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O BRASIL E A RODADA DO MILÊNIO

Armando Leal – ATTAC/RJ

 INTRODUÇÃO

 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO

Histórico
Objetivos
Estrutura e funcionamento
Acordos multilaterais e gestão econômica

 DEFICIÊNCIAS DO BRASIL NA OMC

Comércio aberto mas não livre


Barreiras à liberalização sofisticaram-se desde a criação do GATT
Fragilidade do Brasil na OMC
Disputa de poder na OMC

 POSIÇÃO BRASILEIRA PARA RODADA DO MILÊNIO

Concentração para Rodada do Milênio


Política externa brasileira
Cimeira – Preliminar da Rodada do Milênio

 CRÍTICAS E AÇÕES CONTRA A RODADA DO MILÊNIO

Até onde desmantelar a soberania dos Estados?


Na OMC, três anos para finalizar a globalização

 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Diferenciação entre acordos multilaterais gerados no GATT/OMC e o AMI


O poder dos países na OMC
Estratégia brasileira na rodada do milênio
ATTAC na rodada do milênio

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O BRASIL E A RODADA DO MILÊNIO

 INTRODUÇÃO

Este documento é uma coletânea de textos sobre a OMC – Organização Mundial do


Comércio, órgão que regulamenta e arbitra as questões relativas ao comércio internacional. Seu
objetivo é fornecer alguns elementos básicos para uma melhor compreensão acerca da “Rodada do
Milênio”, como está sendo chamada a terceira reunião ministerial da Organização Mundial do
Comércio, a ser realizada de 30 de novembro a 03 de dezembro em Seattle-EUA. Ele descreve de
forma breve a origem, objetivos e funcionamento daquela entidade, com vistas a um entendimento
mínimo sobre sua dinâmica decisória. Em sua grande maioria, trata-se de artigos e entrevistas
publicadas na grande imprensa nacional e internacional garimpados na Internet. Também aborda
posicionamentos e ações do governo brasileiro em relação ao comercio internacional e suas
principais preocupações. Não trata-se de um documento final, muito pelo contrário, espera-se que
os subsídios aqui fornecidos estimulem o aprofundamento das discussões sobre este complexo tema
e consolidem um leque de ações e intervenções do movimento ATTAC, conforme deliberação do
último encontro internacional realizado em Paris em junho de 1999.

 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO

HISTÓRICO

Criada pela Declaração de Marrakesh, em abril de 1994, a OMC – Organização Mundial do


Comércio foi constituída em janeiro de 1995 em substituição ao Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (GATT), de 1947. A OMC organiza normas comuns para o comércio realizado pelos
Estados-membros, e os acordos que gere representam a base legal e institucional deste sistema
multilateral.

O principal objetivo da GATT era a diminuição de barreiras comerciais e a garantia de


acesso mais equitativo aos mercados por parte de seus signatários e não a promoção do livre
comércio. Seus idealizadores acreditavam que a cooperação comercial aumentaria a
interdependência entre os países e ajudaria a reduzir os riscos de uma nova guerra mundial.

O Acordo deveria ter um caráter provisório e vigir apenas até a criação da Organização
Internacional de Comércio (OIT). As negociações para tanto foram realizadas na Conferência de
Havana em 1948, mas a OIT terminou não sendo criada em razão da recusa do Congresso norte-
americano em ratificar o Acordo. O GATT incorporou muitas das provisões da OIT, contidas na
Carta de Havana (subscrita por 53 países, inclusive o Brasil), e foi adquirindo progressivamente
atribuições de uma organização internacional. No entanto, não perdeu seu caráter de acordo
provisório nem obteve uma personalidade jurídica própria, como o FMI e o Banco Mundial.

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A OMC não é apenas um GATT ampliado. Este era um acordo multilateral, de caráter
provisório e sem base institucional, com uma pequena secretaria associada, que surgiu em 1947, a
partir da tentativa fracassada de formação da OIT. Desde a sua criação o GATT contribuiu
efetivamente para a remoção das barreiras comerciais mundiais, mas nunca teve poder suficiente
para impedir que alguns de seus signatários se desviassem por caminhos protecionistas. Isto se
deveu, em parte, à fragilidade de seus mecanismos de solução de controvérsias comerciais,
extremamente suscetíveis a bloqueios. Já a OMC, ao contrário, é uma organização permanente,
com personalidade jurídica própria e com o mesmo status do Banco Mundial e do FMI. Os
compromissos sob seus auspícios são absolutos e permanentes, e o seu sistema de solução de
controvérsias é mais efetivo e menos sujeito a bloqueios.

Em linhas gerais, segue abaixo a cronologia dos principais fatos desde a criação do
GATT/OMC:

1947 - Formação do GATT, assinado por 23 países no dia 30 de outubro no Palias des Nations, em
Genebra.

1948 - O GATT entra em vigor, com a primeira reunião de seus integrantes em Havana, Cuba.

1949 - Segunda rodada de conversações em Annecy, França. Chega-se a um acordo sobre a redução
de cerca de cinco mil tarifas; mais dez países são admitidos.

1950-51 - Terceira rodada de negociações em Torquay, Grã-Bretanha. Os integrantes concordam


com 8.700 concessões comerciais e recebem quatro novos países.

1956 - Quarta rodada de negociações, em Genebra. Decidem-se cortes de tarifas no valor de US$
1,3 trilhão, a preços de hoje.

1960-62 - A rodada Dillon, assim chamada em homenagem ao subsecretário americano de estado


Douglas Dillon, que propôs as negociações, é realizada. Mais 4.400 cortes de tarifas são decididos.

1964-67 - Rodada Kennedy. Muitas tarifas industriais são reduzidas à metade, com assinatura de 50
países. Separadamente, há acordo sobre normas para dumping.

1973-79 - Rodada Tóquio, com a participação de 99 países. A primeira discussão séria sobre
barreiras comerciais não-tarifárias, tidas como subsídios e requisitos para licenciamento. A tarifa
média sobre produtos manufaturados nos nove maiores mercados é reduzida de 7% para 4,7%.

1986-93 - Rodada Uruguai. Novas reduções em tarifas industriais, subsídios à exportação, licenças
e valor das taxas alfandegárias. Primeiros acordos sobre comércio e serviços e propriedade
intelectual.

1995 - Formação da Organização Mundial de Comércio, com poderes para resolver disputas entre
os membros.

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1997 - Conclusão de acordos sobre serviços de telecomunicações, tecnologia da informação e
serviços financeiros.

1998 - A OMC tem 132 membros, e mais de 30 outros esperam ser admitidos.

Segundo o Itamaraty a atuação brasileira na OMC e em seus diferentes órgãos tem se


pautado pela defesa dos interesses comerciais do país, seja por meio do aprofundamento da
liberalização comercial em setores de interesse exportador, como o comércio de bens agrícolas seja
pela sustentação das medidas de política comercial do governo brasileiro que possam ser
questionadas pelos parceiros comerciais. No plano interno, os Acordos Multilaterais da Rodada do
Uruguai estão sendo incorporados à legislação nacional brasileira.

OBJETIVOS

O Brasil é um dos membros fundadores da OMC que pretende ser a base jurídica e
institucional do sistema multilateral de comércio. No final de abril de 1996, a OMC contava com
120 membros. Suas principais funções são as seguintes:

a) gerenciar os acordos multilaterais e plurilaterais de comércio negociados por seus membros,


particularmente sobre bens, serviços e direitos de propriedade intelectual relacionados com o
comércio;
b) resolver diferenças comerciais;
c) servir de fórun para negociações sobre temas já cobertos pelas regras multilaterais de
comércio e sobre novas questões;
d) supervisionar as políticas comerciais e nacionais;
e) cooperar com o Banco Mundial e o FMI na adoção de políticas econômicas em nível
mundial.

ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO

No topo da estrutura da OMC está a Conferência Ministerial, composta por representantes


de todos os seus membros (estes devem se reunir pelo menos uma vez a cada dois anos) e que pode
decidir sobre qualquer questão relacionada com os acordos multilaterais de comércio.

Os trabalhos ordinários da Organização são realizados por inúmeros órgãos, sendo o


principal deles o Conselho Geral, ao qual estão subordinados o Conselho para Comércio de
Mercadorias, o Conselho para Comércio de Serviços e o Conselho para Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados com o Comércio, aos quais, por sua vez, estão subordinados inúmeros
outros comitês e grupos de trabalho.

Há ainda quatro outros comitês que tratam de assuntos relacionados com comércio e
desenvolvimento, restrições de balanço de pagamentos, comércio e meio ambiente e orçamento e
adestração da OMC. O Conselho Geral atua também como órgão de Solução de Controvérsias
Comerciais e como órgão de Exame de Políticas Comerciais.

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Assim como o GATT, a OMC adota o sistema de decisão por consenso. Se não há acordo,
realiza-se uma votação, e as decisões são acolhidas por maioria de votos emitidos: cada país um
voto. Para quatro situações específicas, o Acordo da OMC prevê votação:

- adoção de uma interpretação para qualquer um dos acordos - maioria de três quartos dos membros;

- a isenção de uma obrigação - maioria de três quartos dos membros;

- emenda das disposições do acordo geral - consenso ou maioria de dois terços dos membros,
segundo a natureza da disposição considerada; e

- a admissão de um novo membro - maioria de dois terços dos membros na Conferência Ministerial.

Entre as funções da Secretaria, que é chefiada por um diretor geral e por quatro diretores
gerais adjuntos, está a prestação de serviços aos órgãos delegados da OMC, sobretudo dos países
em desenvolvimento e menos adiantados.

A maior parte dos países possui uma missão diplomática na OMC, com representantes,
liderados às vezes por um embaixador, que participam das reuniões dos órgãos administrativos e de
negociação realizadas na sede da Organização, em Genebra. Os 15 países da União Européia (UE)
atuam conjuntamente e com um único porta-voz na OMC, ainda que votem separadamente. A UE
é membro da OMC por direito próprio, como cada um dos Estados que a compõem.

ACORDOS MULTILATERAIS E GESTÃO ECONÔMICA

Os compromissos assumidos na esfera da OMC garantem um maior acesso aos mercados de


outros países, mas também restringem significativamente o raio de manobra das nações na definição
das políticas econômicas que afetam o comércio, ao limitarem a possibilidade de imposição de
medidas discricionárias e protecionistas. Assim, diversas práticas comerciais adotadas pelos países
em desenvolvimento a partir dos anos 50, no âmbito de programas de substituição de importações
são agora proibidas ou sujeitas a uma disciplina bastante rígida. O mesmo pode ser dito em relação
a várias medidas protecionistas adotadas pelos países desenvolvidos a partir dos anos 70.

Deste modo, ao se definirem as políticas nacionais, precisam levar em conta não apenas as
demandas e necessidades domésticas, mas também os compromissos assumidos com seus parceiros
internacionais. Além de adequar seus instrumentos de comércio exterior às regras estabelecidos
multilateralmente, os governantes precisam também adequar sua retórica à nova realidade, para
evitar que os esforços para melhorar a competitividade externa dos produtos nacionais sejam
contestados e/ou neutralizados por outros países, ainda que efetivamente não violem qualquer
compromisso acertado.

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Em outros termos, as medidas de comércio exterior precisam estar em sintonia com os
compromissos multilaterais na prática, na lei e no marketing. Argumentos e declarações eficazes do
ponto de vista da obtenção de apoio interno podem ser usados para fundamentar uma acusação de
um parceiro comercial quanto à adoção de uma prática prejudicial e/ou desleal de comércio.

É fundamental, portanto, que políticos e governantes brasileiros tenham pleno conhecimento


dos novos limites a que estão submetidos, em razão da adesão do pais às regras multilaterais de
comércio vigentes, e que permaneçam atentos aos efeitos adversos que sua retórica pode provocar
no que diz respeito ao relacionamento comercial com outros países. Estes elementos conhecimento
e consideração ao público externo - certamente diminuirão os riscos de o país ser acusado de lançar
mão de práticas comerciais proibidas ou, ainda que permitidas, prejudiciais aos seus parceiros
comerciais e que, se confirmadas, precisam ser eliminadas (ou, se possível, negociadas) para que o
país não seja alvo de medidas retaliatórias. As permitidas e prejudiciais obrigam o pais a fazer
concessões compensatórias ou expõem os beneficiários dos programas em questão à imposição de
direitos compensatórios ou de restrições de outra natureza.

 DEFICIÊNCIAS DO BRASIL NA OMC

COMÉRCIO ABERTO MAS NÃO LIVRE

Em fevereiro de 1998, o Embaixador Paulo Barthel-Rosa, Diretor do Organismo de Solução


de Controvérsias da organização Mundial de Comércio (OMC), em entrevista ao jornal Folha de
São Paulo denunciava que “o comércio mundial estava mais aberto, mas longe de ser livre”. Para
Barthel-Rosa, a contratação de pessoal especializado é "quase indispensável" para que o país se
defenda na OMC. "A maioria dos países não tem pessoal suficientemente treinado para lidar com a
complexa legislação da OMC."

