Você está na página 1de 122

Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acór dão


Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 122

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO


RELATOR : MIN. TEORI ZAVASCKI
PACTE.(S) :XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
IMPTE.(S) :XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
COATOR(A/S)(ES) :RELATOR DO HC Nº 313.021 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO


CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII).
SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR
TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO
PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.
1. A execução provisória de acórdão penal condenatório
proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção
de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.
2. Habeas corpus denegado.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, na conformidade da ata de
julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria, em denegar a ordem,
com a consequente revogação da liminar, nos termos do voto do Relator.
Vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e
Ricardo Lewandowski (Presidente). Falou, pelo Ministério Público
Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da
República.

Brasília, 17 de fevereiro de 2016.


Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 122

Ministro TEORI ZAVASCKI


Relator

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10460083.
Relatório

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO


RELATOR : MIN. TEORI ZAVASCKI
PACTE.(S) :XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
IMPTE.(S) :XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
COATOR(A/S)(ES) :RELATOR DO HC Nº 313.021 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR):


Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão do Ministro
Francisco Falcão, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu
o pedido de liminar no HC 313.021/SP. Consta dos autos, em síntese, que
(a) o paciente foi condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em
regime inicial fechado, pela prática do crime de roubo majorado (art. 157,
2º, I e II do CP), com direito de recorrer em liberdade; (b) inconformada,
somente a defesa apelou para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
que negou provimento ao recurso e determinou a expedição de mandado
de prisão contra o paciente; (c) contra a ordem de prisão, a defesa impetrou
habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que o Ministro
Presidente indeferiu o pedido de liminar, em decisão assim fundamentada:

“As Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça


firmaram o entendimento majoritário de que é inadequado o
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 122

HC 126292 / SP
manejo de habeas corpus contra decisório do Tribunal a quo
atacável pela via de recurso especial (v.g.: (HC 287.657/SP, Rel.
Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 04/12/2014;
HC 289.508/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
SEXTA TURMA, DJe 03/12/2014; HC 293.916/RS, Rel.
Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 11/12/2014; HC
297.410/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461461.
Relatório

DJe 02/12/2014). Diante dessa nova orientação, não são mais


cabíveis habeas corpus utilizados como substitutivos de recursos
ordinários e de outros recursos no processo penal. Essa
limitação, todavia, não impede que seja reconhecida, mesmo em
sede de apreciação do pedido liminar, eventual flagrante
ilegalidade passível de ser sanada pelo writ (HC 248757/SP, Sexta
Turma, Relª. Minª. Assusete Magalhães, DJe de 26/09/12).
Na hipótese em apreço, no entanto, não se evidencia a aventada
excepcionalidade.
Ante o exposto, INDEFIRO o pedido liminar, sem prejuízo
de uma análise mais detida quando do julgamento do mérito
pelo Ministro Relator”.

Neste habeas corpus, a impetrante alega: (a) a ocorrência de flagrante


constrangimento ilegal a ensejar a superação da Súmula 691/STF; (b) que o
Tribunal de Justiça local determinou a imediata segregação do paciente,
sem qualquer motivação acerca da necessidade de decretação da prisão
preventiva; (c) que a prisão foi determinada “após um ano e meio da
prolação da sentença condenatória e mais de três anos após o paciente ter
sido posto em liberdade, sem que se verificasse qualquer fato novo” e,
ainda, “sem que a decisão condenatória tenha transitado em julgado”; (d)
a prisão do paciente não prescinde, nos termos da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, do trânsito em julgado da condenação. Requer,
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 122
por fim, a concessão da ordem com o reconhecimento do direito do
paciente de recorrer em liberdade.
Em 5.2.2015, deferi o pedido de liminar “para suspender a prisão
preventiva decretada contra o paciente nos autos da Apelação Criminal
0009715-92.2010.8.26.0268, do TJ-SP”.
A Procuradoria-Geral da República manifesta-se pela concessão da ordem.
É o relatório.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461461.
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 122

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR):


1. À vista da Súmula 691/STF, não cabe ao Supremo Tribunal
Federal, de regra, conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do
relator pela qual, em habeas corpus requerido a tribunal superior, não se
obteve a liminar, sob pena de indevida – e, no caso, dupla – supressão de
instância. Todavia, admite-se o conhecimento do pedido em casos
excepcionais, quando a decisão impugnada se evidencie teratológica,
manifestamente ilegal (v.g., entre outros, HC 122670, Relator(a): Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 5/8/2013, DJe
de 15/8/2014; HC 121181, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma,
julgado em 22/4/2014, DJe de 13/5/2014). No caso específico do paciente, o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao negar provimento ao
recurso de apelação, determinou a imediata execução provisória da
condenação, com a ordem: “Expeça-se mandado de prisão contra o
acusado Márcio”. Não se tratando de prisão cautelar, mas de execução
provisória da pena, a decisão está em claro confronto com o entendimento
deste Supremo Tribunal, consagrado no julgamento do HC 84.078/MG
(Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe de 26/2/2010), segundo o qual a
prisão decorrente de condenação pressupõe o trânsito em julgado da
sentença. Essa circunstância autoriza o excepcional conhecimento da
impetração, não obstante a referida Súmula 691/STF.

2. O tema relacionado com a execução provisória de sentenças


penais condenatórias envolve reflexão sobre (a) o alcance do princípio da
presunção da inocência aliado à (b) busca de um necessário equilíbrio entre
esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve
atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 122

HC 126292 / SP

diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça


criminal.

3. A possibilidade da execução provisória da pena privativa de


liberdade era orientação que prevalecia na jurisprudência do STF, mesmo
na vigência da Constituição Federal de 1988. Nesse cenário jurisprudencial,
em caso semelhante ao agora sob exame, esta Suprema Corte, no
julgamento do HC 68.726 (Rel. Min. Néri da Silveira), realizado em
28/6/1991, assentou que a presunção de inocência não impede a prisão
decorrente de acórdão que, em apelação, confirmou a sentença penal
condenatória recorrível, em acórdão assim ementado:

“Habeas corpus. Sentença condenatória mantida em segundo


grau. Mandado de prisão do paciente. Invocação do art. 5º, inciso
LVII, da Constituição. Código de Processo Penal, art. 669. A
ordem de prisão, em decorrência de decreto de custódia
preventiva, de sentença de pronúncia ou de decisão e órgão
julgador de segundo grau, é de natureza processual e
concernente aos interesses de garantia da aplicação da lei penal
ou de execução da pena imposta, após o devido processo legal.
Não conflita com o art. 5º, inciso LVII, da Constituição. De acordo
com o § 2º do art. 27 da Lei nº 8.038/1990, os recursos
extraordinário e especial são recebidos no efeito devolutivo.
Mantida, por unanimidade, a sentença condenatória, contra a
qual o réu apelara em liberdade, exauridas estão as instâncias
ordinárias criminais, não sendo, assim, ilegal o mandado de
prisão que órgão julgador de segundo grau determina se expeça
contra o réu. Habeas corpus indeferido”.

Ao reiterar esses fundamentos, o Pleno do STF asseverou que, “com a


condenação do réu, fica superada a alegação de falta de fundamentação do
decreto de prisão preventiva”, de modo que “os recursos especial e
extraordinário, que não têm efeito suspensivo, não impedem o
cumprimento de mandado de prisão” (HC 74.983, Rel. Min. Carlos Velloso,
julgado em 30/6/1997).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 122

HC 126292 / SP

E, ao reconhecer que as restrições ao direito de apelar em liberdade

2
determinadas pelo art. 594 do CPP (posteriormente revogado pela Lei
11.719/2008) haviam sido recepcionadas pela Constituição Federal de 1988,
o Plenário desta Corte, nos autos do HC 72.366/SP (Rel. Min. Néri da
Silveira, DJ 26/1/1999), mais uma vez invocou expressamente o princípio
da presunção de inocência para concluir pela absoluta compatibilidade do
dispositivo legal com a Carta Constitucional de 1988, destacando, em
especial, que a superveniência da sentença penal condenatória recorrível
imprimia acentuado “juízo de consistência da acusação”, o que autorizaria,
a partir daí, a prisão como consequência natural da condenação.
Em diversas oportunidades – antes e depois dos precedentes
mencionados –, as Turmas do STF afirmaram e reafirmaram que princípio
da presunção de inocência não inibia a execução provisória da pena
imposta, ainda que pendente o julgamento de recurso especial ou
extraordinário: HC 71.723, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ
16/6/1995; HC 79.814, Rel. Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, DJ
13/10/2000; HC 80.174, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ
12/4/2002; RHC 84.846, Rel. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 5/11/2004;
RHC 85.024, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 10/12/2004; HC
91.675, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 7/12/2007; e HC
70.662, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, DJ 4/11/1994; esses dois
últimos assim ementados:

“HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL


PENAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ATENTADO
VIOLENTO AO PUDOR. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA
PENA: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
NÃOCONFIGURAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. HABEAS
CORPUS DENEGADO. 1. A jurisprudência deste Supremo
Tribunal Federal é firme no sentido de ser possível a execução
provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos
pendentes de julgamento não têm efeito suspensivo. (…) 3.
Habeas corpus denegado.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 122

HC 126292 / SP

3
“(…) - A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL NÃO
IMPEDE - PRECISAMENTE POR SE TRATAR DE
MODALIDADE DE IMPUGNAÇÃO RECURSAL
DESVESTIDA DE EFEITO SUSPENSIVO - A IMEDIATA
EXECUÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA,
INVIABILIZANDO, POR ISSO MESMO, A CONCESSÃO DE
LIBERDADE PROVISÓRIA MEDIANTE FIANÇA”.

Ilustram, ainda, essa orientação as Súmulas 716 e 717, aprovadas em


sessão plenária realizada em 24/9/2003, cujos enunciados têm por
pressupostos situações de execução provisória de sentenças penais
condenatórias. Veja-se:

Súmula nº 716: Admite-se a progressão de regime de


cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos
severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória.
Súmula nº 717: Não impede a progressão de regime de
execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado,
o fato de o réu se encontrar em prisão especial.

A alteração dessa tradicional jurisprudência – que afirmava a


legitimidade da execução da pena como efeito de decisão condenatória
recorrível – veio de fato a ocorrer, após debates no âmbito das Turmas, no
julgamento, pelo Plenário, do HC 84.078/MG, realizado em 5/2/2009,
oportunidade em que, por sete votos a quatro, assentou-se que o princípio
da presunção de inocência se mostra incompatível com a execução da
sentença antes do trânsito em julgado da condenação.

4. Positivado no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal de 1988


(“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”), o princípio da presunção de inocência (ou de
nãoculpabilidade) ganhou destaque no ordenamento jurídico nacional no
período de vigência da Constituição de 1946, com a adesão do País à

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 122

HC 126292 / SP

Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, cujo art. 11.1

4
estabelece:

“Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se


presuma sua inocência, enquanto não se prova sua
culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual
se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”.

O reconhecimento desse verdadeiro postulado civilizatório teve


reflexos importantes na formulação das supervenientes normas
processuais, especialmente das que vieram a tratar da produção das
provas, da distribuição do ônus probatório, da legitimidade dos meios
empregados para comprovar a materialidade e a autoria dos delitos. A
implementação da nova ideologia no âmbito nacional agregou ao processo
penal brasileiro parâmetros para a efetivação de modelo de justiça criminal
racional, democrático e de cunho garantista, como o do devido processo
legal, da ampla defesa, do contraditório, do juiz natural, da
inadmissibilidade de obtenção de provas por meios ilícitos, da não auto-
incriminação (nemo tenetur se detegere), com todos os seus desdobramentos
de ordem prática, como o direito de igualdade entre as partes, o direito à
defesa técnica plena e efetiva, o direito de presença, o direito ao silêncio, o
direito ao prévio conhecimento da acusação e das provas produzidas, o da
possibilidade de contraditá-las, com o consequente reconhecimento da
ilegitimidade de condenação que não esteja devidamente fundamentada e
assentada em provas produzidas sob o crivo do contraditório.
O plexo de regras e princípios garantidores da liberdade previsto em
nossa legislação revela quão distante estamos, felizmente, da fórmula
inversa em que ao acusado incumbia demonstrar sua inocência, fazendo
prova negativa das faltas que lhe eram imputadas. Com inteira razão,
portanto, a Ministra Ellen Gracie, ao afirmar que “o domínio mais expressivo
de incidência do princípio da não-culpabilidade é o da disciplina jurídica da prova.
O acusado deve, necessariamente, ser considerado inocente durante a instrução
criminal – mesmo que seja réu confesso de delito praticado

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 122

HC 126292 / SP

5
perante as câmeras de TV e presenciado por todo o país” (HC 84078, Relator(a):
Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, DJe de 26/2/2010).

