Você está na página 1de 20

Dieta sem glúten e sem caseína e suplementação de

ómega-3 como terapêutica nutricional no autismo

Gluten-free and Casein-free diet and ómega-3

supplementation in treatment of autism

Tânia Patrícia Correia Alves

Orientada por: Doutora Sandra Faria

Revisão Temática

1.º Ciclo em Ciências da Nutrição

Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do

Porto

Porto, 2017
ii

Resumo

A perturbação do espectro de autismo é um grupo de distúrbios do

desenvolvimento neurológico, que incluem Síndrome de Asperger, distúrbio

autista e outras alterações do desenvolvimento não especificados de outra

forma, que tem como sintomas característicos as dificuldades na interação

social, défices de comunicação e padrões de comportamento e linguagem

repetitivos e limitados. A etiologia do autismo é complexa e ainda não é

totalmente conhecida, contudo sabe-se que ambos os fatores genéticos e

ambientais estão implicados. Nos últimos anos tem havido um crescente

aumento da incidência do distúrbio, cerca de 30% só durante o período de

2012-2014, o que aumentou o interesse por parte dos profissionais de saúde.

Entre os problemas mais frequentemente identificados em indivíduos autistas

estão patologias gastrointestinais e carências de nutrientes. Deste modo, têm

sido realizados vários estudos sobre intervenções nutricionais no autismo, que

incluem vários tipos de dietas de eliminação e intervenções de suplementação

vitamínica e mineral. Assim, nesta revisão temática são abordados algumas

formas de terapêutica nutricional que são recentemente utilizadas no autismo,

para melhorar os sintomas característicos desta patologia e a sua eficácia no

tratamento.

Palavras-chave: Autismo, nutrição, dieta sem glúten e sem caseína, ácidos

gordos polinsaturados ómega-3 e ómega-6, suplementação.


iii

Abstrat

Autism spectrum disorder is a group of neurodevelopmental disorders that

includes Asperger's syndrome, autistic disorder and pervasise developmental

disorder, not otherwise specified. Autism has characteristic symptoms such as

difficulties in social interaction, communication deficits and patterns of repetitive

and limited behavior and language. The etiology of autism is complex and still

unknown, however it is known that both genetic and environmental factors are

involved. In last years, the incidence of the disorder has increased, about 30%

only in the period 2012-2014, which has increased the interest of health

professionals. Among the problems most frequently identified in autistic

individuals are gastrointestinal disorders and deficiencies of nutrients. Thus,

several studies have been made about nutritional interventions in autism, which

include several types of elimination diets and vitamin and mineral

supplementation interventions. In this thematic review is discussed some forms

of nutritional therapy that are recently used in autism to improve the

characteristic symptoms of autism and its efficacy in treatment.

Key words: Autism, nutrition, gluten-free and casein-free diet, omega-3 and

omega-6 polynsaturated fatty acids, supplementation.


iv

Índice

Resumo ............................................................................................................... ii

Abstrat ................................................................................................................ iii

Introdução .......................................................................................................... 1

Desenvolvimento ................................................................................................ 3

• Dieta sem glúten e sem caseína .................................................................. 3

• Suplementação de ácidos gordos polinsaturados ómega-3 ........................ 7

Análise Critica .................................................................................................. 11

Conclusão ........................................................................................................ 13

Referências bibliográficas ................................................................................ 15


1

Introdução

A perturbação do espectro de autismo é um grupo de distúrbios do

desenvolvimento neurológico, que incluem Síndrome de Asperger, distúrbio

autista e outras alterações do desenvolvimento não especificados de outra

forma(1, 2). Assim, para facilitar o desenvolvimento desta revisão temática, o

termo “autismo” será utilizado para referir, de maneira geral, as perturbações

pertencentes ao espectro de autismo.

Os sintomas do autismo surgem cedo na infância, sendo caraterizado por

um conjunto de sintomas comportamentais e sociais, como por exemplo:

dificuldades na interação social, défices de comunicação, padrões de

comportamento e linguagem repetitivos e limitados, atraso na linguagem,

agressividade, dependência excessiva de rotinas e aumento ou redução da

sensibilidade ao ambiente envolvente (1, 3, 4).

