Você está na página 1de 9

as obras de arte feitas por seres humanos sempre foram possíveis de se reproduzir, seja

pelo próprio artista, seja por aprendizes ou por imitadores. Antigamente essa reprodução
era controlada e demandava fisicamente o mesmo esforço que seu artista utilizou na
produção do original. Com a criação de meios de reprodução em massa como a
xilogravura, seguida pela litografia e anos depois pela fotografia, houve uma alteração
do caráter global da arte que, com a negação da fotografia e posteriormente do cinema
pela doutrina da arte pela arte, não possível de se enxergar com clareza de imediato.

Assim, o processo de reprodução passou a ser realizado em massas pelas indústrias ou


por meio de uma objetiva, de maneira rápida e perfeita se posta em comparação ao olho
humano e a propagação dessa arte para as massas teve início, causando controvérsias
que seguem até os dias atuais. Ao mesmo tempo que esse fácil acesso faz com que a arte
vá de encontro com seu espectador e dissemina essa cultura, e que permita o uso de
procedimentos que o olho não é capaz de perceber, há, segundo Benjamin, uma perca da
autenticidade. A reprodução técnica desvaloriza o aqui e agora, despreza as marcas
físicas de sua história e a tradição cultural que se havia com a herança dessas obras; a
aura da arte é perdida. “Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de
elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais
próxima que ela esteja.” (Benjamin, Pequena História da Fotografia, 1931, p. 101) As
obras deixaram de ser únicas e exclusivas para se tornarem bens comuns e idênticos, por
assim dizer. Em seu aspecto social, a reprodução técnica em massa é capaz de exercer
uma influência tão poderosa que se torna arma de políticas fascistas como a de Hitler e
de poderes capitalistas relacionados ao consumismo; em seu aspecto artístico, há uma
liquidação do valor de herança cultural com a necessidade de aproximação espacial.

Com a chegada da fotografia e do filme sonoro, há uma quebra do equilíbrio


estabelecido pela arte entre o valor de culto e o valor de exposição. O primeiro se baseia
no misticismo e a magia que suas obras evocam, já o segundo se trata da visibilidade da
obra. No valor de culto é necessário que sua obra permaneça oculta para manter seu
mistério e seu encantamento, isto perdeu suas forças com a reprodução técnica, onde os
níveis de exposição e alcance se expandiram de maneira assombrosa. E na fotografia
esse fato se firma de maneira visível, quando os últimos resquícios do valor de culto, a
adoração aos retratos de entes mortos, são sobrepostos pelos registros fotográficos,
como os feitos por Atget em Paris. Os jornais — cada mais abertos a recepção e a
opinião dos leitores, gerando uma redução da diferença entre autor e público —
passaram a ser ilustrados e a legenda tornou-se fator primordial para a percepção das
imagens mostradas. A legenda permite que o público interprete a imagem anexada. Sem
falar na importância científica dessa descoberta, pois além de capturar cenas e
momentos que em nosso dia a dia podem passar despercebidos, esses recursos permitem
um estudo da anatomia e da percepção do modo de agir humano que antes não podia ser
observado tão atentamente. “A câmera leva-nos ao inconsciente ótico, tal como a
psicanálise ao inconsciente das pulsões.” Consequentemente, a reprodutibilidade técnica
mudou permanentemente a aparência da autonomia da arte.

Se a inserção da fotografia como arte gerou controvérsias, o debate contra ou a favor do


cinema alcançou proporções ainda maiores. Os esforços para pôr o filme —
inicialmente mudo — como arte trouxeram de volta elementos de culto pelos
reacionários, que viam nele um significado sagrado e voltado ao sobrenatural. Uma das
maiores diferenças dos filmes para as apresentações teatrais da época era que, pelo ator
representar para um aparelho, não um público, sua atuação é fragmentada, imutável, e
quanto menos ele representar o personagem, mais agradável será para seus
espectadores. Como Bordieu confirma em seu livro A Distinção: crítica social do
julgamento, “o ‘povo’ exige, antes de tudo, que as representações e as convenções que
as regulam lhe permitam acreditar ‘näivement’ nas coisas representadas”. (1979, p.12)
Os atores e objetos são inseridos nas cenas como ferramentas com propósitos
determinados. “O ator que representa no palco, identifica-se frequentemente com um
papel. Ao ator de cinema, esta possibilidade é frequentemente recusada” Com os
equipamentos cinematográficos, ações antes impossíveis de se realizar num palco
tornam-se não só possíveis como convincentes e as tentativas dos efeitos que os
dadaístas buscavam expressar em sua arte foram finalmente alcançados. Uma
comparação que Benjamin utiliza para enfatizar isto é supor que o pintor e o operador
da câmera se comportam como o mago e o cirurgião. O pintor, assim como o mago,
mantém uma distância natural relativa à realidade enquanto o operador de câmera
intervém na realidade.

