Adriano Nascimento Pressupostos teóricos – O Estado O Estado é uma organização – ou um conjunto de instituições – que visa a garantir a dominação de uma classe sobre a outra. Segundo Engels, as características fundamentais (histórico- universais) de qualquer aparelho estatal – seja ele despótico, escravista, feudal ou capitalista – são a existência de: a) aparelhos de repressão estrito senso (exército, políticia, tribunais) separados do povo em armas; b) um aparelho de coletas de impostos; c) aparelhos articulados por um poder político de classe. Os diferentes tipos de Estado correspondem aos diversos modos de produção. Pressupostos Teóricos - O Estado no capitalismo
A função fundamental do Estado burguês – ou capitalista
– é a reprodução da dominação capitalista sobre o proletariado, garantindo as condições de exploração e reprodução da força de trabalho. A diferença fundamental entre o Estado capitalista e os Estados das formações sociais pré-capitalistas é que, no capitalismo, não há necessidade de uma coerção extraeconômica permanente. No capitalismo, a reprodução das condições de exploração não se dá, fundamentalmente, através da coerção física. Ela é resultado da própria economia e da ação ideológica dos aparelhos de Estado burguês e da ideologia burguesa. Pressupostos teóricos – O direito e o Estado capitalistas O que difere o direito burguês dos direitos que o precederam é o fato deste tratar os desiguais de forma igualitária. As formas jurídicas pré- capitalistas tratavam os desiguais como desiguais e, ainda, naturalizava tal desigualdade. O direito pré-capitalista institucionalizava os privilégios de classe, de estamento e de casta. No capitalismo, o produtor direto (o operário) deve ser juridicamente livre e igual aos proprietários dos meios de produção. Esta é uma condição sine qua non para que o operário aliene sua força de trabalho no mercado em troca de um salário. A universalização da categoria sujeito de direito é um traço que caracteriza o modo de produção capitalista. As relações sociais, anteriormente fundadas sobre a desigualdade fundamental do status e a lógica do privilégio, alteram-se profundamente com o capitalismo, quando a ‘igualdade formal universal dos indivíduos se torna condição de toda a produção’. Capitalistas e operários encontram-se no mercado enquanto livres compradores e vendedores de mercadoria. O operário, através de um contrato de trabalho, aliena sua força de trabalho e, em troca, recebe um salário. Ambos são sujeitos de direito. Pressupostos teóricos – Sujeito de Direito Segundo os filósofos liberais, o sujeito de direito é o ser humano detentor de uma vontade, bem como da possibilidade de determinar-se. É com base na ideia de um ser humano dotado de uma vontade livre (livre arbítrio) que os indivíduos podem se responsabilizar moralmente e juridicamente. É ainda com base nesta mesma ideia que os homens podem estabelecer contratos. A exploração capitalista só pode se sustentar enquanto acordo de vontades livres e equivalentes pela construção da categoria sujeito de direito. Foi somente com a separação entre produtor direto e meios de produção, com a divisão do trabalho e a consagração do trabalho abstrato, que a troca mercantil pode se generalizar a tal ponto que não só praticamente todos os produtos constituíssem em mercadorias, mas a própria força de trabalho se tornasse uma mercadoria. Pressupostos teóricos – Sujeito de Direito e Violência A violência pode ser entendida de duas formas: violência direta (subjetiva) e violência surda (sistêmica). Predominava na formações sociais pré-capitalistas a violência direta (subjetiva) – a coerção direta. No capitalismo, a violência – a coerção – é indireta, objetiva e sistêmica. A violência subjetiva é vedada no direito capitalista. No direito civil, por exemplo, a coação direta é um vício de consentimento que macula a manifestação da vontade autônoma. No direito penal, a mesma violência, exclui a culpabilidade, sendo denominada “coação irresistível”. Nenhum desses conceitos jurídicos reconhece a “violência normal” da exploração do modo de produção capitalista, a violência sistêmica. Coerção extraeconômica e coerção econômica Nos modos de produção precedentes ao capitalista, a coerção e a relação de dependência são manifestas, transparentes e diretas. O escravo e o servo da gleba possuem um estatuto jurídico que não os reconhecem como homens ou os reconhecem como servos, com o dever de prestação de trabalho para os dominantes: violência e exploração são diretamente reconhecíveis, visíveis, palpáveis. O capitalismo utiliza-se regularmente da coerção extraeconômica apenas na fase da chamada acumulação primitiva de capital. Na fase madura de funcionamento do capitalismo, a coerção extraeconômica desempenha um papel marginal. A força da coerção econômica está em que ela se apresenta como autocoerção. A violência é camuflada, invisível, ocultada pelas relações de aparentes liberdade e igualdade nas quais o livre trabalhador e o livre capitalista estipulam o contrato em condições de livre mercado. Coerção econômica “A coerção econômica é uma forma indireta e mascarada de violência, que poderia ser considerada, de certa forma, mais violenta do que a coerção direta, pois, atuando nos cérebros e mentalidade dos sujeitos, os engana e os despoja da possibilidade de colher a evidência da exploração e da opressão. No mundo enfeitiçado da coerção econômica, os sujeitos – este termo ambíguo que indica ao mesmo tempo a condição de agente ativo e a de submisso, de súdito para com o soberano – são ‘violentados’ em sua estrutura psico- física, em sua personalidade, em sua capacidade de ler o mundo e de atuar nele, quase eles fossem como que lobotomizados, des- humanizados, transformados em automas, coagidos pela objetividade das relações capitalistas a atuar como dominados por uma potência externa que empossou de suas mentes forçando-os a mover-se no universo capitalista segundo ordens que lhe são estranhos, sufocando um mundo de impulsos, violentando a si mesmos, praticando uma forma de autocoerção” (Andrea Catone). Pressupostos – o aparelho estatal capitalista