A etiologia do autismo é complexa e ainda não é totalmente conhecida,

contudo sabe-se que ambos os fatores genéticos e ambientais estão

implicados(1, 5). Contudo estudos recentes sugerem que os fatores ambientais

podem desempenhar um papel maior que a genética, contrariamente ao

descrito anteriormente na literatura. Alguns fatores de risco ambientais (5)

incluem a dieta materna, infeções bacterianas associadas à maternidade

durante a gravidez, exposição materna a poluentes do ar, idade avançada dos

pais e a nutrição infantil. Outros fatores de risco incluem o sexo masculino que

é 5 vezes mais propenso a ser diagnosticado com autismo do que o sexo

feminino; irmãos com diagnóstico de autismo; outras causas genéticas (cerca

de 20% das crianças com autismo têm também outras condições genéticas
2

como síndrome de Down, síndrome do X frágil e esclerose tuberosa, entre

outras)(2).

Nos últimos nos anos tem havido um crescente aumento da incidência (6) do

distúrbio, cerca de 30% só durante o período de 2012-2014(1), o que aumentou

o interesse por parte dos profissionais de saúde. Contudo este aumento pode

não ser real e dever-se aos diagnósticos melhorados e ao aumento do

conhecimento dos profissionais de saúde sobre esta patologia. Atualmente a

incidência do autismo nos Estados Unidos da Améria é de aproximadamente 1

em cada 68 crianças, segundo os dados estatísticos do Center for Disease

Control and Prevention publicados em 2016(7).

No passado alguns profissionais consideravam que o autismo apenas

afetava o desenvolvimento neurológico e psicológico, mas atualmente já se

considera que afeta muitos mais sistemas do organismo, como metabólico,

gastrointestinal, imunológico, neurológico e ainda a função mitocondrial, que

está alterada em muitas crianças, e, deste modo, existem algumas co-

morbilidades presentes nos autistas que não são característicos dos sintomas

do transtorno, como por exemplo as co-morbilidades gastrointestinais, que

incluem refluxo esofágico, dor e inchaço abdominal, diarreia e obstipação (1).

Com elevada complexidade da doença e este grande espectro de sintomas

e co-morbilidades que podem surgir no autismo, não existe um tratamento

específico para esta patologia, sendo que o tratamento por excelência passa

por um conjunto de diferentes terapias comportamentais, e por vezes, recorre-

se à medicação para tentar resolver alguns problemas característicos do

autismo como a irritabilidade, agressão, os comportamentos repetitivos,

hiperatividade, problemas de atenção, ansiedade e depressão (2, 7). Contudo


3

Contudo devido ao número limitado de opções de tratamento dentro da

medicina convencional, muitos pais e cuidadores procuram outros tratamentos

complementares na tentativa de melhorar a saúde, o funcionamento e as

capacidades de seus filhos, como por exemplo a nutrição (3, 8). E assim têm sido

realizados vários estudos sobre intervenções dietéticas no autismo, que

incluem vários tipos de dietas de eliminação e intervenções de suplementação

vitamínica e mineral.

Deste modo, nesta revisão temática são abordados algumas formas de

terapêutica nutricional que são recentemente utilizadas no autismo, para

melhorar os sintomas característicos desta patologia e a sua eficácia no

tratamento.

Desenvolvimento

• Dieta sem glúten e sem caseína

Como referido anteriormente, os autistas muitas vezes apresentam algumas

co-morbilidades gastrointestinais, que muitas vezes agravam os sintomas

comportamentais dos autistas, uma vez que a evidência sugere que existem

interações diretas e indiretas entre microbioma, o intestino e o cérebro e

existem várias teorias que explicam esta interação no autismo(3).