Com a perca da aura da atuação, o cinema promove o culto ao estrelato, às


personalidades criadas por seus atores. A capital cinematográfica “promove a exposição
de desempenhos controláveis e até transmissíveis, sob determinadas condições sociais.
Isto resulta numa seleção, seleção perante o equipamento que faz com que a estrela ou
ditador sejam os vencedores”. Pois, ao contrário de outras formas de arte o cinema tem
necessidade de se propagar para as massas por conta dos altos custos de sua produção. E
esse culto ao estrelato instiga nos espectadores um desejo de ser filmado, de ser uma
estrela, sonho este que permanece visível e ao mesmo tempo inalcançável.

“Assim, ela [a indústria cultural] fixa para a espectadora não apenas a possibilidade de
também vir a se mostrar na tela, mas ainda mais enfaticamente a distância entre elas. Só
um pode tirar a sorte grande, só um pode se tornar célebre, e mesmo se todos têm a
mesma probabilidade, esta é para cada um tão mínima que é melhor riscá-la de vez e
regozijar-se com a felicidade do outro, que poderia ser ele próprio e que, no entanto,
jamais é.” (Adorno e Horkheimer, A Industria Cultural: O esclarecimento como
mistificação das massas, 1947, p. 68)

A escolarização deixou então se ser especializada e se tornou politécnica. O leitor, que


antes impusera sua opinião aos jornais, estava pronto para se tornar um escritor. O
mesmo acontece no cinema, em que qualquer um está pronto para se tornar um
figurante em um filme.

E é por ter como público-alvo as massas que o cinema sofreu críticas fortíssimas. Os
intelectuais acreditavam que por ele ser usado como um meio de entretenimento e não
exigir que seu espectador reflita sobre o que está sendo apresentado, o cinema não era
merecedor do título de arte. Benjamin aponta que, assim como a recepção as mudanças
arquitetônicas, existem duas formas de se entender a arte: o tátil e o ótico. O primeiro
ocorre através do uso e o hábito, enquanto o segundo caracteriza-se pela observação
natural. E que, para que nossa percepção mude verdadeiramente, é necessário uma
junção dos dois. No entanto, mesmo em distração nossa percepção pode ser alterada.
Isso é o que torna o filme sonoro uma arma de manipulação tão importante: a
capacidade que ele têm de, ao chocar o espectador com o novo, implantar ideias que em
outras formas de arte não são possíveis. E a política soube agregar essas técnicas em seu
meio, notáveis no uso de filmes durante o fascismo na Europa e para promoção do
capitalismo no mundo inteiro atualmente. Essa estetização da política resulta na guerra,
que em sua violência dá as massas um objetivo e que este uso da reprodução técnica
“prova com suas devastações que a sociedade não estava madura para fazer da técnica o
seu órgão, e que a técnica não estava avançada para controlar as forças elementares da
sociedade.”¹

Reprodutibilidade técnica

As obras de arte em sua essência sempre foram objeto de reprodução, essa imitação era
praticada por discípulos, mestres e por terceiros, cada um com interesses distintos e
específicos. Mas a reprodução técnica de obras de arte é um processo novo, que vem se
desenvolvendo com intensidade crescente. A imprensa teve importância decisiva mas
fez parte de um contexto mais amplo, que envolve a xilogravura, a estampa em chapa de
cobre e a água-forte, assim como a litografia. A litografia permitiu às artes gráficas
colocar no mercado suas produções em massa e sob a forma de criações sempre novas.
Mas foi ultrapassada pela fotografia, onde a mão foi substituída pelo olho que apreende
mais depressa do que a mão desenha. A reprodução técnica do som surgiu e atingiu um
alto padrão de qualidade.

