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Santo Agostinho filósofo, defensor da fé e místico.

Abordaremos o clássico tema da conversão de santo Agostinho, que atravessa


séculos e continua afinal. Queremos voltar o nosso olhar para Santo Agostinho enquanto
filósofo, defensor da fé e místico1.
Ao adentrarmos sua história devemos ter em consideração o contexto atual em que a
máxima vigente é que não se deve buscar uma verdade, e que nem se pode alcançá-la. O
Papa Emérito Bento XVI afirmava veemente que vivemos em uma “ditadura do relativismo”
em que nada é reconhecido como definitivo e tudo “deixa como última medida apenas o
próprio eu e as suas vontades” (Bento XVI)”2 — , todavia, em oposição a isso, existe no
homem um desejo natural pela verdade. Conhecer a realidade como de fato é de modo
universal e unitário é o desejo mais profundo do coração do homem, mesmo que não
tenhamos consciência desse desejo. No entanto, algumas ideologias, como o cientificismo e
relativismo, deturpam e modificam esse desejo e faz com que desejemos conhecer apenas
parte da realidade, muitas vezes uma realidade somente material ou utilitária.
A vida de Santo Agostinho é um grito ao homem moderno para que desperte do sono
ideológico que vive e retome a busca pela verdade. Antes do ápice de sua conversão,
empenhou grande parte de sua vida em busca da verdade. Lembremos de sua conversão
filosófica ao ler Hortensius, um texto antigo de Cícero que exorta o leitor à sabedoria, que
despertou-lhe um apetite presente nos antigos dos filósofos: o desejo e amor pela sabedoria,
que é o ponto de partida de uma vida filosófica. Santo Agostinho buscou a verdade pela
faculdade da inteligência própria de todo homem, aceitou que seu coração se inclinava a uma
realidade que era maior que ele e por mais que tenha caído em um alguns erros, acreditando
que a poderia encontrar-se com Deus somente pela razão, ele tinha uma vantagem que
muitos hoje não tem, que é a busca de uma verdade.
Ele almejava e deseja a verdade como um bom filósofo, mas por mais que ele a
buscasse não a encontrava. Seu coração ardia de desejo por ela, como o amado em busca
da amada, todavia ela ainda parecia estar distante. Chegou em um certo momento que
percebeu que não poderia alcançá-la somente pela razão era necessário algo mais. Para
encontrá-la era necessário que primeiro Santo Agostinho tivesse um encontro com a fé. É de
suma importância nós termos em mente que o Santo nunca deixou de crer em Deus, “tendo
bebido o amor pelo nome do Senhor com o leite materno” (Confissões, III, 4, 8) . Ele cria em
um Deus pessoal3, porém o que ele abandonou no seu caminho foi a fé na Igreja católica e a
falta de orientação da Igreja dificultou esse encontro. Como poderia ele buscar apenas uma
parte do corpo, a cabeça, ignorando, negando ou desprezando o corpo. Aquela afirmação
dita por muitos: “Sim a Deus, e não a Igreja” é um engano. Deus deixou-nos a Igreja como o
sinal vivo e visível do seu Filho aqui na terra. A Igreja, além disso, é Mãe e Mestra, como uma
Mãe conhece aquilo que pode ferir o filho e como Mestra conduz, como um bom professor, o
aluno ao conhecimento.
Para que o santo se encontrasse com a Verdade,”Eu sou o caminho a verdade e a
vida” (Jo 14,6), foi necessário que voltasse ao ventre da Igreja para renascer como um novo
homem e ser capaz de olhar para o mundo4 e perceber que a verdade que tanto procurava