Um das teorias é a ”disbiose intestinal” que se refere a uma alteração do

microbioma intestinal(3, 9). Normalmente, o microbioma intestinal inclui, na sua

maioria, bactérias anaeróbicas, principalmente Bacteroides, Bifidobacterium e

Lactobacillus, que são responsáveis pela produção de ácidos gordos de cadeia

curta, como butirato, propionato, acetato e lactato, que constituem a principal

fonte de energia às células epiteliais intestinais e, consequentemente, fortalece


4

o sistema imunológico(9, 10). Assim segundo esta teoria, nos indivíduos autistas

existe um desequilíbrio no microbioma com a diminuição de bactérias do

género Bifidobacterium e o crescimento anormal de microrganismos

patogénicos, como espécies de Clostridium, causando inflamação da mucosa

intestinal, que leva ao aparecimento dos sintomas intestinais(1, 3, 9-11). Deste

modo, um estudo recente caracterizou o microbioma intestinal de uma coorte

de 80 indivíduos, dos quais 40 eram autistas e verificaram, nos autistas, um

aumento significativo no rácio Firmicutes/Bacteroides, devido a uma diminuição

de Bacteroides, enquanto que géneros como Collinsella, Corynebacterium e

Lactobacillus estavam significativamente aumentados e verificaram ainda que

os indivíduos autistas com obstipação apresentavam níveis mais elevados de

bactérias pertencentes ao grupo Escherichia, Shigella e Clostridium XVIII(12).

Outra explicação é “Teoria do excesso de opióides” que refere que na

digestão do glúten e da caseína há formação de peptídeos com atividade

opióide, gluteomorfinas e caseomorfinas respetivamente, que passam através

da mucosa intestinal e atravessam a barreira hematoencefálica, atingindo o

sistema nervoso central, afetando a função cerebral, contudo ainda se

desconhecem as causas destas alterações(3, 11, 13). Assim, estes peptídeos com

atividade opióide derivados de alimentos são fragmentos da digestão

incompleta das proteínas animais, nomeadamente o glúten e a caseína(10). Os

peptídeos com atividade opióide podem atuar diretamente no lúmen intestinal

ou em os órgãos periféricos após a absorção no intestino, pois em algumas

crianças com autismo parece haver um aumento da permeabilidade

intestinal(13), prejudicando as ações do sistema nervoso central(10). A absorção

de peptídeos com atividade opióide acarreta consequências graves, pois


5

modula os níveis de opióides no cérebro, prejudicando o sistema nervoso

central e assim têm efeitos adversos sobre a atenção, a maturação cerebral, as

interações sociais e a aprendizagem, intensificando os sintomas do autismo (1, 3,


10, 11).

Assim, tendo em conta esta teoria de que as caseomorfinas circulantes

podem contribuir para o agravamento do autismo, Sokolov et al mediu os níveis

de caseomorfinas-7 bovina na urina em 20 crianças, das quais 10 eram

autistas, e demonstrou que as crianças autistas têm níveis mais elevados de

caseomorfinas-7 na urina que os controlos e a gravidade dos sintomas do

autismo correlaciona-se positivamente com as concentrações de

caseomorfinas-7(13).

Tendo em conta isto, a dieta sem glúten e sem caseína surge como uma

terapêutica nutricional para melhorar os sintomas gastrointestinais e também

alguns sintomas comportamentais e sociais característicos do autismo. Esta

dieta consiste na eliminação completa do glúten (ou seja, exclusão de todos os

produtos que possam conter trigo, centeio, cevada e aveia) e da caseína (com

a exclusão de leite e seus derivados ou produtos que os possam conter) da

alimentação dos autistas(14).

Recentemente existe um crescente aumento de estudos e revisões literárias

sobre a eficácia da dieta sem glúten e sem caseína no autismo (15, 16). No

entanto, ainda existem poucos ensaios clínicos randomizados de elevada

qualidade para se tirarem conclusões firmes. Mas em geral, os resultados em

relação ao efeito da dieta sem glúten e sem caseína no autismo são mistos e

inconclusivos(3).
6

Por um lado, um ensaio clinico duplamente-cego de 2016 que testou os

efeitos de uma dieta sem glúten e sem caseína em 30 crianças autistas não

demonstrou efeitos positivos nos sintomas fisiológicos e comportamentais do

autismo, contudo as crianças com distúrbios gastrointestinais conhecidos foram

excluídas, o que pode ter enfraquecido os potenciais efeitos da dieta(17).