No Itamaraty, Barthel-Rosa é considerado um dos mais experientes profissionais quando o


assunto é negociação comercial. Trabalhou no GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), como
diretor encarregado dos países em desenvolvimento, na época da Rodada Uruguai (1986-1994),
aquela que definiu as atuais regras do comércio internacional e a criação da OMC.

Em sua avaliação, o peso econômico dos Estados Unidos conta muito em uma negociação
bilateral, mas isso não significa que eles ganhem sempre. "O Brasil é a maior vítima da proteção
dos EUA", diz, porque os norte-americanos protegem produtos que "o Brasil exporta
majoritariamente, como suco de laranja, calçados, tecido, aço". "Os EUA levam vantagem porque
têm mais pessoas preparadas dentro do próprio governo e não precisam recorrer a consultores
profissionais", afirmou o embaixador.

Efetuando uma avaliação do atual grau (fevereiro de 1998) de abertura da América Latina,
particularmente do Brasil e se havia problemas com relação ao respeito ou adaptação desses países
às normas da OMC, Barthel-Rosa afirmava que o Brasil e outros países da América Latina figuram
na vanguarda dos que fizeram reforma estrutural em sua política econômica e comercial. Eles

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fizeram as maiores aberturas durante as negociações da Rodada Uruguai do GATT. Passaram de
uma política muito fechada de substituição de importações a uma economia aberta.

Segundo Barthel-Rosa, nesse jogo de negociações de comércio internacional há muito


conflito de interesse. Uma vez que vai comercializar mais com países que passam a ser seus rivais
no seu mercado doméstico ou em outros mercados, é normal que haja certo grau de fricção. Isso
leva a disputas, a controvérsias. Qualquer país-membro da OMC está sujeito a receber notificação
de um parceiro comercial dizendo que está infringindo as regras. Por isso há um sistema de solução
de controvérsias na OMC, onde essas disputas são resolvidas. O Brasil foi levado à bancada e já foi
à bancada para reclamar de políticas de outros países. O Brasil não recebe mais notificações que os
outros. Os Estados Unidos e a Comunidade Européia, os maiores parceiros mútuos do mundo, estão
se acusando a cada dia e ninguém se espanta com isso.

Sobre o a capacitação que o país necessita para defesa dos seus interesses Barthel-Rosa
afirmava que essa contratação é quase indispensável porque a maioria dos países não tem pessoal
suficientemente treinado para lidar com a complexa legislação da OMC. Um dos únicos países que
têm um batalhão de advogados, que ganham fortuna com isso, são os EUA. Quase todos os países
recorrem a advogados especializados norte-americanos, que servem de consultores. É difícil
encontrar gente especializada, mesmo na Europa. Complementava ainda que como os casos são
extremamente complexos, se não tiver um bom consultor, o país pode perder o caso porque não
soube provar que tinha razão. Isso ocorre sobretudo com os países em desenvolvimento.

Indagado se os EUA levavam vantagem, de fato, por terem pessoal mais bem preparado para
defender seus interesses, Barthel-Rosa reafirmava que os EUA levam vantagem porque têm mais
pessoas preparadas dentro do próprio governo e não precisam recorrer a consultores profissionais.
Mas essa não é uma vantagem tão conspícua. Os EUA já perderam vários casos na OMC. Acabaram
de perder um importantíssimo, que envolve a Kodak e a Fuji Film. Agora, vão à corte de apelação
contra a decisão que favoreceu o Japão. Mas é claro que os EUA têm muito peso econômico e,
numa negociação bilateral, isso conta muito.

Perguntado sobre quais os países que mais impõem barreiras ao comércio, Barthel-Rosa
afirmava que não havia avaliação desse tipo. Os EUA têm o mercado mais aberto do mundo. Mas,
como todo mercado, há proteção. Ocorre que os norte-americanos protegem produtos com mão-de-
obra mais intensa por razões econômicas ou sociais. Ou seja, exatamente o mesmo tipo de produto
que o Brasil exporta majoritariamente, como suco de laranja, calçados, tecidos, aço. “Por isso, o
Brasil é a maior vítima da proteção dos EUA. Isso é parte da realidade com a qual temos que
conviver. À medida que a economia brasileira for se desenvolvendo e as exportações forem mais
diversificadas, boa parte desse problema será superado”.

Questionado se haveria possibilidade de haver a rodada do milênio da OMC a partir do ano


2000, Barthel-Rosa dizia que essa possibilidade estava longe de se concretizar. Nos acordos da
Rodada Uruguai, há compromisso de recomeçar as negociações dos setores agrícola e de serviços
no fim de 1999. Sir Leon Brittan (vice-presidente da Comissão Européia) e outros propõem a
ampliação dessa rodada para os demais setores, como o industrial. Eles querem uma nova rodada,
mas ninguém sabe se vão convencer os demais a fazer isso em maio, quando haverá a reunião
ministerial da OMC.

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BARREIRAS À LIBERALIZAÇÃO SOFISTICARAM-SE DESDE A CRIAÇÃO DO GATT

Uma interessante análise das ações do GATT/OMC é feita em artigo publicado na revista
“The Economist” e republicado na Gazeta Mercantil de 18/05/1998.

Diz a matéria que em 1948, um clube de 23 países eliminou as tarifas de exportações mútuas
baseando-se no GATT (General Agreement on Agreement on Tariffs and Trade), o primeiro acordo
multilateral para reduzir barreiras alfandegárias firmado desde os tempos napoleônicos. Avaliar as
conseqüências exatas envolvendo 106 conjuntos de negociações bilaterais e dois volumes de
cronogramas de liberalização pesando 15 quilos era, achávamos, "uma tarefa impossível".
Temíamos que a complexidade do GATT e a "precaução e timidez" de seus membros poderiam
estorvar o almejado crescimento do comércio.

O ceticismo mostrou-se infundado. O GATT suscitou uma série de acordos ainda mais
volumosos removendo muitas das amarras comerciais. Hoje, as tarifas médias representam apenas
10% do que eram na época da implantação do GATT. Os ministros que comparecem aos festejos do
50º aniversário da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, de hoje (18 de maio de
1998) à Quarta-feira, podem, portanto, ser perdoados por uma certa dose de bajulação. Mas o tom
festivo não deve obliterar o fato de que, após 50 anos, o trabalho do GATT permanece inconcluso.
O grande acordo de reforma mercantil ainda está por vir - e já com um atraso considerável.

Desde a implementação do GATT, em 1948, houve oito rodadas de conversações globais de


comércio, cada qual envolvendo mais países e fazendo a liberalização progredir mais do que a
anterior. O mais recente desses encontros, a Rodada do Uruguai completada em 1993, também foi a
mais ambiciosa. Os negociadores conseguiram elaborar regras norteando o comércio em serviços e
protegendo a propriedade intelectual como a de patentes e de software - assuntos anteriormente fora
do escopo do GATT.

O outro êxito da rodada foi a criação da OMC. Ao contrário do desordenado GATT, a OMC
foi criada como uma organização permanente com poderes muito maiores para arbitrar as disputas
mercantis. Sob o GATT, qualquer membro - mesmo um descoberto infringindo as normas - podia
obstruir uma determinação que julgasse impor-lhe barreiras alfandegárias injustas. As conclusões
dos painéis de resolução de disputas (PRD) da OMC não ficam à mercê dos vetos. Os países
flagrados no mau caminho devem mudar de atitude ou oferecer compensações - se não o fizerem,
sofrerão sanções.

A perspectiva de uma justiça mais rápida parece ter convencido os governos a levar suas
disputas comerciais à OMC em vez de envolver-se em retaliações. Em apenas três anos, a OMC
cuidou de 132 reclamações. Em 47 anos de existência, o GATT só ouviu 300. O mecanismo não foi
apenas usado por grandes países para esmagar a arraia-miúda, como alguns temiam: quando pediu à
OMC para arbitrar conta as barreiras norte-americanas a suas exportações de roupas de baixo
masculinas, a Costa Rica ganhou o caso e forçou os EUA a reformular suas leis de importação.

A OMC foi tão bem-sucedida que mais de 30 países, incluindo a China e a Rússia, hoje
fazem fila para entrar. O grupo já comporta 132 nações. E continua a supervisionar um crescimento
impressionante em comércio mundial. No último ano, o volume de produtos comercializados

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cresceu 9,5%, três vezes mais rapidamente do que a produção global. A crise do Leste Asiático
causará uma desaceleração este ano, embora haja expectativa de que o crescimento no comércio
ultrapasse o aumento na produção.

O temor de que à Rodada Uruguai pudesse seguir-se uma prolongada pausa em liberalização
mercantil provou-se inadequado. No último ano, vários fios soltos foram alinhavados,
especialmente os acordos "setoriais" para reduzir barreiras industriais no setor de telecomunicações,
serviços financeiros e tecnologia de informação. Esses acordos foram importantes por três razões.
Eles aumentaram imensamente as questões comerciais regidas pelas regras e acordos de disputa da
OMC. Podem levar a ganhos maiores em volume comercializado do que todo o tratado da Rodada
Uruguai. E concluíram a maior parte dos negócios deixados para trás durante esse encontro, abrindo
terreno para uma nova rodada de conversações globais para tratar de obstáculos que ainda inibem o
comércio.

Com tantas realizações, os ministros do Comércio merecem sentir-se presunçosos. Mas não
se sentem. O protecionismo, embora diminuído continua sendo a norma. Em produtos têxteis e na
agricultura, as tarifas continuam altas e os progressos na eliminação das cotas de importação andam
lentos. Pouco se avançou na diminuição das barreiras alfandegárias em áreas como transporte
marítimo de cargas e acesso a trabalhadores estrangeiros.

O problema é que muitos países ainda vêem a abertura de seus mercados a mais importações
como uma concessão a ser feita com relutância e não (segundo o prisma dos economistas) como
algo intrinsecamente bom para eles próprios. Mesmo os EUA e a União Européia, que lideraram o
movimento pela abertura dos mercados, ainda protegem partes de suas economias por receio de
prejudicar trabalhadores em indústrias mais frágeis.

A globalização aumentou a preocupação de muitos países ricos de que o livre comércio com
países muito mais pobres ameaça a prosperidade. Isso ficou claro no debate ocorrido no ano
passado, nos EUA, acerca da expansão do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta).
O Nafta existente, um pacto de 1994 entre Canadá, EUA e México, foi visto por muitos americanos
como uma perda para eles e um ganho para os mexicanos.

A idéia de que o comércio só é desejável quando ocorre entre países com salários similares é
difícil de extirpar. Em uma nova pesquisa da Universidade de Maryland, apenas 43% dos
americanos apoiavam um comércio mais livre com "países de salário baixo" que reduziram suas
tarifas, comparados com os 66% que eram favoráveis a um comércio mais livre de modo geral.

Essa disposição prejudicou a adesão política ao livre comércio. Ainda recentemente,


políticos americanos definiriam uma agenda de liberalização de comércio, apesar da desconfiança
da opinião pública. Com receio de fomentar um sentimento antiglobalizante, o presidente Bill
Clinton fez um esforço tímido para obter do Congresso um poder de "fast-track" a fim de negociar
tratados comerciais. Quando a tentativa falhou, sindicatos, ambientalistas e muitos congressistas
aplaudiram. A mesma aliança ajudou a frustrar as conversações sobre um acordo global de
investimentos.

Contra este pano de fundo, a OMC se defronta com vários desafios assustadores. O primeiro
é a diminuição das tarifas dos bens comercializados. A média das penalidades vem caindo com

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regularidade, desde a formação do GATT, mas até as economias mais abertas conservam barreiras
elevadas. Os EUA taxam as importações de vestimentas em 14,6%, ou seja, cinco vezes acima da
média que arrecadam com outros produtos.

Na agricultura há muita resistência contra o corte de tarifas. Segundo Tim Josling, um


especialista em comércio na Universidade de Stanford, as tarifas e demais barreiras em bens
agrícolas giram em torno de escorchantes 40% no mundo todo e criam distorções que "destroem
grandes quantidades de valor". Uma nova rodada de conversações sobre a agricultura global está
planejada para o início de 1999. No mínimo, pode-se pensar, isto poderá impedir reformas
importantes na América Latina e encorajar a diluição da política comum de agricultura da UE. Mas
isto parece difícil: a disputa sobre a agricultura quase afundou a Rodada Uruguai.

O próximo desafio será o de prestar assistência no comércio internacional no setor de


serviços, que cresce mais rapidamente que o comércio de bens. Uma nova rodada de conversações
sobre serviços deve iniciar-se no ano 2000. O objetivo será o de fortalecer os acordos fechados no
ano passado sobre as telecomunicações, serviços financeiros e tecnologia da informação (TI), bem
como concluir um acordo dos serviços de contabilidade que está em negociação. Os países ricos
querem regras firmes de contratos de fornecimento a governos, em substituição ao vago código
EUA, também anseiam tratar de outros assuntos que escaparam de acordos em conversação global
deverá enfrentar um emaranhado de acordos bilaterais de décadas passadas.

