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pelo próprio artista, seja por aprendizes ou por imitadores. Antigamente essa reprodução
era controlada e demandava fisicamente o mesmo esforço que seu artista utilizou na
produção do original. Com a criação de meios de reprodução em massa como a
xilogravura, seguida pela litografia e anos depois pela fotografia, houve uma alteração
do caráter global da arte que, com a negação da fotografia e posteriormente do cinema
pela doutrina da arte pela arte, não possível de se enxergar com clareza de imediato.
“Assim, ela [a indústria cultural] fixa para a espectadora não apenas a possibilidade de
também vir a se mostrar na tela, mas ainda mais enfaticamente a distância entre elas. Só
um pode tirar a sorte grande, só um pode se tornar célebre, e mesmo se todos têm a
mesma probabilidade, esta é para cada um tão mínima que é melhor riscá-la de vez e
regozijar-se com a felicidade do outro, que poderia ser ele próprio e que, no entanto,
jamais é.” (Adorno e Horkheimer, A Industria Cultural: O esclarecimento como
mistificação das massas, 1947, p. 68)
E é por ter como público-alvo as massas que o cinema sofreu críticas fortíssimas. Os
intelectuais acreditavam que por ele ser usado como um meio de entretenimento e não
exigir que seu espectador reflita sobre o que está sendo apresentado, o cinema não era
merecedor do título de arte. Benjamin aponta que, assim como a recepção as mudanças
arquitetônicas, existem duas formas de se entender a arte: o tátil e o ótico. O primeiro
ocorre através do uso e o hábito, enquanto o segundo caracteriza-se pela observação
natural. E que, para que nossa percepção mude verdadeiramente, é necessário uma
junção dos dois. No entanto, mesmo em distração nossa percepção pode ser alterada.
Isso é o que torna o filme sonoro uma arma de manipulação tão importante: a
capacidade que ele têm de, ao chocar o espectador com o novo, implantar ideias que em
outras formas de arte não são possíveis. E a política soube agregar essas técnicas em seu
meio, notáveis no uso de filmes durante o fascismo na Europa e para promoção do
capitalismo no mundo inteiro atualmente. Essa estetização da política resulta na guerra,
que em sua violência dá as massas um objetivo e que este uso da reprodução técnica
“prova com suas devastações que a sociedade não estava madura para fazer da técnica o
seu órgão, e que a técnica não estava avançada para controlar as forças elementares da
sociedade.”¹
Reprodutibilidade técnica
As obras de arte em sua essência sempre foram objeto de reprodução, essa imitação era
praticada por discípulos, mestres e por terceiros, cada um com interesses distintos e
específicos. Mas a reprodução técnica de obras de arte é um processo novo, que vem se
desenvolvendo com intensidade crescente. A imprensa teve importância decisiva mas
fez parte de um contexto mais amplo, que envolve a xilogravura, a estampa em chapa de
cobre e a água-forte, assim como a litografia. A litografia permitiu às artes gráficas
colocar no mercado suas produções em massa e sob a forma de criações sempre novas.
Mas foi ultrapassada pela fotografia, onde a mão foi substituída pelo olho que apreende
mais depressa do que a mão desenha. A reprodução técnica do som surgiu e atingiu um
alto padrão de qualidade.
Autenticidade
O aqui e o agora da obra de arte é o elemento que está ausente na reprodução, esse aqui
e agora é onde se desdobra a história e enraíza a tradição do objeto. A reprodução
técnica tem mais autonomia que a manual e pode colocar a cópia do original em
situações impossíveis para o próprio original, por estas duas razões, o autêntico não
preserva toda a sua autoridade com relação à reprodução técnica. Mesmo o conteúdo
ficando intacto, as reproduções desvalorizam o seu aqui e agora, sua autenticidade, o
testemunho se perde pois depende da materialidade da obra.
Destruição da aura
Ritual e política
Os dois pólos no interior das obras de arte são o valor de culto e o valor da exposição.
Assim como na pré-história a preponderância absoluta do valor de culto conferido à
obra levou-a a ser concebida em primeiro lugar como instrumento mágico e só mais
tarde como obra de arte, do mesmo modo a preponderância absoluta conferida hoje a
seu valor de exposição atribui-lhe funções novas, entre as quais a artística, talvez se
revele mais tarde como secundária.
Fotografia
Valor da eternidade
Cinema e teste
O intérprete cinematográfico
Para o cinema, é menos importante o ator representar um outro personagem que ele
representar a si mesmo diante do aparelho. Pirandello diz que: “O ator de cinema sente-
se exilado, não somente do palco, mas de si mesmo.” Como a representação do homem
pelo aparelho, a auto alienação humana encontrou uma aplicação criadora. A imagem
do homem, especular, torna-se destacável e transportável para um lugar em que ela
possa ser vista pela massa. O capital cinematográfico dá um caráter contra
revolucionário às oportunidades revolucionárias imanentes a esse controle. Esse capital
estimula o culto ao estrelato, estimula o culto do público e a consciência corrupta das
massas. A arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em função
da reprodutibilidade e quanto menos colocar em seu centro a obra original. A arte
dramática é a que enfrenta a crise mais manifesta. Os astros cinematográficos só muito
raramente são bons atores, no sentido de teatro. Pois é menos importante que o
intérprete represente um personagem diante do público que ele represente a si mesmo
diante da câmera.
