Você está na página 1de 8

TEXTOS E CONTEXTOS DA AMAZÔNIA

SISTEMA DE TRATAMENTO ESPECIAL A NOVAS EMPRESAS DE TECNOLOGIA


(SISTENET) E SEU REGIME TRIBUTÁRIO DIFERENCIADO

Jesse Rodrigues dos Santos1

1 APRESENTAÇÃO

1.1 Contextualização do PLS

A Assessoria Parlamentar do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e


Comércio Exterior enviou o Ofício nº. 95 – ASPAR/GM-MDIC, de 28/05/2015, à
SUFRAMA, solicitando a análise e a manifestação acerca do Projeto de Lei 6.625/2013
derivado do PLS nº. 321/12, do Senador José Agripino, que “Dispõe sobre o Sistema de
Tratamento Especial a Novas Empresas de Tecnologia (SisTENET) e seu regime tributário
diferenciado e dá outras providências”, bem como das Emendas 1, 2 e 3 emitidas pelo Relator
do PL.

1.1.1 O PLS 321/12

O PLS 321/12 elenca critérios para definir as “Novas Empresas de Tecnologia”


(startups), estabelecendo que as empresas que se inscreverem no novo Sistema de Tratamento
Especial a Novas Empresas de Tecnologia (SisTENET) terão direito à isenção total e
temporária do pagamento de todos os impostos federais, estaduais e municipais. A proposta
foi justificada pela necessidade de redução dos encargos tributários durante o início das
atividades nas empresas do segmento e como um incentivo à formalização das empresas do
setor.
Atribui-se à Receita Federal a conferência pelo correto enquadramento da
empresa solicitante aos critérios estabelecidos na Lei e determina que, findo o prazo de dois
anos da inscrição da startup no SisTENET, a empresa será automaticamente inscrita no
Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas
de Pequeno Porte (SIMPLES), a menos que siga enquadrada na definição de startup, sendo
elegível à renovação da inscrição no SisTENET.

1 Economista, atuando na área de gestão de incentivos fiscais: e-mail: jesse.edsa@gmail.com.

1
TEXTOS E CONTEXTOS DA AMAZÔNIA

Ainda, fica estabelecido que quando a startup atender às condições estabelecidas


na Lei nº 9317/96 (Lei do SIMPLES) e pelo SIMPLES opte, tornar-se-á ainda beneficiária do
direito a desconto de 50% sobre o valor total dos tributos de que trata esta Lei pelo prazo não
prorrogável de um ano a contar da data da opção pelo SIMPLES e determina que caberá à
startup que obtenha em um trimestre uma receita bruta superior a R$ 30.000,00 (trinta mil
reais) a solicitação de saída do SisTENET e a opção pelo SIMPLES.
Em sua tramitação pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática
o PLS 321/12 recebeu quatro emendas, dentre as quais se destacam: a) a alteração do §1, do
Art. 3º, restringindo o campo de aplicação apenas aos impostos federais; b) adequação aos
dispositivos da lei nº 9.317/96, que trata do Simples Nacional, e da Lei Complementar n º 123, de
2006, que regula o Simples Nacional ; c) ainda com relação ao §1, do Art. 5º, que prevê um
desconto de 50% sobre o valor total dos impostos federais por um ano após a opção pelo
Simples Nacional, a Comissão observou que tal redução apenas pode ser concedida por Lei
Complementar e retirou o dispositivo do PLS. Essas alterações foram todas ratificadas pela
Comissão de Assuntos Econômicos que se limitou a não emendar o texto resultado do
trabalho da primeira Comissão.