A OMC também necessita decidir o quanto deseja envolver-se em assuntos mais intrincados
como regras antitruste, restrições a investimentos estrangeiros, direitos do trabalhador, proteção do
meio ambiente. Tais assuntos abarcam conceitos complexos e são particularmente controversos
porque se intrometem no que muitos governos consideram política interna. A OMC precisa
encontrar o ponto de equilíbrio entre atacar políticas internas que distorcem o comércio e evitar
infringir as soberanias ancionais. Antitruste e comércio se sobrepõem de várias maneiras quando,
digamos, as regulamentações de um país impedem que empresas estrangeiras construam fábricas ou
distribuam seus produtos através dos mesmos canais que as empresas locais, ou quando um governo
finge que não vê os cartéis internacionais no setor de petróleo ou de alumínio.

Deveria a OMC ser encarregada de delinear as regras que tratam desta sobreposição ? Ela
está bem posicionada para esta tarefa, uma vez que tratou de problemas complexos relacionados
com a competição nos acordos comerciais de telecomunicações. Pelo menos, espera-se que force os
cerca de 60 membro da OMC que não possuem uma lei sobre a competição, a preparar uma.
Infelizmente, os membros mais importantes não conseguem nem concordar se a OMC deveria
traçar as regras para a competição global. A Europa é a favor, mas os EUA são contra.

Os integrantes também discordam sobre se cabe à OMC tratar das ligações entre comércio e
investimento. A OMC cuidou pouco do assunto e possui regras insuficientes sobre investimentos.
Os seus membros mais ricos decidiram criar um acordo de investimento por conta própria na
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) em Paris. Mas este
Acordo Multilateral em Investimentos (Multilateral Agreement on Investments, MAI) ruiu vitimado
por certas desavenças como a de decidir se as indústrias "estratégicas", como as de radiodifusão,
deveriam ser incluídas (os EUA eram favoráveis, e a França ferrenhamente contrária), e também
devido às críticas dos países em desenvolvimento que foram excluídos e de grupos ambientais, que

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se queixaram que o acordo favorecia as multinacionais. Vale a pena salvar o MAI, mas dentro da
OMC.

As questões mais complicadas e sensíveis, entretanto, são as que tratam dos padrões
trabalhistas e o meio ambiente. Estas, ao contrário das regras sobre investimento e política de
competição, são de grande interesse para as pessoas preocupadas com golfinhos, florestas tropicais,
e trabalhadores maltratados. A OMC não pode se dar ao luxo de ignorá-las. Mas criar regras
internacionais viáveis que não se tornem instrumentos de restrição comercial será difícil. Um
primeiro passo para tratar dos direitos dos trabalhadores, oferecendo apoio a um conjunto de
"padrões essenciais", incluindo decisões sobre trabalho infantil, foi dando na primeira reunião de
cúpula, em 1996. Os padrões, impostos pelos países mais ricos, não eram obrigatórios, em parte
porque algumas nações em desenvolvimento suspeitavam que o motivo real era o de reduzir sua
vantagem de custo salarial - e de dar aos países ricos uma desculpa para discriminar as exportações
dos países pobres - em vez de proteger os trabalhadores. Eles não deixam de ter razão: se os países
mais pobres fossem forçados a equiparar suas leis trabalhistas aos padrões dos países ricos, de um
dia para o outro, suas exportações cairiam e suas economias seriam seriamente afetadas. A OMC
parece disposta a deixar a Organização Internacional do Trabalho (OIT) se encarregar do debate até
que haja um consenso mais amplo sobre que tipo de regra, se houver alguma, será apropriada.

A relação entre comércio e meio ambiente é a mais problemática. A dificuldade enfrentada


pelos legisladores é esta: os benefícios do comércio dependem do pressuposto de que os preços
relativos em diferentes países refletem as diferenças nos fatores de produção, produtividade e assim
por diante. Entretanto, se uma empresa polui livremente enquanto uma outra arca com o custo de
limpar a poluição que produz, então os custos relativos deixam de espelhar tais diferenças, e o
comércio que parece desejável talvez não o seja. Até agora, a OMC esquivou-se dessa questão. A
própria organização admite que seu grupo de trabalho sobre o comércio e o meio ambiente avançou
pouco nesse campo. Um aspecto sintomático da confusão foi a sua reação desnorteada diante da
proibição européia de carne bovina tratada com hormônios e que foi contestada pelos EUA. A OMC
votou em favor dos EUA, mas deixou que Bruxelas mantivesse a interdição enquanto os cientistas
procuravam novamente provas em favor da interdição. Um outro exemplo foi a recente decisão da
OMC contra uma lei americana que impedia a importação de camarões de países que não usam
redes especais para proteger as tartarugas ameaçadas de extinção. O veredicto baseou-se em uma
interpretação limitada das leis de comércio com pouca consideração por preocupações ecológicas
legítimas.

Essas novas questões provavelmente ficarão ainda mais espinhosas quanto a OMC admitir
novos membros. De longe, o candidato mais ansioso é a China. Sem ela - que é a segunda maior
economia e décima maior exportadora do mundo - a OMC não pode arrogar-se um status
verdadeiramente global. Inicialmente, a organização esperava admitir os chineses na reunião de
cúpula desta semana, mas agora parece improvável que isto ocorra antes do final de 1999.
Funcionários do governo chinês, na esperança de uma entrada rápida, ressaltam as concessões de
sua parte: o fechamento, desde 1996, de 54 fábricas que produziam artigos pirateados e uma
promessa de erradicar os subsídios à exportação e as quotas de importação durante vários anos, por
enquanto. Os países ricos retrucam que a China precisa reduzir seus impostos alfandegários, liberar
o comércio em serviços e reformar suas medidas não-tarifárias, antes de almejar um lugar na OMC.

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Além desses desafios, surgem duas ameaças em potencial. A primeira é a proliferação dos
acordos comerciais regionais nos últimos anos: em 1990, havia pouco mais de 25; hoje, já são mais
de 90, incluindo a União Européia, o Nafta na América do Norte, a Asean na Ásia e o Mercosul na
América Latina. No mês passado, 34 países dos Américas do Norte e do Sul lançaram uma
iniciativa para liberar o comércio entre eles até o ano 2005. Para não ficar para trás, a União
Européia quer formar uma parceria econômica bilateral com os EUA - se a França não barrar esta
idéia.

Há uma divergência feroz a respeito de se esses blocos comerciais regionais são bons ou
ruins. A maioria é muito recente para ser analisada com segurança, mas até hoje todos tiveram por
tendência o aumento do fluxo comercial, e não sua diminuição, sugerindo que, à primeira vista, são
economicamente benéficos, além de nenhum deles ter adotado regras explicitamente contrárias às
da OMC.

Há, no entanto, perigos evidentes. Um deles é que os acordos regionais podem desviar o
comércio, levando um país a importar de um membro de seu bloco comercial, em detrimento de
uma fornecedor mais barato de fora de sua região. Outro é que os grupos regionais podem erguer
barreiras entre si, criando blocos protecionistas. (Recentemente, o Mercosul aumentou a sua tarifa
externa comum, para evitar a esperada enxurrada de produtos provenientes da Ásia, devido a crise
que se abate sobre a região). Além disso, as
regras comerciais regionais podem complicar a criação de novas regras globais.

A outra ameaça ao comércio é a ausência de lideranças políticas. Leon Brittan, comissário da


União Européia para o Comércio, canta o hino do livre comércio, mas o seu grupo adota a política
do "faça o que digo e não o que faço". As barreiras da UE aos possíveis futuros membros do Leste
Europeu podem estar caindo, mas permanecem excessivamente altas. Alguns países da UE, como a
França e a Itália, ainda pregam o protecionismo na agricultura e na indústria automobilística.

Apesar de bem menos protecionistas do que a Europa, os Estados Unidos também estão
perdendo seu rumo. Até pouco tempo atrás compromissado com o multilateralismo, sob o governo
de Bill Clinton o país se concentrou em iniciativas regionais, como o Nafta e a Alca. Isto, somado
ao fracasso na obtenção do "fast-track", aumentou a preocupação quanto à possibilidade de o
governo em breve se curvar sob a pressão protecionista dos políticos de grande influência, dos
ativistas ambientais e dos sindicatos. Espera-se que o déficit comercial dos EUA cresça, à medida
que os exportadores asiáticos se aproveitam das recentes desvalorizações das moedas. Se cresce o
déficit, também o faz a pressão protecionista. Caso os Estados Unidos detenham a liberalização
comercial ou criem barreiras de importações, outros países seguirão seu exemplo.

Como impedir isso? Sem dúvida, o melhor caminho seria lançar outra rodada de
negociações globais. Esta traria equilíbrio ao tumulto quanto às alianças regionais discriminatórias,
reduzindo o risco de este regionalismo tornar-se uma fonte de conflitos. Com uma agenda ampla,
essas conversações permitiriam que os governos acertassem transações inter-setoriais durante a
negociação de temas delicados, como o comércio agrícola: a rodada Uruguai não teria chegado tão
longe sem as conexões entre as diversas reformas nos setores agrícola, têxtil e de serviços, através
de vários países.

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Brittan já defendeu uma iniciativa desses tipo. Antes de sua concretização, no entanto, os
governos deverão estabelecer as suas idéias próprias, sobre os atuais temas comerciais: os direitos
trabalhistas, a questão ambiental e a política de concorrência. As conversações que não
mencionarem esses assuntos provavelmente deverão encarar forte oposição política de
concorrência. As conversações que não mencionarem esses assuntos provavelmente deverão encarar
forte oposição política dos dois lados do Atlântico. Atingir um consenso sobre essas novas questões
entre mais de cem países não será uma tarefa fácil. Mas a rodada Uruguai também não foi. Ela
durou oito anos e foi anulada diversas vezes antes de chegar a uma conclusão bem-sucedida. Um
outro grande impulso no comércio faria muito bem à economia mundial e, além disso, "Rodada do
Milênio" é um nome tão bom que seria uma pena desperdiçá-lo.

PAISES DESENVOLVIDOS COMANDAM DISPUTAS NA OMC

Na rotina da OMC (Organização Mundial do Comércio), dirigida pelo italiano Renato


Ruggiero, a maioria das disputas se dá entre países desenvolvidos, os mesmos que respondem pela
maior fatia do comércio internacional.

As economias em desenvolvimento, como o Brasil e o restante da América Latina, são atores


coadjuvantes. Dos 82 pedidos de consultas formais e "panels" (conselho autônomo de arbitragem)
resolvidos desde 1995, quando a OMC começou a funcionar, 55 partiram de países ricos. Apenas 27
desses processos foram iniciados por queixas de economias menores.

Dentre as reclamações que atualmente estão sob discussão ou julgamento, 51 foram


apresentadas por países desenvolvidos. Apenas 23 partiram dos países em desenvolvimento.

O Brasil atualmente é alvo de consultas formais com a Comunidade Européia -aliada a


outros parceiros comerciais - por conta de duas medidas tomadas pelo governo no ano passado. A
primeira foi a decisão de restringir o crédito de importação. A segunda foi a
publicação da lista consolidada de produtos que necessitam de anuência prévia para serem
importados.

Os EUA têm sido protagonista recorrente no organismo de solução de controvérsias da


OMC. Até agora, cinco de suas reclamações foram parar nessa instância. Ganharam todas. Mas os
EUA perderam os três casos nos quais foram alvo das queixas. Uma delas foi apresentada pelo
Brasil, aliado à Venezuela, contra as barreiras norte-americanas à importação de sua gasolina.
(DCM).

FRAGILIDADE DO BRASIL NA OMC

Em agosto de 1998, há apenas seis semanas do início da estruturação da grande negociação


comercial multilateral, a "Rodada do Milênio", pelos 132 países membros da Organização Mundial
de Comércio (OMC) em matéria da Gazeta Mercantil de 10/08, o então embaixador brasileiro em
Genebra, Celso Lafer apontava a fragilidade brasileira naquele órgão. Na mesma matéria, o

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secretário geral da UNCTAD (agência da ONU para o comércio e desenvolvimento), Rubens
Ricúpero, que foi negociador-chefe do Brasil durante quatro anos, reforçava esta posição.

Segundo Lafer, “o País tem deficiências técnicas para defender seus interesses em qualquer
nova negociação que inclua comércio eletrônico, investimentos, compras governamentais, política
de concorrência, tarifas industriais, propriedade intelectual, serviços, ou seja, em quase toda a futura
agenda das negociações que europeus e americanos querem lançar na conferência ministerial da
OMC, no próximo ano, nos Estados Unidos”. Acrescenta Lafer. "Nossa capacitação é incompleta e
preocupante a partir da minha avaliação do que está ocorrendo no plano comercial multilateral",

Apesar de utilizar uma linguagem balizada pela prudência diplomática, Lafer reconhecia
fragilidades técnicas inclusive para uma participação sólida no que mais interessa ao País na
próxima rodada - a negociação agrícola para ampliar o acesso dos produtos brasileiros no mercado
internacional.

