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sobre-a-formacao-de-professores-no-brasil

Publicado em GESTÃO ESCOLAR 30 de Maio | 2018

BNCC

Base: reflexões sobre a


formação de professores no
Brasil
Leia o que dizem três especialistas em formação docente e quais
as orientações em relação à Base Nacional Comum Curricular
Conviva Educação

Linda Darling-Hammond, uma das maiores especialistas em formação de


professores durante palestra no Ciclo de Debates em Gestão Educacional,
em São Paulo Foto: Divulgação

Como estão estruturadas as experiências de formação de professores no exterior?


Quais iniciativas já estiveram presentes no Brasil nas últimas décadas? O que é
importante ter em mente no momento de organizar os momentos de formação
continuada? Essas questões fizeram parte do Ciclo de Debates em Gestão Educacional
promovido pelo Itaú Social e Instituto Ayrton Senna em São Paulo (assista ao vídeo do
evento neste link), que teve como foco a formação de professores no contexto da Base
Nacional Comum Curricular.

O evento contou com a participação de Linda Darling-Hammond, uma das maiores


especialistas em formação de professores. Em sua primeira visita ao Brasil, a
professora emérita da Universidade de Stanford, na Califórnia, reforçou a necessidade
de grandes investimentos na preparação de professores para que eles sejam capazes
de lidar com as demandas trazidas por essa sociedade em evolução.

O ciclo teve a participação de Elba Siqueira, professora da Universidade de São Paulo


(USP) e pesquisadora da Fundação Carlos Chargas (FCC), e de Janaina Barros,
coordenadora pedagógica da secretaria de educação no município de Seabra (BA) e
formadora do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (ICEP). A seguir, leia destaques
de três das falas realizadas:

LEIA MAIS Acompanhe o trabalho das secretarias de Educação

Linda Darling-Hammond, pesquisadora da Universidade de Stanford sobre


formação de professores em diversos países

“O mundo está mudando: existe tecnologia e muita criação de conhecimento. O


trabalho e o cotidiano são outros, se comparados com a realidade de poucos anos
atrás. Por isso, há diversos países que repensam seus padrões e currículos. Trabalho
na Universidade de Stanford e estudo formação de professores nos Estados Unidos e
em outros países, como Cingapura. Noto que muitos dos cursos são organizados com
um lado prático e outro teórico, com o objetivo de um melhor ensino dos conteúdos.
Os alunos têm um papel de liderança e trabalham em equipe.

Sabemos que, quando adultos, nossos jovens vão trabalhar com conhecimentos que
ainda não existem, com uma tecnologia não criada por enquanto e problemas que não
sabemos quais serão, e vão precisar lidar com isso! E quais os impactos dessa realidade
para os estudantes e escolas? No novo currículo brasileiro, achei interessante que o
texto indique a importância de interagir, explorar, colaborar, ter empatia e ética. É
importante lidar com a aprendizagem sócioemocional, até porque isso vai ser
necessário na aquisição dos conteúdos. Por toda a vida, como já dizia Paulo Freire, as
pessoas precisam aprender, se sentirem capazes disso e de desenvolver sua própria
identidade como pessoa capaz de saber mais. Neste sentido, os professores devem
colaborar para que os alunos aprendam em diferentes contextos, aliando o
conhecimento ao que os estudantes já sabem, sem padronização da forma de ensinar.
Isso exige grande planejamento dos professores, sabendo como os alunos estão, o que
já conhecem, e no que devem avançar. Mas como nem sempre os professores tiveram
a vivência de aprender dessa forma, é importante mostrarmos a eles outras maneiras
de trabalhar. Às vezes não basta ler para incorporar essas ideias. Além disso, as
políticas de contratação, retenção, formação e salário também devem ser levadas em
conta porque moldam o desempenho e a aprendizagem profissional dos educadores.”
Elba Siqueira, professora da USP Foto: Divulgação

Elba Siqueira, professora da Universidade de São Paulo

“Existe uma experiência acumulada na formação dos professores no Brasil nesses 20


anos de vigência do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, criados em 1997. Pela primeira vez, a educação era
estruturada para atender crianças de 0 a 17 anos, da creche ao ensino médio, com
continuidade. Assim como a Base Nacional Comum Curricular, eram organizados
conforme as competências, com ênfase à diversidade, ao caráter interdisciplinar e à
contextualização do conhecimento. Eles também indicavam a importância de
adequação dos materiais didáticos, o que é muito impactante para os processos de
ensino e aprendizagem, e foram a base para a criação dos cursos de formação
continuada de professores e a matriz para o sistema nacional de avaliação na
educação básica. Mas a implementação de fato foi modesta porque os recursos eram
pequenos, com vídeos e pequenas formações, com a expectativa de que os sistemas de
ensino produzissem seus currículos com base nessas referências.