1.1.1 O PL 6.625/13

Em 23/10/2013, o PLS 321/12 foi remetido à Câmara dos Deputados onde passou
a ser o PL 6.625/13 e foi despachado para a apreciação da Comissão de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática (CCTCI), da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania,
e da Comissão de Finanças e Tributação (CFT). Atualmente, desde 21/5/2015, encontra-se sob
a análise da CFT.
Todavia, em sua tramitação pela CCTI, o PL 6.625/2013 sofreu emendas com as
seguintes alterações na matéria do projeto: a) delimitação do objeto da lei, especificando o
tipo e a natureza das empresas que seriam beneficiadas pelo PL mencionadas no Art. º1; b)
modificação do §1, Art. 2º, ajustando os critérios de aporte de recursos no empreendimento e
de constituição do capital da startup; c) modificação do §1, Art. 3º, discriminando
taxativamente os impostos federais dos quais a startup estará isenta, a saber: o Imposto de
Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), o Imposto sobre a Exportação (IE); o Imposto de
Importação (II) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), estes dois últimos para os
produtos relacionados diretamente às atividades da startup e que sejam incorporados ao seu

2
TEXTOS E CONTEXTOS DA AMAZÔNIA

ativo imobilizado. d) alteração do valor da receita bruta de enquadramento da startup no


campo de abrangência do PL de R$ 30.000,00 para R$ 60.000,00.
Desde 21/5/2015, o PL 6.625/2013 tramita na Comissão de Finanças e Tributação,
na qual a tem-se a expectativa de que os aspectos com implicações de ordem econômico-
financeira sejam debatidos como maior aprofundamento e resultem em outras mudanças no
PL.

1.2 Aspectos econômicos

Em seu formato atual, o PL 6.625/2013 segue com a intenção de proporcionar a


oportunidade de concessão da isenção da tributação federal por dois anos, prorrogáveis por
igual período, com possibilidade de opção pelo Simples Nacional, em caso de
incompatibilidade entre o valor da receita bruta da startup e os critérios de enquadramento no
regime de concessão estabelecido.
Nesse modelo, a premissa central é de que a redução dos custos relativos à
tributação, especialmente em se tratando da aquisição de bens essenciais para as atividades da
empresa e posterior incorporação ao seu ativo, resultem tanto em um estímulo para a
formalização das empresas beneficiárias quanto no aumento da probabilidade de se tornarem
efetivas no médio prazo.
Nesse sentido, a tributação assume o seu caráter extrafiscal como meio para que a
política econômica intervenha na tentativa de regular a dinâmica do mercado onde atuam as
startups. O texto do PL 6.625/2013 denota que a intenção do legislador é produzir uma
vantagem competitiva tributária para as empresas que aderirem à política, formalizando-se e,
em seguida, evoluindo para a categoria de micro ou pequena empresa regulada pela Lei
Complementar 123/2006.

2. ANÁLISE DO PROJETO DE LEI

Conforme o seu Art. 2º, o PL 6.625/2013 visa às startups que, por exemplo,
dedicam-se aos serviços de: a) e-mail, hospedagem e desenvolvimento de sites e blogs; b)
comunicação pessoal, redes sociais, mecanismos de busca e divulgação publicitária na
internet; c) atividades de pesquisa, desenvolvimento ou implementação de ideia inovadora
com modelo de negócios baseado na internet e nas redes telemáticas; d) distribuição ou
criação de software original por meio físico ou virtual para uso em computadores ou outros

3
TEXTOS E CONTEXTOS DA AMAZÔNIA

dispositivos eletrônicos, moveis ou não; e) desenho de gabinetes e desenvolvimento de outros


elementos do hardware de computadores, tablets, celulares e outros dispositivos informáticos.
Com essa exemplificação, nota-se que o foco do legislador foi mesmo o nicho das startups.

2.1 O Conceito de Startup

O conceito mais elementar de startup envolve a noção de transformação de ideias


em produto em condições operacionais mínimas, mas com expectativa de crescimento
baseada nos potenciais de mercado2. Em geral, trata-se de um teste de viabilidade econômica
que avalia a alternativa de se aportarem ou não mais esforços no desenvolvimento de um
produto e na estruturação do empreendimento que o gera e distribui.
Nesse sentido, as startups mencionadas no PL 6.625/2013 representam um grupo
específico no campo do empreendedorismo contemporâneo. São empresas inovadoras no
ramo de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) que consistem em negócios
experimentais nas áreas de desenvolvimento de softwares e serviços tanto para outras
companhias quanto para atendimento direto ao usuário final.
Essas empresas são, em geral, iniciativas individuais ou coletivas em negócios que
envolvam o uso de TIC em um ambiente organizacional, tais como as universidades, e passam
por testes imediatos de viabilidade. Ao superarem os testes iniciais, são expostas ao ambiente
de mercado real onde confrontam as hostilidades representadas pelas exigências burocráticas,
pela elevada tributação e pelos custos logísticos, dentro outras adversidades.
Nessa fase, o grau de viabilidade econômica é avaliado em termos reais, sendo os
mecanismos de mercado os fatores do processo de seleção que condiciona a continuidade – ou
não – do empreendimento.

