita)

c. 74 a 76 – separador

c. 77 a 85 – novos versos (nova escrita)

c. 86 a 94 – “REFRÃO” Este é o poema…” cantado sobre acorde amplo, sustentado. (É


um lugar paralelo dos c. 10 a 14, do início)

c. 95 a 97 – reafirmação, conclusiva, do acorde anterior, fechando a peça

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