Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
br
Maio 2009
RESUMO
ABSTRACT
This paper analyzes the Baudelaire’s serpent allegory as a representation of the prose poem.
Therefore, the occultism in the serpent allegory permits to interpret the prose poem concept
as a sign of the modernity crisis. From the contradictoriety that characterizes it through the
match of opposed aspects, the prose poem represents the questioning of the unit of
categories that constitute its concept.
1
possui graduação em Letras - Português pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004) e mestrado em Literatura pela
Universidade Federal de Santa Catarina (2008) . Tem experiência na área de Letras.
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4555361609634168
1
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
Meu caro amigo, estou lhe remetendo um pequeno trabalho do qual não se
poderia dizer sem injustiça que não tem pé nem cabeça, já que, pelo
contrário, tudo nele é ao mesmo tempo cabeça e pé, alternada e
reciprocamente (...) Lacere-a em diversos fragmentos, e verá que cada um
deles pode existir à parte. Na esperança de que algumas destas postas
tenham vida suficiente para agradá-lo e diverti-lo, ouso dedicar-lhe a
serpente inteira.
2
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
A cabeça
2
Etimologicamente, o referido termo deriva dos gregos oura (cauda) ou oros (limite ou meta) e boros
(voracidade ou boca), significando tanto “o que devora a própria cauda” quanto “aquilo que se define por sua
própria função, sugerindo, em contrapartida, a vida e a morte pela serpente. Ele é usualmente representado
como uma serpente ou dragão mordendo a cauda”. Cf. LAMBSPRINCK, A. Tratado da pedra filosofal de
Lambsprinck: o significado do simbolismo da alquimia. São Paulo: IBRASA, 1995, p. 160.
3
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
4
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
A serpente inteira
5
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
(Saboya, 1996, p. 47-48), pois remete à idéia de movimento contínuo e cíclico. A serpente,
que oculta em si a dicotomia do universo, constitui uma figura constante para a magia, a
alquimia e o ocultismo em geral.
Em um tratado proveniente da tradução de um antigo manuscrito que consiste em
alegorias em versos, o oroboro se caracteriza pela propriedade de agregar em um mesmo
elemento, ao mesmo tempo, o veneno e o medicamento, como ilustram as estrofes que se
seguem aos seguintes versos: “De seu veneno se faz a medicina / Pois ele volta contra si
todo o veneno” (Lambsprinck, 1995, p. 157-158):
Ao refletir acerca dos seres e deixar seu pensamento planar nas alturas enquanto
seus sentidos corporais permanecem como que atados, Hermes Trismegistos (19--, p. 11-
12) dialoga com Poimandres e, ao descrever o evento, menciona a serpente. Poimandres o
interroga: “Que desejas ouvir e ver?”
“Mas tu, quem és?” – “Eu”, disse ele, “eu sou Poimandres, o Nous da
Soberania absoluta.” (...) E eu disse: “Quero ser instruído sobre os seres,
compreender sua natureza, conhecer Deus. Oh! Como desejo entender!”
(...) Subitamente, tudo se abriu diante de mim em um momento, e vi uma
visão sem limites (...) E pouco depois surgiu uma obscuridade dirigindo-
se para baixo, sendo por sua vez, assustadora e sombria, rolando-se em
espirais tortuosas, semelhante a uma serpente, segundo me pareceu.