Por outro lado, um estudo que analisou a eficácia desta dieta em crianças

autistas, em que os pais e cuidadores relataram, para além da melhoria dos

sintomas gastrointestinais, melhorias nas capacidades de comunicação,

diminuição da hiperatividade, melhorias na capacidade de atenção e nos

problemas de sono após a implementação da dieta (18). Mais recentemente,

outro ensaio clinico randomizado de 2016 que avaliou a eficácia de uma dieta

sem glúten no autismo, em 80 crianças durante 6 semanas, em que 53,9% da

amostra apresentava anormalidades gastrointestinais. Os resultados

mostraram que o grupo que fez a dieta sem glúten teve redução da prevalência

dos sintomas gastrointestinais (40.57% para 17.10%) e dos distúrbios

comportamentais (80.03±14.07% para 75.82±15.37%)(1). Deste modo, apesar

da evidência científica para a utilização desta dieta ser limitada, é certo que

alguns estudos têm mostrado o benefício da dieta em algumas crianças

autistas, principalmente nas que apresentam alergias e intolerâncias

alimentares e problemas gastrointestinais, contudo os estudos até agora

realizados incluem amostras pequenas e curtos períodos de intervenção, o que

pode levar a conclusões erradas.

Contudo a utilização desta dieta tem sido muito controversa, em primeiro

lugar, pelo facto de não haver ainda uma forte evidência científica do seu

benefício e, depois por haver estudos que mostram que podem ocorrer défices
7

nutricionais. Por exemplo, um estudo caso-controlo comparou os parâmetros

antropométricos e a ingestão de nutrientes em crianças autistas, em que 20

fazia uma dieta sem glúten e sem caseína e 85 fazia dieta normal e determinou

que aqueles que cumpriam uma dieta sem glúten e sem caseína apresentavam

menor peso, menor índice de massa corporal e menor consumo de energia,

ácido pantoténico, cálcio, vitamina D, fosforo e sódio, mas maior consumo de

fibra, legumes e vegetais(14), o que mostra que a dieta sem glúten e sem

caseína pode levar a algumas carências nutricionais. Stewart et al avaliou em

2015 a suplementação nutricional em 288 crianças autistas e determinou que

as crianças que seguiam a dieta sem glúten e sem caseína (19%) tinham maior

probabilidade de usar suplementos nutricionais (78% para 53%),

nomeadamente de vitamina D e cálcio, apesar de apresentarem maior

consumo de magnésio e vitamina E (o que, segundo os autores, pode dever-se

à substituição por produtos com soja e frutos secos)(19). Deste modo, é

essencial que haja um acompanhamento nutricional da criança autista, para

que todos os alimentos que contenham glúten e caseína sejam substituídos por

outros alimentos semelhantes nutricionalmente, mas que não possuam estas

duas proteínas, de maneira a não ocorrem deficiências de vitaminas e minerais

e, caso seja necessário recorrer-se à suplementação nutricional adequada,

tudo para manter um bom estado nutricional das crianças autistas que adotem

este tipo de dieta.

• Suplementação de ácidos gordos polinsaturados ómega-3

As análises pós-morte e os estudos de neuroimagem em autistas

forneceram informações sobre a patologia da doença, mostrando sinapses


8

neuronais disfuncionais, diminuição da substância branca e cinzenta cerebelar,

aumento da amígdala e padrões de crescimento anormais no córtex frontal (4).

Com isto, ultimamente surgiu um interesse especial em estudar a possível

relação dos níveis de diferentes ácidos gordos e a ocorrência de autismo, uma

vez que os ácidos gordos desempenham um papel crucial no desenvolvimento

do cérebro(4). Os ácidos gordos representam 60% do peso seco do cérebro,

dos quais 20% são ácidos gordos polinsaturados (AGPI) de cadeia longa

ómega-3 e ómega-6(4, 5). Os AGPI mais abundantes no cérebro são ácido

docosahexaenóico (DHA, um AGPI ómega-3) e ácido araquidónico (AA, um

AGPI ómega-6)(4). Estes AGPI desempenham um papel importante na

composição das membranas neuronais, o que por sua vez afeta a fluidez da

membrana e a estrutura e função das proteínas transmembranares (4). O DHA é

particularmente importante na retina e nas sinapses, pois modula a síntese,

transporte e libertação dos neurotransmissores(5). Desta forma, os AGPI

ómega-3 e ómega-6 são nutrientes essenciais para o desenvolvimento e

funcionamento do sistema nervoso central, nomeadamente na transdução do

sinal, formação adequada das sinapses e neurotransmissão(4, 5, 20).