5. Realmente, antes de prolatada a sentença penal há de se


manter reservas de dúvida acerca do comportamento contrário à ordem
jurídica, o que leva a atribuir ao acusado, para todos os efeitos – mas,
sobretudo, no que se refere ao ônus da prova da incriminação –, a
presunção de inocência. A eventual condenação representa, por certo, um
juízo de culpabilidade, que deve decorrer da logicidade extraída dos
elementos de prova produzidos em regime de contraditório no curso da
ação penal. Para o sentenciante de primeiro grau, fica superada a
presunção de inocência por um juízo de culpa – pressuposto inafastável
para condenação –, embora não definitivo, já que sujeito, se houver
recurso, à revisão por Tribunal de hierarquia imediatamente superior. É
nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o
exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da
responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido
genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão
judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria
deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo.
Ao réu fica assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de
segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas.
Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no âmbito
das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e
provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal
do acusado. É dizer: os recursos de natureza extraordinária não
configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não
são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da
matéria fático-probatória. Noutras palavras, com o julgamento
implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da
matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para
instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso especial e

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 122

HC 126292 / SP

6
extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de
direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo
de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de
reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a
relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do
princípio da presunção de inocência até então observado. Faz sentido,
portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o
fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei
8.038/1990.

6. O estabelecimento desses limites ao princípio da presunção de


inocência tem merecido o respaldo de autorizados constitucionalistas,
como é, reconhecidamente, nosso colega Ministro Gilmar Ferreira Mendes,
que, a propósito, escreveu:

“No que se refere à presunção de não culpabilidade, seu


núcleo essencial impõe o ônus da prova do crime e sua autoria à
acusação. Sob esse aspecto, não há maiores dúvidas de que
estamos falando de um direito fundamental processual, de
âmbito negativo.
Para além disso, a garantia impede, de uma forma geral, o
tratamento do réu como culpado até o trânsito em julgado da
sentença. No entanto, a definição do que vem a se tratar como
culpado depende de intermediação do legislador.
Ou seja, a norma afirma que ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da condenação, mas está longe
de precisar o que vem a se considerar alguém culpado.
O que se tem, é, por um lado, a importância de preservar o
imputado contra juízos precipitados acerca de sua
responsabilidade. Por outro, uma dificuldade de compatibilizar
o respeito ao acusado com a progressiva demonstração de sua
culpa.
Disso se deflui que o espaço de conformação do legislador
é lato. A cláusula não obsta que a lei regulamente os
procedimentos, tratando o implicado de forma

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 122

HC 126292 / SP

7
progressivamente mais gravosa, conforme a imputação evolui.
Por exemplo, para impor a uma busca domiciliar, bastam
‘fundadas razões’ - art. 240, § 1º, do CPP. Para tornar implicado
o réu, já são necessários a prova da materialidade e indícios da
autoria (art. 395, III, do CPP). Para condená-lo é imperiosa a
prova além de dúvida razoável.
Como observado por Eduardo Espínola Filho, ‘a presunção
de inocência é vária, segundo os indivíduos sujeitos passivos do
processo, as contingências da prova e o estado da causa’.
Ou seja, é natural à presunção de não culpabilidade evoluir
de acordo com o estágio do procedimento. Desde que não se
atinja o núcleo fundamental, o tratamento
progressivamente mais gravoso é aceitável. (…)
Esgotadas as instâncias ordinárias com a condenação à pena
privativa de liberdade não substituída, tem-se uma declaração,
com considerável força de que o réu é culpado e a sua prisão
necessária.
Nesse estágio, é compatível com a presunção de não
culpabilidade determinar o cumprimento das penas, ainda que
pendentes recursos” (in: Marco Aurélio Mello. Ciência e
Consciência, vol. 2, 2015).

Realmente, a execução da pena na pendência de recursos de natureza


extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não-
culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no
curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as
garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o
modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional
autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de
recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da
responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias.
Nessa trilha, aliás, há o exemplo recente da Lei Complementar
135/2010 (Lei da Ficha Limpa), que, em seu art. 1º, I, expressamente

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 122

HC 126292 / SP

8
consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença
condenatória por crimes nela relacionados quando proferidas por órgão
colegiado. É dizer, a presunção de inocência não impede que, mesmo antes
do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o
acusado.

7. Não é diferente no cenário internacional. Como observou a


Ministra Ellen Gracie quando do julgamento do HC 85.886 (DJ
28/10/2005), “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de
jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da
Corte Suprema”. A esse respeito, merece referência o abrangente estudo
realizado por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Mônica Nicida Garcia e
Fábio Gusman, que reproduzo:

“a) Inglaterra.
Hoje, a legislação que trata da liberdade durante o trâmite
de recursos contra a decisão condenatória é a Seção 81 do
Supreme Court Act 1981. Por esse diploma é garantida ao
recorrente a liberdade mediante pagamento de fiança enquanto
a Corte examina o mérito do recurso. Tal direito, contudo, não é
absoluto e não é garantido em todos os casos. (…)
O Criminal Justice Act 2003 representou restrição
substancial ao procedimento de liberdade provisória, abolindo a
possibilidade de recursos à High Court versando sobre o mérito
da possibilidade de liberação do condenado sob fiança até o
julgamento de todos os recursos, deixando a matéria quase que
exclusivamente sob competência da Crown Court’. (…)
Hoje, tem-se que a regra é aguardar o julgamento dos
recursos já cumprindo a pena, a menos que a lei garanta a
liberdade pela fiança.
(...)
b) Estados Unidos.
A presunção de inocência não aparece expressamente no
texto constitucional americano, mas é vista como corolário da

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 122

HC 126292 / SP

9
5ª, 6ª e 14ª Emendas. Um exemplo da importância da garantia
para os norte-americanos foi o célebre Caso ‘Coffin versus Estados
Unidos’ em 1895.
Mais além, o Código de Processo Penal americano (Criminal
Procedure Code), vigente em todos os Estados, em seu art. 16
dispõe que ‘se deve presumir inocente o acusado até que o
oposto seja estabelecido em um veredicto efetivo’.
(…)
Contudo, não é contraditório o fato de que as decisões
penais condenatórias são executadas imediatamente seguindo o
mandamento expresso do Código dos Estados Unidos (US Code).
A subseção sobre os efeitos da sentença dispõe que uma decisão
condenatória constitui julgamento final para todos os propósitos,
com raras exceções.
(…)
Segundo Relatório Oficial da Embaixada dos Estados
Unidos da América em resposta a consulta da 2ª Câmara de
Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, “nos
Estados Unidos há um grande respeito pelo que se poderia
comparar no sistema brasileiro com o ‘juízo de primeiro grau’,
com cumprimento imediato das decisões proferidas pelos
juízes”. Prossegue informando que “o sistema legal
norteamericano não se ofende com a imediata execução da pena
imposta ainda que pendente sua revisão”.
c) Canadá
(…)
O código criminal dispõe que uma corte deve, o mais rápido
possível depois que o autor do fato for considerado culpado,
conduzir os procedimentos para que a sentença seja imposta.
Na Suprema Corte, o julgamento do caso R. v.
Pearson(1992) 3 S.C.R. 665, consignou que a presunção da
inocência não significa, “é claro”, a impossibilidade de prisão do
acusado antes que seja estabelecida a culpa sem nenhuma
dúvida. Após a sentença de primeiro grau, a pena é
automaticamente executada, tendo como exceção a

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 122

HC 126292 / SP

10
possibilidade de fiança, que deve preencher requisitos rígidos
previstos no Criminal Code, válido em todo o território canadense.
d) Alemanha
(…)
Não obstante a relevância da presunção da inocência,
diante de uma sentença penal condenatória, o Código de
Processo Alemão (…) prevê efeito suspensivo apenas para
alguns recursos. (…)
Não há dúvida, porém, e o Tribunal Constitucional assim
tem decidido, que nenhum recurso aos Tribunais Superiores tem
efeito suspensivo. Os alemães entendem que eficácia (…) é uma
qualidade que as decisões judiciais possuem quando nenhum
controle judicial é mais permitido, exceto os recursos especiais,
como o recurso extraordinário (…). As decisões eficazes, mesmo
aquelas contra as quais tramitam recursos especiais, são aquelas
que existem nos aspectos pessoal, objetivo e temporal com efeito
de obrigação em relação às consequências jurídicas.
e) França
A Constituição Francesa de 1958 adotou como carta de
direitos fundamentais a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789, um dos paradigmas de toda positivação de
direitos fundamentais da história do mundo pós-Revolução
Francesa. (…)
Apesar disso, o Código de Processo Penal Francês, que vem
sendo reformado, traz no art. 465 as hipóteses em que o Tribunal
pode expedir o mandado de prisão, mesmo pendentes outros
recursos. (…)
f) Portugal
(...)
O Tribunal Constitucional Português interpreta o princípio
da presunção de inocência com restrições. Admite que o
mandamento constitucional que garante esse direito remeteu à
legislação ordinária a forma de exercê-lo. As decisões dessa mais
alta Corte portuguesa dispõem que tratar a presunção de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 16 de 122

HC 126292 / SP

11
inocência de forma absoluta corresponderia a impedir a execução
de qualquer medida privativa de liberdade, mesmo as cautelares.
g) Espanha
(…)
A Espanha é outro dos países em que, muito embora seja a
presunção de inocência um direito constitucionalmente
garantido, vigora o princípio da efetividade das decisões
condenatórias. (…)
Ressalte-se, ainda, que o art. 983 do Código de Processo
Penal espanhol admite até mesmo a possibilidade da
continuação da prisão daquele que foi absolvido em instância
inferior e contra o qual tramita recurso com efeito suspensivo em
instância superior.
h) Argentina
O ordenamento jurídico argentino também contempla o
princípio da presunção da inocência, como se extrai das
disposições do art. 18 da Constituição Nacional.
Isso não impede, porém, que a execução penal possa ser
iniciada antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.
De fato, o Código de Processo Penal federal dispõe que a pena
privativa de liberdade seja cumprida de imediato, nos termos do
art. 494. A execução imediata da sentença é, aliás, expressamente
prevista no art. 495 do CPP, e que esclarece que essa execução só
poderá ser diferida quando tiver de ser executada contra mulher
grávida ou que tenha filho menor de 6 meses no momento da
sentença, ou se o condenado estiver gravemente enfermo e a
execução puder colocar em risco sua vida” (Garantismo Penal
Integral, 3ª edição, ‘Execução Provisória da Pena. Um
contraponto à decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas
Corpus n. 84.078’, p. 507).

