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Introdução
Ou da Crise da filosofia messiânica à Crise da pedagogia messiânica
Salvar a educação?
Ou Da forma-humana ao Abaporu, o inumano
A salvação custa caro. O preço cobrado pela salvação deste pedaço de chão
chamado “Américas” foi alto. Foi pago com a morte. A população indígena, em 1500,
antes da invasão européia, era composta por milhões. Hoje, são pouco mais de 800
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Doutor em Educação (UFSCar). E-mail: munari.machado@gmail.com
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Mestre em Educação (UFSCar). E-mail: vitorjanei@gmail.com
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mil (CUNHA, 2012, p. 14). Sabemos, inclusive, que o método empregado não tinha
nada a ver com salvação das almas. Era um método puramente corporal.
que precisa ser civilizada e tornada humana. Ela só é considerada a partir de um certo
modelo de adulto que deve ser alcançado, de uma meta a ser atingida em seu
processo de desenvolvimento. Há nisso tudo, um quê de messianismo.
Nunca se é nada na escola a não ser aluno, ou seja, algo que só será alguém
ao final do processo de escolarização. Por isso é tão importante cultivar a ideia de
uma vida futura e vindoura. É preciso um ideal transcendente e abstrato para
suportarmos a situação de ser aluno. A Educação, por meio da escola, é um processo
de disciplinarização que exige de nós o sacrifício cristão: a renúncia do presente em
proveito do futuro, a separação entre desejo e aprendizagem.
Para nós, nascidos nas décadas finais do século passado, nos venderam a
ilusão de que a escola serviria para que fossemos alguém na vida, que sem estudos
não seríamos ninguém. Inculcaram em nós ideais ascéticos. Somente estudando
muito, passando horas à fio debruçados sobre os livros e cadernos é que atingiríamos
o apogeu, a felicidade, o nirvana, o paraíso. “[...] uma dura e serena renúncia feita
com a melhor vontade, está entre as condições propícias à mais elevada
espiritualidade (NIETZSCHE, 1998, p.101).
Tínhamos que recusar aos inúmeros convites de amigos para brincar ou sair,
sacrificar momentos de prazer para tirar as melhores notas, ingressar em uma
universidade pública de renome, se destacar, ser o melhor aluno, e assim, um dia,
adentrar aos mundos paradisíacos que nos prometeram quando éramos pequenos.
Hoje, adultos, percebemos que nos venderam uma falsa promessa de prosperidade.
Não se pára de estudar, e mesmo assim não se ascende socialmente nunca, não se
chega à plenitude financeira alguma, não há pote de ouro atrás do arco-íris.
Entretanto, a geração atual, parece não cair nessa mentira de bem-
aventurança vindoura. Para ela, a hora é agora. Os mundos paradisíacos do mercado
já estão aí disponíveis para serem consumidos e ostentados. Estudar e ser alguém
na vida virou conto da carochinha. A escola já não serve para ela, não interessa, pelo
menos não do jeito que está. Ora, não era exatamente esse o protesto das/os
estudantes secundaristas em todo o país?
Para que serve a escola hoje? Será que ela ainda tem alguma serventia? E se
serve, ela está a serviço de quem? Para que, então salvar a escola? Será que ela
tem salvação? A que custo queremos salvar a escola? Quantos milhões de corpos
são trazidos a essa máquina de moer carne ano a ano? Perseguimos a realização do
sonho iluminista? Perseguimos a realização da paz perpétua kantiana? Uma
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Tendi e tendo cada vez mais para uma filosofia que chamo de filosofia
da devoração. A vida é devoração pura e só há uma conduta a seguir:
o estoicismo. É verdade que outro conceito da existência divide a
humanidade. É o conceito messiânico e salvacionista. Os que se
enfileiram debaixo dessa bandeira são os que acreditam que há
qualquer coisa a salvar dentro deste mundo ou fora dele. O primeiro
pensamento é que presidiu a vida das sociedades primitivas tão
superiores às sociedades civilizadas. Estas servem-se do messianismo
para criar as servidões do corpo e do espírito e as ilusões de toda
espécie. (ANDRADE, [1954] 2017).
O terceiro ponto da dialética produzida na tese faz uma saída pela devoração.
O primitivo tecnizado, ou o bárbaro tecnizado, são os descaminhos de um
pensamento que jamais pode ser pensado como o de um meio termo, mas de uma
terceira margem, considerando que Oswald compreendia a técnica como um
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O bárbaro tecnizado:
Ou Dobre como ele foi devorado por Oswald
A dialética que Oswald cria em sua tese, e que reproduzimos acima, dá conta
de demonstrar que não se trata de um simples retorno. Mas sim de uma espécie de
devir. Bruna Della Torre cita em seu trabalho um escrito de Porominare, pseudônimo
de Oswald, que consegue nos aproximar desta perspectiva do bárbaro tecnizado
como sendo, ele mesmo, uma antropofagia e um devir:
Pedagogia messiânica
Ou Do professor como sacerdote, da criança como corpo sem alma
[...] apenas acrescento que, para mim, “melhorado” significa - o mesmo que
“domesticado”, “enfraquecido”, “desencorajado”, “refinado”, “engrandecido”,
“emascado” (ou seja, quase o mesmo que lesado). Mas tratando-se
sobretudo de doentes, desgraçados, deprimidos, um tal sistema torna o
doente invariavelmente mais doente, ainda que o torne “melhor”
(NIETZSCHE, 1998, p. 131).
Referências
ANDRADE, Oswald. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira, 1978.
CARVALHO LIMA, Bruna Della Torre de. Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda?
Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de
Pós-Graduação em Antropologia. USP. 2012. 230 fls.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo :
Claro Enigma, 2012.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é filosofia? Rio de Janeiro: 34, 1992.
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das
letras, 1998.