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VII Colóquio Internacional Marx e Engels

GT 5 - Relações de classe no capitalismo contemporâneo

Contribuições das teses marxistas da marginalidade para a análise


das classes trabalhadoras e dos movimentos sociais

Carolina Figueiredo Filho


Nathalia C. Oliveira1

Introdução:

O conceito de marginalidade, dentro da teoria marxista, foi muito debatido nas


décadas de 60 e 70 nas análises a respeito do capitalismo latino-americano do tipo
dependente2. Essa discussão traz elementos importantes para pensarmos a atualidade da
configuração das classes sociais brasileiras.
Primeiramente, faremos uma rápida exposição das teses de três importantes autores
dessa temática: o argentino José Nun, o brasileiro Lúcio Kowarick e o peruano Aníbal
Quijano.
Estes autores não estão revisando a teoria marxista, mas sim aprofundando e
atualizando as análises de Marx. As teses a respeito da marginalidade têm suas bases nos
textos dos Grundrisse e no capítulo XXIII, A Lei Geral da Acumulação Capitalista, de O
Capital, elaborados por Marx.
Na segunda parte, refletiremos sobre a atualidade das teses da marginalidade. Para
tanto, verificaremos como os impactos do capitalismo neoliberal e da reestruturação
produtiva no Brasil podem indicar a vitalidade desse fenômeno. E, por fim, como
estudiosas dos movimentos sociais populares, buscaremos relacionar suas bases sociais
com os trabalhadores inseridos na marginalidade.

I. Diferentes teses da marginalidade


1
*Carolina Filho é mestranda em ciência política pela Unicamp e bolsista da FAPESP. Nathalia Oliveira é
mestre e doutoranda em ciência política também pela Unicamp e bolsista CAPES. Ambas as autoras são
pesquisadoras do grupo Neoliberalismo e Relações de Classes, alocado ao Cemarx.
2
Em decorrência do pouco espaço que temos aqui e das próprias limitações do nosso trabalho, não
discutiremos as teses do capitalismo dependente latino-americano. No entanto, destacamos que este debate
tem grande importância na contextualização e na compreensão da discussão da marginalidade. Desse modo,
na medida do possível, ao longo deste trabalho estabeleceremos a relação entre dependência e marginalidade.