8. Não custa insistir que os recursos de natureza extraordinária não


têm por finalidade específica examinar a justiça ou injustiça de sentenças
em casos concretos. Destinam-se, precipuamente, à preservação da higidez
do sistema normativo. Isso ficou mais uma vez evidenciado, no

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 17 de 122

HC 126292 / SP

12
que se refere ao recurso extraordinário, com a edição da EC 45/2004, ao
inserir como requisito de admissibilidade desse recurso a existência de
repercussão geral da matéria a ser julgada, impondo ao recorrente, assim,
o ônus de demonstrar a relevância jurídica, política, social ou econômica
da questão controvertida. Vale dizer, o Supremo Tribunal Federal
somente está autorizado a conhecer daqueles recursos que tratem de
questões constitucionais que transcendam o interesse subjetivo da parte,
sendo irrelevante, para esse efeito, as circunstâncias do caso concreto. E,
mesmo diante das restritas hipóteses de admissibilidade dos recursos
extraordinários, tem se mostrado infrequentes as hipóteses de êxito do
recorrente. Afinal, os julgamentos realizados pelos Tribunais Superiores
não se vocacionam a permear a discussão acerca da culpa, e, por isso,
apenas excepcionalmente teriam, sob o aspecto fático, aptidão para
modificar a situação do sentenciado. Daí a constatação do Ministro
Joaquim Barbosa, no HC 84078:

“Aliás, na maioria esmagadora das questões que nos


chegam para julgamento em recurso extraordinário de
natureza criminal, não é possível vislumbrar o preenchimento
dos novos requisitos traçados pela EC 45, isto é, não se
revestem expressivamente de repercussão geral de ordem
econômica, jurídica, social e política.
Mais do que isso: fiz um levantamento da quantidade de
Recursos Extraordinários dos quais fui relator e que foram
providos nos últimos dois anos e cheguei a um dado relevante:
de um total de 167 RE’s julgados, 36 foram providos, sendo
que, destes últimos, 30 tratavam do caso da progressão de
regime em crime hediondo. Ou seja, excluídos estes, que
poderiam ser facilmente resolvidos por habeas corpus , foram
providos menos de 4% dos casos”.

Interessante notar que os dados obtidos não compreenderam os


recursos interpostos contra recursos extraordinários inadmitidos na

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 122

HC 126292 / SP

origem (AI/ARE), os quais poderiam incrementar, ainda mais, os casos


fadados ao insucesso. E não se pode desconhecer que a jurisprudência

13
que assegura, em grau absoluto, o princípio da presunção da inocência – a
ponto de negar executividade a qualquer condenação enquanto não
esgotado definitivamente o julgamento de todos os recursos, ordinários e
extraordinários – tem permitido e incentivado, em boa medida, a indevida
e sucessiva interposição de recursos das mais variadas espécies, com
indisfarçados propósitos protelatórios visando, não raro, à configuração da
prescrição da pretensão punitiva ou executória.

9. Esse fenômeno, infelizmente frequente no STF, como sabemos, se


reproduz também no STJ. Interessante lembrar, quanto a isso, os registros
de Fernando Brandini Barbagalo sobre o ocorrido na ação penal subjacente
ao já mencionado HC 84.078 (Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal
Pleno, DJe de 26/2/2010), que resultou na extinção da punibilidade em
decorrência da prescrição da pretensão punitiva, impulsionada pelos
sucessivos recursos protelatórios manejados pela defesa. Veja-se:

“Movido pela curiosidade, verifiquei no sítio do Superior


Tribunal de Justiça a quantas andava a tramitação do recurso
especial do Sr. Omar. Em resumo, o recurso especial não foi
recebido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sendo
impetrado agravo para o STJ, quando o recurso especial foi,
então, rejeitado monocraticamente (RESP n. 403.551/MG) pela
ministra Maria Thereza de Assis. Como previsto, foi interposto
agravo regimental, o qual, negado, foi combatido por embargos
de declaração, o qual, conhecido, mas improvido. Então, fora
interposto novo recurso de embargos de declaração, este
rejeitado in limine. Contra essa decisão, agora vieram embargos
de divergência que, como os outros recursos anteriores, foi
indeferido. Nova decisão e novo recurso. Desta feita, um agravo
regimental, o qual teve o mesmo desfecho dos demais recursos:
a rejeição. Irresignada, a combativa defesa apresentou mais um
recurso de embargos de declaração e contra essa última decisão

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 122

HC 126292 / SP

que também foi de rejeição, foi interposto outro recurso


(embargos de declaração). Contudo, antes que fosse julgado

14
este que seria o oitavo recurso da defesa, foi apresentada petição
à presidente da terceira Seção. Cuidava-se de pedido da defesa
para – surpresa – reconhecimento da prescrição da pretensão
punitiva. No dia 24 de fevereiro de 2014, o eminente Ministro
Moura Ribeiro, proferiu decisão, cujo dispositivo foi o seguinte:
‘Ante o exposto, declaro de ofício a extinção da punibilidade do
condenado, em virtude da prescrição da pretensão punitiva da
sanção a ele imposta, e julgo prejudicado os embargos de
declaração de fls. 2090/2105 e o agravo regimental de fls.
2205/2213’” (Presunção de inocência e recursos criminais
excepcionais, 2015).

Nesse ponto, é relevante anotar que o último marco interruptivo do


prazo prescricional antes do início do cumprimento da pena é a publicação
da sentença ou do acórdão recorríveis (art. 117, IV, do CP). Isso significa
que os apelos extremos, além de não serem vocacionados à resolução de
questões relacionadas a fatos e provas, não acarretam a interrupção da
contagem do prazo prescricional. Assim, ao invés de constituírem um
instrumento de garantia da presunção de não culpabilidade do apenado,
acabam representando um mecanismo inibidor da efetividade da
jurisdição penal.

10. Nesse quadro, cumpre ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao


Supremo Tribunal Federal, garantir que o processo - único meio de
efetivação do jus puniendi estatal -, resgate essa sua inafastável função
institucional. A retomada da tradicional jurisprudência, de atribuir efeito
apenas devolutivo aos recursos especial e extraordinário (como, aliás, está
previsto em textos normativos) é, sob esse aspecto, mecanismo legítimo de
harmonizar o princípio da presunção de inocência com o da efetividade da
função jurisdicional do Estado. Não se mostra arbitrária, mas inteiramente
justificável, a possibilidade de o julgador determinar o imediato início do

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 122

HC 126292 / SP

cumprimento da pena, inclusive com restrição da liberdade do condenado,


após firmada a responsabilidade criminal pelas instâncias ordinárias.

15
11. Sustenta-se, com razão, que podem ocorrer equívocos nos
juízoscondenatórios proferidos pelas instâncias ordinárias. Isso é inegável:
equívocos ocorrem também nas instâncias extraordinárias. Todavia, para
essas eventualidades, sempre haverá outros mecanismos aptos a inibir
consequências danosas para o condenado, suspendendo, se necessário, a
execução provisória da pena. Medidas cautelares de outorga de efeito
suspensivo ao recurso extraordinário ou especial são instrumentos
inteiramente adequados e eficazes para controlar situações de injustiças ou
excessos em juízos condenatórios recorridos. Ou seja: havendo
plausibilidade jurídica do recurso, poderá o tribunal superior atribuir-lhe
efeito suspensivo, inibindo o cumprimento de pena. Mais ainda: a ação
constitucional do habeas corpus igualmente compõe o conjunto de vias
processuais com inegável aptidão para controlar eventuais atentados aos
direitos fundamentais decorrentes da condenação do acusado. Portanto,
mesmo que exequível provisoriamente a sentença penal contra si
proferida, o acusado não estará desamparado da tutela jurisdicional em
casos de flagrante violação de direitos.

12. Essas são razões suficientes para justificar a proposta de


orientação, que ora apresento, restaurando o tradicional entendimento
desta Suprema Corte, no seguinte sentido: a execução provisória de acórdão
penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso
especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da
presunção de inocência.

13. Na linha da tese proposta, voto no sentido de denegar a ordem


de habeas corpus, com a consequente revogação da liminar concedida. É o
voto.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. TEORI Z AVASCKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 21 de 122

HC 126292 / SP

16

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10461463.
Voto - MIN. ED SON FACHIN
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 122

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhor


Presidente, antes de tudo louvo o voto do eminente Relator, que traz à
discussão e enfrenta com a propriedade e minudência, peculiar a Sua
Excelência, os temas que envolvem essa importante questão que é o alcance
do princípio da presunção de não culpabilidade relacionado à
possibilidade de execução penal após esgotadas as instâncias ordinárias.
Subscrevo as conclusões de Sua Excelência em relação aos temas
enfrentados pedindo vênia para, brevemente, destacar os aspectos que se
me afiguram determinantes, aproveitando o ensejo, ainda, para breve
reflexão sobre a vocação constitucional deste Supremo Tribunal Federal.
Senhor Presidente, eminentes pares, "não há dúvida de que
se houvesse uma super Suprema Corte, uma porção substancial dos nossos
julgados também seria reformada. Nós não temos a última palavra por sermos
infalíveis; somos infalíveis por termos a última palavra".
Essas palavras de Robert Jackson, Juiz da Suprema Corte
norte-americana de 1941 a 1954, as quais cito em tradução livre, de certa
forma expressam a concepção que tenho do papel que a Constituição
reservou a este Supremo Tribunal Federal enquanto Órgão de cúpula do
Poder Judiciário nacional.
Creio que a esta Corte, pela Constituição, foi atribuído o
elevado e precípuo papel de guardiã da Constituição, cujo exercício se dá
por meio da formulação de teses jurídicas, orientando e conferindo
segurança jurídica na aplicação da normas constitucionais pelas instâncias
jurisdicionais que a precedem. Da mesma forma, ao Superior Tribunal de
Justiça foi atribuído pela Constituição o elevado mister de unificar a
interpretação do direito federal infraconstitucional.
Não desconheço que esta não é exatamente uma Corte
Constitucional, nos moldes do sistema europeu continental, já que, pelo
desenho que lhe deu a Constituição da República, há competências que

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10470945.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ED SON FACHIN Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 122

HC 126292 / SP

desbordam dessa noção. Cito, dentre outros exemplos, a competência


originária decorrente do foro por prerrogativa de função, que nos incumbe
de processar e julgar determinadas autoridades da República.
Essa competência, por certo, não se insere no rol daquelas
que fazem deste Tribunal, primordialmente, uma Corte de Teses
Constitucionais. É uma exceção que demandaria vontade política do
Poder Constituinte Reformador para eliminar de nossa Carta
Constitucional essa, a meu sentir, injustificável exceção ao princípio
republicano.
Há, todavia, com a devida vênia de quem eventualmente
conceba de forma diversa, um agigantamento dos afazeres deste Supremo
Tribunal Federal, que decorre da própria forma como esta Corte interpreta
determinadas regras constitucionais. Não faço aqui apologia daquilo que
se costuma denominar de jurisprudência defensiva. Quero, todavia, dizer
que, dentro daquele espaço que a Constituição outorga ao intérprete uma
margem de conformação que não extrapola os limites da moldura textual,
as melhores alternativas hermenêuticas quiçá são, em princípio, as que
conduzem a reservar a esta Suprema Corte primordialmente a tutela da
ordem jurídica constitucional, em detrimento de uma inalcançável missão
de fazer justiça nos casos concretos.
Por essa razão, na linha do que muito bem sustentou o
eminente Ministro Teori Zavascki, interpreto a regra do art. 5º, LVII, da
Constituição da República, segundo a qual “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória“ sem o apego
à literalidade com a qual se afeiçoam os que defendem ser impossível
iniciar-se a execução penal antes que os Tribunais Superiores deem a
última palavra sobre a culpabilidade do réu.
Sempre pedindo redobradas vênias àqueles que de outra

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10470945.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ED SON FACHIN Inteiro Teor do Acórdão - Página 24 de 122

HC 126292 / SP

forma veem esse tema, considero que não se pode dar a essa regra
constitucional caráter absoluto, desconsiderando-se sua necessária
conexão a outros princípios e regras constitucionais que, levados em
consideração com igual ênfase, não permitem a conclusão segundo a qual
apenas após esgotadas as instâncias extraordinárias é que se pode iniciar