Avaliava Lafer que a representação do Brasil em Genebra é razoável, comparada à de outros


países, que não têm sequer pessoal para acompanhar toda a maratona de reuniões na OMC. Mas não
é suficiente. Da representação diplomática brasileira na cidade suíça, entre sete e dez diplomatas se
ocupam dos assuntos discutidos na OMC e outros acompanham os trabalhos da Organização
Mundial de Saúde, Organização Internacional do Trabalho, Comissão do Desarmamento, etc. Esse
grupo de diplomatas, para se ocupar de assuntos na OMC, é, no entanto, pequeno se comparado aos
coreanos, que dizem ter 20 representantes. O embaixador Lafer admite que, em caso de negociação
de qualquer tema novo ou mesmo de mais um conflito comercial a ser.

A média de diplomatas europeus e americanos que se ocupam de assuntos da OMC passa de


20, mas eles têm o reforço de técnicos das capitais. O secretariado próprio da OMC, por sua vez, é
formado por 500 funcionários e mantido por um orçamento de US$ 93 milhões pagos pelos países
membros. Essa presença física na OMC é importante, mas precisa estar fortalecida com boa
preparação a partir do próprio país.

Na OMC, medidas não tarifárias, passando por barreiras sanitárias e fitossanitárias e direito
anti-dumping tornarão as negociações cada vez mais complexas e complicadas, exigindo, como
destaca Lafer, "argumentos tecnicamente apropriados" que o País demora em elaborar para lutar
inclusive contra propostas de sanções comerciais.

O Brasil precisaria fortalecer seu sistema de defesa comercial porque essas barreiras, desde
a última grande negociação, a "Rodada Uruguai", permanecem firmes contra produtos agrícolas e
alimentos processados, têxteis e confecções, sapatos, e artigos de couro, todos de interesse do País,
alerta, por sua vez, Rubens Ricupero, que foi negociador-chefe do Brasil durante quatro anos em
Genebra e hoje é secretário-geral da Unctad, agência da Onu para o comércio e o desenvolvimento.

"Os Estados Unidos têm 600 pessoas só para aplicar direitos anti-dumping, que é a arma
sofisticada dos ricos e a ameaça assustadora do futuro. E quando fazem isso, estão muito bem
armados. O Brasil, quando aplicou dumping pela primeira vez sobre o leite em pó da UE, foi logo
derrotado, porque perdeu prazos", nota Ricupero.

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É nesse contexto, e apoiando-se em experiência de três anos e dois meses em Genebra, que
Celso Lafer propõe agora uma grande mobilização nacional de entidades patronais e de ministérios,
para estruturar uma aparelhagem integrada no Brasil, que prepara uma retaguarda ágil e compatível
com oportunidades, desafios e riscos das negociações em Genebra. O representante brasileiro na
OMC julga primordial que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (Fiesp) comecem por superar a defesa fragmentada de setores. Do lado do
governo, o Ipea poderia fazer mais pesquisas para dar musculatura técnica às posições brasileiras na
OMC, e enfim a Câmara de Comércio Exterior costurar toda essa articulação, como já começou a
fazer.

Para a próxima negociação comercial, que começa a ser preparada dia 24 de setembro de
1998, as grandes potências querem tratar de comércio eletrônico, investimentos política de
concorrência. Os EUA anunciam a briga para liberalizar o comércio agrícola, mas também para
"tirar plena vantagem da biotecnologia". Em serviços, defendem abertura na entrega rápida,
serviços ambientais, energéticos, audiovisual e profissional. E pretendem reduzir tarifas de produtos
industriais, indo de produtos químicos a tecnologias do meio ambiente. Europeus e japoneses
propõem uma agenda parecida, com a exceção da agricultura.

De maneira geral, países emergentes reclamam estar sofrendo tanto de stress de volume
(natureza e multiplicidade das obrigações em investimentos, medidas de defesa comercial como
dumping, etc). como de stress de conteúdo, numa referência a temas novos como comércio
eletrônico. EUA e UE, porém, colocam todo seu peso na balança, insistindo que a liberalização
comercial não pode parar.

O fato é que a nova rodada, seja qual for a agenda terá conseqüências importantes, como
sublinhou a especialista canadense Sylvia Ostry, num seminário na OMC. A "Rodada Uruguai" foi a
etapa de transição para o novo programa. Todas as negociações futuras representarão um novo
avanço no interior das fronteiras, já que as grandes forças da globalização, do investimento direto
estrangeiro e da revolução tecnológica e da comunicação não vão se atenuar. E esse novo programa
constitui uma ingerência e uma erosão mais marcante da soberania nacional. Num certo sentido, a
"Rodada Uruguai" foi o primeiro passo de um longo e difícil caminho para um mercado mundial
único.

Nesse quadro, Celso Lafer insiste para a necessidade da preparação no País. "Por exemplo,
precisamos dispor de informações montadas, on line, sobre perfil industrial, a matriz insumo-
produto muito bem desenvolvida, para o Brasil ter a capacidade de agir nos debates extremamente
técnicos sobre as tarifas industriais, proposta pela UE", explica.

Em Genebra, a defesa dos interesses no sistema multilateral de comércio é um reflexo do


desenvolvimento dos países, e a preparação de suas posições é feita por órgãos variados: Canadá e
Coréia juntaram comércio exterior e relações internacionais. Os EUA têm o USTR, que abre
audiências públicas para receber as propostas do setor privado. E este vem com freqüência a
Genebra, influenciando decisivamente, como foi o caso da American Express no acordo de serviços
financeiros e da IBM no acordo de produtos tecnológicos.

Na Europa comunitária quem trata de comércio é a Comissão de Bruxelas, apoiada pela


poderosa máquina dos 15 países membros. Representantes destes países se reúnem em Genebra

15
diariamente para organizar as atividades cotidianas na OMC. Lá, somente o representante da
Comissão Européia fala por todos. Os países só tem voz direta na OMC no Comitê de Orçamento,
onde cada um contribui de maneira individual.

Quanto ao Japão, é conhecida a intimidade entre setor privado e governo através do MITI.
Os japoneses tem a fama de questionarem quase cada palavra, cada parágrafo. Ao mesmo tempo,
trazem sólidos argumentos, demonstrando uma preparação técnica, com ajuda de enviados de
Tóquio, que provoca o respeito.

A Asean - Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia, Myanmar, Brunei - é outro


exemplo. Juntou forças, e os países se revezam como porta-voz na OMC. E assim conseguem um
peso considerável em alguns temas. O Mercosul tenta se articular, mas essa tentativa reflete o que se
fez no eixo Brasília-Buenos Aires.

Em reuniões rotineiras na OMC, mesmo Austrália, que tem participação quase igual à do
Brasil no comércio mundial, de cerca de 1% do total, demonstra dispor de excelente retaguarda,
com estudos detalhados e a tempo, o que habilita seus representantes a influenciarem decisivamente
nas negociações em Genebra. Ao mesmo tempo, muitas vezes, o Brasil fica calado, com seus
representantes ressentindo o fato de receber dos ministérios e do setor privado informações
segmentadas, insuficientes e sem agilidade.

A falta de um eficiente mecanismo coordenador no Brasil é mais necessário, na medida em


que a OMC, ao contrário do antigo GATT, é um órgão permanente de negociações, tratando hoje de
uma variedade de temas, desde saúde até novas tecnologias. Uma coordenação eficaz no Brasil
parecer faltar quando se trata da negociação do País com as 31 nações que querem entrar na OMC.

Para dar seu apoio a essa acessão, o Brasil pode tentar obter acesso privilegiado para uma
lista de produtos. Fontes do governo reclamam que o setor privado demora a enviar as sugestões de
produtos a serem negociados, enquanto membros do setor privado retrucam que nunca foram
perguntados sobre a tal lista. O resultado é uma lista preparada diretamente por Brasília ou
influenciada por poucas empresas, o que não dá segurança nas negociações.

Outro exemplo do que é falta de agilidade, num mundo onde a aceleração é fundamental,
concerne o Information Technology Agreement (ITA), acordo setorial na OMC para eliminar, até o
ano 2000, o imposto de importação e outras taxas sobre computadores, software, aparelhos de
comunicação e semi-condutores. A exemplo da maioria dos países em desenvolvimento, o Brasil
alegou que não aderiu ao acordo porque a lista de produtos já tinha sido preparada pelos
industrializados. Alguns observadores na OMC, porém, notam que o País foi consultado antes, e
poderia ter influenciado na lista final de produtos, que facilitaria equipamentos mais baratos para as
empresas.

Em Cingapura, onde o acordo foi selado, o então ministro da Indústria e Comércio,


Francisco Dornelles, alegou que não houvera tempo para consultar as empresas.

Também a polêmica sobre o regime automotivo do Brasil é ilustrativo. Só depois de passado


o prazo para a aceitação desse tipo de regime, em março de 1995, é que Brasília se deu conta de que
perderia investimento para Argentina e Uruguai, que haviam montado regime automotivo no prazo,

16
antes da criação da OMC e da entrada em vigor do próprio Mercosul, em janeiro. Em junho, o país
criou seu regime automotivo, comprou briga na OMC, foi obrigado pelo Comitê de Balança de
Pagamentos a acabar com cota e depois ainda gastou energia diplomática para manter taxa de
importação menos vinculada ao desempenho exportador das montadoras.

Ricupero, dá um conselho ao setor privado brasileiro: que venha mais e mais ver o que se
passa na OMC. Ele conta que, durante quatro anos como embaixador em Genebra, só recebeu duas
visitas de missões empresariais brasileiras: uma do setor têxtil e outra de Luís Fernando Furlan, do
setor de frango. Ao mesmo tempo, a cada duas semanas, praticamente, tinha seu tempo tomado por
empresários japoneses, americanos e europeus, que vinham debater e influenciar nas negociações da
"Rodada Uruguai".

Mas, embora lentamente, empresários brasileiros começam a vir a Genebra discutir e se


informar. Foi o caso de dirigentes da Anfavea - Associação de Fabricantes de Veículos. Uma defesa
bem articulada de seus interesses pode começar por esse tipo de leitura.

O que está em jogo na OMC

Agricultura - Começa em setembro a preparação da nova negociação marcada para o ano 2000, com
resistência da União Européia, Japão e Coréia, principalmente. O Brasil vem aumentando
exportação de produtos agrícolas (32% do total das exportações ano passado, representando US$
16,7 bilhões) e vai priorizar esse tema.

Medidas Sanitárias e Fitossanitárias - O acordo será revisto e a UE e outros países industrializados


tentarão obter maior flexibilidade na imposição das medidas. O Brasil sofre barreiras sanitárias e
fitossanitárias para exportar principalmente produtos agrícolas. Com esse acordo o Brasil quer
assegurar que medidas desse tipo não sejam barreiras comerciais.

Meio-ambiente - Estados Unidos e UE propõe uma reunião ministerial sobre o tema. Brasil, Índia,
Paquistão. México e Egito acham que trata-se de tentativa desses países de transferirem essa
questão do plano nacional para o internacional. O debate será para evitar que a eco-rotulagem se
transforme em mais uma barreira não-tarifária.

Regras de origem - As negociações para harmonizar a "nacionalidade" de um produto prosseguem


até novembro de 1999. O Brasil tenta garantir que suas medidas de defesa comercial não serão
evitadas através de falsa declaração de origem. As posições divergentes nas negociações são para
assegurar, ou não, que as etapas da produção sejam feitas num mesmo país.

Direito de propriedade intelectual - Os países em desenvolvimento têm prazo-limite até 1/1/2000


para adaptar sua legislação aos padrões mínimos do acordo. O Brasil resolveu seus problemas com
os EUA, atualizando suas leis como a da Propriedade Intelectual, da Proteção de Programas de
Computador.

Biotecnologia - Em 1999 será feita negociação para definir o sistema jurídico para a proteção da
propriedade intelectual relacionado a material de origem animal e vegetal. Pelo regime atual,
plantas e animais e processos essencialmente biológicos para sua produção podem ser excluídos de
patenteabilidade pelos países-membros.

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Facilitação de comércio - A reunião de setembro abordará medidas para simplificar o movimento
transfronteiriço de mercadorias (simplificação de formulários, verificação por amostragem,
infromatização etc). Não estão claras as propostas dos países sobre como derrubar os chamados
“obstáculos ïnvisíveis" ao comércio, que provocam custos.

Compras governamentais - São estimadas em mais de US$ 3,1 trilhões por ano. Das novas
negociações, a partir de 1999, participam apenas 26 países desenvolvidos. O Brasil não assinou. Os
EUA querem incluir o tema na nova rodada comercial, alegando que ele dá mais transparência na
compra de mercadorias e de serviços pelos governos.

Serviços - Nova série de negociações começa no ano 2000 para aumentar progressivamente o nível
de liberalização. Reuniões preparatórias já começaram, com reduzida participação de países em
desenvolvimento, preocupados com o que consideram excessiva expectativa dos países
industrializados para aumentar a liberalização.

Transportes marítimos - É um item especial das negociações sobre serviços, a partir do ano 2000. A
lei 9.432, sobre transporte aquaviário, gerou problemas com os EUA, UE e Noruega, por causa de
alegada quebra de compromisso fiscal, já que as taxas aumentaram com o Registro Especial
Brasileiro (REB). Essa é uma discussão que vai desembocar na OMC.