2.2 Estrutura do mercado

As startups podem ser modeladas como empresas que atuam numa estrutura de
mercado em concorrência perfeita, haja vista que os seus produtos, em geral serviços, tem
características homogêneas e a parcela do mercado que controlam é ínfima, o que as coloca
como tomadoras de preços.
2 REIS, Eric. A startup enxuta. São Paulo: Lua de Papel, 2012.

4
TEXTOS E CONTEXTOS DA AMAZÔNIA

Por outro lado, pode-se considerar a hipótese que tais empreendimentos são
típicos da fase de superação da barreira de entrada do mercado e, nessa situação, são
características suas: a) informalidade, b) produção em baixa escala, c) concorrência
predatória, e d) escassez de capital. Em tais condições, duas trajetórias são possíveis: i) a
extinção do negócio por inviabilidade; ou ii) a sua evolução em direção à formalização como
Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, regida pela Lei Complementar 123/2006.

Considerando o dado apresentado pelo Senador na justificativa do PLS 321/2012,


“[...] não menos que 40% de todas as empresas criadas vão à falência antes do término de seu
segundo ano de vida jurídica.” Extrapolando-se esse dado para o caso das startups, pode-se
atribuir uma probabilidade de 0,6 de ocorrer a evolução conjecturada no parágrafo anterior,
configurando casos de sucesso contemplados no PL 6.625/2013 .

Quando se caminha em direção aos aspectos empíricos desse mercado, percebe-se


a escassez e incoerência dos dados disponíveis. Em matéria do G13, sem citar suas fontes o
articulista afirma existirem dez mil empresas movimentando cerca de R$ 2 bilhões em 2012.
Contudo, um consulta ao banco de dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) 4,
revelou outro cenário.

Tabela 1 - Distribuição Regional das Startups - 2015


Região QTDE %
NORTE 75 2,92%
NORDESTE 302 11,74%
CENTRO-OESTE 203 7,89%
SUDESTE 1.526 59,33%
SUL 466 18,12%
Totais 2.572 100,00%
Fonte: ABStartups, 2015.

Conforme a Tabela 1, extraída dos registros da ABStartups, temos registradas hoje


por aquela instituição apenas 2.572 empresas concentradas nas regiões sul e sudeste do país.
Algo considerado normal, em função do desequilíbrio regional e do ambiente institucional e
de mercado mais propício ao surgimento das startups. Haja vista que, em termos de modelos

3 Disponível em: http://g1.globo.com/economia/pme/noticia/2014/01/mercado-de-startups-cresce-no-brasil-


e-movimenta-quase-r-2-bi.html. Acessado em: 15 jun 2015.
4 http://www.abstartups.com.br/

5
TEXTOS E CONTEXTOS DA AMAZÔNIA

de negócios, os empreendimentos concentram-se nas categorias Business to Business (B2B) –


28%, Business to Consumer (B2C) – 21% - e Assinatura de Serviços 13%. Logo, é plausível
conjecturar-se que proliferem nos ambiente onde a economia de mercado está mais
desenvolvida e dinamizada.

2.3.3 Aspectos mercadológicos e a competitividade do PIM

Diante desse quadro, pergunta-se: Que ameaças os incentivos fiscais previstos


no PL 6.625/2013 podem representar para a competitividade do PIM? A resposta a essa
pergunta depende de dois fatores: a) as características da demanda das startups por bens de
informática; e b) o direcionamento da oferta de bens de informática produzidos no PIM.
Nesse sentido, o pior cenário seria aquele caracterizado pelo crescimento dessa demanda e o
seu redirecionamento para o mercado internacional.