O que distingue o aparelho estatal capitalista – sua
burocracia – é a capacidade deste incorporar no seu interior elementos das classes sociais exploradas- dominadas. Não existe obstáculo para que o filho de um operário desempenhe funções públicas. Isto dá ao Estado uma aparência de neutralidade. Outra característica deste aparelho é que o Estado capitalista não se organiza através do patrimonialismo típico de Estados pré-burgueses. No Estado de tipo patrimonial o aparelho de Estado se confunde com a propriedade do governante e os empregados do governante são ao mesmo tempo servidores estatais. Pressupostos: Bloco no Poder e Hegemonia Política Nas sociedades capitalistas o poder político está nas mãos do conjunto das frações da burguesia e seus aliados nas classes proprietárias – como os latifundiários O objetivo desse bloco dominante é manter as relações de produção capitalistas e neutralizar a ação independente e revolucionária das classes subalternas, especialmente a classe operária Esse bloco no poder é composto de interesses econômico-corporativos diversos e muitas vezes contraditório. Estas frações organizam seus interesses diversos em torno de partidos das classes dominantes. Em todo o bloco no poder há uma luta incessante para conduzir a política econômica estatal. Não há uma divisão igualitária do poder entre as frações. Neste sentido, cada fração tentará impor seus interesses e tornar-se hegemônica. A fração que se diz hegemônica é aquela que consegue imprimir a direção no bloco. O exercício da hegemonia garante que seus interesses econômicos fundamentais sejam defendidos por esse Estado. Tal exercício da hegemonia implica muitas vezes que a fração hegemônica faça concessões a outras frações e até mesmo às classes dominadas. Em momentos agudos de crise, a burocracia do Estado pode adquirir autonomia relativa em relação às classes sociais em luta. Nesses casos a política estatal adotada pode não corresponder integralmente aos interesses da classe economicamente dominante, embora não possa romper com a lógica de reprodução do capital. Formação do Estado Burguês no Brasil: A herança colonial A burguesia agrário-mercantil brasileira no período de formação colonial esteve submetida aos designíos da acumulação primitiva de capital que ocorria na metrópole. A estrutura econômica brasileira – fundada na monocultura, no trabalho compulsório e na exportação de produtos primários – atendia aos interesses da metrópole portuguesa e, do mesmo, a burguesia agrária-exportadora se submetia ao Estado português e aos burgueses reinóis. A burguesia agroexportadora, latifundiária e escravista se fortalecerá no século XVIII e, cada vez mais, contestará o fato de a renda que aqui era produzida seja destinada à metrópole. A partir de 1808, com a chegada da Família Real, os conflitos entre a Metrópole e a classe dominante da Colônia se exarcebará. Formação do Estado Burguês no Brasil A emancipação política do Brasil dar-se-á em um contexto de enfraquecimento do poder metropolitano. O “Partido Brasileiro” – capitaneado pelos donos das terras e de escravos – romperá com o exclusivo metropolitano sem, no entanto, romper com a estrutura colonial da economia brasileira. As relações de produção e de classes permanece, assim, inalteradas. Esta transformação política, todavia, terá consequências profundas: a parte do leão da renda produzida no país, que antes fluía para a metrópole, permanece no país e alavancará o processo de acumulação primitiva interna de capital. O Brasil se torna um país politicamente emancipado, mas com uma estrutura econômica que guarda o mesmo grau de dependência com o imperialismo europeu. Formação do Estado Burguês no Brasil A inexistência de condições históricas que apontem para uma ruptura revolucionária possibilita que a burguesia latifundiária assuma o processo de independência e, posteriormente, crie um aparelho de Estado dentro de seus parâmetros políticos e ideológicos. O direito do período imperial trará as características próprias de um direito pré-capitalista: confere tratamento jurídico desigual aos socialmente desiguais. Ele dividia os homens em duas categorias: aqueles dotados de vontade subjetiva e os carentes de tal vontade, ou seja, distinguia entre pessoas e coisas. Durante séculos conferiu ao proprietário de escravo o direito privado de castigar fisicamente os seus escravos. O Código Criminal (1830) e a Lei Processual (1835) previam pesadas penas aos delitos de insurreição e atentados contra a vida dos proprietários. Estranhamente, portanto, a responsabilidade civil não alcançava os escravos – vez que eram considerados coisas -, mas, ao atentarem contra os proprietários, eles se despiam da condição de coisa e respondiam como plenamente capazes e dotados de vontade. A Abolição, a Proclamação da República e a Modernização Conservadora do Aparelho de Estado Depois da Abolição e da Proclamação da República, o direito mudou de conteúdo e passou a tratar de maneira igual os diferentes – todos passaram a ser sujeitos de direito, dotados de vontade subjetiva. Todos passaram a ter direito ao acesso às funções públicas que, por sua vez, passaram a se reger pelos critérios de capacidade e competência. Criaram-se assim as condições para a formação de uma burocracia pública mais estável. O público, formalmente, foi se separando do privado. Foi abolido o regime eleitoral censitário e foram estabelecidas as eleições diretas para presidente da República e para presidentes das Províncias. A Igreja foi separada do Estado e se constituiu o Estado laico. A Constituição de 1891 implantou o presidencialismo e o federalismo. Quadros síntese dos direitos civis, políticos e sociais na Constituição Brasileira de 1891