Pintor e cinegrafista
No teatro existe um ponto de observação que não existe nas filmagens do cinema, que
permite preservar o caráter ilusionístico da cena. Esse ponto não existe no estúdio. A
natureza ilusionística do cinema é de segunda ordem e está no resultado da montagem.
A relação entre o cinegrafista e o pintor é que o pintor observa em seu trabalho uma
distância natural entre a realidade dada a ele próprio, ao passo que o cinegrafista penetra
profundamente as vísceras dessa realidade. As imagens que cada um produz são, por
isso, essencialmente diferentes. A imagem do pintor é total, do operador é composta de
inúmeros fragmentos que se recompõem segundo novas leis.
Camundongo Mickey
Uma das funções sociais mais importantes do cinema é criar um equilíbrio entre o
homem e o aparelho, pela forma como ele representa o mundo, graças a esse aparelho, o
cinema faz-nos vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos que determinam
nossa existência e por outro assegura-nos um espaço de liberdade. A câmera intervém
com seus inúmeros recursos auxiliares, suas imersões e emersões, suas interrupções e
seus isolamentos, suas extensões e suas acelerações, suas ampliações e suas
miniaturizações. O cinema fez pela descrição do mundo onírico que pela criação de
personagens do sonho coletivo, como o camundongo Mickey, que hoje percorre o
mundo todo.
Dadaísmo
Uma das tarefas mais importantes da arte foi sempre a de gerar uma demanda cujo
atendimento integral só poderia produzir-se mais tarde. As extravagâncias e grosserias
artísticas que se manifestam nas “épocas de decadência” derivam do seu campo de
forças mais rico. O dadaísmo é um exemplo disso, que tentou produzir através da
pintura ou da literatura os efeitos que o público procura hoje no cinema. O dadaísmo
sacrificou os valores de mercado intrínsecos ao cinema, em benefício de intenções mais
significativas, das quais ele não tinha consciência. Eles estavam menos interessados em
assegurar a utilização mercantil de suas obras que em torná-las impróprias para qualquer
utilização contemplativa. O comportamento social provocado pelo dadaísmo foi o
escândalo. Essa obra tinha que satisfazer uma exigência básica: suscitar a indignação
pública. Compare-se a tela em que se projeta o filme com a tela em que se encontra o
quadro. Na primeira, a imagem se move, mas na segunda, não. Esta convida o
espectador à contemplação, diante dela, ele pode abandonar-se às suas associações.
Diante do filme, isso não é possível. O cinema corresponde a metamorfoses profundas
do aparelho perceptivo.
Estética da guerra
O fascismo tenta organizar as massas proletárias recém-surgidas sem alterar as relações
de produção e propriedade que tais massas tendem a abolir. Deve-se observar aqui, que
a reprodução em massa corresponde de perto à reprodução das massas. Esse processo
está estreitamente ligado ao desenvolvimento das técnicas de reprodução e registro. A
política se deixou impregnar, com d’Annunzio, pela decadência, com Marinetti, pelo
futurismo e com Hitler, pela tradição de Schwabing (bairro boêmio de Viena). Todos os
esforços para estetizar a política convergem para um ponto. Esse ponto é a guerra. A
guerra permite dar um objetivo aos grandes movimentos de massa, preservando as
relações existentes. Segundo o manifesto de Marinetti, a estética da guerra moderna se
apresenta do seguinte modo: como a utilização natural das forças produtivas é
bloqueada pelas relações de propriedade, as intensificações dos recursos técnicos, dos
ritmos e das fontes de energia exigem uma utilização antinatural. Essa utilização é
encontrada na guerra, que prova com suas devastações que a sociedade não estava
madura para fazer da técnica o seu órgão, e que a técnica não estava avançada para
controlar as forças elementares da sociedade.