Para além disto, a razão entre ómega-3/ómega-6 é igualmente importante,

uma vez que os metabolitos resultantes destes compostos têm propriedades

opostas, eicosanóides anti-inflamatórios e eicosanóides pro-inflamatórios,

respetivamente, e a alteração da proporção pode levar ao aumento inflamação,

trombose e vasoconstrição(4).

Vários estudos realizados recentemente revelaram que os autistas

apresentavam valores séricos de AGPI inferiores, principalmente AA e DHA,

comparados com os indivíduos controlos(4-6, 20). Uma meta-análise que inclui 24


9

estudos concluiu que as crianças autistas apresentam baixos valores de

ómega-3 e assim apresentam um rácio de ómega-6/ómega-3 significativamente

elevado(6). Parletta et al, em 2016, analisaram os níveis de AGPI ómega-3 e

ómega-6 em 85 crianças autistas, tendo determinado que estas apresentavam

valores inferiores de DHA, EPA (ácido eicosapentanóico, um AGPI ómega-3) e

AA e elevado rácio AA/EPA e baixo rácio ómega-3/ómega-6, comparando com

o grupo controlo e estes valores estavam significativamente correlacionados

com a maior severidade dos sintomas característicos do autismo(5).

Uma hipótese para estes valores baixos de AGPI é o aumento da atividade

da via de metabolização dos AGPI no autismo, levando a uma rápida

conversão de AA e DHA nos seus respetivos eucosanóides, por exemplo o

aumento da prostaglandina E2 (PGE2 - metabolito pro-inflamatório do AA)

aumenta o risco de stress oxidativo cerebral, o que pode levar à produção

excessiva de espécies reativas de oxigénio, que podem causar oxidação do

ADN, oxidação proteica e oxidação lipídica, afetando o

neurodesenvolvimento(4). Para testar esta hipótese, Brigandi et al mediu os

níveis de PGE2 em 40 crianças, das quais 20 eram autistas e determinou que

os indivíduos autistas apresentaram níveis mais elevados de PGE2 no plasma

do que os controlos(4). Outros autores sugerem que as crianças com

perturbações do neurodesenvolvimento podem ter outros problemas no

metabolismo dos AGPI, tais como aumento da oxidação das membranas

lipídicas, diminuição da atividade peroxissomal ou aumento de atividade da

fosfolípase A2, que é a enzima responsável pela hidrólise dos fosfolípidos das

membranas, catalisando a libertação do AA, o que pode aumentar a produção

de eucosanóides pró-inflamatórios(4, 5).


10

Desta forma, a suplementação de AGPI ómega-3 como uma possibilidade

de abordagem nutricional nas perturbações do espectro do autismo, de

maneira a melhorar os sintomas. E assim, têm-se realizado muitos estudos

para determinar a eficácia e os benefícios da suplementação de ómega-3,

contudo os resultados são ainda inconclusivos.

Ooi et al realizou em 2015 um estudo para avaliar a eficácia e a segurança

da suplementação de ómega-3 durante 12 semanas em 42 crianças autistas e

determinou que a suplementação foi bem tolerada e não causando efeitos

colaterais sérios e, além disto, os participantes mostraram um aumento na

percentagem de ácidos gordos ómega-3 e diminuição significativa da razão

AA/EPA, sugerindo que a suplementação de ómega-3 durante 12 semanas

levou a diferenças significativas no perfil de ácidos gordos. No pós-tratamento,

os pais relataram melhorias significativas em alguns sintomas do autismo,

como a consciência social, cognição social, comunicação social, motivação

social e comportamentos repetitivos(21).

Mazahery et al encontraram um efeito positivo pequeno, mas significativo,

da suplementação de AGPI ómega-3 em crianças autistas na melhoria da

interação social e dos comportamentos repetitivos, mas não na comunicação e

nem nas condições coexistentes (hiperatividade, irritabilidade e sintomas

gastrointestinais)(6).

Contudo, outros estudos não demostraram melhorias comportamentais

significativas com a suplementação de AGPI ómega-3(22-25). Desta maneira,

com base nos estudos até agora realizados, não existe evidência

cientificamente forte quanto o benefício da suplementação de AGPI ómega-3

como tratamento para o autismo.