1
A “marginalidade” tem vários significados e enfoques teóricos. É necessário então
explicitar bem do que falamos.
Entendemos que tanto Quijano, quanto Nun e Kowarick são autores que tratam da
marginalidade dentro da vertente histórico-estrutural e não estão de acordo com a
abordagem estrutural-funcionalista.
A vertente histórico-estrutural não está presa à semântica original da
“marginalidade” que é utilizada para se referir ao que está “à margem”, no sentido de “estar
fora de”. Esta perspectiva nega a existência de uma razão dualista e as teses da teoria da
modernização. Logo, a marginalidade é aqui entendida como parte do conjunto da
economia capitalista, ou seja, “la cuestión de la “marginalización” se refiere a un
mecanismo de las relaciones entre capital e trabajo, no algo que ocurra fuera del capital, de
la sociedad o del poder en general” (Quijano, 2000: 12).
A marginalidade, discutida no interior do enfoque histórico-estrutural, refere-se ao
nível das relações produtivas, e não de consumo, ou seja, refere-se a um modo específico
de inserção nas estruturas de produção.
O debate da marginalidade se inscreve na idéia da contradição necessária e
fundamental entre acumulação capitalista e miséria, ou melhor, na contradição entre
acumulação de capital e existência de superpopulação. Os teóricos da marginalidade estão
preocupados em caracterizar esta superpopulação relativa e discutir seus efeitos.
José Nun estabelece uma diferença importante entre o modo de produção capitalista
competitivo e o monopolista. De acordo com o autor, as leis econômicas sobre as quais o
capitalismo se apóia não mudam, no entanto, há uma modificação no conjunto de suas
características e efeitos. Assim, a categoria do exército industrial de reserva não dá conta
de explicar a totalidade da superpopulação no capitalismo monopolista.
O capitalismo competitivo apresenta ciclos decenais nas suas indústrias (períodos
de animação média, produção a todo vapor, crise e estagnação), além do lançamento do
capital em novas áreas. Sendo assim, a superpopulação no capitalismo competitivo possui
aqui a função de disponibilizar mão de obra para cada momento da produção, atuando
como exército industrial de reserva.
Já no capitalismo monopolista, o desenvolvimento dos meios de produção é
constante e é maior a especialização e qualificação da mão de obra, de modo que declinam
as probabilidades de transferência de trabalhadores de um ramo a outro que, como se sabe,
2
partiam do pressuposto de um baixo nível geral de qualificação. E mais, “perde sustentação
a idéia anterior de uma reabsorção possível de operários afastados pela máquina: a
demanda industrial de trabalho tende a contrair-se ou, no melhor dos casos, a estancar-se”.
(Nun, 1978: 97).
É a partir disso que Nun propõe uma nova categoria para designar as manifestações
não funcionais do excedente da população, a saber, a massa marginal. Gera-se uma
população não absorvível pelo setor hegemônico da economia e que não possui uma
relação de funcionalidade com a acumulação, mas de afuncionalidade ou
disfuncionalidade3. Assim, Nun (1978) distingue uma “marginalidade funcional”, a do
exército industrial de reserva, e outra não funcional, a da massa marginal.
De acordo com Nun, os trabalhadores que estão inseridos na massa marginal são os
desocupados e também os que não se encontram no setor das grandes corporações
monopolistas (fora do tipo dominante de organização produtiva).
A respeito dos tipos básicos de implicação marginal no processo produtivo, Nun
destaca tanto os trabalhadores rurais quanto os urbanos que não são assalariados e,
portanto, trabalham “por conta própria”, como os minifundiários de subsistência, pequenos
mineiros, trabalhadores “vinculados” por métodos coercitivos mais ou menos manifestos, e
pequenos artesões pré-capitalistas. Inserem-se ainda na marginalidade os trabalhadores que
não possuem uma situação estável no mercado de trabalho, como os que não recebem
salário em dinheiro (principalmente os inseridos no serviço doméstico), o desempregado
aberto, o trabalhador ocasional ou por temporada.
A massa marginal compreende ainda os assalariados dos setores menos modernos,
onde as condições de trabalho são mais rigorosas, as leis sociais têm escassa aplicação e as
remunerações oscilam em torno do nível de subsistência.
Para Kowarick (1975), tanto o capital autônomo quanto o capital dependente
possuem uma mesma lógica no processo de acumulação em que a contradição é inerente:
aumenta-se o investimento em máquinas e instrumental tecnológico e logo há menor
quantidade de empregos. Assim, de um lado, há acumulação de capital e, de outro, existe
uma população excedente. No entanto, a situação de dependência intensifica as

3
José Nun adverte, porém, que a distinção entre uma parcela da superpopulação como funcional e outra
afuncional se trata de uma distinção puramente analítica e que essas “partes” só são separáveis no plano
conceitual.