2
a execução da pena privativa de liberdade.
Despiciendo dizer que nenhuma norma, especialmente as
de caráter principiológico, pode ser descontextualizada das demais normas
constitucionais para adquirir foros de verdadeiro super princípio, a ofuscar
a eficácia de outras normas igualmente sediadas no topo da pirâmide
normativa que é a Constituição.
Assim, tenho por indispensável compreender o princípio
da presunção de não culpabilidade, insculpido no art. 5º, LVII, da
Constituição Federal, em harmonia com outras normas constitucionais que
impõem ao intérprete a consideração do sistema constitucional como um
todo.
Não me refiro apenas ao princípio da duração razoável do
processo, hoje direito fundamental inscrito no art. 5º, LXXVIII, da CF, que
certamente vai de encontro a uma interpretação que sugira ter o princípio
da presunção de inocência o alcance de exigir manifestação definitiva dos
Tribunais Superiores, deles fazendo as vezes de terceira ou quarta
instâncias, para que a sanção criminal assentada nas instâncias ordinárias
possa ter eficácia.
Também não me refiro ao caso específico dos crimes
dolosos contra a vida e à constitucionalmente proclamada soberania dos
veredictos do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, “c”, da CF) que, a meu ver,
opõe-se frontalmente à concepção segundo a qual as decisões
condenatórias dos jurados – adjetivadas pela Constituição de soberanas -

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10470945.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ED SON FACHIN Inteiro Teor do Acórdão - Página 25 de 122

HC 126292 / SP

só adquirem eficácia após o julgamento dos segundos embargos de


declaração, tirados de um agravo regimental, interposto contra uma
decisão monocrática proferida no âmbito de um agravo em recurso
extraordinário, interposto contra a decisão que não o recebeu na origem,
por sua vez interposto contra uma apelação a que se negou provimento.
Tudo, desconsiderados eventuais embargos infringentes e embargos de
declaração opostos nas instâncias ordinárias, ou eventual recurso especial,
com todos os incidentes que lhes são próprios.
Refiro-me, principalmente, secundando as conclusões do
eminente Relator, ao arcabouço recursal desenhado pela Constituição

3
Federal e ao locus nele ocupado pelo Supremo Tribunal Federal e Superior
Tribunal de Justiça.
Da leitura que faço dos artigos 102 e 105 da Constituição
da República, igualmente não depreendo, o Supremo Tribunal Federal e o
Superior Tribunal de Justiça, terem sido concebidos, na estrutura recursal
ali prevista, para revisar “injustiças do caso concreto”. O caso concreto tem,
para sua escorreita solução, um Juízo monocrático e um Colegiado, este
formado por pelo menos três magistrados em estágio adiantado de suas
carreiras, os quais, em grau de recurso, devem reexaminar juízos
equivocados e sanar injustiças.
O revolvimento da matéria fática, firmada nas instâncias
ordinárias, não deve estar ao alcance das Cortes Superiores, que podem
apenas dar aos fatos afirmados nos acórdãos recorridos nova definição
jurídica, mas não nova versão. As instâncias ordinárias, portanto, são
soberanas no que diz respeito à avaliação das provas e à definição das
versões fáticas apresentadas pelas partes.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10470945.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ED SON FACHIN Inteiro Teor do Acórdão - Página 26 de 122

HC 126292 / SP

Ainda, o acesso via recurso ao Supremo Tribunal Federal e


ao Superior Tribunal de Justiça se dá em caráter de absoluta
excepcionalidade. A própria definição constitucional da quantidade de
magistrados com assento nessas Cortes repele qualquer interpretação que
queria delas fazer instâncias revisoras universais.
A finalidade que a Constituição persegue não é outorgar uma terceira
ou quarta chance para a revisão de um pronunciamento jurisdicional com
o qual o sucumbente não se conforma e considera injusto.
O acesso individual às instâncias extraordinárias visa a
oportunizar a esta Suprema Corte e ao Superior Tribunal de Justiça
exercerem seus papéis de estabilizadores, uniformizadores e pacificadores
da interpretação das normas constitucionais e do direito
infraconstitucional.
Tanto é assim que o art. 102, § 3º, da Constituição Federal
exige demonstração de repercussão geral das questões constitucionais
debatidas no recurso extraordinário. Ou seja, não basta ao recorrente

4
demonstrar que no julgamento de seu caso concreto malferiu-se um
preceito constitucional. Necessário que demonstre, além disso, no mínimo,
a transcendência e relevância da tese jurídica a ser afirmada pelo Supremo
Tribunal Federal.
A própria Constituição é que põe o Supremo Tribunal
Federal primordialmente a serviço da ordem jurídica e apenas
reflexamente a operar para apreciar situações de injustiças individuais.
Se a própria Constituição repele o acesso às Cortes
Superiores com o singular propósito de resolver uma alegada injustiça
individual, decorrente do erro de julgamento por parte das instâncias
ordinárias, não depreendo inconstitucionalidade no art. 27, § 2º, da Lei nº

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10470945.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ED SON FACHIN Inteiro Teor do Acórdão - Página 27 de 122

HC 126292 / SP

8.038/90 ao estabelecer que os recursos extraordinário e especial serão


recebidos no efeito meramente devolutivo.
No plano infraconstitucional, as regras da Lei 7.210/84 (Lei
de Execução Penal, verbi gratia, os arts. 147 e 164) que porventura possam
ser interpretadas como a exigir a derradeira manifestação dos Tribunais
Superiores sobre a sentença penal condenatória para a execução penal
iniciar-se, deixam de ser, a meu ver, argumento suficiente a impedir a
execução penal depois de esgotadas as instâncias ordinárias, porque
anteriores à Lei nº 8.038/90.
A opção legislativa de dar eficácia à sentença condenatória
tão logo confirmada em segundo grau de jurisdição está consentânea com
a razão constitucional da própria existência dos recursos às instâncias
extraordinárias.
Sabem todos que o trânsito em julgado, no sistema recursal
brasileiro, depende em algum momento da inércia da parte sucumbente.
Há sempre um recurso oponível a uma decisão, por mais incabível que seja,
por mais estapafúrdias que sejam as razões recursais invocadas. Os
mecanismos legais destinados a repelir recursos meramente protelatórios
são ainda muito incipientes.
Se pudéssemos dar à regra do art. 5º, LVII, da CF caráter
absoluto, teríamos de admitir, no limite, que a execução da pena privativa
de liberdade só poderia operar-se quando o réu se conformasse com sua

5
sorte e deixasse de opor novos embargos declaratórios. Isso significaria
dizer que a execução da pena privativa de liberdade estaria condicionada
à concordância do apenado.
É certo que a jurisprudência desta Suprema Corte, em

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10470945.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ED SON FACHIN Inteiro Teor do Acórdão - Página 28 de 122

HC 126292 / SP

recursos criminais, firmou-se no sentido de determinar a certificação do


trânsito em julgado com baixa imediata dos autos, independentemente de
publicação do acórdão, sempre que os segundos embargos de declaração
forem desprovidos, por considerá-los protelatórios.
Essa jurisprudência já configura um limite imposto por
essa Corte à estrita literalidade da regra do art. 5º, LVII, da CF. Defendo,
na linha das razões muito bem articuladas pelo eminente Relator, que o
limite deva ser maior.
Não depreendo da regra do art. 5º, LVII, da CF o caráter de
presunção absoluta de inépcia das instâncias ordinárias.
Porque, data venia, no limite, é disso que se trata!
Se afirmamos que a presunção de inocência não cede nem
mesmo depois de um Juízo monocrático ter afirmado a culpa de um
acusado, com a subsequente confirmação por parte de experientes
julgadores de segundo grau, soberanos na avaliação dos fatos e integrantes
de instância à qual não se opõem limites à devolutividade recursal,
reflexamente estaríamos a afirmar que a Constituição erigiu uma
presunção absoluta de desconfiança às decisões provenientes das
instâncias ordinárias.
Não desconsidero, por fim, embora em homenagem à grande maioria
da magistratura brasileira deva ressaltar que isto é excepcional, a existência
de teratológicas decisões jurisdicionais, mesmo em segundo grau de
jurisdição. Isso, todavia, não serve de argumento a conferir efeito
paralisante à eficácia de absolutamente todas as condenações criminais
assentadas em segundo grau.
Para sanar essas situações, como bem ressaltado no voto
do eminente Relator, há instrumentos processuais eficazes, tais como as
medidas cautelares para conferir efeito suspensivo a recursos especiais e
extraordinários, bem como o habeas corpus, que a despeito de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10470945.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ED SON FACHIN Inteiro Teor do Acórdão - Página 29 de 122

HC 126292 / SP

6
interpretação mais restritiva sobre seu cabimento, em casos de teratologia,
são concedidos de ofício por esta Suprema Corte.
Sendo assim, tenho a honra de acompanhar o voto do
eminente relator.
É como voto.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10470945.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ED SON FACHIN Inteiro Teor do Acórdão - Página 30 de 122

HC 126292 / SP

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10470945.
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 122

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO

O SENHOR MINISTRO LUIS ROBERTO BARROSO:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL.


PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO
CULPABILIDADE. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA
PENA APÓS JULGAMENTO DE SEGUNDO GRAU.
1. A execução da pena após a decisão condenatória em
segundo grau de jurisdição não ofende o princípio da presunção
de inocência ou da não culpabilidade (CF/1988, art. 5º, LVII).
2. A prisão, neste caso, justifica-se pela conjugação de
três fundamentos jurídicos:
(i) a Constituição brasileira não condiciona a prisão –
mas sim a culpabilidade – ao trânsito em julgado da sentença
penal condenatória. O pressuposto para a privação de liberdade
é a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, e não sua irrecorribilidade. Leitura sistemática dos
incisos LVII e LXI do art. 5º da Carta de 1988;
(ii) a presunção de inocência é princípio (e não regra) e,
como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade,
quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos
constitucionais colidentes. No caso específico da condenação em
segundo grau de jurisdição, na medida em que já houve
demonstração segura da responsabilidade penal do réu e
finalizou-se a apreciação de fatos e provas, o princípio da
presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado
com o interesse constitucional na efetividade da lei penal
(CF/1988, arts. 5º, caput e LXXVIII e 144);
(iii) com o acórdão penal condenatório proferido em grau
de apelação esgotam-se as instâncias ordinárias e a execução da
pena passa a constituir, em regra, exigência de ordem pública,
necessária para assegurar a credibilidade do Poder Judiciário e

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 32 de 122

HC 126292 / SP

do sistema penal. A mesma lógica se aplica ao julgamento por


órgão colegiado, nos casos de foro por prerrogativa.
3. Há, ainda, três fundamentos pragmáticos que
reforçam a opção pela linha interpretativa aqui adotada. De fato,
a possibilidade de execução da pena após a condenação em
segundo grau:
(i) permite tornar o sistema de justiça criminal mais
funcional e equilibrado, na medida em que coíbe a infindável
interposição de recursos protelatórios e favorece a valorização da
jurisdição criminal ordinária;
(ii) diminui o grau de seletividade do sistema punitivo
brasileiro, tornando-o mais republicano e igualitário, bem como
reduz os incentivos à criminalidade de colarinho branco,
decorrente do mínimo risco de cumprimento efetivo da pena; e
(iii) promove a quebra do paradigma da impunidade do
sistema criminal, ao evitar que a necessidade de aguardar o
trânsito em julgado do recurso extraordinário e do recurso
especial impeça a aplicação da pena (pela prescrição) ou cause
enorme distanciamento temporal entre a prática do delito e a
punição, sendo certo que tais recursos têm ínfimo índice de
acolhimento.
4. Denegação da ordem. Fixação da seguinte tese: “A
execução de decisão penal condenatória proferida em segundo grau de
jurisdição, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não
viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou
nãoculpabilidade.”