11

Análise Critica

O autismo é uma doença complexa com uma etiologia multifatorial e, por

isso, é de difícil tratamento, não havendo um tratamento farmacológico

específico para este distúrbio, sendo o tratamento por excelência um conjunto

de terapias comportamentais. Deste modo, a nutrição desempenha um papel

fundamental não só no acompanhamento das crianças autistas, uma vez que

as crianças autistas apresentam um padrão alimentar muito seletivo, de

maneira a manter um bom estado nutricional e evitar carências nutricionais e

alimentares, mas também é importante um acompanhamento nutricional

durante a gravidez para evitar carências nutricionais, como por exemplo de

ácido fólico que pode originar défices no desenvolvimento de cérebro, antes do

nascimento.

Em relação ao crescente aumento de interesse pela introdução da dieta

sem glúten e sem caseína no tratamento do autismo, é importante referir que

ainda não existe uma evidência forte do benefício desta dieta, apenas alguns

estudos relataram melhorias. Desta forma, é necessário ter alguma atenção

com o uso da dieta, aliás é importante analisar caso a caso, de maneira a que

a dieta seja aplicada em casos que realmente podem beneficiar,

nomeadamente os que apresentam distúrbios gastrointestinais e/ou alergias

alimentares. Além disto, a introdução desta dieta acarreta um outro problema

que é a dificuldade no cumprimento da dieta. Por um lado, existe a dificuldade

em retirar totalmente o glúten e a caseína da alimentação diária, uma vez que

muitos produtos podem conter estas proteínas “escondidas” e, assim, é muito

importante que haja um ensinamento aos pais e cuidadores destas crianças

sobre a leitura dos rótulos dos produtos alimentícios, de maneira e excluir


12

totalmente estes produtos da dieta. Por outro lado, muitas crianças autistas

encontram conforto na comida e, até muitos pais e/ou cuidadores acabam por

oferecer determinados produtos alimentares para tentar acalmar as crianças,

produtos esses que apresentam elevada palatibilidade e que possuem glúten e

caseína, como por exemplo os doces, bolos, snacks, entre outros e, deste

modo é difícil que a criança adira totalmente a esta dieta e, por isso, é

fundamental um acompanhamento nutricional, de maneira a poder oferecer

alternativas alimentares. Também alguns estudos(14, 19) mostraram que a

adesão a esta dieta pode originar algumas deficiências nutricionais, contudo

eram estudos com amostras pequenas e assim não oferecem uma forte

evidência, mesmo assim, como prevenção, é importante um adequado

acompanhamento nutricional nestas crianças, de maneira a que estas

cumpram na totalidade a dieta para se obter melhorias nos sintomas do

autismo e, também, para evitar os défices de vitaminas e minerais que possam

surgir e, se necessário, recorrer à suplementação nutricional.

No que toca aos AGP ómega-3, está demostrado que estes desempenham

um papel essencial no sistema nervoso central e níveis baixos pode acarretar

complicações para a saúde mental. Estudos sugerem que as crianças autistas

apresentam o metabolismo lipídico alterado(4, 5), o que juntamente com a

padrão alimentar seletivo e as restritivas preferências alimentares das crianças

pode explicar os níveis baixos de ómega-3 encontrados, deste modo, a

suplementação de ómega-3 pode melhorar alguns dos sintomas característicos

do autismo, contudo ainda não existe uma evidência cientificamente forte que

recomende a suplementação de AGPI ómega-3 como tratamento do autismo(5,


6, 25).
13

Conclusão

Nos últimos anos têm-se realizados muitos estudos sobre o autismo, o que

permitiu descobrir que o autismo é um distúrbio que afeta muitos sistemas do

organismo e não apenas o cérebro e, deste modo, além dos sintomas

característicos do distúrbio, os autistas apresentam outros sintomas como

distúrbios gastrointestinais que, muitas vezes, agravam os sintomas

comportamentais, sugerindo que existem interações diretas e indiretas entre

microbioma, o intestino e o cérebro. Contudo, muitas questões continuam ainda

sem resposta no que diz respeito às perturbações do espectro do autismo, mas

ainda assim é possível retirar algumas conclusões dos estudos recentes.