Serviços Profissionais - A primeira fase de negociações sobre o setor contábil acaba este ano. Foram
aprovadas diretrizes para conclusão de acordos bilaterias de reconhecimento da profissão, e está em
fase final o projeto de disciplinas multilaterais sobre a regulamentação doméstica do setor. Quanto
ao movimento temporário de pessoas, as negociações estão paralisadas.

Comércio eletrônico - Os países começam a definir em setembro o formato da negociação. Os EUA


querem um acordo permanente, que elimine a cobrança de imposto de importação sobre as
transmissões eletrônicas. Mas os governos poderão impor outras taxas internas, tipo IVA, ICMS etc.
Essas taxas não podem diferenciar o produto nacional do importado.

Investimento - A OMC deve tratar do tema, mas um acordo a médio prazo é muito difícil, inclusive
por causa da discussão sobre as exceções. Discussões de grupos de trabalho na OMC sublinham a
incapacidade de separar decisões de investimento das empresas e de comércio; estimativas mostram
que as trocas entre empresas representam 1/3 do comércio.

Política de concorrência - As discussões na OMC esbarram em polêmica sobre antidumping. De um


lado, países ou territórios como Japão, Coréia e Hong Cong, que denunciam o abuso de aplicação
de medidas antidumping pela UE e EUA. Já os EUA se opõem a qualquer revisão das regras atuais.
O Brasil não tomou posição na controvérsia até
agora.

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DISPUTA DE PODER NA OMC

Em maio de 1999, Guy de Jonquières e Frances Williams, do Financial Times, em artigo


reproduzido na Gazeta Mercantil, traçavam um interessante painel sobrea disputa de poder na
OMC.

Dizia o texto que Renato Ruggiero, que acabava de se afastar do cargo de presidente da
Organização Mundial de Comércio (OMC), gostava de dizer que seu papel de removedor de
barreiras econômicas promoveu não apenas prosperidade, mas também a paz internacional. A áspera
disputa sobre quem lhe sucederá sugere, no entanto, que os 134 membros da OMC estão a postos
para provar que ele estava errado.

Apesar de meses de disputas, os membros da organização continuam incapazes de escolher


entre dois candidatos: o ex-primeiro-ministro da Nova Zelândia Mike Moore ou o vice-primeiro-
ministro da Tailândia Supachai Panitchpakdi. O impasse paralisou a organização, apenas seis meses
antes de uma crucial reunião ministerial que deverá lançar uma importante rodada no comércio
mundial.

A disputa dividiu os membros da OMC em dois campos crescentemente hostis. Na sede da


organização em Genebra, as gentilezas diplomáticas foram substituídas por recriminações amargas,
campanhas de difamação política e acusações de golpe baixo...

Alguns observadores afirmam que a disputa criou mais inimizades do que as mais
extenuantes negociações comerciais. Não se trata de um conflito sobre os méritos individuais de
cada um dos candidatos. Os adversários de cada um admitem que ambos estão aptos para o cargo.
Moore, um combativo ex-líder sindical que ajudou a levar avante as reformas econômicas na Nova
Zelândia na década de 80, e Supachai, acadêmico e posteriormente político, têm boas credenciais no
que se refere ao livre comércio e experiência internacional em estratégias políticas.

Qual seria então a razão da crise ? Em parte, ela é um sintoma de urna mudança no
equilíbrio político em nível global. Até agora, toda a liderança da OMC e do GATT, acordo que a
precedem, foi européia. Muitos governantes afirmam que é hora de nomear alguém dos países em
desenvolvimento, que compõem a maioria dos países membros da OMC e são participantes cada
vez mais ativos no comércio mundial.

As opiniões sobre a questão não se dividem, contudo, simplesmente ao longo das linhas
norte-sul. Embora países asiáticos mais pobres dêem total apoio a Supachai, ele tem também o
apoio de países ricos; como o Japão, a Austrália e vários países membros da União Européia. Moore
tem apoio de uma grande parte da África e da América Latina, assim como dos Estados Unidos e de
alguns países europeus.

Entretanto, os defensores de Supachai capitalizaram em cima de uma sensação arraigada na


OMC de que as maiores potências comerciais há muito fazem as coisas como querem. Embora
todos os membros teoricamente tenham direitos iguais de voto, os Estados Unidos e a União

19
Européia (UE) têm quase sempre criado um mal-estar jogando todo o seu peso sobre o que desejam
aprovar.

A luta pela liderança trouxe à baila um antigo ressentimento com o seu predomínio. Grande
parte dele é dirigida contra os Estados Unidos. Isto se deve em parte ao fato de que os membros da
UE não conseguiram se unir em favor de um único candidato, e isso os manteve à margem. Mais
importante é a crença amplamente difundida de que os Estados Unidos não estão jogando limpo.

Oficialmente, Washington afirma preferir Moore, mas que não bloquearia a passagem de
Supachai se ele surgisse como um forte favorito. Outros países suspeitam de que os Estados Unidos
têm objeções mais importantes ao candidato tailandês do que admitem e acusam o país de conspirar
para sabotar sua campanha.

Eles alegam que os EUA pressionaram detrás dos bastidores para adiar a decisão sobre a
nova liderança da OMC, no mês passado, quando Supachai estava ligeiramente à frente. Desde
então, Moore evoluiu alcançando a dianteira, graças ao intenso lobby dos Estados Unidos e - mais
surpreendentemente ainda - da França.

A alegada conduta de Washington enfureceu o governo da Tailândia e desencadeou uma


onda de sentimento antiamericano no país. Mas até que ponto as acusações de manipulação por
parte dos Estados Unidos são justificadas, ou o que inspirou o súbito entusiasmo da França por
Moore, é difícil determinar.

A insistência da OMC em tomar decisões por consenso inibe a transparência. Seus


defensores dizem que essa norma compromete os membros de maneira mais firme com os acordos
do que se as decisões fossem tomadas por voto. No entanto, chegar a um consenso é um processo
difícil, em que manobrar atrás de portas fechadas se torna um campo fértil para boatos e deliberada
desinformação.

Mas a luta pela liderança também se transformou num frenesi porque a disputa está sendo
travada entre limites tão estreitos. Quase todos os debates estão sendo conduzidos entre os
representantes oficiais dos países membros da OMC em Genebra. Eles formam uma comunidade
pequena e até certo ponto incestuosa, regida por rituais arcaicos e propensa a rivalidades pessoais.

Os ministros de Comércio a quem se reportam são geralmente membros do governo com


relativamente menos experiência. Esse fato, e a complexidade técnica de seus portfólios, tende a
manter a política comercial em baixa na agenda política da maior parte das capitais. Poucos líderes
governamentais mostraram muito interesse na disputa pela liderança da OMC.

Entretanto, a organização está tendo um impacto cada vez maior direto - e controverso -
sobre os negócios dos países membros. Sua autoridade para fazer cumprir as normas comerciais tem
colocado a OMC em grande evidência. Mas tem também inflamado os ânimos de políticos e
populares; como sua decisão contra a União Européia no regime de importação de bananas e de
proibição de carne bovina demonstrou.

Além disso, o alcance da OMC se estende muito além das barreiras tarifárias. Seus
regulamentos já cobrem áreas tão diversas como telecomunicações, serviços financeiros e

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propriedade intelectual, agora também entrando em política ambiental. Uma nova rodada poderá
acrescentar questões como política concorrencial, transporte aéreo e investimentos diretos.

Essa expansão significa que as decisões da OMC interferem numa faixa ainda mais ampla de
políticas nacionais, muitas das quais eram anteriormente consideradas questões puramente
domésticas. Não está claro quantos governos já entenderam que o que está em jogo na disputa pela
liderança da OMC não é o direito de comparecer a reuniões intermináveis sobre tarifas, mas dirigir
uma organização regulamentadora global ainda
em gestação.

 POSIÇÃO BRASILEIRA PARA RODADA DO MILÊNIO

CONCENTRAÇÃO PARA RODADA DO MILÊNIO

Em artigo para Gazeta Mercantil de 01/07/99 entitulado “Concentração para Rodada do


Milênio”, o Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia,
descreveu sobre a estratégia brasileira naquele fórun.

Afirma o ministro que foi estabelecido, por iniciativa do Itamaraty, um Grupo


Interministerial, criado por decreto do presidente da República, para preparar as posições brasileiras
e definir nossos objetivos nessas negociações comerciais. (Decreto s/nº de 10/06/99 – Cria no
âmbito do Ministério das Relações Exteriores o Grupo Interministerial de Trabalho sobre Comércio
Internacional de Mercadorias e de Serviços, e dá outras providências. O teor deste decreto, consta
do último texto deste trabalho).

Diz o ministro que na cerimônia de instalação desse grupo, chamou a atenção dos presentes -
representantes de órgãos do governo, iniciativa privada e sindicatos de trabalhadores - para a
necessidade de ser feita uma reflexão sobre os rumos da política comercial brasileira e sobre as
oportunidades e riscos que estarão à nossa frente a partir do final deste ano, quando serão lançadas
as negociações, na cidade de Seattle, nos EUA.

Segundo o ministro, esse novo ciclo de negociações terá certamente grande impacto para as
empresas brasileiras, para os cidadãos, para as diversas categorias profissionais e, naturalmente,
também para o governo. E essencial, portanto, que haja uma participação profunda e interativa da
sociedade nas decisões governamentais. Estarão sendo debatidas, a partir do final do ano, questões
relativas a tarifas de importação, à liberalização de serviços, à propriedade intelectual, a regras
sobre anti-"dumping", subsídios governamentais, normas sanitárias e fitossanitárias, etc. Como
pode ser visto, é toda uma imensa gama de situações e regras que por vezes transcendem a mera
relação de comércio de mercadorias.

Muitas dessas questões foram acordadas anteriormente, na Rodada Uruguai, que terminou
em 1994, e continuam sobre a mesa negociadora porque não foi possível esgotá-las para a satisfação

21
de todos os envolvidos. Houve um compromisso, naquele momento, de retomar as conversações
após cinco anos, como estamos agora prestes a fazer. Uma das áreas que se acordou renegociar foi a
agricultura.

Segundo Lampreia, para o Brasil, a agricultura é a principal bandeira nas negociações


comerciais. Assinala que nossos objetivos começam, portanto, por aquilo que de certo modo nos é
devido, desde o final da última rodada: o complemento e o aprofundamento dos compromissos dos
países desenvolvidos com a liberalização do comércio e a redução dos subsídios à agricultura. O
peso dos produtos agrícolas na pauta de nossas exportações, o impulso que a agricultura tem dado
ao crescimento econômico do Brasil, e as possibilidades de expansão de nossas vendas externas
desses produtos justificam plenamente essa prioridade. Nesta fase de treinos e concentração, temos
que definir claramente, com a participação ativa dos segmentos interessados da sociedade nossos
objetivos concretos na negociação sobre agricultura.

Contaremos, para perseguir nossos objetivos em agricultura com aliados mais sólidos do que
no passado. O Grupo de Cairns, formado por países exportadores de produtos agrícolas, segue pelo
menos tão forte quanto na última rodada e provavelmente mais coeso. A novidade desta feita são os
EUA, que têm declarado firme compromisso com a abertura de maior espaço para os produtos
agrícolas no comércio internacional, inclusive mediante a eliminação de subsídios à exportação.

Para o ministro esse é um fato importante e auspicioso, sobretudo se levarmos em


consideração a tendência protecionista de certos segmentos da sociedade norte-americana. As
recentes declarações do presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, e do secretário do Tesouro,
Robert Rubin, sobre as ameaças protecionistas, demonstram que as autoridades daquele país levam
muito a sério essa tendência e a necessidade de combatê-la. Na Europa, apesar das grandes
resistências dos produtores agrícolas, também já surgem mudanças. Um avanço na liberalização da
agricultura européia, no sentido da redução dos orçamentos de subsídios e de algumas tarifas mais
altas, é hoje mais provável do que há dez anos.

Assinala que as variáveis externas, como as que mencionou, são cruciais para o trabalho do
Grupo Interministerial. Mas a base, o ponto de início da preparação de nossas propostas e defesas,
são as questões internas. a identificação dos interesses do Brasil. Nosso time de funcionários terá
que investigar - começando pelo exemplo da agricultura - até que ponto estamos preparados para
fazer novas concessões em matéria de acesso ao mercado brasileiro e do Mercosul para produtos
agrícolas de outros países. Sabemos que as tarifas brasileiras de importação de produtos agrícolas
são em geral mais altas do que as taifas de produtos industriais.

Precisaremos saber, se possível antes do início das negociações, até que ponto estaremos
preparados para colocar na mesa de negociação, por exemplo, o acesso ao nosso mercado para
produtos agrícolas estrangeiros.

É preciso saber qual o modelo que queremos para a próxima década e se continuam
válidos, nos dias de hoje, os pressupostos que informavam as posições defendidas pelo Brasil na
Rodada Uruguai. Há uma certeza: na nova Rodada o Brasil não pode adotar apenas uma postura
defensiva. Não poderemos nos apresentar na mesa de negociações somente com posições negativas
quanto a maiores concessões tarifárias, regulamentação mais profunda de investimentos ou

22
subsídios, novas regras sobre comércio e meio ambiente, ou toda a nova agenda que vem sendo
proposta por países desenvolvidos.