VOTO

1. O voto que se segue está estruturado em três partes. A Parte I cuida


do delineamento da controvérsia. A Parte II é dedicada à apresentação dos
fundamentos jurídicos para a possibilidade de execução da condenação penal após
a decisão de segundo grau. Por fim, a Parte III expõe os fundamentos
pragmáticos para o novo entendimento, preconizado no voto.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 122

HC 126292 / SP

2
Parte I
DELINEAMENTO DA CONTROVÉRSIA

I. A HIPÓTESE

2. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de indivíduo


condenado pelo crime de roubo majorado pelo emprego de arma de fogo e
concurso de pessoas (Código Penal, art. 157, § 2º, I e II). De acordo com a
acusação, o paciente, em 28.06.2003, juntamente com um cúmplice, teria
subtraído da vítima, sob a mira de um revólver, a quantia de R$ 2.600,00.
Em primeiro grau, o réu foi condenado a uma pena de 5 anos e 4 meses de
reclusão. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, em recurso de apelação, tendo sido determinada a expedição de
mandado de prisão.

3. Em habeas corpus sucessivos, o paciente questionou, primeiro


perante o Superior Tribunal de Justiça e, agora, perante o Supremo
Tribunal Federal, a legitimidade de tal determinação. Em síntese, a
discussão aqui travada consiste em saber se a Constituição admite ou não
a prisão do condenado após a decisão em segundo grau – vale dizer, após
a condenação por Tribunal de Justiça ou por Tribunal Regional Federal –,
independentemente do trânsito em julgado da decisão, isto é, enquanto
ainda cabíveis recursos especial e extraordinário.

II. A OSCILAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF NA MATÉRIA

4. A Constituição Federal proclama, em seu art. 5º, LVII, que “ninguém


será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”. O dispositivo consagra o princípio da presunção de
inocência, ou – no termo mais técnico – o princípio da presunção de não
culpabilidade1. Desde a promulgação da Carta de 1988 até 2009, vigeu

1 Sobre o tema, v. Anthair Edgard de Azevedo Valente e Gonçalvez, Inciso LVII do art.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 122

HC 126292 / SP

5º da CF: uma presunção à brasileira, mimeografado, 2009.

3
nesta Corte o entendimento de que essa norma não impedia a execução da
pena após a confirmação da sentença condenatória em segundo grau de
jurisdição, ainda que pendentes de julgamento os recursos extraordinário
(RE) e especial (REsp)1. Em linhas gerais, isso se dava pelo fato de que tais
recursos não desfrutam de efeito suspensivo nem se prestam a rever
condenações (a realizar a justiça do caso concreto), mas tão somente a
reconhecer eventual inconstitucionalidade ou ilegalidade dos julgados de
instâncias inferiores, sem qualquer reexame de fatos e provas.

5. Em julgamento realizado em 5.02.2009, porém, este entendimento


foi alterado em favor de uma leitura mais literal do art. 5º, LVII. De fato, ao
apreciar o HC 84.078, sob a relatoria do Ministro Eros Grau, o Supremo
Tribunal Federal, por 7 votos a 4, passou a interpretar tal dispositivo como
uma regra de caráter absoluto, que impedia a execução provisória da pena
com o objetivo proclamado de efetivar as garantias processuais dos réus.
Conforme a ementa do julgado, a ampla defesa “engloba todas as fases
processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária”, de modo que “a
execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também,

1 Veja-se, nesse sentido, os seguintes julgados: (i) no Plenário: HC 68.726, Rel. Min. Néri da
Silveira, HC 72.061, Rel. Min. Carlos Velloso; (ii) na Primeira Turma: HC 71.723, Rel. Min.
Ilmar Galvão; HC 91.675, Rel. Min. Carmen Lúcia; HC 70.662, Rel. Min. Celso de Mello; e (iii)
na Segunda Turma: HC 79.814, Rel. Min. Nelson Jobim; HC 80.174, Rel. Min. Maurício Corrêa;
RHC 84.846, Rel. Min. Carlos Veloso e RHC 85.024, Rel. Min. Ellen Gracie. Confiramse, ainda,
as Súmulas 716 e 717: Súmula 716 “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da
pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória. Súmula 717: “Não impede a progressão de regime de
execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar
em prisão especial".

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 122

HC 126292 / SP

restrição do direito de defesa”2. Esta é a orientação que tem vigorado até a


presente data e cuja revisão aqui se

4
defende.

III. A OCORRÊNCIA DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

6. É pertinente aqui uma brevíssima digressão doutrinária acerca


do tema da mutação constitucional. Trata-se de mecanismo informal que
permite a transformação do sentido e do alcance de normas da
Constituição, sem que se opere qualquer modificação do seu texto. A
mutação está associada à plasticidade de que devem ser dotadas as normas
constitucionais. Este novo sentido ou alcance do mandamento
constitucional pode decorrer de uma mudança na realidade fática ou de
uma nova percepção do Direito, uma releitura do que deve ser considerado
ético ou justo. A tensão entre normatividade e facticidade, assim como a

2 Votaram com a maioria os Ministros Eros Grau, Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso,
Ayres Britto, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Votaram vencidos, pela manutenção
da orientação anterior, Menezes Direito, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Ellen Gracie.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 122

HC 126292 / SP

incorporação de valores à hermenêutica jurídica, produziu modificações


profundas no modo como o Direito contemporâneo é pensado e praticado.

7. O Direito não existe abstratamente, fora da realidade sobre a


qual incide. As teorias concretistas da interpretação constitucional
enfrentaram e equacionaram este condicionamento recíproco que existe
entre norma e realidade3. Na linha do que escrevi em trabalho doutrinário4:

3 Sobre o tema, v. o trabalho seminal de Konrad Hesse, A força normativa da Constituição. In:
Escritos de derecho constitucional, 1983. Um desenvolvimento específico dessa questão foi
dado por Friedrich Muller, para quem a norma jurídica deve ser percebida como o produto
da fusão entre o programa normativo e o âmbito normativo. O programa normativo
corresponde ao sentido extraído do texto do dispositivo constitucional pela utilização dos
critérios tradicionais de interpretação, que incluem o gramatical, o sistemático, o histórico e o
teleológico. O âmbito normativo, por sua vez, identifica-se com a porção da realidade social
sobre a qual incide o programa normativo, que tanto condiciona a capacidade de a norma
produzir efeitos como é o alvo de sua pretensão de efetividade. V. Friedrich Müller, Métodos
de trabalho do direito constitucional, 2005. Sobre a relevância dos fatos para a interpretação
constitucional, v. Jean-Jacques Pardini, Le juge constitutionnel et le ‘fait’ en Italie et en France,
2001.
4 Luís Roberto Barroso, Curso de direito constitucional contemporâneo, 2015.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 122

HC 126292 / SP

“A mutação constitucional por via de interpretação, por sua


vez, consiste na mudança de sentido da norma, em contraste com
entendimento pré-existente. Como só existe norma interpretada,
a mutação constitucional ocorrerá quando se estiver diante da
alteração de uma interpretação previamente dada. No caso da
interpretação judicial, haverá mutação constitucional quando,
por exemplo, o Supremo Tribunal Federal vier a atribuir a
determinada norma constitucional sentido diverso do que fixara
anteriormente.
(...) A mutação constitucional em razão de uma nova
percepção do Direito ocorrerá quando se alterarem os valores de
uma determinada sociedade. A ideia do bem, do justo, do ético
varia com o tempo. Um exemplo: a discriminação em razão da
idade, que antes era tolerada, deixou de ser.
(...) A mutação constitucional se dará, também, em razão do
impacto de alterações da realidade sobre o sentido, o alcance ou
a validade de uma norma. O que antes era legítimo pode deixar
de ser. E vice-versa. Um exemplo: a ação afirmativa em favor de
determinado grupo social poderá justificar-se em um
determinado momento histórico e perder o seu fundamento de
validade em outro”.

8. Aplicando-se, então, a teoria à realidade. Na matéria aqui


versada, houve uma primeira mutação constitucional em 2009, quando o
STF alterou seu entendimento original sobre o momento a partir do qual
era legítimo o início da execução da pena. Já agora encaminha-se para nova
mudança, sob o impacto traumático da própria realidade que se criou após
a primeira mudança de orientação.

9. Com efeito, a impossibilidade de execução da pena após o


julgamento final pelas instâncias ordinárias produziu três consequências
muito negativas para o sistema de justiça criminal. Em primeiro lugar,
funcionou como um poderoso incentivo à infindável interposição de
recursos protelatórios. Tais impugnações movimentam a máquina do
Poder Judiciário, com considerável gasto de tempo e de recursos escassos,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 38 de 122

HC 126292 / SP

6
sem real proveito para a efetivação da justiça ou para o respeito às garantias
processuais penais dos réus. No mundo real, o percentual de recursos
extraordinários providos em favor do réu é irrisório, inferior a 1,5%6. Mais
relevante ainda: de 1.01.2009 a 19.04.2016, em 25.707 decisões de mérito
proferidas em recursos criminais pelo STF (REs e agravos), as decisões
absolutórias não chegam a representar 0,1% do total de decisões56.

10. Em segundo lugar, reforçou a seletividade do sistema penal. A


ampla (e quase irrestrita) possibilidade de recorrer em liberdade aproveita
sobretudo aos réus abastados, com condições de contratar os melhores
advogados para defendê-los em sucessivos recursos7. Em regra,
6 Segundo dados oficiais da assessoria de gestão estratégica do STF, referentes ao período de
01.01.2009 até 19.04.2016, o percentual médio de recursos criminais providos (tanto em favor
do réu, quanto do MP) é de 2,93%. Já a estimativa dos recursos providos apenas em favor do
réu aponta um percentual menor, de 1,12%. Como explicitado no texto, os casos de absolvição
são raríssimos. No geral, as decisões favoráveis ao réu consistiram em: provimento dos
recursos para remover o óbice à progressão de regime, remover o óbice à substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, remover o óbice à concessão de regime menos

5 Em verdade, foram identificadas apenas nove decisões absolutórias, representando


6 ,035% do total de decisões (ARE 857130, ARE 857.130, ARE 675.223, RE 602.561, RE 583.523,
RE 755.565, RE 924.885, RE 878.671, RE 607.173, AI 580.458). Deve-se considerar a
possibilidade de alguma margem de erro, por se tratar de pesquisa artesanal. Ainda assim,
não há risco de impacto relevante quer sobre os números absolutos quer sobre o percentual
de absolvições.
7 Transcrevo aqui observação feita durante o meu voto oral no julgamento: “E aqui eu gostaria
de dizer uma coisa que considero muito importante. Eu fui advogado mais de 30 anos. Eu não
era advogado criminal, mas sempre tive admiração pela advocacia criminal. E me lembro
como se fosse hoje de um comentário feito por um dos maiores advogados criminalistas do
país, que era meu amigo e colega na UERJ, o Professor Evaristo de Morais. Ele me disse: ’As
pessoas têm imenso preconceito contra os advogados criminais. Elas acham que nunca vão
precisar da gente. Mas, no dia em que precisam – porque todo mundo está sujeito a um
infortúnio e a um dia precisar – elas nos procuram humildes e devastadas. Aí seria a hora de
lembrar a elas o preconceito que tinham contra nós‘.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 39 de 122

HC 126292 / SP

severo que o fechado no caso de tráfico, reconhecimento de prescrição e refazimento de


dosimetria.

7
os réus mais pobres não têm dinheiro (nem a Defensoria Pública tem
estrutura) para bancar a procrastinação. Não por acaso, na prática, tornase
mais fácil prender um jovem de periferia que porta 100g de maconha do
que um agente político ou empresário que comete uma fraude milionária.