3
contradições e deflagra processos que tornam mais evidente a marginalidade urbana dos
países latino-americanos.
As diferenças do contexto em que se dá o processo de industrialização influenciam
muito a questão da marginalidade. Enquanto na Europa houve crescimento populacional
reduzido, emigração que diminuiu o montante de desocupados e a industrialização do
século XIX que absorveu grande parte dos trabalhadores excedentes; na América Latina,
tivemos um alto crescimento populacional, alta taxa de natalidade, imigração, grande
intensidade na migração do campo para a cidade e um grande número de pessoas que não
conseguiram se inserir no sistema produtivo dominante.
O desemprego não é “disfuncional” para o capitalismo, ao contrário, representa
barateamento do fator trabalho, o que na ótica do sistema é altamente “funcional” e
rentável. Dessa maneira, para Kowarick, toda a população excedente é dotada de
funcionalidade ao capital.
Para Kowarick, os trabalhadores assalariados sofrem uma exploração intensiva,
enquanto os que estão inseridos nos grupos marginais sofrem uma exploração extensiva:
baixa remuneração, divisão de tarefas e tecnologia rudimentar. Destacando uma diferença
entre mercado formal (legalização e limitada capacidade de absorção de mão-de-obra) e
informal, Kowarick admite que a maioria dos trabalhadores marginais se encontra no
mercado informal4.
A mão-de-obra não absorvida é caracterizada como marginal, pois encarna tanto as
“novas” relações de produção não tipicamente capitalistas quanto as “velhas” formas de
produção que o capitalismo, no processo de sua expansão, cria e recria.
Os grupos marginais seriam os desempregados, trabalhador intermitente e
trabalhador de setores produtivos estagnados ou decadentes (produção artesanal, indústria a
domicílio), empregados domésticos, trabalhador autônomo do comércio de mercadorias
(ambulantes) e prestação de serviços. Os trabalhadores marginais não possuem uma
posição estável, ora estão desempregados, ora fazem “bicos”, ora são subcontratados.
Passemos para a tese de Quijano. Para este autor, a estrutura geral da sociedade é
complexa, composta por vários níveis e hierarquizada. Desse modo, as instituições têm
importâncias distintas para a organização da sociedade, correspondendo à sua estrutura
básica dominante ou às suas formas concretas de expressão assumidas em uma conjuntura.

4
Este debate da marginalidade e da informalidade é enriquecido pelas idéias de Quijano (2000).

4
A marginalidade, nesse contexto, pode se dar tanto no âmbito da própria estrutura básica
geral da sociedade, quanto em um segundo plano, mais superficial, que não é originada da
dinâmica da estrutura básica, mas que explicita suas limitações e problemas de integração.
Nesse sentido, a manifestação de elementos marginais não pode ser tomada como uma
“falta de integração”, mas como uma inconsistência nas relações sociais associada e
compatível com a estrutura geral da sociedade.
No caso da América Latina, a situação marginal faz parte da estrutura básica geral
dominante da sociedade e se articula com ela de maneira interdependente e conflitiva. A
dimensão e o incremento das formas de manifestação da marginalidade na realidade latino-
americana permitem enquadrá-la como uma estratificação social nova, cujas características
principais envolvem ocupações ou atividades com baixa produtividade, utilizando
“recursos residuais da produção”, distanciamento das relações hegemônicas de produção,
rendimentos frágeis e instáveis. Tendo em vista que esses setores não estão apartados da
dinâmica global da sociedade e que se inserem, de forma complexa e contraditória, na
própria estrutura geral da sociedade, o autor os denomina “pólo marginal”.
Esta relação conflitiva e interdependente que o “pólo marginal” desenvolve com a
estrutura geral se sustenta no binômio exploração e ajuda ou “compensação”. Neste
sentido, cabe ao próprio Estado manter uma “estrutura de sobrevivência” que amenize a
situação econômica miserável dos marginais, por meio de ajuda social.
O autor cita como exemplos de marginalidade os setores do artesanato, dos
pequenos serviços, do pequeno comércio, que seriam como uma “pequena burguesia
marginal”; e os desempregados, os trabalhadores temporários, os recém ingressos no
mercado de trabalho, os provenientes da agricultura, que seriam os “assalariados
marginais”.