Relativamente à introdução da dieta sem glúten e sem caseína no

tratamento do autismo, têm sido realizados muitos estudos sobre esta

terapêutica no autismo, contudo ainda não existe uma evidência forte para a

adoção desta dieta. Aliás, alguns dos estudos sugerem que a dieta sem glúten

e sem caseína pode ser benéfica em algumas crianças com autismo, no

entanto continua por se determinar quais os grupos de crianças autistas que

iriam beneficiar com a dieta(18). Assim, até que haja provas conclusivas dos

benefícios da dieta sem glúten e sem caseína no autismo, recomenda-se a

introdução desta dieta seja feita individualmente, como complemento das

terapias comportamentais, e somente depois do diagnóstico de uma

intolerância ou alergia a alergénios nos alimentos a serem eliminados da dieta,

ou então, no caso da criança apresentar alguma condição em que possa haver

beneficio com esta dieta, como por exemplo em distúrbios e anormalidades

gastrointestinais, como obstipação crónica, dor e inchaço abdominal e

diarreia(14).
14

No que diz respeito à suplementação de AGPI ómega-3 no tratamento do

autismo, apesar de alguns estudos reportarem melhorias dos sintomas

característicos do autismo, a atual evidência sobre o seu beneficio é ainda

inconclusiva. Contudo, considerando o seu papel crucial no desenvolvimento e

funcionalidade do sistema nervoso central e ainda o seu papel anti-inflamatório

no organismo, parece prudente que a suplementação de AGPI ómega-3 possa

ser utilizada para complementar as terapias comportamentais. Mas é

necessário ter alguma prudência com esta recomendação porque os estudos

até agora realizados têm amostras pequenas e intervenções de curta

duração.(6)

Deste modo, são necessários mais estudos sobre estas questões da

terapêutica nutricional, que excluam as possíveis interferências e variáveis

confundidoras, de maneira a determinar o papel do glúten, da caseína e dos

AGPI ómega-3 na etiologia e tratamento da doença, e assim apresentar

recomendações para o futuro tratamento da doença.


15

Referências bibliográficas

1. Ghalichi F, Ghaemmaghami J, Malek A, Ostadrahimi A. Effect of gluten


free diet on gastrointestinal and behavioral indices for children with autism
spectrum disorders: a randomized clinical trial. World journal of pediatrics :
WJP. 2016; 12(4):436-42.
2. NHI, National Institute of Mental Health. Autism Spectrum Disorder.
[atualizado em: Outubro 2016; citado em: 11-05-2017]. Disponível em:
https://www.nimh.nih.gov/health/topics/autism-spectrum-disorders-
asd/index.shtml.
3. Ly V, Bottelier M, Hoekstra PJ, Arias Vasquez A, Buitelaar JK,
Rommelse NN. Elimination diets' efficacy and mechanisms in attention deficit
hyperactivity disorder and autism spectrum disorder. European child &
adolescent psychiatry. 2017
4. Brigandi SA, Shao H, Qian SY, Shen Y, Wu BL, Kang JX. Autistic
children exhibit decreased levels of essential Fatty acids in red blood cells.
International journal of molecular sciences. 2015; 16(5):10061-76.
5. Parletta N, Niyonsenga T, Duff J. Omega-3 and Omega-6
Polyunsaturated Fatty Acid Levels and Correlations with Symptoms in Children
with Attention Deficit Hyperactivity Disorder, Autistic Spectrum Disorder and
Typically Developing Controls. PloS one. 2016; 11(5):e0156432.
6. Mazahery H, Stonehouse W, Delshad M, Kruger MC, Conlon CA, Beck
KL, et al. Relationship between Long Chain n-3 Polyunsaturated Fatty Acids
and Autism Spectrum Disorder: Systematic Review and Meta-Analysis of Case-
Control and Randomised Controlled Trials. Nutrients. 2017; 9(2)
7. CDC, Centers for Disease Control and Prevention. Autism spectrum
disorder. [atualizado em: 03-04- 2017; citado em: 14-05-2017]. Disponível em:
https://www.cdc.gov/ncbddd/autism/index.html.
8. Hopf KP, Madren E, Santianni KA. Use and Perceived Effectiveness of
Complementary and Alternative Medicine to Treat and Manage the Symptoms
of Autism in Children: A Survey of Parents in a Community Population. Journal
of alternative and complementary medicine (New York, NY). 2016; 22(1):25-32.
9. De Angelis M, Francavilla R, Piccolo M, De Giacomo A, Gobbetti M.
Autism spectrum disorders and intestinal microbiota. Gut microbes. 2015;
6(3):207-13.
10. Lazaro CP, Ponde MP, Rodrigues LE. Opioid peptides and
gastrointestinal symptoms in autism spectrum disorders. Revista brasileira de
psiquiatria (Sao Paulo, Brazil : 1999). 2016; 38(3):243-6.
11. Whiteley P. Nutritional management of (some) autism: a case for gluten-
and casein-free diets? The Proceedings of the Nutrition Society. 2015;
74(3):202-7.
12. Strati F, Cavalieri D, Albanese D, De Felice C, Donati C, Hayek J, et al.
New evidences on the altered gut microbiota in autism spectrum disorders.
Microbiome. 2017; 5(1):24.
13. Sokolov O, Kost N, Andreeva O, Korneeva E, Meshavkin V, Tarakanova
Y, et al. Autistic children display elevated urine levels of bovine casomorphin-7
immunoreactivity. Peptides. 2014; 56:68-71.
14. Mari-Bauset S, Llopis-Gonzalez A, Zazpe I, Mari-Sanchis A, Suarez-
Varela MM. Nutritional Impact of a Gluten-Free Casein-Free Diet in Children
16