11. Em terceiro lugar, o novo entendimento contribuiu


significativamente para agravar o descrédito do sistema de justiça penal
junto à sociedade. A necessidade de aguardar o trânsito em julgado do
REsp e do RE para iniciar a execução da pena tem conduzido
massivamente à prescrição da pretensão punitiva9 ou ao enorme
distanciamento temporal entre a prática do delito e a punição definitiva.
Em ambos os casos, produz-se deletéria sensação de impunidade, o que
compromete, ainda, os objetivos da pena, de prevenção especial e geral.
Um sistema de justiça desmoralizado não serve ao Judiciário, à sociedade,
aos réus e tampouco aos advogados.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 40 de 122

HC 126292 / SP

12. A partir desses três fatores, tornou-se evidente que não se


justifica no cenário atual a leitura mais conservadora e extremada do
princípio da presunção de inocência, que impede a execução (ainda que
provisória) da pena quando já existe pronunciamento jurisdicional de
segundo grau (ou de órgão colegiado, no caso de foro por prerrogativa de

Portanto, eu acho que a advocacia criminal merece apreço, merece respeito e desempenha um
papel fundamental para a realização da justiça. Mas os advogados criminais não podem ser
condenados a, por dever de ofício, interporem um recurso descabido atrás de outro recurso
descabido para, ao final, colherem uma prescrição e a eventual não punição do seu cliente.
Esse é um destino inglório para qualquer profissional. No entanto, é um papel que se cumpre
porque o sistema permite, e o advogado se empenha em manter seu cliente fora da prisão.
Portanto, não é uma crítica ao advogado. É uma crítica ao sistema”.
9 De acordo com o CNJ, somente nos anos de 2010 e 2011, a Justiça brasileira deixou prescrever
2.918 ações envolvendo crimes de corrupção e lavagem de dinheiro
http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/60017-justica-condena-205-por-corrupcao-lavagem-
eimprobidade-em-2012

8
função) no sentido da culpabilidade do agente. É necessário conferir ao art.
5º, LVII interpretação mais condizente com as exigências da ordem
constitucional no sentido de garantir a efetividade da lei penal, em prol dos
bens jurídicos que ela visa resguardar, tais como a vida, a integridade
psicofísica, a propriedade – todos com status constitucional.

13. Trata-se, assim, de típico caso de mutação constitucional, em que


a alteração na compreensão da realidade social altera o próprio significado
do Direito. Ainda que o STF tenha se manifestado em sentido diverso no
passado, e mesmo que não tenha havido alteração formal do texto da
Constituição de 1988, o sentido que lhe deve ser atribuído inequivocamente
se alterou. Fundado nessa premissa, entendo que a Constituição Federal e
o sistema penal brasileiro admitem a execução da pena após a condenação
em segundo grau de jurisdição, ainda sem o trânsito em julgado. Há
múltiplos fundamentos que legitimam esta compreensão. É o que se passa
a demonstrar.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 41 de 122

HC 126292 / SP

Parte II
FUNDAMENTOS JURÍDICOS PARA A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA
CONDENAÇÃO PENAL APÓS A DECISÃO DE SEGUNDO GRAU

I. O PRESSUPOSTO PARA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO NO DIREITO


BRASILEIRO NÃO É O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO CONDENATÓRIA,
MAS ORDEM ESCRITA E FUNDAMENTADA DA AUTORIDADE JUDICIAL
COMPETENTE

14. Ao contrário do que uma leitura apressada da literalidade do


art. 5º, LVII da Constituição poderia sugerir, o princípio da presunção de
inocência não interdita a prisão que ocorra anteriormente ao trânsito em
julgado da sentença penal condenatória. O pressuposto para a decretação
da prisão no direito brasileiro não é o esgotamento de qualquer
possibilidade de recurso em face da decisão condenatória, mas a ordem
escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente,

9
conforme se extrai do art. 5ª, LXI, da Carta de 19888.

15. Para chegar a essa conclusão, basta uma análise conjunta dos
dois preceitos à luz do princípio da unidade da Constituição. Veja-se que,
enquanto o inciso LVII define que “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, logo abaixo, o inciso LXI
prevê que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente”. Como se sabe, a

8 Apenas no caso de prisão em flagrante, a ordem escrita e fundamentada é dispensada. Porém,


desde o advento da Lei nº 12.403/2011, o flagrante deixou de constituir título autônomo e
válido para manter a segregação cautelar do indivíduo. Nessa hipótese, a lei passou a exigir
que a autoridade judiciária competente examine, com a maior brevidade possível, a
necessidade de manutenção ou não da prisão, exigindo-se então ordem escrita e
fundamentada.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 42 de 122

HC 126292 / SP

Constituição é um conjunto orgânico e integrado de normas, que devem


ser interpretadas sistematicamente na sua conexão com todas as demais, e
não de forma isolada. Assim, considerando-se ambos os incisos, é evidente
que a Constituição diferencia o regime da culpabilidade e o da prisão.
Tanto isso é verdade que a própria Constituição, em seu art. 5º, LXVI, ao
assentar que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei
admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”, admite a prisão antes
do trânsito em julgado, a ser excepcionada pela concessão de um benefício
processual (a liberdade provisória).

16. Para fins de privação de liberdade, portanto, exige-se


determinação escrita e fundamentada expedida por autoridade judiciária.
Este requisito, por sua vez, está intimamente relacionado ao monopólio da
jurisdição, buscando afastar a possibilidade de prisão administrativa
(salvo as disciplinares militares). Tal regra constitucional autoriza (i) as
prisões processuais típicas, preventiva e temporária, bem como outras
prisões, como (ii) a prisão para fins de extradição (decretada pelo STF), (iii)
a prisão para fins de expulsão (decretada por juiz de primeiro grau, federal
ou estadual com competência para execução penal) e (iv) a prisão para fins
de deportação (decretada por juiz federal de primeiro grau).

10

17. Em todas as hipóteses enunciadas acima, como parece


claro, o princípio da presunção de inocência e a inexistência de trânsito em
julgado não obstam a prisão. Muito pelo contrário, no sistema processual
penal brasileiro, a prisão pode ser justificada mesmo na fase pré-
processual, contra meros investigados, ou na fase processual, ainda

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 43 de 122

HC 126292 / SP

quando pesar contra o acusado somente indícios de autoria, sem qualquer


declaração de culpa. E isso não esvazia a presunção de não culpabilidade:
há diversos outros efeitos da condenação criminal que só podem ser
produzidos com o trânsito em julgado, como os efeitos extrapenais
(indenização do dano causado pelo crime, perda de cargo, função pública
ou mandato eletivo, etc.) e os efeitos penais secundários (reincidência,
aumento do prazo da prescrição na hipótese de prática de novo crime, etc.).
Assim sendo, e por decorrência lógica, do mesmo inciso LXI do artigo 5º
deve-se extrair a possibilidade de prisão resultante de acórdão
condenatório prolatado pelo Tribunal competente.

II. A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA É PRINCÍPIO E COMO TAL ESTÁ SUJEITA


A PONDERAÇÃO COM OUTROS BENS JURÍDICOS CONSTITUCIONAIS

II.1. A presunção de inocência ou de não-culpabilidade é um


princípio

18. Considerando-se que a Constituição Federal não interdita a


prisão anteriormente ao trânsito em julgado da sentença condenatória, é
necessário indagar quais os fundamentos constitucionais para impor a
privação de liberdade após a confirmação da sentença penal condenatória
em segundo grau de jurisdição.

19. Os direitos ou garantias não são absolutos9, o que significa que


não se admite o exercício ilimitado das prerrogativas que lhes são

11

9 STF, MS 23452, Rel. Min. Celso de Mello: “OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO
TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional
brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto.”

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 44 de 122

HC 126292 / SP

inerentes, principalmente quando veiculados sob a forma de princípios (e


não regras), como é o caso da presunção de inocência. As regras são
normalmente relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas.
Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir pelo
mecanismo da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e
produz-se uma conclusão. Sua aplicação se opera, assim, na modalidade
“tudo ou nada”: ou a regra regula a matéria em sua inteireza ou é
descumprida10.

20. Já os princípios expressam valores a serem preservados ou fins


públicos a serem realizados. Designam “estados ideais” 11 . Uma das
particularidades dos princípios é justamente o fato de eles não se aplicarem
com base no “tudo ou nada”, constituindo antes “mandados de
otimização”, a serem realizados na medida das possibilidades fáticas e
jurídicas12. Como resultado, princípios podem ser aplicados com maior ou

10 O insight pioneiro neste tema encontra-se em Ronald Dworkin, Taking rights seriously, 1977, p.
24 (onde se reproduz texto anterior, publicado como artigo, sob o título “The model of rules”,
University of Chicago Law Review 35:14, 1967-1968).
11 Humberto Ávila, Teoria dos princípios, 2003, p. 56; e Ana Paula de Barcellos, Ponderação,
racionalidade e atividade jurisdicional, 2005, p. 173-174.
12 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, 1997, p. 86: “Princípios são normas que
ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades
jurídicas e reais existentes. Por isso, são mandados de otimização, caracterizados pelo fato de
que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento
não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito do
juridicamente possível é determinado pelos princípios e regras opostas.” (tradução livre).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 45 de 122

HC 126292 / SP

menor intensidade, sem que isso afete sua validade. Nos casos de colisão
de princípios, será, então, necessário empregar a técnica da ponderação 13,

12
tendo como fio condutor o princípio instrumental da proporcionalidade.

21. Pois bem. Não há dúvida de que a presunção de inocência ou


de não-culpabilidade é um princípio, e não uma regra. Tanto é assim que
se admite a prisão cautelar (CPP, art. 312) e outras formas de prisão antes
do trânsito em julgado. Enquanto princípio, tal presunção pode ser
restringida por outras normas de estatura constitucional (desde que não se

13 De forma simplificada, o processo ponderativo se dá a partir das três etapas. Na primeira, cabe
ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando
eventuais conflitos entre elas. Na segunda etapa, devem-se examinar os fatos, as
circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. Já na terceira
etapa, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos serão analisados de forma
conjunta, de modo a apurar os pesos a serem atribuídos aos diversos elementos em

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 122

HC 126292 / SP

atinja o seu núcleo essencial), sendo necessário ponderá-la com os outros


objetivos e interesses em jogo16.

22. Essa ponderação de bens jurídicos não é obstaculizada pelo


art. 283 do Código de Processo Penal, que prevê que “ninguém poderá ser
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em
julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão
temporária ou prisão preventiva”. Note-se que este dispositivo admite a
prisão temporária e a prisão preventiva, que podem ser decretadas por
fundamentos puramente infraconstitucionais (e.g., “quando
imprescindível para as investigações do inquérito policial” – Lei nº 9.760/89
– ou “por conveniência da instrução criminal” – CPP, art. 312).
Naturalmente, não serve o art. 283 do CPP para impedir a prisão após a
condenação em segundo grau – quando já há certeza acerca da materialidade
e autoria – por fundamento diretamente constitucional. Acentue-se,
porque relevante: interpreta-se a legislação ordinária à luz da Constituição,
e não o contrário.

disputa e, ao final, o grupo de normas a preponderar no caso, sempre de modo a preservar o


máximo de cada um dos valores em conflito.
16 Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, Tomo IV, 2000, p. 338: “a) Nenhuma restrição
[a direitos] pode deixar de se fundar na Constituição; pode deixar de fundar-se em preceitos
ou princípios constitucionais; pode deixar de se destinar à salvaguarda de direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos (...)”.

13
II.2. A normas constitucionais em tensão na hipótese

23. Na discussão específica sobre a execução da pena depois


de proferido o acórdão condenatório pelo Tribunal competente, há
dois grupos de normas constitucionais colidentes. De um lado, está

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 122

HC 126292 / SP

o princípio da presunção de inocência, extraído do art. 5º, LVII, da


Constituição, que, em sua máxima incidência, postula que nenhum
efeito da sentença penal condenatória pode ser sentido pelo acusado
até a definitiva afirmação de sua responsabilidade criminal. No seu
núcleo essencial está a ideia de que a imposição ao réu de medidas
restritivas de direitos deve ser excepcional e, por isso, deve haver
elementos probatórios a justificar a necessidade, adequação e
proporcionalidade em sentido estrito da medida.