II. Atualidade das teses da marginalidade

30 anos depois: capitalismo neoliberal e reestruturação produtiva


O debate sobre a marginalidade ganhou fôlego nas ciências sociais nos anos 60 e
70, em um momento em que os países da América Latina, em especial o Brasil, passavam
por um processo de incentivo ao desenvolvimento urbano e industrial. Neste período, se
evidenciaram os limites do modo de organização do capitalismo dependente para absorver
o contingente de força de trabalho disponível para ser empregada.
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A partir da década de 1990, a política neoliberal e a reestruturação produtiva no
Brasil impulsionaram a redução dos gastos sociais, a flexibilização dos contratos e da
legislação trabalhista, o processo de desindustrialização, o aumento da produtividade. Tudo
isso contribuiu para o aumento das taxas de desemprego, para a disseminação do trabalho
informal, instável e/ou temporário e para a precarização acentuada das condições de vida
de parcela expressiva da população.
Em meio a esse cenário, nos países dependentes se assistiu o aprofundamento da
subordinação econômica, política e tecnológica em relação aos países desenvolvidos. Para
Boito Jr. (1999), partindo de um mercado de trabalho já pouco estruturado e de um sistema
de proteção social frágil, a ofensiva sobre os direitos sociais e sobre o trabalho nos países
dependentes foi ainda mais brutal. As demandas por emprego, salário, habitação,
transporte, terra, saúde, educação se agravaram ao longo dos anos 1990.
A partir de 1991, o Brasil se encontrava entre os quatro países do mundo com mais
desemprego e entre 1992 e 2002, a taxa de desemprego no país subiu 38,8% (Pochmann,
2005). A partir de 2003, com o governo Lula, há relativa diminuição das taxas de
desemprego. No entanto, a atualidade da disseminação de formas de contratação precárias
mostra a complexidade dos modos de manifestação do fenômeno da marginalidade.
Na nova divisão internacional do trabalho, coube aos países da América Latina ter
uma economia voltada para a produção e exportação de commoditties, acompanhada pelo
enfraquecimento da indústria e pela explosão do setor de serviços, e garantir salários mais
baixos e condições sociais mais precárias (BOITO JR., 1999; POCHMANN, 2005).
Para Quijano (2000), as novas tendências do capital levaram à expansão de relações
de trabalho não salariais em todo o mundo, mas de forma mais aprofundada nos países
dependentes, em que a quantidade de trabalhadores “excedentes” ultrapassa sobremaneira o
contingente que oscila entre o emprego e o desemprego de acordo com os ciclos de
expansão da produção. Desse modo, a maior concentração de riqueza veio em sintonia com
o aumento da pobreza. Não por acaso, as políticas sociais de marca compensatória,
direcionadas para a parcela da população mais pobre, ganharam espaço na agenda dos
governos, a fim de “amenizar” os impactos da política neoliberal.
Assim, torna-se inegável a atualidade da discussão em torno da marginalidade
diante da dimensão e das formas de manifestação assumidas pelo desemprego, pelo
trabalho precário e seus desdobramentos sobre as condições de vida de um amplo setor da
população nos anos 90 e 2000. A preocupação com as especificidades da formação das
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classes trabalhadoras nos países de capitalismo dependente evidencia que o debate sobre a
marginalidade ainda traz questões, instrumentos e indicativos importantes para a análise da
realidade concreta.
O próprio Nun (2006), trinta anos após formular sua tese da massa marginal, afirma
que os três propósitos que o levaram a elaborar esta tese não só ainda se mantêm, mas que,
no processo de mundialização e no capitalismo neoliberal, a situação se tornou muito mais
visível. Os três propósitos citados são: a) por em evidência a relação estrutural entre os
processos de acumulação capitalista prevalecentes na América Latina e os fenômenos da
pobreza e da desigualdade; b) indicar a heterogeneidade e a crescente fragmentação da
estrutura ocupacional e suas conseqüências em termos da formação de identidades sociais;
c) chamar a atenção para os modos como incidia sobre a integração do sistema a
necessidade de afuncionalizar (em diferentes sentidos) os excedentes de população para
evitar que os tornassem disfuncionais.