Autenticidade

O aqui e o agora da obra de arte é o elemento que está ausente na reprodução, esse aqui
e agora é onde se desdobra a história e enraíza a tradição do objeto. A reprodução
técnica tem mais autonomia que a manual e pode colocar a cópia do original em
situações impossíveis para o próprio original, por estas duas razões, o autêntico não
preserva toda a sua autoridade com relação à reprodução técnica. Mesmo o conteúdo
ficando intacto, as reproduções desvalorizam o seu aqui e agora, sua autenticidade, o
testemunho se perde pois depende da materialidade da obra.

Destruição da aura

A forma de percepção das coletividades humanas se transformam historicamente. A


aura é uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição
única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja. Existem duas circunstâncias
que explicam o declínio atual da aura, que são: fazer as coisas ficarem mais próximas e
a tendência das massas de superar o caráter único dos objetos através de sua
reprodutibilidade. Na imagem, a unidade e a durabilidade se associam intimamente
como na reprodução, a transitoriedade e a repetibilidade.

Ritual e política

A unicidade da obra é idêntica à sua inserção no contexto da tradição. As mais antigas


obras de arte surgiram a serviço de um ritual, inicialmente mágico, depois, religioso. O
valor único da obra de arte autêntica tem sempre um fundamento teológico. Com o
advento da fotografia levou a arte a pressentir a proximidade de uma crise, ela reagiu ao
perigo com a doutrina da arte pela arte. No momento em que o critério da autenticidade
deixa de aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se transforma. Em
vez de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se na política. No cinema, a
reprodutibilidade técnica não é uma condição externa para sua difusão maciça. A
difusão se torna obrigatória pelo alto custo de produção de um filme.

Valor de culto e valor de exposição

Os dois pólos no interior das obras de arte são o valor de culto e o valor da exposição.
Assim como na pré-história a preponderância absoluta do valor de culto conferido à
obra levou-a a ser concebida em primeiro lugar como instrumento mágico e só mais
tarde como obra de arte, do mesmo modo a preponderância absoluta conferida hoje a
seu valor de exposição atribui-lhe funções novas, entre as quais a artística, talvez se
revele mais tarde como secundária.

Fotografia

Com a fotografia, o valor de culto começa a recuar, diante do valor de exposição. O


refúgio derradeiro valor de culto foi o culto da saudade, dos rostos humanos dos entes
ausentes e defuntos. A aura é simbolizada pela última vez na expressão fugaz de um
rosto. Atget radicalizou esse processo fotografando as ruas de Paris desertas de homens
em 1900.

Valor da eternidade

Os gregos só conheciam dois processos técnicos para reprodução de obras de arte, o


molde e a cunhagem. A moeda e a Terracota eram as únicas fabricadas em massa. As
outras eram únicas e irreprodutíveis. Os gregos foram obrigados então a produzir
valores eternos. O ponto de vista artístico que marcou toda a evolução artística posterior
era o oposto do nosso atual onde as obras são reprodutíveis em grande escala e
amplitude.

Fotografia e cinema como arte

Ao se emancipar dos seus fundamentos no culto, a arte perdeu qualquer aparência de


autonomia. Porém, a época não se deu conta da refuncionalização da arte. Mas as
dificuldades com que a fotografia confrontou a estética tradicional eram pequenas em
comparação com as suscitadas pelo cinema.

Cinema e teste

Ao contrário do ator de teatro, o intérprete de um filme não representa diante de um


público qualquer a cena a ser reproduzida e sim diante de especialistas: produtor,
diretor, operador que podem intervir a qualquer momento. O intérprete de um filme não
representa diante de um público, mas de um aparelho.

O intérprete cinematográfico

Para o cinema, é menos importante o ator representar um outro personagem que ele
representar a si mesmo diante do aparelho. Pirandello diz que: “O ator de cinema sente-
se exilado, não somente do palco, mas de si mesmo.” Como a representação do homem
pelo aparelho, a auto alienação humana encontrou uma aplicação criadora. A imagem
do homem, especular, torna-se destacável e transportável para um lugar em que ela
possa ser vista pela massa. O capital cinematográfico dá um caráter contra
revolucionário às oportunidades revolucionárias imanentes a esse controle. Esse capital
estimula o culto ao estrelato, estimula o culto do público e a consciência corrupta das
massas. A arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em função
da reprodutibilidade e quanto menos colocar em seu centro a obra original. A arte
dramática é a que enfrenta a crise mais manifesta. Os astros cinematográficos só muito
raramente são bons atores, no sentido de teatro. Pois é menos importante que o
intérprete represente um personagem diante do público que ele represente a si mesmo
diante da câmera.