Os anos seguintes foram bastante auspiciosos para a América Latina, com grandes
recursos para Ministério da Educação e para as áreas de educação nos estados e
municípios. O governo federal cria um grande aparato para a formação continuada de
docentes da educação básica, com estrutura a distância, presencial ou semi-presencial,
ações realizadas em colaboração com universidades, outras esferas de governo e
iniciativa privada. Houve programas de formação de grande envergadura, com
concepções e estratégias muito diferentes, parte voltados para a alfabetização.

Essas iniciativas todas nos trazem algumas lições. Então temos um grande desafio de
não jogar fora o conhecimento já criado nesse período, porque os estados produziram
materiais preciosos e é preciso recuperar a experiência acumulada, sem incidir nos
mesmos erros!

Vimos, por exemplo, que as ações formativas realizadas em larga escala não são
suficientes se o educador não tiver apoio nas escolas, quando vai colocar em prática o
que aprendeu e se depara com necessidades variadas. Também notamos que embora
exista preocupação para avaliar a aprendizagem das crianças, não temos avaliações
rigorosas dos programas de formação de professores. Verificamos ainda que nesse
período também foram realizados cursos voltados para questões de gênero,
diversidade, étnico-raciais, meio ambiente e outras, inclusive desenvolvidos com a
colaboração de instituições sociais. Em 2011, publicamos com apoio da Unesco uma
publicação que reunia o estado da arte da formação dos professores brasileiros em
diversas regiões.

Entre as iniciativas já realizadas, existe a Cefapros, no Mato Grosso, em que os próprios


professores da rede levantavam os problemas que estavam enfrentando e discutiam
em grupos, procuraram pesquisas e tantavam encontrar caminhos que resolviam as
questões. Havia interessante intercâmbio e interlocução em rede, com comunicação
entre os educadores.

Em Minas Gerais, houve o Programa de Desenvolvimento Profissional. Os professores


envolvidos se organizavam em um grupo de diferentes áreas disciplinares e, em
colaboração com a universidade, faziam um projeto e recebiam recursos da secretaria
de educação. O objetivo era fazer formações e garantir a implementação do currículo
elaborado na rede durante um ano.

No estado do Paraná, o trabalho era realizado por professores experientes, com


características inovadoras, que faziam dois anos de uma pós-graduação profissional e
deveriam desenvolver metodologias em colaboração com as escolas em que
lecionavam e coordenar um trabalho em rede.”

Janaina Barros, coordenadora pedagógica da secretaria de educação no


município de Seabra (BA) e formadora do Instituto Chapada de Educação e
Pesquisa (ICEP) Foto: Divulgação

Janaina Barros, coordenadora pedagógica da secretaria de educação no


município de Seabra (BA) e formadora do Instituto Chapada de Educação e
Pesquisa (ICEP)

“Quando falamos de BNCC, devemos levar em conta muitos aspectos, com olhos
atentos para as pessoas e o futuro. Em um grupo de 42 professores em que trabalho,
por exemplo, há pessoas tão distintas e com percursos tão variados, como recém-
formados ou profissionais experientes. Então é essencial planejar de forma
diferenciada para uma efetiva formação dessas pessoas.

Também é importante pensar a BNCC em relação às oportunidades: para quem e para


quê são essas oportunidades. Por muitos anos negociamos o que não é possível
negociar, e em muitas escolas ainda não temos biblioteca, acesso à internet, quadra de
esportes ou espaço para aprendizagem colaborativa. Acredito que as oportunidades
que tanto falamos que virão com a BNCC devem incluir possibilidades de a secretaria,
a coordenação, a direção e o professor planejarem o trabalho com qualidade. Elas
devem contemplar também as mudanças nas formações inicial e continuada de
professores, porque os profissionais não estão prontos para implementar a Base.

Falar sobre Base também é falar sobre espaço físico, cuidar das salas e dos espaços
abertos, o que confere dignidade e identidade a quem os frequenta. Não estou
dizendo que a ausência de condições do espaço físico impossibilita a implementação
da Base, mas que ao falar desse assunto, a melhoria dos locais precisa ser
considerada.

Ao pensar na BNCC, precisamos também pensar em um projeto de rede, que a


secretaria, os coordenadores e os professores saibam o que se quer deles, para saber
se as ações estão adequadas e seus resultados também.

Falar do sujeito que forma professores, da secretaria que acompanha, e também de


metas, respeito e responsabilidade não é simples, e não queremos que seja simples. É
importante que não seja simplificado. Precisamos de garantia de direitos, e não
negociar o direito de as crianças aprenderem.”

*Este texto foi publicado originalmente na plataforma Conviva Educação e adaptado


para o site de Gestão Escolar

Conviva Educação é uma iniciativa da Undime e 12 instituições criada em 2013


para apoiar os Dirigentes Municipais de Educação no trabalho cotidiano. Há
conteúdos, ferramentas e áreas de trocas de experiências disponibilizadas
gratuitamente. Para conhecer, acesse: www.convivaeducacao.org.br.

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