1
Para um aprofundamento maior sobre assunto recomenda-se a obra: L’attualità di Agostino de
Remo Piccolomini e Natalino Monopoli.
2
Cardeal Joseph Ratzinger, Homilia “pro eligendo romano pontifice”, 18 de abril de 2005.
3
Papa João Paulo II, Carta apostólica Augustinum Hipponensem.
4
O seu “eu” e a realidade.
estava dentro de si, no seu espírito, “sabe-se que essa conversão teve um caminho muito
particular, porque não foi uma conquista da fé católica, mas uma reconquista. Ele a perdeu ,
perdendo-a, ele não abandonou a Cristo, mas apenas a Igreja.”5. Sem a intermediação da
Igreja ele não poderia encontrar-se com o Cristo. “Ele entendeu que a fé, com certeza, requer
uma autoridade divina, que essa autoridade não é maior do que a de Cristo, Supremo Mestre
- de que Agostinho nunca duvidou - e que a autoridade de Cristo se encontra nas Sagradas
Escrituras, e é garantidas pela autoridade da Igreja Católica.”6 (João Paulo II). Quantos hoje
não se encontram nesse limiar de encontro com o Cristo. O coração grita para encontrar-se
com Ele, porém há algo que impede. Um dos motivos que impedia Agostinho de encontrar-
se com tal verdade é uma das razões que talvez não permitam que muitos hoje não tenham
esse encontro. Reafirma-se o que foi dito acima, a Igreja não é a vilã da história, mas Mãe e
mestra e não se pode ter um encontro com verdadeiro com Cristo aquele que não se submete
primeiro ao Seu corpo que é a Igreja.
“Transforma-se o amador na cousa amada; por virtude do muito imaginar; não tenho
mais o que desejar; pois em mim já tenho a parte desejada.” Esse trecho do poema de
Camões expressa o segundo período ápice da conversão de Santo Agostinho. Com o auxílio
da Igreja, representada por santo ambrósio, ele percebeu que a verdade que tanto procurava
estava dentro dele, “O Senhor está mais próximo de nós, do que nós de nós mesmos —
«interior intimo meo et superior summo meo» (Confissões, III, 6, 11)7.
Uma das características singulares do ser humano é interioridade, capacidade de
reflexão8 porém tomados pelo ritmo frenético do cotidiano, muitas vezes, deixamos essa
capacidade lado e somos conduzidos somente pelas coisas exteriores. A rotina pesada, a
falta de admiração do mundo e a incapacidade de silenciar impedem o homem de perceber
quem ele é. A consequência de não nos conhecermos é não conhecer aquele que inabita em
nós, a trindade beatíssima: “Se alguém me ama guardará minha palavra; meu Pai o amará,
e nós viremos e faremos nele nossa morada” (Jo 14,23). Santo Agostinho, como mestre da
interioridade, é um exemplo para que nós possamos retomar a interioridade que é própria da
natureza do homem. “Eis que habitava dentro de mim e eu te procurava do lado de
fora.”(Confissões, X, 27, 38). A parte desejada estava dentro dele, e era necessário coragem
para deixar os estímulos que vinham de fora e olhar para dentro.
E desejar mais o que se “em mim já tenho a parte desejada”? Santo Agostinho como
ascético e místico percebe que o caminho para desejar somente o amado é cotidiano. “Nós
temos sempre necessidade de ser lavados por Cristo, que nos lava os pés, e por Ele
renovados. Temos necessidade de uma conversão permanente” 9(Bento XVI), esse
comentário se dá no contexto em que ele reflete o momento que o Santo percebe que era
necessário todos os dias da vida dele pedir perdão a Deus e que a perfeição, pedida por
Cristo, é gradual e somente “Cristo realiza verdadeira e completamente o Sermão da
montanha.”10
A santidade é Deus que realiza. Não se pode alcançar a santidade pelas próprias
forças, o santo padre vem nos alertando do perigo de um neopelagianismo e temos que ter
consciência de que necessitamos da ação da graça para conhecer e estar com Deus. Santo

5
Papa João Paulo II, Carta apostólica Augustinum Hipponensem.
6
Ibidem.
7
Papa Bento XVI, Angelus III Domingo de Advento "Gaudete", 11 de Dezembro de 2011.
8
Lucas, R.L. El hombre, espíritu encarnado: compendio de antropologia filosófica. Salamanca,
Ediciones Sígueme, 2013
9
Papa Bento XVI, Audiência geral: Santo Agostinho de Hipona (5), 27 de Fevereiro de 2008
10
Ibidem.
Agostinho para os tempos modernos é um um farol que ilumina a escuridão em que muitos
se encontram. Sua vida tem encontros significativos em que nós podemos ter exemplos do
uso correto da racionalidade, aprofundamento da fé e testemunho de perseverança. Tudo
isso porque ao encontrar a verdade que estava dentro dele iniciou um caminho em que o
amador aos poucos torna-se o amado: “Já não sou que que vivo, é cristo que vive em mim”
(Gl 2, 20).

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