Exigência de ser filmado

A técnica do cinema assemelha-se à do esporte no sentido de que nos dois os


espectadores são semi-especialistas. Durante muito tempo, houve uma separação rígida
entre um pequeno número de escritores e um grande número de leitores. Com a
ampliação da imprensa, a situação modificou-se, um grande número de órgãos e de
leitores começou a escrever. Com isso, a diferença essencial entre autor e público
começa a desaparecer. A competência literária passa a fundar-se na formação
politécnica e não na educação especializada. Tudo isso é aplicável ao cinema, pois essa
revolução já se completou em grande parte na prática do cinema, sobretudo no cinema
russo. Toda forma de arte amadurecida está no ponto de intersecção de três linhas
evolutivas. Em primeiro lugar, a técnica atua sobre uma forma de arte determinada. Em
segundo lugar, em certos estágios de seu desenvolvimento as formas artísticas
tradicionais tentam produzir efeitos que mais tarde serão obtidos sem qualquer esforços
pelas novas artes. Em terceiro lugar, transformações sociais muitas vezes imperceptíveis
acarretam mudanças na estrutura da recepção, que serão mais tarde utilizadas pelas
novas formas de arte.

Pintor e cinegrafista

No teatro existe um ponto de observação que não existe nas filmagens do cinema, que
permite preservar o caráter ilusionístico da cena. Esse ponto não existe no estúdio. A
natureza ilusionística do cinema é de segunda ordem e está no resultado da montagem.
A relação entre o cinegrafista e o pintor é que o pintor observa em seu trabalho uma
distância natural entre a realidade dada a ele próprio, ao passo que o cinegrafista penetra
profundamente as vísceras dessa realidade. As imagens que cada um produz são, por
isso, essencialmente diferentes. A imagem do pintor é total, do operador é composta de
inúmeros fragmentos que se recompõem segundo novas leis.

Recepção dos quadros

A reprodutibilidade técnica da obra modifica a relação da massa com a arte. Um indício


social é que quanto mais se reduz a significação social de uma arte, maior fica a
distância, no público, entre a atitude de fruição e a atitude crítica, como se evidencia
com o exemplo da pintura. No cinema, as reações do indivíduo, constituem a reação
coletiva do público que são condicionadas pelo caráter coletivo dessa reação. A pintura
não pode ser objeto de uma recepção coletiva, isso é um obstáculo social num momento
que ela se vê confrontada com massas, de forma imediata.

Camundongo Mickey

Uma das funções sociais mais importantes do cinema é criar um equilíbrio entre o
homem e o aparelho, pela forma como ele representa o mundo, graças a esse aparelho, o
cinema faz-nos vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos que determinam
nossa existência e por outro assegura-nos um espaço de liberdade. A câmera intervém
com seus inúmeros recursos auxiliares, suas imersões e emersões, suas interrupções e
seus isolamentos, suas extensões e suas acelerações, suas ampliações e suas
miniaturizações. O cinema fez pela descrição do mundo onírico que pela criação de
personagens do sonho coletivo, como o camundongo Mickey, que hoje percorre o
mundo todo.

Dadaísmo

Uma das tarefas mais importantes da arte foi sempre a de gerar uma demanda cujo
atendimento integral só poderia produzir-se mais tarde. As extravagâncias e grosserias
artísticas que se manifestam nas “épocas de decadência” derivam do seu campo de
forças mais rico. O dadaísmo é um exemplo disso, que tentou produzir através da
pintura ou da literatura os efeitos que o público procura hoje no cinema. O dadaísmo
sacrificou os valores de mercado intrínsecos ao cinema, em benefício de intenções mais
significativas, das quais ele não tinha consciência. Eles estavam menos interessados em
assegurar a utilização mercantil de suas obras que em torná-las impróprias para qualquer
utilização contemplativa. O comportamento social provocado pelo dadaísmo foi o
escândalo. Essa obra tinha que satisfazer uma exigência básica: suscitar a indignação
pública. Compare-se a tela em que se projeta o filme com a tela em que se encontra o
quadro. Na primeira, a imagem se move, mas na segunda, não. Esta convida o
espectador à contemplação, diante dela, ele pode abandonar-se às suas associações.
Diante do filme, isso não é possível. O cinema corresponde a metamorfoses profundas
do aparelho perceptivo.