II
Mesmo a mais perfeita reprodução das obras de arte carece da presença, do hic et nunc
(aqui e agora) da obra de arte, de sua existência única, no lugar em que se encontra. É a
essa presença que se vincula a história da obra, com as inúmeras transformações por que
passa ao longo do tempo, seja pelo seu manuseio, seja pelos cuidados a elas dispensados
por quem dela foi proprietário. Esse hic et nunc da obra é a sua autenticidade. Diante da
reprodução feita pela mão do homem, em geral uma falsificação, o original mantém sua
plena autoridade. O mesmo não ocorre com a reprodução técnica: a fotografia, por
exemplo, pela ampliação da imagem, ressalta aspectos do original que escapam à visão
natural, além de poder levar a cópia do original até o espectador. A catedral abandona
seu lugar para instalar-se no estúdio de alguém, por exemplo. A orquestra pode ser
ouvida em casa. Há, então, uma espécie de desvalorização do hic et nunc da obra de
arte. A autenticidade de uma coisa é tudo aquilo que ela contém e é originalmente
transmissível, desde sua duração material até seu poder de testemunho histórico. Como
este depende da materialidade da obra, quando ela se esquiva do homem através da
reprodução, também o testemunho se perde.
O que se atinge, o que se atrofia, na reprodutibilidade técnica da obra de arte é a sua (da
obra) aura. A reprodução transforma o evento antes produzido apenas uma vez em
fenômeno de massa, serial, permitindo ao objeto reproduzido oferecer-se à visão e à
audição em quaisquer circunstâncias, conferindo-lhe atualidade permanente. O cinema,
expressão máxima da permanência e da massificação do objeto reproduzido tem um
aspecto destrutivo e catártico, representando a liquidação do elemento tradicional dentro
da herança ou patrimônio cultural.
III
Aura é “a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja”.
Observar, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho,
que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse
galho. Graças a essa definição, é fácil identificar os fatores sociais que condicionam o
declínio atual da aura: as massas, para Benjamin, exigem que as coisas se lhe tornem
tanto humanas quanto espacialmente mais próximas e, além disso, ao acolher as
reproduções, depreciam o caráter daquilo que é dado apenas uma vez – há uma ânsia de
reprodução, que visa a propiciar um domínio maior do objeto, uma necessidade
irresistível de possuí-lo, de tão perto quanto possível, na sua cópia, na sua reprodução.
As massas querem superar o caráter único de todos os fatos através de sua
reprodutibilidade. A reprodução impressa de uma imagem artística (de uma escultura,
por exemplo), visando à estandardização, despoja o objeto de sua aura.
IV
A unicidade de uma obra, isto é, sua qualidade única e exclusiva, é idêntica à sua
integração na tradição cultural de uma dada sociedade. Tanto os gregos quanto os
clérigos medievais apreciavam uma antiga estátua de Vênus pelo que ela encerrava de
único, por sua aura, como objeto de culto e como ídolo maléfico, respectivamente. Tal
apreciação se dava devido ao fato de que as obras de arte nasciam a serviço de um
ritual, primeiro mágico, depois religioso. A perda da aura expressa a perda de qualquer
vestígio da função ritualística, seja antiga, seja medieval, da obra – função essa que foi o
suporte do valor utilitário da obra. Tal ligação (entre obra e função ritualística) ainda
permanece, transformada ou secularizada, por exemplo, no culto dedicado à beleza das
obras profanas da Renascença (em outras palavras, o valor único da obra de arte
“autêntica” tem sempre um fundamento teológico, por mais remoto que seja). Com o
advento da fotografia, os artistas passam a professar a “arte pela arte”, que é, no fundo,
uma teologia da arte, uma arte pura que se recusa a desempenhar qualquer papel social e
a submeter-se a qualquer determinação objetiva. A arte não é, então, nessa perspectiva,
um meio, mas um fim em si. Com a reprodutibilidade técnica, há a emancipação da obra
de arte de sua existência parasitária, imposta pelo papel ritualístico. A obra de arte
reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para ser
reproduzida. As obras passam a ser reproduzidas constantemente, tendo sua aura e
também sua autenticidade diluídas. No momento em que o critério da autenticidade,
segundo Benjamin, deixa de aplicar-se à produção artística, toda função social da arte
passa a fundar-se não mais no ritual, mas em uma nova forma de práxis: a política.
V
A obra pode ser considerada como objeto de culto (valor de culto) ou como realidade
exibível (valor de exibição). A produção artística inicia-se mediante imagens que
servem ao culto. O alce pintado nas cavernas pelo homem paleolítico consiste num
instrumento de magia, só ocasionalmente exposto aos outros homens. O valor de culto
quase obriga as obras a manterem-se secretas. Quando se emancipam do seu uso ritual,
as obras de arte são mais freqüentemente exibidas, expostas. A possibilidade de as obras
serem expostas, sua exponibilidade, ampliou-se muito com os vários métodos de
reprodutibilidade técnica. A preponderância do valor de exibição confere à obra de arte
novas funções. Assim como na pré-história a preponderância do valor de culto levou a
obra a ser concebida em primeiro lugar como instrumento mágico, e só mais tarde como
obra de arte, do mesmo modo a preponderância hoje conferida a seu valor de exposição
atribui-lhe funções inteiramente novas, entre as quais a “artística” – a única de que
temos consciência – talvez se revele mais tarde como secundária.