Segundo o chanceler o Brasil deve ter sua própria agenda. E para isso e necessário
conversar, refletir, avaliar. Precisamos de uma posição negociadora construída sobre a base de um
diálogo com as forças produtivas da sociedade brasileira, com os sindicatos, a academia, os
consumidores. Só assim poderemos saber o que queremos e o que estamos dispostos a oferecer em
troca.

A definição de nossas posições deve ser feita de maneira realista, sem arroubos de um clima
de vitória ou derrota antes do início do jogo. Há limites à atuação externa do Brasil, país que
responde por somente 1% do total do comércio internacional. Mas nada impede que sejamos
audaciosos. Temos que ir além da defesa dos nossos interesses imediatos. Tome-se como exemplo a
pauta de exportações brasileiras: entre março de 1998 e março de 1999, 50% de nossas vendas
totais estiveram concentradas em produtos de cinco setores: agropecuários, produtos vegetais
beneficiados, minérios, siderúrgicos e o setor de automotivos.

Bastaria, em uma visão de efeitos imediatos, defender esses cinco setores na nova rodada.
Isso significaria aceitar a idéia de que a economia brasileira estará cristalizada com o atual perfil
produtor, o que certamente não responde ao objetivo de exportarmos produtos de maior valor
agregado, competindo em mercados mais ricos e sofisticados. Para tanto, é necessário ir além da
defesa de nossos interesses mais prementes e pensar em outros temas, como as regras de concessão
de subsídios e de investimentos, por exemplo.

Na verdade, o maior desafio para o Brasil, em termos de comércio internacional de


manufaturados, parece residir menos em eliminar as tarifas industriais dos nossos parceiros
comerciais desenvolvidos—pois tais barreiras em geral já são baixas—e mais em sermos capazes de
promover a produtividade mediante o desenvolvimento tecnológico e uma política industrial ativa.
Daí a importância de o Brasil ter posições bem definidas nas questões de investimentos, subsídios,
medidas de meio ambiente e desenvolvimento tecnológico.

Não é pacífico e evidente, a esta altura da nossa trajetória e do processo de globalização, que
a mera liberalização a todo custo posse resolver de modo eficiente a equação de melhorar nossa
competitividade internacional, com mais educação e maior produtividade. Sendo um país com
conhecidas deficiências de poupança interna e com limites em nossa capacidade tecnológica, não
podemos deixar de almejar certa liberdade de ação governamental para incentivar nossa produção
de bens de maior valor agregado.

A OMC é o local onde se definem as regras do jogo da globalização, e nós brasileiros


devemos saber o que realmente nos interessa. Para tanto, precisamos ter capacidade de refletir
seriamente, de investigar; de consultar e de definir politicamente quais os limites da nossa ambição.
quais os nossos objetivos principais e qual o preço que estamos dispostos a pagar para atingi-los. A
instalação do Grupo Interministerial de Trabalho sobre Comércio Internacional de Mercadorias e
Serviços é o primeiro passo para realizar essa tarefa. Este grupo só será eficaz se for além do círculo
dos funcionários do governo federal, engajando na reflexão e no debate todos os elementos
interessados da sociedade brasileira.

23
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Em artigo no Jornal do Brasil de fevereiro de 1999, o Ministro de Estado das Relações


Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, reafirmou a Política externa do governo brasileiro
para 1999.

Afirma o ministro que a política externa do segundo período de governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso, especialmente em 1999, estará condicionada por fatores de continuidade e de
descontinuidade. Entre os elementos de continuidade, o mais relevante - além da própria
permanência do presidente, com todo o peso de sua presença internacional - é o capital derivado da
teia de parcerias com numerosos países, forjada e ampliada ao longo do primeiro mandato, seja no
âmbito das Américas, sobretudo no Mercosul e na relação com os EUA, seja no plano mundial. Há
toda uma obra diplomática bem sucedida - que inclui também progressos alcançados pelo Brasil no
encaminhamento de questões como direitos humanos, meio ambiente, não-proliferação, além do
desempenho no Conselho de Segurança da ONU, na OMC, nas negociações da Alca e no processo
de paz entre o Equador e o Peru – e sobre essa obra devemos seguir construindo.

Dos elementos de descontinuidade, o mais claro é o quadro resultante do impacto da


instabilidade financeira global e, em especial, da desvalorização do real. Para a diplomacia
brasileira, as principais conseqüências desse quadro são, por um lado, a necessidade de restabelecer
o quanto antes um ambiente de confiança internacional no país e, por outro, o de s afio de tratar dos
efeitos da desvalorização de nossa moeda no intercambio comercial do Brasil.

A maior competitividade externa dos preços das exportações brasileiras, aliada à provável
queda da propensão a importar, irão gerar reações da parte de nossos parceiros particularmente na
etapa inicial de ajuste que estamos vivendo. Acostumados a relacionar-se com um país cujas
importações vinham crescendo muito mais depressa do que as exportações, é compreensível que
esses parceiros, em grau maior ou menor, pressionados por seus agentes econômicos, manifestem
preocupação diante da perspectiva de que se reverta a situação anterior.

Lidar com tais reações de modo sereno e construtivo é parte da essência mesma da atividade
diplomática, e já o estamos fazendo no ambiente do Mercosul, com a participação direta e
empenhada do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso. Também nos cabe, por outro lado,
enfrentar com firmeza e eficácia qualquer tentativa de invocar as vantagens decorrentes da mudança
da política cambial como argumento pare a adoção de medidas protecionistas contra nossas
exportações. A competitividade reforçada dos produtos brasileiros poderá despertar novos impulsos
de proteção - sobretudo, infelizmente, em países desenvolvidos aos quais iremos resistir seja na
esfera bilateral, seja no plano regional, seja ainda no foro da OMC.

Existe no Brasil amplo consenso quanto ao imperativo de aumentarmos rapidamente


as nossas exportações, ainda mais quando nos defrontamos com um ambiente de contração da
liqüidez nos mercados financeiros mundiais. O Itamarati está engajado no esforço que o país
empreende nesse sentido. Além da luta para garantir o acesso de nossos produtos aos seus principais
mercados, vamos preparar cuidadosamente, em articulação com diversos setores da sociedade, a
participação em um novo ciclo de negociações comerciais multilaterais na OMC (a chamada

24
"Rodada do Milênio"), com especial prioridade pare as negociações agrícolas. Vamos também
buscar contrabalançar os efeitos das restrições orçamentárias impostas ao aparelho de Estado, com a
mobilização adicional de meios e vontades em apoio ao programa de promoção das exportações.

A política externa, no entanto, não se limita ao comércio. Continuaremos a trabalhar


ativamente em várias frentes diplomáticas importantes, tais como a construção de uma América do
Sul mais integrada política e economicamente; consolidação do diálogo fluido e desimpedido que
vimos mantendo com os Estados Unidos; o indispensável aprofundamento das relações com a
Europa - a cúpula América Latina e Caribe-União Européia, que o Brasil sediará em junho, no Rio
de Janeiro, é um acontecimento histórico de grande potencial - e com parceiros fundamentais como
México, Japão e China; e a atuação intensa nos foros intemacionais, em particular nas Nações
Unidas.

O forte impacto das turbulências originadas no exterior veio comprovar, para aqueles que
ainda tinham dúvidas, o peso crucial de nossas relações internacionais na vida de cada brasileiro e
do conjunto da nação. Para que nossa política externa posse seguir construindo uma presença mais
favorável nas múltiplas dimensões da vida mundial, suas diretrizes e posições devem ser e serão,
cada vez mais, o resultado de decisões tomadas coletivamente por toda a sociedade.

As dificuldades que a economia brasileira irá enfrentar este ano serão, sem dúvida, um
condicionante da política externa. Ao mesmo tempo, a superação dessas dificuldades será o objetivo
central de nossa ação diplomática. Não nos contentaremos de modo algum em fazer o "possível"
diante da crise. Ao contrário, vamos dedicar o melhor de nossas capacidades a que ela seja vencida
o quanto antes.

CIMEIRA – PRELIMINAR DA RODADA DO MILÊNIO

Em artigo publicado na Gazeta Mercantil de 29/06/99 , Adriano M.Rodrigues Figueiredo &


Adriana Vieira Ferreira, doutorandos em Economia Rural da UFV, classificavam a Cimeira
América Latina e Caribe/União Européia como uma preliminar a Rodada do Milënio.

As negociações relacionadas ao comércio despertam grandes interesses econômicos, tanto


dos países em desenvolvimento como das chamadas economias de primeiro mundo. Deve-se
salientar que os objetivos das economias desenvolvidas não necessariamente convergem para os dos
demais países, e a discussão é imprescindível para que aspectos puramente protecionistas não nos
tornem (países em desenvolvimento) meros apêndices do mundo globalizado.

Já ao fim da Rodada Uruguai, a questão do protecionismo na agricultura era premente e,


para a Rodada do Milênio, espera-se que inicie um processo de ainda maior liberalização do
comércio, em especial dos produtos agrícolas, cuja produção tem sido fortemente subsidiada,
principalmente nas economias européia e norte-americana, como se pode observar nos recentes
artigos de Hoekman e Anderson (Developing Country Agriculture and the New Trade Agenda,
1999) e Anne Krueger (The Developing Countries and the Next Round of Multilateral Trade
Negotiations. 1999). Neste contexto a Cúpula do Rio aparece como uma oportunidade única de
iniciar o processo de negociação multilateral, que pode até mesmo subsidiar as negociações da
futura Rodada da Organização Mundial de Comércio (OMC).

25
A análise setorial, onde se destaca a agricultura, seria prejudicial ao Mercosul no sentido de
que este perderia parte de seu poder de barganha. O enfoque multissetorial permitirá obter melhores
resultados, considerando-se que a União Européia (UE) tem interesse na eliminação do
protecionismo a certos setores domésticos dos países em desenvolvimento e o Mercosul possui
interesse em obter acesso ao mercado europeu, principalmente para os produtos agrícolas; em
condições mais favoráveis.

Deve-se observar com muita cautela as questões emergentes sobre as barreiras não-tarifárias,
em que predominam as ordens anti- "dumping" e os impostos compensatórios, os padrões sanitários
e fitossanitários e, ainda, os padrões de trabalho e ambientais.

As ordens anti-"dumping" e os impostos compensatórios têm sido, em muitos casos,


utilizados como forma de burlar os acordos estabelecidos na Rodada Uruguai, servindo a motivos
protecionistas e refletindo às pressões exercidas internamente, principalmente nos Estados Unidos e
na União Européia. Assim sendo, os líderes latino-americanos devem discutir alternativas para
evitar que os resultados de uma área de livre comércio entre países latino-americanos e da UE
tornem-se inócuos ante tais práticas. Neste sentido, a comprovação e a detecção destas últimas
devem ser criteriosas, evitando que cálculos viesados sejam apresentados nos processos de queixas
sobre ocorrência de "dumping".

Quanto aos padrões ambientais e de trabalho, deve-se ponderar claramente sobre o caráter
econômico e sobre as preferências sociais de cada país, uma vez que são visíveis as diferenças entre
os países-membros do Mercosul e os da União Européia. Padrões internacionais não-desejados
pelos latino-americanos poderão ser reflexos da influência imperialista dos países desenvolvidos,
não traduzindo a necessidade imediata dos consumidores latino-americanos. Os padrões sanitários e
fitossanitários devem ser observados em termos de evidências científicas, sem manipulações
protecionistas. Para tanto, uma ação abrangente dos países latinos poderia produzir pesquisas
conjuntas atendendo à crescente demanda por maior qualidade e confiabilidade dos produtos. Esse
estágio de negociação multilateral, portanto, conduz a uma ampla discussão entre os blocos
econômicos, e a área de livre comércio aparece como importante alternativa econômica, desde que
tomadas as devidas precauções, observando sempre que os líderes devem representar efetivamente
o interesse das sociedades envolvidas.

 CRÍTICAS E AÇÕES CONTRA A RODADA DO MILÊNIO

ATÉ ONDE DESMANTELAR A SOBERANIA DOS ESTADOS?


NA OMC, TRÊS ANOS PARA FINALIZAR A GLOBALIZAÇÃO

Em artigo publicado no “Le Monde Diplomatique” de julho de 1999, Susan George,


Presidente do Observatório da Mundialização, em Paris; diretora associada do Transacional
Institute, em Amsterdan, traça considerações sobre a quebra de soberania dos estados em função da
Rodada do Milênio.

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Sob o efeito da globalização e da afirmação de um “direito de ingerência”, a soberania dos
Estados sofre uma erosão da qual a intervenção da OTAN no Kosovo é uma ilustração espetacular.
Esta evolução, engatilhada com o nascimento do direito humanitário e do direito da guerra, a partir
das conferências de paz de 1899 e 1907, e sobretudo das convenções de Genebra de 1949, estende-
se a um número crescente de domínios, e notadamente à economia. Porém, agora que nenhum
campo de competência estatal parece estar protegido o esfacelamento do princípio de soberania não
tem o mesmo significado em todos eles. Se é evidente a emergência de uma ordem econômica
superior – fundada sobre a primazia dos mercados e garantida por instituições internacionais tão
irresponsáveis como cúmplices, em primeiro lugar a OMC –, o social e o ambiente não encontram
nela seu lugar. A construção de uma justiça internacional esquece os “crimes” econômicos e
financeiros, enquanto a Carta das Nações Unidas é usada segundo uma geometria variável.