with Autism Spectrum Disorder. Journal of autism and developmental disorders.


2016; 46(2):673-84.
15. Elder JH, Kreider CM, Schaefer NM, de Laosa MB. A review of gluten-
and casein-free diets for treatment of autism: 2005-2015. Nutrition and dietary
supplements. 2015; 7:87-101.
16. Sausmikat J, Smollich M. [Nutritional Therapy for Children and
Adolescents with Autism Spectrum Disorders: What is the Evidence?]. Klinische
Padiatrie. 2016; 228(2):62-8.
17. Hyman SL, Stewart PA, Foley J, Cain U, Peck R, Morris DD, et al. The
Gluten-Free/Casein-Free Diet: A Double-Blind Challenge Trial in Children with
Autism. Journal of autism and developmental disorders. 2016; 46(1):205-20.
18. Pennesi CM, Klein LC. Effectiveness of the gluten-free, casein-free diet
for children diagnosed with autism spectrum disorder: based on parental report.
Nutritional neuroscience. 2012; 15(2):85-91.
19. Stewart PA, Hyman SL, Schmidt BL, Macklin EA, Reynolds A, Johnson
CR, et al. Dietary Supplementation in Children with Autism Spectrum Disorders:
Common, Insufficient, and Excessive. Journal of the Academy of Nutrition and
Dietetics. 2015; 115(8):1237-48.
20. Yui K, Imataka G, Kawasak Y, Yamada H. Increased omega-3
polyunsaturated fatty acid/arachidonic acid ratios and upregulation of signaling
mediator in individuals with autism spectrum disorders. Life sciences. 2016;
145:205-12.
21. Ooi YP, Weng SJ, Jang LY, Low L, Seah J, Teo S, et al. Omega-3 fatty
acids in the management of autism spectrum disorders: findings from an open-
label pilot study in Singapore. European journal of clinical nutrition. 2015;
69(8):969-71.
22. Horvath A, Lukasik J, Szajewska H. omega-3 Fatty Acid
Supplementation Does Not Affect Autism Spectrum Disorder in Children: A
Systematic Review and Meta-Analysis. The Journal of nutrition. 2017;
147(3):367-76.
23. Posar A, Visconti P. Omega-3 supplementation in autism spectrum
disorders: A still open question? Journal of pediatric neurosciences. 2016;
11(3):225-27.
24. Mankad D, Dupuis A, Smile S, Roberts W, Brian J, Lui T, et al. A
randomized, placebo controlled trial of omega-3 fatty acids in the treatment of
young children with autism. Molecular autism. 2015; 6:18.
25. Sathe N, Andrews JC, McPheeters ML, Warren ZE. Nutritional and
Dietary Interventions for Autism Spectrum Disorder: A Systematic Review.
Pediatrics. 2017

Você também pode gostar