Para entender melhor esse aspecto, é importante modelar a demanda de uma


startup ideal. Assim, considera-se que essa empresa adquira seus bens de informática de duas
categorias de fornecedores: a) de fornecedores locais, residentes no mesmo ambiente de
mercado, por meio de compra local; b) de fornecedores asiáticos e americanos, por meio de
compra direta via internet. A compra é decidida por meio de uma análise de custo x benefício
na qual o empreendedor leva em consideração o preço final cujo valor depende da tributação,
da taxa de câmbio e da logística de entrega.

Pode-se considerar ainda, para efeitos de análise, um cenário econômico


favorável às startups e aos seus negócios com fornecedores asiáticos e americanos. Para isso
observaram-se as séries históricas5 do PIB, da taxa de câmbio e do índice de importação dos
bens de consumo duráveis – onde se incluem os bens de informática no termos do §1, Art. 3º
do PL 6.625/13. Comparando-se esses indicadores, identificou-se o ano de 2007 como um
período ideal para transações dessa natureza. Naquele ano, houve um crescimento estimado
em 6,7% do PIB, coincidindo com uma taxa de câmbio de R$ 1,94 e o crescimento de 50,5%
no índice de importações considerado. Assim, pode-se inferir que, em condições
macroeconômicas semelhantes, a decisão das startups pela compra direta via internet

5 Os dados analisados correspondem às séries históricas do PIB Real com variações trimestrais, a Taxa de
câmbio R$/US$ média comercial para venda e o Índice de quantum das importações por categoria de uso: bens
de consumo duráveis (média 2006 = 100).

6
TEXTOS E CONTEXTOS DA AMAZÔNIA

dependeria apenas do fator logístico, pois tanto a taxa de câmbio quanto a isenção tributária
seriam estimulantes.

Nesse caso, pressupõe-se a elevação da probabilidade de que as startups


direcionem a sua demanda para os fornecedores asiáticos e americanos, o que indica um
possível ameaça para a competitividade do PIM, caso essa demanda estivesse concentrada,
inicialmente, nos seus produtos.

Entretanto, qual seria a sua proporção, a sua duração e os seus efeitos?


Considerando-se a hipótese de que as empresas produtoras de bens de informática do PIM
sejam fornecedoras dos varejistas que suprem as startups, a dimensão dos efeitos depende do
volume dessa demanda específica. Sobre isso, a partir dos dados obtidos e das reflexões sobre
as características econômicas dessas empresas e da estrutura de mercado, é possível que tal
demanda seja descontínua e residual, de modo que seus efeitos tenham uma proporção
irrisória e irregular, oscilando em função das variações da taxa de câmbio e do PIB.

Todavia, há um risco a se considerar que pode ampliar e distorcer esses efeitos.


Trata-se da ocorrência de free riders6 capturando indevidamente os benefícios da isenção
tributária. Isso pode ocorrer por meio de empresas que usem startups para realizar suas
operações usando o modelo de negócios B2B. Como o PL prevê a formação de capital social
por meio de doações e financiamentos privados, é razoável considerar a probabilidade de
alguns agentes econômicos aportarem recursos nas startups para aquisição de bens de
informática e, sem seguida, absorverem o negócio, incorporando tais bens incentivados ao seu
ativo imobilizado. Nesse caso, essa demanda pode vir a ter uma proporção e duração maiores
e gerar impactos significativos para o mercado de bens de informática produzido no PIM.

6 O free rider é um conceito da Economia Institucional que descreve a conduta oportunista de um agente
econômico que se utiliza de artifícios e meios legais para obter benefícios de uma política econômica sem
merecê-los. O sucesso das tentativas iniciais pode elevar a frequência das ações oportunistas ao ponto de tornar a
política inócua ou produzir externalidades negativas que elidem os resultados positivos.

7
TEXTOS E CONTEXTOS DA AMAZÔNIA

3. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

A partir das considerações acima, indica-se uma manifestação favorável por


emenda aos Art. 2º e 3º no sentido de disciplinar o aporte de recursos privados nas startups e
a destinação dos bens adquiridos com os benefícios fiscais previstos no PL 6.625/2013. Isso
como uma estratégia que impeça a atuação de empresas de outra categoria como free riders da
política fiscal, obtendo ganhos indevidos por meio do financiamento da aquisição de bens de
informática.

Você também pode gostar