Apesar de sua vitória contra o Acordo Multilateral sobre Investimentos (o AMI) – graças à
retirada da França, em outubro de 1998, das negociações conduzidas na Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), seus adversários estão perplexos. Por que
seus governos estiveram muito próximos de assinar este tratado leonino e a renunciar dessa forma a
parte considerável de sua soberania, sem obter em troca a mínima vantagem? Que outra explicação
encontrar senão aquela assinalada no Manifesto Comunista por Marx e Engels, segundo os quais “o
poder estatal moderno não passa de um comitê executivo encarregado de gerir os negócios comuns
da burguesia”?

Se esta “burguesia” encarna-se hoje nas grandes empresas industriais e financeiras


transacionais, ela é ouvida perfeitamente, e sempre, pelos dirigentes políticos através de lobbies
múltiplos e poderosos. Entre estes, um posto especial cabe à Câmara de Comércio Internacional
(CCI), que se autoproclama “a única organização que fala com autoridade em nome das empresas
de todos os setores, no mundo inteiro” e apresenta suas exigências diretamente aos chefes de
Estado.

Por tudo o que diz respeito aos tratados na Organização Mundial de Comércio (OMC), o
comissário europeu demissionário – mas por pouco – Leon Brittan fala em nome de todos os
governos dos quinze países da União Européia. Eles consentiram com esta transferência de
soberania para a União Européia, pensando sem dúvida que as vantagens da cooperação superariam
os inconvenientes da limitação de sua margem de manobra. Cooperar é uma coisa, transformar em
porta-bandeira um ultraliberal, delfim de Madame Margareth Thatcher, é outra. Porque, com a
OMC, se realiza um verdadeiro concurso de despojamento do poder nacional, um festival de
desapossamento, afastando qualquer perspectiva de uma Europa social e política.

Que quer o sr. Brittan? Exatamente a mesma coisa que a CCI: um mundo inteiramente
regido pelo livre comércio. As ambições de uma e de outro para a próxima conferência ministerial
da OMC em Seattle, em novembro próximo, são equivalentes, tanto no fundo quanto na forma. No
momento, todos os Estados europeus alinham-se a estes objetivos, ao ponto de constituir o perfeito
comitê executivo descrito pelos autores do Manifesto.

Em primeiro lugar, a dupla Brittan-CCI quer liberalizar ainda mais o comércio agrícola, o
que terá como conseqüência colocar em perigo o mundo rural em muitos países, e tirar dos mais
pobres qualquer soberania sobre sua segurança alimentar.

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O reforço do acordo sobre a propriedade intelectual, conhecido pela sigla TRIPS (Trade-
related aspects of intellectual property rights, ou Aspectos comerciais dos direitos de propriedade
intelectual), no qual o patenteamento dos seres vivos é um dos destaques, figura igualmente no
programa.

Menos conhecido que estes dois grandes temas, o Acordo Geral sobre o Comércio dos
Serviços, conhecido como GATS (General Agreement on Trade in Services), também faz parte da
ordem do dia. Trata-se de “obter adesões reforçadas e mais numerosas de todos os membros da
OMC com relação aos mercados e o tratamento nacional”. A cláusula do tratamento nacional proíbe
estabelecer qualquer diferenciação entre os exportadores estrangeiros e os produtores nacionais. As
adesões desejadas dizem respeito em especial aos ítens da “presença comercial” e do “movimento
das pessoas físicas” que permitem fornecer o referido serviço. Onde está o problema?, pode-se
perguntar. Não há belas perspectivas para as empresas mais eficientes, que poderão conquistar
novos mercados em países que estavam até agora insuficientemente abertos? Bem, mas os governos
se preocupam com a ameaça que isso significa a sua capacidade de governar?

Os serviços que caíssem sob a autoridade de regras da OMC não representam apenas
transações comerciais que movimentam trilhões de dólares a cada ano. Eles englobam quase todas
as atividades humanas, especialmente a distribuição, o comércio de atacado e varejo; a construção e
as obras públicas; a arquitetura, a decoração, o lazer; a construção civil e a engenharia; os serviços
financeiros, bancários e de seguros; a pesquisa e desenvolvimento; os serviços imobiliários e a
locação; os serviços de comunicação, os correios, as telecomunicações, o audiovisual, as
tecnologias da informação; o turismo e as viagens, os hotéis e restaurantes; os serviços de meio-
ambiente, entre eles o saneamento urbano; o recolhimento do lixo, o saneamento, a proteção da
paisagem e o planejamento urbano; os serviços recreativos, culturais e esportivos, entre eles os
espetáculos, as bibliotecas, os arquivos e os museus; a edição, a impressão e a publicidade; os
transportes por todas as vias imagináveis, inclusive espaciais. Sem esquecer a educação (os ensinos
primário, secundário, superior e a formação permanente) e a saúde animal e humana – ou seja, mais
de 160 sub-setores e atividades.

Para seguir estes temas, que constituem desafios múltiplos, os governos europeus
mobilizaram no máximo algumas dezenas de funcionários. Eles deixam assim enorme margem de
manobra aos avanços ultraliberais de uma Comissão que são incapazes de controlar. Já os Estados
Unidos colocaram várias centenas de funcionários e preparam suas armas em favor de uma
liberalização dos serviços em todos os sentidos.

A representante especial do presidente para o comércio (US Trade Representative), Charlotte


Barshefsky – a mesma que conduziu as batalhas vitoriosas de Washington sobre a banana, os
organismos geneticamente modificados, carnes bovinas com hormônios e outras – trabalha, muito
naturalmente, de mãos dadas com os meios empresariais norte-americanos. Ela lhes pediu uma lista
de suas reivindicações para Seattle, convite ao qual a Coalizão das Indústrias de Serviços respondeu
através de um documento detalhado de 31 páginas.

Se as dezenas de setores enumerados acima não estão ainda na mira das empresas
americanas, a Saúde na Europa é assunto de interesses particulares. As despesas aí explodem,
segundo a Coalizão, “em razão de aumento da população idosa, faixa demográfica que consome os
serviços de saúde com mais intensidade”. O documento precisa: “Julgamos possível fazer grandes

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progressos durante as negociações [na OMC] para permitir a expansão das empresas americanas em
todos os mercados de tratamentos da saúde.”

Infelizmente, até o momento, “a saúde foi largamente mantida, em diversos países


estrangeiros, sob responsabilidade do setor estatal”, o que evidentemente “tornou difícil a
penetração desses mercados pelo setor privado norte-americano”. Não há de ser por isso: entre as
“barreiras” a derrubar, a Coalizão identifica, as “restrições às autorizações concedidas aos
fornecedores estrangeiros” e as “regulamentações excessivas em matéria de confidencialidade”.

A sra. Barshefsky vai fazer seus os “objetivos de negociação” da Coalizão: “encorajar a


ampliação das privatizações, promover a reforma das regulamentações num sentido que favoreça a
concorrência, obter acesso aos mercados e um tratamento nacional que permita o fornecimento
além-fronteiras de todos os serviços de saúde” e fazer admitir “o direito de propriedade [privada]
estrangeira nos estabelecimentos de serviços de saúde”. Para que tudo esteja perfeitamente
consolidado, a saúde deve ser explicitamente incluída “nas determinações da OMC relativas aos
mercados públicos”, de maneira a assegurar, sempre segundo o documento Services 2000, que as
empresas americanas possam responder a qualquer pedido de ofertas lançado por um órgão público.
É preciso destacar que a assinatura, na OMC, de um acordo sobre os serviços de saúde incluindo
tais disposições significaria dizer adeus aos sistemas de seguridade social na Europa.

Os apetites da CCI e do Sr. Brittan vão bem além desta ordem do dia gargantuesca, mas já
aprovada. A lista de novos temas que eles estão certos de colocar sobre o pano verde compreende a
supressão das tarifas aduaneiras que subsistem sobre os produtos manufaturados industriais; a
“facilitação do comércio”, que permitiria “modernizar, simplificar e harmonizar os procedimentos
comerciais e aduaneiros obsoletos e burocráticos”. Trocando em miúdos, exigir menos inspeções e
controles. Acrescenta-se um acordo sobre os mercados públicos, que representam hoje mais de 15%
do Produto Interno Bruto: eles devem também ser abertos aos fornecedores do mundo inteiro
segundo o sacrossanto princípio do tratamento nacional. Pede-se igualmente um “quadro legal de
regras coercitivas em matéria de concorrência”.

Que os amigos do AMI estejam seguros: não se esqueceu um acordo sobre os investimentos.
Depois do fiasco na OCDE, Mr. Brittan diz em todo canto que sempre preferiu a OMC como fórum
de negociação de um tratado que deve “fornecer um quadro multilateral de regras para administrar o
investimento internacional de maneira a assegurar um clima estável e previsível para os
investimentos em todo o mundo”. Seria conveniente enfim que a OMC seja competente em matéria
de meio-ambiente, já que há disparidades, ou contradições entre suas regras e o conteúdo dos
acordos multilaterais que tratam especialmente das mudanças climáticas, da proteção à camada de
ozônio, da preservação da biodiversidade, do transporte dos dejetos tóxicos, da proteção às espécies
em perigo, etc. Pergunta simples aos governos: por que assinar acordos sobre meio-ambiente se é
para questioná-los na OMC?

O súbito interesse dos ultraliberais pela natureza tem algo de comovente quando se sabe que
os grupos especiais (panels) da OMC solucionaram até agora os desentendimentos que
comportavam um aspecto ambiental ou de saúde pública, sem cuidados especiais para os últimos,
como no caso da carne bovina com hormônios. A cereja sobre o bolo ambiental é o acordo em
preparação sobre os produtos florestais. Ele eliminaria todas as barreiras ao comércio dos produtos
derivados da madeira e todos os obstáculos à exploração das florestas. Sra. Barshefesky, antiga

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lobista da indústria canadense de madeiras, faz-se aconselhar agora pelas grandes transnacionais
norte-americanas da madeira e do papel.

Este conjunto – a ordem do dia já definida por Seattle, acrescida de todos os novos temas –
foi batizado por Mr. Brittan de “Rodada do Milênio”. Como se o negócio estivesse fechado, e os
governos da União Européia não tivessem presumidamente nada contra. Trata-se de concluir um
pacote único (single undertaking), inteiramente amarrado, “obrigando todas as partes envolvidas a
aceitá-lo por completo, sem possibilidade de triar e de escolher”.

O comissário demissionário pretende que uma negociação envolvendo simultaneamente


tantos assuntos traga apenas vantagens, já que ela permite um troca-troca: “Questões que são
difíceis para alguns, mas importantes para outros, não poderão ser bloqueadas isoladamente, e
devem ser avaliadas como elementos do cálculo global das vantagens que cada membro pode tirar
da conclusão da Rodada”, diz ele num documento intitulado “A contribuição da Rodada do Milênio
para a Globalização”.

Se este vasto programa dificilmente pode ser gerido pelos governos dos países
desenvolvidos, seu controle está totalmente fora de questão nos países do Sul. Muitos deles não têm
sequer representação permanente na OMC, ou têm em conjunto com outras nações. Mesmo nos
grandes Estados do Sul, não há pessoal qualificado suficiente para acompanhar negociações
complexas e simultâneas sobre um grande número de assuntos. A declaração do primeiro ministro
francês, Lionel Jospin, segundo a qual a OMC é um fórum “mais democrático que a OCDE”, sob o
pretexto de que os países do Sul fazem parte dela, não leva em conta estas realidades. As decisões
do “Quad”(Estados Unidos, Canadá, Japão e União Européia) vão se impor como de costume,
Washington, em conivência com a Comissão Européia, dando as cartas graças a seu pessoal não
apenas numeroso mas igualmente muito, muito profissional.

“Não se preocupem, nós estamos de olho”, responderam sem dúvida os ministros e


funcionários preocupados com prerrogativas nacionais. Verdade? Seria preciso estabelecer um
“índice de comatividade”, de 1 a 10, para os governos europeus que não poderão, é claro, defender
tudo. Funcionários nacionais e representantes populares responsáveis por controlá-los, que mandato
dariam vocês ao sr. Leon Brittan? Entre dois males, qual ele deverá escolher em seu nome em
Seattle? Sacrificar a segurança social ou a sobrevivência do mundo rural? Aceitar a carne bovina
com hormônios ou a destruição das florestas? Proteger a indústria audiovisual ou os acordos de
Lomé, aliás praticamente esvaziados de significado pela decisão da OMC sobre a banana? Nesse
mundo globalizado, é preciso saber o que queremos de fato.