Recepção tátil e recepção ótica

As massas procuram na obra de arte distração, enquanto o conhecedor a aborda com


recolhimento. Para as massas, a obra de arte seria objeto de diversão, e para o
conhecedor, objeto de devoção. Desde o início a arquitetura foi o protótipo de uma obra
de arte cuja recepção se dá coletivamente, segundo o critério de dispersão. Os edifícios
comportam uma dupla forma de recepção: pelo uso e pela percepção, por meios táteis e
óticos. Não existe nada na recepção tátil que corresponda ao que a contemplação
representa na recepção ótica. Na arquitetura, o hábito determina em grande medida a
própria recepção ótica. Como os indivíduos se sentem tentados a esquivar-se a novas
tarefas, a arte consegue resolver as mais difíceis e importantes sempre que possa
mobilizar as massas. É o que ela faz, hoje em dia, no cinema. A recepção através da
distração, que se observa crescentemente em todos os domínios da arte e constitui o
sintoma de transformações profundas nas estruturas perceptivas, tem no cinema o seu
cenário privilegiado.

Estética da guerra
O fascismo tenta organizar as massas proletárias recém-surgidas sem alterar as relações
de produção e propriedade que tais massas tendem a abolir. Deve-se observar aqui, que
a reprodução em massa corresponde de perto à reprodução das massas. Esse processo
está estreitamente ligado ao desenvolvimento das técnicas de reprodução e registro. A
política se deixou impregnar, com d’Annunzio, pela decadência, com Marinetti, pelo
futurismo e com Hitler, pela tradição de Schwabing (bairro boêmio de Viena). Todos os
esforços para estetizar a política convergem para um ponto. Esse ponto é a guerra. A
guerra permite dar um objetivo aos grandes movimentos de massa, preservando as
relações existentes. Segundo o manifesto de Marinetti, a estética da guerra moderna se
apresenta do seguinte modo: como a utilização natural das forças produtivas é
bloqueada pelas relações de propriedade, as intensificações dos recursos técnicos, dos
ritmos e das fontes de energia exigem uma utilização antinatural. Essa utilização é
encontrada na guerra, que prova com suas devastações que a sociedade não estava
madura para fazer da técnica o seu órgão, e que a técnica não estava avançada para
controlar as forças elementares da sociedade.

Benjamin apresenta-nos um histórico da possibilidade de reprodução da obra de arte:


Sempre se pôde reproduzir a obra de arte. A reprodução técnica da obra de arte é,
contudo, um fenômeno novo. Os gregos só conheciam a fundição e a cunhagem,
reproduzindo em série apenas os bronzes, as terracotas e as moedas. Com a xilogravura,
conseguiu-se a reprodução do desenho. A tipografia introduziu imensas transformações
na literatura. A litografia, no séc. XIX, permite pela primeira vez às artes gráficas não
apenas entregar-se ao comércio das reproduções em série, mas produzir obras novas. A
fotografia, por sua vez, viria a suplantar a litografia. A característica principal do
processo fotográfico é, para Benjamin, a preponderância do olho sobre a mão, que foi
liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, isto é, instaura-se o uso
constante do olho, fixo sobre a objetiva, no lugar da mão: o olho apreende mais
depressa do que a mão desenha – o processo de reprodução tornou-se muito mais
rápido. A reprodução técnica da obra de arte atinge um nível tal que se impõe, ela
própria, ironicamente, como forma original de arte.

II

Mesmo a mais perfeita reprodução das obras de arte carece da presença, do hic et nunc
(aqui e agora) da obra de arte, de sua existência única, no lugar em que se encontra. É a
essa presença que se vincula a história da obra, com as inúmeras transformações por que
passa ao longo do tempo, seja pelo seu manuseio, seja pelos cuidados a elas dispensados
por quem dela foi proprietário. Esse hic et nunc da obra é a sua autenticidade. Diante da
reprodução feita pela mão do homem, em geral uma falsificação, o original mantém sua
plena autoridade. O mesmo não ocorre com a reprodução técnica: a fotografia, por
exemplo, pela ampliação da imagem, ressalta aspectos do original que escapam à visão
natural, além de poder levar a cópia do original até o espectador. A catedral abandona
seu lugar para instalar-se no estúdio de alguém, por exemplo. A orquestra pode ser
ouvida em casa. Há, então, uma espécie de desvalorização do hic et nunc da obra de
arte. A autenticidade de uma coisa é tudo aquilo que ela contém e é originalmente
transmissível, desde sua duração material até seu poder de testemunho histórico. Como
este depende da materialidade da obra, quando ela se esquiva do homem através da
reprodução, também o testemunho se perde.
O que se atinge, o que se atrofia, na reprodutibilidade técnica da obra de arte é a sua (da
obra) aura. A reprodução transforma o evento antes produzido apenas uma vez em
fenômeno de massa, serial, permitindo ao objeto reproduzido oferecer-se à visão e à
audição em quaisquer circunstâncias, conferindo-lhe atualidade permanente. O cinema,
expressão máxima da permanência e da massificação do objeto reproduzido tem um
aspecto destrutivo e catártico, representando a liquidação do elemento tradicional dentro
da herança ou patrimônio cultural.