Depois esta obscuridade transformou-se numa espécie de natureza úmida
(...) Depois um Verbo santo veio cobrir a Natureza (...) e o ar, sendo leve,
seguia seu sopro ígneo elevando-se até ao fogo; a partir da terra e da água,
de forma a parecer preso ao fogo; pela terra e pela água, permaneciam no
lugar estreitamente conjuntos (...) estavam continuamente em movimento
sob a ação do sopro do Verbo que colocara-se sobre elas (...) Então disse
Poimandres: “Compreendeste o que a visão significa?” E eu: “Eu o
6
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
saberei”. – “Esta luz” disse ele “sou eu, Nous, teu Deus, aquele que existe
antes da natureza úmida que apareceu fora da obscuridade. Quanto ao
Verbo (...) é o filho de Deus”. “Quem então?”, disse eu. – “Conheça o que
quero dizer por esse meio: o que em ti vê e ouve, é o Verbo do Senhor, e
teu Nous é o Deus Pai; não são separados um do outro, pois esta união é
que é a vida.” (...) “Viste no Nous a forma arquetípica, o pré-princípio
anterior ao começo sem fim.” Assim me falou Poimandres. – “Ora, disse
eu, de onde surgiram os elementos da natureza?” – Respondeu: “Da
vontade de Deus, que, tendo nela recebido o Verbo e tendo visto o belo
mundo arquetípico, o imitou feita como foi em um mundo ordenado,
segundo seus próprios elementos e seus próprios produtos, as almas.”3
Jorge Luis Borges afirma que, para os gregos, o Oceano era um rio circular que
rodeava a terra, de forma que “todas as águas fluíam dele e não tinha nem desembocadura
nem nascentes”, recordando que “Heráclito dissera que na circunferência o princípio e o
fim são um só ponto”. Borges constata que a imagem que melhor ilustra esta infinidade
constitui a “serpente que morde a própria cauda”, posteriormente usado prodigamente pelos
alquimistas, e cuja aparição mais famosa decorre da cosmogonia escandinava, na qual a
serpente foi atirada ao mar que rodeia a terra, de modo que “no mar cresceu de tal maneira
que agora também rodeia a terra e morde a própria cauda”.4
Fredric Jameson (2005, p. 32) concebe o poema em prosa como perspectiva de uma
modernidade relacionada à valorização da prosa. Jameson sugere que a noção do “novo”
enquanto valor surge a partir da dicotomia entre o moderno e o antigo, quando o moderno
se sobrepõe. Baudelaire, como recorda Jameson, apreende a arte como uma composição de
duas metades: uma contingente, outra eterna. Com efeito, a concepção baudelairiana do
belo como síntese de contrários que formam parte da condição dos homens, como coloca
Torremocha (1999, p. 87), relaciona-se com as noções de eterno e efêmero da arte que, em
última análise, representam o mesmo que as categorias de fixo e volátil para a Alquimia.
Segundo Walter Benjamin (1994, p. 108-109), a semelhança é fundamental para
compreender o saber oculto. Benjamin conclui que “o círculo existencial regido pela lei da
semelhança era outrora muito mais vasto. Era o domínio do micro e do macrocosmos”, de
forma que “o universo do homem moderno parece conter aquelas correspondências
mágicas em muito menor quantidade”. Nesse sentido, George Frazer (1969, p. 34) descreve
3
TRISMEGISTOS, [19--], p. 11-12.
4
BORGES; GUERRERO, 1974, p. 168-169.
7
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
8
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
era o Verbo”. Portanto, a palavra antecede a coisa, afinal, “para o mago, falar é criar”,
como afirma Lévi (1997b, p. 109).
Lévi (1997b, p. 120-129) afirma que “o mago só admite como certo, no domínio das
idéias, o que é demonstrado pela realização da palavra” que constitui “o verbo
propriamente dito”: “um pensamento se realiza tornando-se palavra; esta se realiza pelos
sinais, sons e figuras dos sinais: este é o primeiro grau de realização. Depois, ela se
imprime na luz astral por meio dos sinais da escrita ou da palavra”. Assim, o verbo se faz
carne. Contudo, Lévi explica que “denomina-se verbo aquilo que exprime, ao mesmo
tempo, o ente e a ação”, de modo que “a filosofia do Verbo é essencialmente a filosofia da
ação e dos fatos realizados”, como escreve Levi, diferindo a palavra, que pode ser vazia, do
Verbo, que é a palavra cheia e fecunda.
A respeito dos alquimistas e de sua necessidade de uma “linguagem ininteligível”,
Lévi (1997b, p. 63) afirma que aqueles “ressuscitaram a escrita hieroglífica e inventaram
caracteres que resumem uma doutrina inteira num sinal, uma série inteira de tendências e
revelações, numa palavra.” Desta forma, “os livros eram escritos para lembrar a tradição, e
escreviam-se em símbolos ininteligíveis para os profanos.” Esse processo resulta no que P.
V. Piobb (1982, p. 98-99) denomina “esoterismo gráfico”, que consiste em uma
apresentação de letras e desenhos de tal maneira que sejam compreendidas apenas por
aqueles que conhecem o valor indicativo dos sinais gráficos, acrescentando que o objeto
figurado se baseia em uma convenção.
Para Lévi (1997b, p. 64), a Cabala representa a união necessária das idéias e dos
sinais, considerando seus elementos os princípios elementares do Verbo escrito, reflexo do
Verbo falado que criou o mundo. A Cabala consagra a aliança da razão (Nous) e do Verbo,
estabelecendo, pelo contrapeso das duas forças aparentemente opostas, a balança eterna do
ente, tal como a alegoria de Poimandres narrada por Hermes Trismegistos. Lévi (1997b, p.