24. De outro lado, encontra-se o interesse constitucional na


efetividade da lei penal, em prol dos objetivos (prevenção geral e
específica) e bens jurídicos (vida, dignidade humana, integridade
física e moral, etc.) tutelados pelo direito penal. Tais valores e
interesses possuem amplo lastro na Constituição, encontrando
previsão, entre outros, nos arts. 5º, caput (direitos à vida, à segurança
e à propriedade), e inciso LXXVIII (princípio da razoável duração do
processo), e 144 (segurança). Esse conjunto de normas postula que o
sistema penal deve ser efetivo, sério e dotado de credibilidade.
Afinal, a aplicação da pena desempenha uma função social
muitíssimo relevante. Imediatamente, ela promove a prevenção
especial, desestimulando a reiteração delitiva pelo indivíduo que
tenha cometido o crime, e a prevenção geral, desestimulando a
prática de atos criminosos por membros da sociedade.
Mediatamente, o que está em jogo é a proteção de interesses
constitucionais de elevado valor axiológico, como a vida, a
dignidade humana, a integridade física e moral das pessoas, a
propriedade, e o meio ambiente, entre outros.

14

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 122

HC 126292 / SP

II.3. A necessidade de ponderação e sua efetiva concretização

25. Há, desse modo, uma ponderação a ser realizada. Nela,


não há dúvida de que o princípio da presunção de inocência ou da
não culpabilidade adquire peso gradativamente menor na medida
em que o processo avança, em que as provas são produzidas e as
condenações ocorrem. Por exemplo, na fase pré-processual, quando
há mera apuração da prática de delitos, o peso a ser atribuído à
presunção de inocência do investigado deve ser máximo, enquanto
o peso dos objetivos e bens jurídicos tutelados pelo direito penal
ainda é pequeno. Ao contrário, com a decisão condenatória em
segundo grau de jurisdição, há sensível redução do peso do
princípio da presunção de inocência e equivalente aumento do peso
atribuído à exigência de efetividade do sistema penal. É que, nessa
hipótese, já há demonstração segura da responsabilidade penal do
réu e necessariamente se tem por finalizada a apreciação de fatos e
provas.

26. Como se sabe, nos tribunais superiores, como regra, não


se discute autoria ou materialidade, ante a impossibilidade de
revolvimento de fatos e provas. Os recursos extraordinário e especial
não se prestam a rever as condenações, mas apenas a tutelar a
higidez do ordenamento jurídico constitucional e
infraconstitucional. Por isso, nos termos da Constituição, a
interposição desses recursos pressupõe que a causa esteja decidida.
É o que preveem os artigos 102, III, e 105, III, que atribuem
competência ao STF e ao STJ para julgar, respectivamente, mediante
recurso extraordinário e especial, “as causas decididas em única ou
última instância”. Ademais, tais recursos excepcionais não possuem
efeito suspensivo (v. art. 637 do CPP e art. 1.029, § 5º, CPC/2015,
aplicável subsidiariamente ao processo penal, por força do art. 3º, do
CPP).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 49 de 122

HC 126292 / SP

27. Portanto, o sacrifício que se impõe ao princípio da não


culpabilidade – prisão do acusado condenado em segundo grau
antes do trânsito em julgado – é superado pelo que se ganha em
proteção da

15
efetividade e da credibilidade da Justiça, sobretudo diante da mínima
probabilidade de reforma da condenação, como comprovam as
estatísticas. Essa conclusão é reforçada pela aplicação do princípio da
proporcionalidade como proibição de proteção deficiente14.

28. O princípio da proporcionalidade, tal como é hoje


compreendido, não possui apenas uma dimensão negativa, relativa
à vedação do excesso, que atua como limite às restrições de direitos
fundamentais que se mostrem inadequadas, desnecessárias ou
desproporcionais em sentido estrito. Ele abrange, ainda, uma
dimensão positiva, referente à vedação à proteção estatal insuficiente de
direitos e princípios constitucionalmente tutelados. A ideia é a de
que o Estado também viola a Constituição quando deixa de agir ou
quando não atua de modo adequado e satisfatório para proteger
bens jurídicos relevantes. Tal princípio tem sido aplicado pela
jurisprudência desta Corte em diversas ocasiões para afastar a
incidência de normas que impliquem a tutela deficiente de preceitos
constitucionais1516.

14 Sobre o tema, v. Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto, Direito


Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho, 2014, p. 482 e s; Ingo Wolfgang Sarlet, A
eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional, 2015.
15 Nesse sentido, vejam-se: RE 418376. Rel. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa; ADI
16 , Rel. Min. Ricardo Lewandowski; HC 104410, Rel. Min. Gilmar Mendes; e HC 16212, Rel.
Min. Marco Aurélio.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 122

HC 126292 / SP

29. Na presente hipótese, não há dúvida de que a


interpretação que interdita a prisão anterior ao trânsito em julgado
tem representado uma proteção insatisfatória de direitos
fundamentais, como a vida, a dignidade humana e a integridade
física e moral das pessoas. Afinal, um direito penal sério e eficaz
constitui instrumento para a garantia desses bens jurídicos tão caros
à ordem constitucional de 19881718.

16
A exigência de uma intervenção eficaz não é, porém, incompatível com a
defesa de uma intervenção mínima do direito penal. Um direito penal
efetivo, capaz de cumprir os seus objetivos, não precisa de excesso de
tipificações, nem de exacerbação de penas. Na clássica, mas ainda atual
lição de Cesare Beccaria: “A perspectiva de um castigo moderado, mas
inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um
suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de
impunidade”19.

30. Assim sendo, a partir de uma ponderação entre os princípios


constitucionais envolvidos e à luz do mandamento da proporcionalidade

17 Luciano Feldens, A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas


penais, 2005; Anthair Edgard de Azevedo Valente e Gonçalvez, Inciso LVII do art.
18º da CF: uma presunção à brasileira, mimeografado, 2009.
19 Cesare Beccaria, Dos delitos e das penas, 1979, p. 78 (a 1a edição é de 1764).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 51 de 122

HC 126292 / SP

como proibição de proteção deficiente, é possível concluir que a execução


provisória da pena aplicada a réu já condenado em segundo grau de
jurisdição, que esteja aguardando apenas o julgamento de RE e de REsp,
não viola a presunção de inocência. Em verdade, a execução da pena nesse
caso justifica-se pela necessidade de promoção de outros relevantes bens
jurídicos constitucionais.

III. APÓS CONDENAÇÃO EM 2º GRAU, A EXECUÇÃO DA DECISÃO


CONSTITUI EXIGÊNCIA DE ORDEM PÚBLICA

III.1. Fundamento infraconstitucional legitimador da prisão após a


condenação em segundo grau

31. No tópico anterior, foram apresentados fundamentos de


índole estritamente constitucional que são adequados e suficientes para
justificar a posição aqui defendida quanto ao momento de execução da
decisão penal condenatória: (i) o direito brasileiro não exige o trânsito em
julgado da decisão para que se decrete a prisão, (ii) a presunção de
inocência, por ser um princípio, sujeita-se à ponderação com outros valores
constitucionais, e (iii) o princípio da proporcionalidade como proibição de
proteção deficiente impede que o Estado tutele de forma

17
insuficiente os direitos fundamentais protegidos pelo direito penal. É
possível, subsidiariamente, construir outro fundamento, de estatura
infraconstitucional: com o acórdão penal condenatório proferido em grau
de apelação, a execução provisória da pena passa a constituir, em regra,
exigência de ordem pública, necessária para assegurar a credibilidade do
Poder Judiciário e do sistema penal. Vale dizer: ainda que não houvesse
um fundamento constitucional direto para legitimar a prisão após a
condenação em segundo grau – e há! –, ela se justificaria nos termos da
legislação ordinária. Não é difícil demonstrar o ponto.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 52 de 122

HC 126292 / SP

32. O artigo 312 do Código de Processo Penal 20 prevê três


situações em que a decretação da prisão preventiva é justificada, havendo
prova da existência do crime e indício suficiente de autoria: (i) a
conveniência da instrução criminal, consistente na necessidade de garantir
a colheita de provas, evitar a atuação indevida do acusado sobre
testemunhas etc; (ii) a garantia de aplicação da lei penal, que busca evitar
que o acusado se furte ao processo e/ou ao seu resultado, e (iii) a garantia
da ordem pública e da ordem econômica. Em relação à garantia da ordem
pública, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que ela compreende,
além da necessidade de resguardar a integridade física do acusado e
impedir a reiteração de práticas criminosas, a exigência de assegurar a
credibilidade das instituições públicas, notadamente do Poder Judiciário 21.
Presentes essas hipóteses, pode o juiz decretar, em qualquer

20 CPP. Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da
ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da
lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação
dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
21 Nesse sentido, confiram-se, exemplificativamente: (i) HC 89.238, Rel. Min. Gilmar Mendes,
Segunda Turma, j. 29.05.2007, onde se lavrou: “Com relação ao tema da garantia da ordem
pública, faço menção à manifestação já conhecida desta Segunda Turma em meu voto
proferido no HC 88.537/BA e recentemente sistematizado nos HC’s 89.090/GO e 89.525/GO
acerca da conformação jurisprudencial do requisito dessa garantia. Nesses julgados, pude

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 53 de 122

HC 126292 / SP

18
fase da investigação policial ou do processo penal, a prisão, desde que
fundamentadamente.

33. Pois bem. No momento em que se dá a condenação do réu em


segundo grau de jurisdição, estabelecem-se algumas certezas jurídicas: a
materialidade do delito, sua autoria e a impossibilidade de rediscussão de
fatos e provas. Neste cenário, retardar infundadamente a prisão do réu
condenado estaria em inerente contraste com a preservação da ordem
pública, aqui entendida como a eficácia do direito penal exigida para a
proteção da vida, da segurança e da integridade das pessoas e de todos os
demais fins que justificam o próprio sistema criminal23. Estão em jogo aqui
a credibilidade do Judiciário – inevitavelmente abalada com a demora da
repreensão eficaz do delito –, sem mencionar os deveres de proteção por
parte do Estado e o papel preventivo do direito penal. A afronta à ordem
pública torna-se ainda mais patente ao se considerar o já mencionado
baixíssimo índice de provimento de recursos extraordinários, inferior a
1,5% (em verdade, inferior a 0,1% se considerarmos apenas as decisões
absolutórias), sacrificando os diversos valores aqui invocados em nome de
um

circunstâncias principais: i) a necessidade de resguardar a integridade física ou psíquica do


paciente ou de terceiros; ii) o objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde
que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia
cautelar; e iii) para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do poder
judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas
quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução
criminal.”; e (ii) HC 83.868, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 10.06.2008, Pleno, de cuja ementa extrai-
se que: “A garantia da ordem pública se revela, ainda, na necessidade de se assegurar a
credibilidade das instituições públicas quanto à visibilidade e transparência de políticas
públicas de persecução criminal”.

asseverar que o referido requisito legal envolve, em linhas gerais e sem qualquer pretensão
de exaurir todas as possibilidades normativas de sua aplicação judicial, as seguintes

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 54 de 122

HC 126292 / SP

23 CF/88, art. 144. “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos: ...”. Vê-se, assim, que a ordem pública é, igualmente, um
conceito constitucional, associado à segurança pública. O uso abusivo da repressão penal em
outras épocas da vivência brasileira não deve impedir o seu uso legítimo, ponderado e
eficiente em um Estado democrático.

19
formalismo estéril.