Movimentos de urgência e marginalidade


Compartilhamos as ideias de uma tradição marxista que enfatiza a importância de se
relacionar ideologia e classe social, política e economia (Galvão, 2008). Assim,
refletiremos sobre as camadas marginais das classes trabalhadoras e suas possíveis formas
de organização e atuação política.
É comumente atribuída à marginalidade a posição de legitimação política e eleitoral
das classes dominantes, que seria impulsionada pelos meios de comunicação de massa e
pelo efeito ideológico causado pelos programas sociais de cunho compensatório.
Destacamos neste trabalho, no entanto, que as camadas marginais das classes trabalhadoras
também pode assumir um papel político importante de contestação da ordem, a exemplo de
sua organização por meio dos movimentos populares.
Para Mouriaux (2002), as lutas de urgência seriam aquelas em que as pessoas lutam
para garantir sua sobrevivência. Devido à deterioração da situação econômica de algumas
parcelas das classes trabalhadoras, essas se vêem obrigadas a se organizar e lutar por coisas
elementares: comida, moradia, terra e emprego. Os movimentos de urgência seriam,
portanto, aqueles que lutam por condições básicas e urgentes que garantam minimamente a
existência física de seus membros.
Na América Latina, os movimentos de urgência ganham maior repercussão a partir
dos anos 1980. Segundo Galvão (2008), a emergência de movimentos populares está

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justamente relacionada ao processo de resistência aos efeitos da política neoliberal por
parte das classes trabalhadoras.
No caso brasileiro, a composição social dos movimentos de urgência, a exemplo
dos sem-terra, dos sem-teto e dos desempregados, é formada predominantemente por
desempregados, trabalhadores precários, instáveis e/ou temporários (tais como do setor de
serviços), informais, ex-trabalhadores rurais que não conseguiram uma ocupação na cidade
e trabalhadores rurais por “conta própria” (minifundiários de subsistência). As várias
especificidades e demandas desses trabalhadores dificultam que sejam organizados da
mesma maneira que o são os trabalhadores em atividades mais estáveis, por meio do
movimento sindical.
Neste sentido, lançamos aqui a hipótese de que os movimentos sociais de urgência
têm como maioria dos membros de suas bases, os trabalhadores que estão inseridos na
marginalidade. A condição material das pessoas que compõem estes movimentos pode,
além de unir a base, influenciar a plataforma reivindicativa e a orientação político-
ideológica dos próprios movimentos.
A base social dos movimentos dos sem-teto e sem-terra é composta por famílias, ou
seja, aqui estão pais, mães, jovens, crianças, idosos. Devido à extrema miséria do
trabalhador sem-teto ou sem-terra e à urgência de se conquistar uma moradia, todos os
membros da família acabam por se envolver na luta. Assim, muitos trabalhadores que estão
inseridos na marginalidade buscam na participação nestes movimentos uma estratégia de
sobrevivência familiar.
A diversidade dos membros dentro das famílias gera necessidades distintas no
interior das bases sociais dos movimentos. Diante disso, para além das reivindicações
principais (nos casos citados aqui: moradia e terra), os movimentos têm também uma série
de outras reivindicações que buscam atender a toda a sua base, como as lutas pelo acesso à
educação para as crianças ou aquelas ligadas à questão de gênero, entre outras.
Cabe destacar, ainda, que no caso dos movimentos sem-terra e de desempregados, a
necessidade de realizar uma atividade ligada à produção nas ocupações que organizam
demonstra, por um lado, a importância de garantir aos trabalhadores uma mínima
subsistência material, e, por outro, explicita o distanciamento ou a “marginalidade” que se
encontram em relação ao processo produtivo dominante.
É interessante observar que ao se referir à base social que procura organizar, o
Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) faz uma distinção entre o “exército
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industrial de reserva” e os chamados “desempregados estruturais”. Nos dizeres do
movimento, enquanto os primeiros seriam aqueles trabalhadores mais adequados ao perfil
que o mercado exige, os últimos são caracterizados como aqueles trabalhadores que não se
encaixam nos padrões de escolaridade, qualificação, idade, experiência profissional
exigidos pelo mercado de trabalho formal.
Os “desempregados estruturais” são os trabalhadores que o MTD procura organizar
e abarcam o que estamos denominando aqui como camadas marginais das classes
trabalhadoras. Essa diferenciação feita pelo movimento entre “desempregados estruturais”
e “exército industrial de reserva” ressalta que há grandes distinções dentre os próprios
trabalhadores desempregados e que isso influencia suas organizações políticas. Essa
distinção traz, portanto, elementos importantes para se pensar a marginalidade no Brasil e a
atualidade deste debate.