E é preciso decidir rápido, já que tudo deve ser fechado nos três próximos anos. Por que
tanta precipitação? É muito simples: é preciso que “as regras multilaterais estejam adequadas às
realidades e necessidades em constante evolução das empresas”, como lembra o documento
“Prioridades Mundiais dos Negócios”, da Câmara de Comércio Internacional. Necessidades, nem é
preciso dizer, que se sobrepõem às dos cidadãos. Avante, portanto, em direção a janeiro de 2003!
Este processo de troca-trocas, de “cálculo global das vantagens recíprocas”, não suscitou até agora
nenhum debate nas sociedades, nem mesmo nos parlamentos. Ele seria necessário, porque a
sociedade não manifestou nenhuma intenção de ser governada pelo comitê
executivo das transnacionais. Segundo a Declaração dos Membros da Sociedade Civil
Internacional, em oposição à Rodada do Milênio, já assinada por mais de 600 organizações, de 75

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países, ela se opõe massivamente a qualquer extensão dos poderes da OMC e reivindica que se faça
imediatamente, com sua plena participação, um balanço em profundidade desta organização.

Os cidadãos europeus devem preparar-se para lutas de longo prazo, se querem que seu
continente caracterize-se um dia pela coesão social et o respeito ao ambiente. E não é confiando
seus interesses a Leon Brittan – que não passa aqui de uma figura de proa – que estes prevalecerão.
O que diz respeito à OMC e à Rodada do Milênio pode esperar. O que não pode ser adiado, ao
contrário, é o exame do impacto atual e previsível das decisões desta organização de intenções
glutonas. Sem tal balanço, nem os cidadãos, nem os Parlamentos que eles elegem, nem os governos
terão mais grande coisa a dizer ou a fazer.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

DIFERENCIAÇÃO ENTRE ACORDOS MULTILATERAIS GERADOS NO ÂMBITO DO


GATT/OMC E O AMI

A partir da leitura dos textos seria interessante diferenciar os acordos multilaterais gerados
no âmbito do GATT/OMC e o Acordo Multilateral de Investimentos, abortado em outubro de 1998,
nas negociações conduzidas pela OCDE.

É clara a oposição intransigente ao Acordo Multilateral de Investimentos, nos termos do


artigo de Suzan George, em seu artigo do Le Monde Diplomatique, de julho de 1999. Entretanto é
preciso determinar qual o posicionamento sobre acordos multilatrais em análise na rodada do
milênio que fogem aquelas características. É fundamental uma discussão mais aprofundada de
nosso posicionamento acerca do processo de globalização, comércio exterior e a instituição OMC.

Acredito que não existe posicionamento contrário ao comércio internacional que é tão antigo
quanto a própria humanidade. Da mesma forma, não opõe-se a existência de uma entidade que
organize e arbitre este comércio, desde que atuando sob o princípio do equlíbrio e bem estar estar de
seus membros.

O que não se pode é aceitar uma instituição que, a pretexto diminuição de barreiras
comerciais e a garantia de acesso mais equitativo aos mercados, concorra para a promoção de um
distanciamento econômico cada vez maior entre nações desenvolvidas, em desenvolvimento e sub-
desenvolvidas. Assim como o FMI e Banco Mundial, não concebe-se um organismo de promoção
de comércio internacional, cujas regras violam a autonomia dos estados em prejuízo dos cidadãos.

Não podemos ser simplórios e sair com uma palavra de ordem “Abaixo o AMI”. Até por
que a partir do seu aborto na OCDE, este virá travestido de uma série de pequenos acordos
multilaterais e precisamos ter clareza para identificá-los e combatê-los. Conhecer o mínimo possível
esta complexidade que é a OMC e seus sistemas de decisão, é um primeiro desafio que precisamos
responder.

31
De certo que, há quatro meses do início das negociações em Seattle, dificilmente
acumularemos uma quantidade de informações suficientes para um domínio completo da matéria.
Isto é, a discussão técnica do que estará sendo negociado na “rodada do milênio”, ficará
prejudicada. Neste sentido, nossas intervenções devem se dar no campo político, assinalando as
grandes ameaças que representa este encontro, mobilizando a opinião pública, políticos, cientistas e
entidades da sociedade civil as grandes ameaças para o país que estará em jogo em Seattle.

A seguir, segue algumas dessas preocupações surgidas a partir da leitura dos textos, que
devem ser debatidas e aprofundadas.

O PODER DOS PAÍSES NA OMC

Nos vários artigos e entrevistas, fica clara a maior capacitação dos países desenvolvidos -
principalmente os EUA - em atuar dentro dos complexos tratados e regras geradas no âmbito da
OMC. No artigo “Diplomacia brasileira: uma arte para poucos”, da jornalista Eliane Oliveira,
publicado no jornal “O Globo” de 27/06/99, segundo levantamentos do Itamaraty, sobre as verbas
do Brasil e do Departamento de Estado americano constatou que, enquanto os recursos anuais
brasileiros somavam cerca de US$ 450 milhões, os EUA contavam com US$ 23 bilhões – sem levar
em consideração os departamentos de Comércio e de Agricultura americanos. Na matéria
“Fragilidade do Brasil na OMC”, de agosto de 1998, reproduzida neste trabalho, o embaixador
Celso Lafer, não mais do que 10 diplomatas brasileiras cuidam de questões relacionadas na OMC.
Na mesma matéria, o embaixador Rubens Ricúpero afirma que “os Estados Unidos têm 600 pessoas
só para aplicar direitos anti-dumping. Muitos países, principalmente os mais pobres, sequer tem
pessoal para acompanhar a maratona de reuniões.

Os números por si só mostram a desproporcionalidade entre a estrutura dos EUA e a


brasileira em serviço na OMC. Não é atoa que na mesma matéria é citado que os países emergentes
reclamam estar sofrendo tanto de stress de volume (natureza e multiplicidade das obrigações em
investimentos, medidas de defesa comercial como dumping, etc). como de stress de conteúdo, numa
referência a temas novos como comércio eletrônico.

Tais diferenças, por si só, demonstram o quanto é desigual a defesa dos interesses das nações
no âmbito da entidade que regula e arbitra o comércio internacional.

A disputa pelo comando na OMC se estende muito além das barreiras tarifárias. As suas
decisões interferem numa faixa ainda mais ampla de políticas nacionais, muitas das quais eram
anteriormente consideradas questões puramente domésticas. Não está claro quantos governos já
entenderam que o que está em jogo na disputa pela liderança da OMC não é o direito de comparecer
a reuniões intermináveis sobre tarifas, mas dirigir uma organização regulamentadora global ainda
em gestação.

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ESTRATÉGIA DO BRASIL NA RODADA DO MILÊNIO

Segundo o Ministério das Relações Exteriores, a prioridade do Brasil na rodada da milênio


será a agricultura, O Brasil vem aumentando a exportação de produtos agrícolas (32% do total das
exportações em 1998, representando US$ 16,7 bilhões). Espera-se também maior flexibilidade na
imposição de barreiras sanitárias e fitossanitárias para exportação de seus produtos.

Dados da Bolda de Mercadorias & Futuros, o Brasil possui 19 % das áreas agricultáveis do
mundo, o que corresponde a 550 milhões de hectares e planta apenas 10 % deste total. A safra de
1998 alcançou 83 milhões de toneladas. Numa perspectiva de incremento das exportações
brasileiros para gerar superávit na balança comercial, em princípio parece acertada a direção de
busca de novos mercados, ainda que estes itens apresentem baixo valor agregado se comparados a
bens manufaturados que incorporam tecnologia, que pesam na pauta de nossas importações.

Tais tentativas já tiveram início na na Rodada Uruguai (1986/93) e continuam sobre a mesa
negociadora porque não foi possível esgotá-las para a satisfação de todos os envolvidos. Houve um
compromisso, naquele momento, de retomar as conversações após cinco anos.

Para Lampreia, a agricultura é a principal bandeira nas negociações comerciais. Assinala que
nossos objetivos começam, portanto, por aquilo que de certo modo nos é devido, desde o final da
última rodada: o complemento e o aprofundamento dos compromissos dos países desenvolvidos
com a liberalização do comércio e a redução dos subsídios à agricultura. O peso dos produtos
agrícolas na pauta de nossas exportações, o impulso que a agricultura tem dado ao crescimento
econômico do Brasil, e as possibilidades de expansão de nossas vendas externas desses produtos
justificam plenamente essa prioridade.

Conta-se que desta feita são os EUA, que têm declarado firme compromisso com a abertura
de maior espaço para os produtos agrícolas no comércio internacional, inclusive mediante a
eliminação de subsídios à exportação. Entretanto tal interesse existe porque espera "tirar plena
vantagem da biotecnologia". Europeus e japoneses propõem uma agenda parecida, com a exceção
da agricultura.

Talvez este seja um dos pontos mais críticos na rodada do milênio. A questão agrícola, por
sua natureza tem forte relação com questões ambientais e de biotecnologia que envolve a polêmica
com produtos transgênicos e de patenteamento de sêres vivos, que poderão ser nos colocada em
contrapartida a celebração de acordos para ampliação de novos mercados agrícolas. Todo cuidado é
pouco.

Também aqui vale citar Suzan George, em seu artigo para o Le Monde Diplomatique
lembrando que “liberalizar ainda mais o comércio agrícola, terá como conseqüência colocar em
perigo o mundo rural em muitos países, e tirar dos mais pobres qualquer soberania sobre sua
segurança alimentar”.

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ATTAC NA RODADA DO MILÊNIO

Ainda temos quatro meses até o início da rodada do milênio. Neste período precisamos
colher mais informaçõea sobre aquele fórun e trabalhar para difusão das informações,
principalmente aquelas que demonstre as ameaças em potencial para o avanço da globalização e
todas as desigualdades que costuma produzir.

Seria interessante a realização até o final de agosto de encontros regionais de integrantes da


ATTAC de forma a aprofundar o debate sobre a rodada do milênio e, se possível, em meados de
setembro, um encontro nacional da Comissão de Enlace e outros ativistas que estiverem mais
envolvidos na discussão, para uma homogeneização das informações a consoidação das estratégias
de ação para os meses seguintes, dentro do calendário de mobilizações.

Devem ser feitas articulações com entidades da sociedade civil que defendem os cidadãoes e
dada ciência do calendário de mobilizações (12 a 17 de outubro) e 30 de novembro, conforme
definido no encontro de Paris da ATTAC.

É necessário acompanhar de perto o trabalho do Grupo Interministerial criado para definirá a


posição brasileira na rodada do milênio que abre espaço para canais de colaboração com entidades
da sociedade civil que tenham interesse na questão, conforme decreto abaixo transcrito: .

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DECRETO DE 10 DE JUNHO DE 1999

Cria no âmbito do Ministério das Relações Exteriores,


o Grupo Interministerial de Trabalho sobre Comércio
Internacional de Mercadorias e de Serviços, e dá outras
providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o


art. 84, inciso VI, da Constituição, e tendo em vista o disposto no Decreto nº 1.386, de 6 de
fevereiro de 1995.

DECRETA :

Art. 1º - Fica criado, no âmbito do Ministério das Relações Exteriores, o


Grupo Interministerial de Trabalho sobre Comércio Internacional de Mercadorias e Serviços, que
funcionará como núcleo de formulação e coordenação da posição brasileira a respeito dos trabalhos
e das negociações conduzidos na esfera da Organização Mundial do Comércio – OMC, em matérias
relativas ao comércio internacional de mercadorias e de serviços e a temas afins.

Art 2º - O Grupo Interministerial será presidido pelo Subsecretário-Geral para


Assuntos de Integração, Econômicos e de Comércio Exterior do Ministério das Realções Exteriores
e integrado por um representante de cada Ministério e órgão a seguir indicados:

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I – da Fazenda;
II – do Desenvolvimento, Indústria e Comércio;
III – da Agricultura e do Abastecimento;
IV – da Ciência e Tecnologia;
V – do Comércio e Gestão;
VI – do Meio Ambiente;
VII – Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior do Conselho de
Governo.
Parágrafo único: Os membros de que tratam os incisos I a VII, inclusive seus
suplentes, serão indicados pelos titulares dos órgãos representados e
designados pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores.

Art. 3º - O Grupo Interministerial poderá solicitar a cooperação de outros


órgãos do setor público.

Art. 4º - O Grupo Interministerial poderá estabelecer formas e canais de


colaboração com entidades da sociedade civil, que tenham interesse direto nas questões de que trata
a OMC.

Art. 5º - As despesas de secretaria do Grupo Interministerial serão custeadas


pelo Ministério das Relações Exteriores, cabendo ao seu Departamento Econômico o exercício
daquele encargo.

Art. 6º - O Ministro de Estado das Relações Exteriores, mediante proposta do


Presidente do colegiado, poderá declarar extinto o Grupo Interministerial criado por este Decreto.

Art. 7º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 8º - Revogam-se os Decretos nºs 92.466 e 93.467, de 17 de março de


1986; 99.211 e 99.212 , de 17b de abril de 1990.

Brasília, 10 de junho de 1999; 178º da Independência e 111º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Luiz Felipe Lampreia
Celso Lafer

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Rio de Janeiro, 26 de Julho de 1999.

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