III

Aura é “a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja”.
Observar, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho,
que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse
galho. Graças a essa definição, é fácil identificar os fatores sociais que condicionam o
declínio atual da aura: as massas, para Benjamin, exigem que as coisas se lhe tornem
tanto humanas quanto espacialmente mais próximas e, além disso, ao acolher as
reproduções, depreciam o caráter daquilo que é dado apenas uma vez – há uma ânsia de
reprodução, que visa a propiciar um domínio maior do objeto, uma necessidade
irresistível de possuí-lo, de tão perto quanto possível, na sua cópia, na sua reprodução.
As massas querem superar o caráter único de todos os fatos através de sua
reprodutibilidade. A reprodução impressa de uma imagem artística (de uma escultura,
por exemplo), visando à estandardização, despoja o objeto de sua aura.

IV

A unicidade de uma obra, isto é, sua qualidade única e exclusiva, é idêntica à sua
integração na tradição cultural de uma dada sociedade. Tanto os gregos quanto os
clérigos medievais apreciavam uma antiga estátua de Vênus pelo que ela encerrava de
único, por sua aura, como objeto de culto e como ídolo maléfico, respectivamente. Tal
apreciação se dava devido ao fato de que as obras de arte nasciam a serviço de um
ritual, primeiro mágico, depois religioso. A perda da aura expressa a perda de qualquer
vestígio da função ritualística, seja antiga, seja medieval, da obra – função essa que foi o
suporte do valor utilitário da obra. Tal ligação (entre obra e função ritualística) ainda
permanece, transformada ou secularizada, por exemplo, no culto dedicado à beleza das
obras profanas da Renascença (em outras palavras, o valor único da obra de arte
“autêntica” tem sempre um fundamento teológico, por mais remoto que seja). Com o
advento da fotografia, os artistas passam a professar a “arte pela arte”, que é, no fundo,
uma teologia da arte, uma arte pura que se recusa a desempenhar qualquer papel social e
a submeter-se a qualquer determinação objetiva. A arte não é, então, nessa perspectiva,
um meio, mas um fim em si. Com a reprodutibilidade técnica, há a emancipação da obra
de arte de sua existência parasitária, imposta pelo papel ritualístico. A obra de arte
reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para ser
reproduzida. As obras passam a ser reproduzidas constantemente, tendo sua aura e
também sua autenticidade diluídas. No momento em que o critério da autenticidade,
segundo Benjamin, deixa de aplicar-se à produção artística, toda função social da arte
passa a fundar-se não mais no ritual, mas em uma nova forma de práxis: a política.

V
A obra pode ser considerada como objeto de culto (valor de culto) ou como realidade
exibível (valor de exibição). A produção artística inicia-se mediante imagens que
servem ao culto. O alce pintado nas cavernas pelo homem paleolítico consiste num
instrumento de magia, só ocasionalmente exposto aos outros homens. O valor de culto
quase obriga as obras a manterem-se secretas. Quando se emancipam do seu uso ritual,
as obras de arte são mais freqüentemente exibidas, expostas. A possibilidade de as obras
serem expostas, sua exponibilidade, ampliou-se muito com os vários métodos de
reprodutibilidade técnica. A preponderância do valor de exibição confere à obra de arte
novas funções. Assim como na pré-história a preponderância do valor de culto levou a
obra a ser concebida em primeiro lugar como instrumento mágico, e só mais tarde como
obra de arte, do mesmo modo a preponderância hoje conferida a seu valor de exposição
atribui-lhe funções inteiramente novas, entre as quais a “artística” – a única de que
temos consciência – talvez se revele mais tarde como secundária.

Você também pode gostar