III. Considerações finais

Uma das principais diferenças na conceituação do fenômeno da marginalidade entre


os autores utilizados é, como se viu, a discussão em torno de sua funcionalidade ou não.
Enquanto para Nun a massa marginal se caracteriza justamente por sua afuncionalidade ou
por sua disfuncionalidade em relação ao processo produtivo, para Kowarick, a função de
exército industrial de reserva continua sendo exercida pelos grupos marginais. Já para
Quijano, ainda que não se detenha sobre a questão da funcionalidade em específico, é
inegável que o pólo marginal mantém uma relação de interdependência com a totalidade da
estrutura social. Apesar das diferenças sobre esse tema, parece haver acordo entre os
autores sobre a caracterização de quem são os trabalhadores inseridos na marginalidade.
É importante observar que a discussão sobre a funcionalidade se coloca no campo
estritamente econômico, em referência apenas ao processo produtivo. Se o debate sobre
isso se estender também para as esferas política e ideológica, há um grande espaço para o
aprofundamento do papel que cumpre esse setor dos trabalhadores na realidade concreta.
No entanto, como demonstramos neste trabalho, o debate sobre a marginalidade está
para além da polêmica sobre sua funcionalidade. Essa discussão traz contribuições
importantes para o entendimento da relação capital e trabalho e das relações de exploração
e dominação de classes sociais nos capitalismos de diferentes tipos. E, finalmente,

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entendemos que o debate da marginalidade pode ser um importante aliado nas análises das
formas de organização e luta de uma parcela importante dos trabalhadores brasileiros.

IV. Bibliografia Citada

BOITO JR, Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Xamã,
1999.
GALVÃO, Andréia. Os movimentos sociais da América Latina em questão. Revista
Debates, Porto Alegre, v. 2, n. 2, p. 8-24, jul.-dez. 2008.
KOWARICK, Lucio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1975.
MARX, K. “El capitulo del capital”. In: Líneas fundamentales de la crítica de la economía
política. “Grundrisse”. Primera Mitad. V.I. Barcelona, Buenos Aires, México: D. F.,
Editorial Critica, S. A. (Grupo editorial Grijalbo), 1977.
__________ “A lei geral da acumulação capitalista” (cap. XXIII do Livro Primeiro). In: O
Capital. Coleção Os Economistas, São Paulo: Abril Cultural, 1983.
MOURIAX, René.”A esquerda e a reanimação das lutas sociais na Europa.” . In: Crítica
Marxista, nº14, São Paulo, Boitempo Editorial, 2002.
NUN, José. “Superpopulação relativa, exército industrial de reserva e massa marginal”. In:
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__________ “Marginalidad y otras cuestiones”. In: Revista Latinoamericana de Ciencias
Sociales, n.4. ELAS-ICIS, Santiago: 1972.
__________“O futuro do emprego e a tese da massa marginal”. In: DOMINGUES, J. M. e
MANEIRO, M. (orgs). América Latina Hoje: conceitos e interpretações. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006.
POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.
QUIJANO, Aníbal. “Notas sobre o conceito de marginalidade social”. In: PEREIRA, Luiz
(Org.). Populações “marginais”. São Paulo: Duas Cidades, 1978a.
QUIJANO, Aníbal. “Estrutura urbana e marginalidade social”. In: PEREIRA, Luiz (Org.).
Populações “marginais”. São Paulo: Duas Cidades, 1978b.
QUIJANO, Aníbal. Marginalidad e informalidad en debate. Tercer Milenio, jan/2000.

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