77-78), compreende que
9
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
está em cima é como o que está em baixo, e o que está em baixo é como o
que está em cima.5
Ora, Roland Barthes (1971, p. 90-92), cuja noção de neutro parte do dois, que
remete, por sua vez, ao duplo, como que revelando uma matriz ocultista, emprega a
5
Ibid., p. 77-78.
10
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
imagem de mágico para se referir ao poeta que melhor descreve a auto-referencialidade que
sucede Baudelaire – Mallarmé – cuja poesia “postula um silêncio” ao mesmo tempo em que
exprime o momento em que “a linguagem literária só se mantém para melhor cantar sua
necessidade de morrer”. Para Barthes, o mágico representa o agente do “esforço de
libertação da linguagem literária” capaz de “criar uma escritura branca, liberta de qualquer
servidão a uma ordem fixada da linguagem”, de forma que, no deserto das palavras, pensa
atingir um objeto absolutamente privado de História. E é neste sentido que Mallarmé – esse
mago de uma linguagem hermética – exprime o “momento frágil da História, em que a
linguagem literária só se mantém para melhor cantar sua necessidade de morrer”, criando
uma zona de vácuo na qual a fala social – reivindicada pelas Belas-Letras – felizmente não
ressoa mais.
Quando diz “une fleur”, metonimizando “l’absente de tous bouquets”, Mallarmé
(1945, p. 368) postula que a palavra constitui a “inexistência manifesta do que ela designa”
(Foucault, 2001, p. 239-240), desnaturalizando a relação entre a palavra e a coisa e
interrogando o poder sobrenatural da palavra: “Mallarmé n’a-t-il pas fait son thème de ce
pouvoir idealisateur du mot qui fait paraitre et disparaître l’existence de la chose par la
simple déclaration de son nom?”– questiona Derrida (1974, p. 372), recuperando a mesma
metáfora do mágico ou metafísico: “Production et anéatissement de la chose par le nom; e
d’abord création, par le vers ou le jeu de la rime, du nom lui-même” – conclui. Mallarmé
decide pela indecidibilidade, da mesma forma que Baudelaire com a concepção do poema
em prosa.
O pé
11
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
12
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
13
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
BIBLIOGRAFIA
BENJAMIN, W. A doutrina das semelhanças. In: ______. Magia e técnica, arte e política:
ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1994.
______. Paris do Segundo Império. In: ______. Charles Baudelaire, um lírico no auge do
capitalismo. Trad. José Carlos Martins Barbosa e Hemerson Alves Batista. São Paulo:
Brasiliense, 1989.
BORGES, J. L.; GUERRERO, M. O livro dos seres imaginários. 5. ed. Rio de Janeiro:
Globo, 1974.
DERRIDA, J. Dar (el) tiempo. 1. La moneda falsa. Trad. esp. Cristina de Peretti.
Barcelona: Paidos, 1995.
______. Mallarmé par Jacques Derrida. In: Tableau de la litérature française: De Mme de
Staël a Rimbaud. Paris: Gallimard, 1974. (vol. III).
______. Platos´s Pharmacy. In: ______. Dissemination. Trad. ing. Barbara Johnson.
Chicago: The University of Chicago Press, 1981.
EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. Trad. Waltensir Dutra. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
JOHNSON, B. Algumas conseqüências da diferença anatômica dos textos. Para uma teoria
do poema em prosa. In: O discurso da poesia. Poétique n. 28. Trad. Leocádia Reis e Carlos
Reis. Coimbra: Almedina, 1982.
14
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
MALLARMÉ, S. Crise de Vers. In: ______. Oeuvres completes. Paris: Gallimard, 1945.
ROCHA LIMA, C. H. Gramática normativa da língua portuguesa. 18. ed. Rio de Janeiro:
J. Olympio, 1976.
BIBLIOGRAFIA OCULTA
BARRET, F. Magus: tratado completo de alquimia e filosofia oculta. Trad. Júlia Barani.
São Paulo: Mercuryo, 1994.
PAPUS. Tratado de ciências ocultas. Trad. Luis Carlos Lisboa. São Paulo: Três, 1983.
________. Dogma e ritual da alta magia. Trad. Rosabis Camaysar. São Paulo:
Pensamento, 1997b.
PARACELSO. A chave da alquimia. Trad. Antonio Carlos Braga. São Paulo: Três, 1983.
PIOBB, P.V. Formulário de alta magia. Trad. Louisa Ibañez. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1982.
15
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
Maio 2009
16