III.2. Uso abusivo e procrastinatório do direito de recorrer

34. Alguns exemplos emblemáticos auxiliam na


compreensão do ponto 22 . No conhecido caso “Pimenta Neves”,
referente a crime de homicídio qualificado ocorrido em 20.08.2000, o
trânsito em julgado somente ocorreu em 17.11.2011, mais de 11 anos
após a prática do fato. Já no caso Natan Donadon, por fatos ocorridos
entre 1995 e 1998, o exDeputado Federal foi condenado por formação
de quadrilha e peculato a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão.
Porém, a condenação somente transitou em julgado em 21.10.2014,
ou seja, mais de 19 anos depois. Em caso igualmente grave,
envolvendo o superfaturamento da obra do Fórum Trabalhista de
São Paulo, o ex-senador Luiz Estêvão foi condenado em 2006 a 31
anos de reclusão, por crime ocorrido em 1992. Diante da interposição
de 34 recursos, a execução da sanção só veio a ocorrer agora em 2016,
às vésperas da prescrição, quando já transcorridos mais de 23 anos
da data dos fatos.

35. Infelizmente, porém, esses casos não constituem


exceção, mas a regra. Tome-se, aleatoriamente, um outro caso
incluído na pauta do mesmo dia do presente julgamento. Refiro-me

22 Esta Corte, é claro, não se mostrou indiferente ao patente abuso do direito de recorrer,
determinando, em alguns desses casos, a imediata execução da condenação. Porém, essa
possibilidade não é suficiente para corrigir a disfuncionalidade existente no sistema recursal.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 55 de 122

HC 126292 / SP

ao AI 394.065-AgR-ED-EDED-EDv-AgR-AgR-AgR-ED, de relatoria
da Ministra Rosa Weber, relativo a crime de homicídio qualificado
cometido em 1991. Proferida a sentença de pronúncia, houve recurso
em todos os graus de jurisdição até a sua confirmação definitiva 23.
Posteriormente, deu-se a condenação pelo Tribunal do Júri e foi
interposto recurso de apelação. Mantida a decisão condenatória,
foram apresentados embargos de declaração (EDs). Ainda

20
inconformada, a defesa interpôs recurso especial. Decidido
desfavoravelmente o recurso especial, foram manejados novos EDs.
Mantida a decisão embargada, foi ajuizado recurso extraordinário,
inadmitido pelo eminente Min. Ilmar Galvão. Contra esta decisão
monocrática, foi interposto agravo regimental (AgR). O AgR foi
desprovido pela Primeira Turma, e, então, foram apresentados EDs,
igualmente desprovidos. Desta decisão, foram oferecidos novos EDs,
redistribuídos ao Min. Ayres Britto. Rejeitados os embargos de declaração,
foram interpostos embargos de divergência, distribuídos ao Min. Gilmar
Mendes. Da decisão do Min. Gilmar Mendes, que inadmitiu os EDiv, foi
ajuizado AgR, julgado pela Min. Ellen Gracie. Da decisão da Ministra,
foram apresentados EDs, conhecidos como AgR, a que a Segunda Turma
negou provimento. Não obstante isso, foram manejados novos EDs,
pendentes de julgamento pelo Plenário do STF. Portanto, utilizando-se de

23 Também esta exigência de trânsito em julgado da sentença de pronúncia, previamente à


realização do júri, está a exigir urgente reforma.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 56 de 122

HC 126292 / SP

mais de uma dúzia de recursos, depois de quase 25 anos, a sentença de


homicídio cometido em 1991 não transitou em julgado.

III.3. A razoável duração do processo como dever do Estado e


exigência da sociedade

36. É intuitivo que, quando um crime é cometido e seu autor


é condenado em todas as instâncias, mas não é punido ou é punido
décadas depois, tanto o condenado quanto a sociedade perdem a
necessária confiança na jurisdição penal. O acusado passa a crer que
não há reprovação de sua conduta, o que frustra a função de
prevenção especial do Direito Penal. Já a sociedade interpreta a
situação de duas maneiras: (i) de um lado, os que pensam em
cometer algum crime não têm estímulos para não fazê-lo, já que
entendem que há grandes chances de o ato manter-se impune –
frustrando-se a função de prevenção geral do direito penal; (ii) de
outro, os que não pensam em cometer crimes tornam-se incrédulos
quanto à capacidade do Estado de proteger os bens jurídicos
fundamentais tutelados por este ramo do direito.

21
37. Tamanha ineficiência do sistema de justiça criminal já
motivou inclusive a elaboração, pela Comissão responsável por
acompanhar a implementação da Convenção Interamericana contra
a Corrupção, de que o país é parte, de recomendação ao Brasil no
sentido de “implementar reformas no sistema de recursos judiciais ou
buscar outros mecanismos que permitam agilizar a conclusão dos processos

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 57 de 122

HC 126292 / SP

no Poder Judiciário e o início da execução da sentença, a fim de evitar a


impunidade dos responsáveis por atos de corrupção”24.

38. Aliás, a este propósito, cumpre abrir janelas para o


mundo e constatar, como fez a Ministra Ellen Gracie no julgamento
do HC 86.886 (j. 6.09.2005), que “em país nenhum do mundo, depois de
observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica
suspensa, aguardando referendo da Suprema Corte”. Nos diferentes
países, em regra, adota-se como momento do início da execução a
decisão de primeiro grau ou a de segundo grau, sem que se exija o
prévio esgotamento das instâncias extraordinárias. É o que
demonstra estudo cobrindo países como Inglaterra, Estados Unidos,
Canadá, Portugal, Espanha e Argentina, citado pelo Ministro Teori
Zavascki em seu voto25.

39. Em suma: o início do cumprimento da pena no


momento do esgotamento da jurisdição ordinária impõe-se como
uma exigência de ordem pública, em nome da necessária eficácia e
credibilidade do Poder Judiciário. A superação de um sistema
recursal arcaico e procrastinatório já foi objeto até mesmo de
manifestação de órgãos de cooperação internacional. Não há porque
dar continuidade a um modelo de morosidade, desprestígio para a

24 Mecanismo de acompanhamento da implementação da Convenção Interamericana contra a


Corrupção – Vigésima Reunião de Peritos – De 10 a 14 de setembro de 2012. Washington, DC.
Fonte: http://www.oas.org/juridico/PDFs/mesicic4_bra_por.pdf
25 Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Mônica Nicida Garcia e Fábio Gusman, Execução Provisória
da Pena. Um contraponto à decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n.
84.078’, In: Garantismo Penal Integral, 2013, p. 453-477.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 58 de 122

HC 126292 / SP

justiça e impunidade. Isso, é claro, não exclui a possibilidade de que


o réu recorra ao STF ou ao STJ para corrigir

22
eventual abuso ou erro das decisões de primeiro e segundo graus, o que
continua a poder ser feito pela via do habeas corpus. Além de poder
requerer, em situações extremas, a concessão de efeito suspensivo no RE
ou no REsp. Mas, de novo, à vista do ínfimo índice de provimento de tais
recursos, esta deverá ser uma manifesta exceção.

Parte III
FUNDAMENTOS PRAGMÁTICOS PARA O NOVO ENTENDIMENTO

40. Os métodos de atuação e argumentação dos órgãos judiciais


são essencialmente jurídicos, mas a natureza de sua função, notadamente
quando envolva a jurisdição constitucional e os chamados casos difíceis26,
tem uma inegável dimensão política. Assim é devido ao fato de o intérprete
desempenhar uma atuação criativa – pela atribuição de sentido a cláusulas
abertas e pela realização de escolhas entre soluções alternativas possíveis
– , e também em razão das consequências práticas de suas decisões.

26 Casos difíceis são aqueles para os quais não existe uma solução pré-pronta no Direito. A solução
terá de ser construída argumentativamente, à luz dos elementos do caso concreto, dos
parâmetros fixados na norma e de elementos externos ao Direito. Três situações geradoras de
casos difíceis são a ambiguidade da linguagem, os desacordos morais e as colisões de normas
constitucionais.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 59 de 122

HC 126292 / SP

41. Como é corrente, desenvolveu-se nos últimos tempos a


percepção de que a norma jurídica não é o relato abstrato contido no texto
legal, mas o produto da integração entre texto e realidade. Em muitas
situações, não será possível determinar a vontade constitucional sem
verificar as possibilidades de sentido decorrentes dos fatos subjacentes.
Como escrevi em texto doutrinário:

“A integração de sentido dos conceitos jurídicos


indeterminados e dos princípios deve ser feita, em primeiro
lugar, com base nos valores éticos mais elevados da sociedade
(leitura moral da Constituição). Observada essa premissa

23
inarredável – porque assentada na ideia de justiça e na dignidade
da pessoa humana – deve o intérprete atualizar o sentido das
normas constitucionais (interpretação evolutiva) e produzir o
melhor resultado possível para a sociedade (interpretação
pragmática). A interpretação constitucional, portanto, configura
uma atividade concretizadora – i.e., uma interação entre o sistema,
o intérprete e o problema – e construtivista, porque envolve a
atribuição de significados aos textos constitucionais que
ultrapassam sua dicção expressa”27. (grifo acrescentado)

42. O pragmatismo possui duas características que merecem


destaque para os fins aqui visados: (i) o contextualismo, a significar que a
realidade concreta em que situada a questão a ser decidida tem peso
destacado na determinação da solução adequada; e (ii) o consequencialismo,
na medida em que o resultado prático de uma decisão deve merecer

27 Luís Roberto Barroso, Curso de direito constitucional contemporâneo, 2015, p. 322.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 60 de 122

HC 126292 / SP

consideração especial do intérprete. Dentro dos limites e possibilidades


dos textos normativos e respeitados os valores e direitos fundamentais,
cabe ao juiz produzir a decisão que traga as melhores consequências
possíveis para a sociedade como um todo.

43. Pois bem: o pragmatismo jurídico, que opera dentro dos


sentidos possíveis da norma jurídica, oferece três argumentos que
reforçam a necessidade de revisão da atual jurisprudência do STF quanto
à impossibilidade de execução provisória da pena. Como já afirmado no
início deste voto, a alteração, em 2009, da compreensão tradicional do STF
sobre o tema, que vigia desde a promulgação da Constituição de 1988,
produziu três efeitos negativos: o incentivo à interposição de recursos
protelatórios, o reforço à seletividade do sistema penal e o agravamento do
descrédito do sistema de justiça penal junto à sociedade. A reversão desse
entendimento jurisprudencial pode, assim, contribuir para remediar tais
efeitos perversos, promovendo (i) a garantia de equilíbrio e funcionalidade
do sistema de justiça criminal, (ii) a redução da

24
seletividade do sistema penal, e (iii) a quebra do paradigma de
impunidade.

I. EQUILÍBRIO E FUNCIONALIDADE DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

44. A execução provisória de acórdão penal condenatório


proferido em grau de apelação pode contribuir para um maior equilíbrio e
funcionalidade do sistema de justiça criminal. Em primeiro lugar, com esta
nova orientação, reduz-se o estímulo à infindável interposição de recursos
inadmissíveis. Impedir que condenações proferidas em grau de apelação
produzam qualquer consequência, conferindo aos recursos aos tribunais
superiores efeito suspensivo que eles não têm por força de lei, fomenta a

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 61 de 122

HC 126292 / SP

utilização abusiva e protelatória da quase ilimitada gama de recursos


existente em nosso sistema penal.

45. Em segundo lugar, restabelece-se o prestígio e a autoridade


das instâncias ordinárias, algo que há muito se perdeu no Brasil. Aqui, o
juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça passaram a ser instâncias de
passagem, porque o padrão é que os recursos subam para o Superior
Tribunal de Justiça e, depois, para o Supremo Tribunal Federal. Porém, não
se pode presumir, ou assumir como regra, que juízes e tribunais brasileiros
profiram decisões equivocadas ou viciadas, de modo a atribuir às cortes
superiores o monopólio do acerto. Em verdade, não há direito ao triplo ou
quádruplo grau de jurisdição: a apreciação pelo STJ e pelo STF não é
assegurada pelo princípio do devido processo legal e não constitui direito
fundamental. Desse modo, a mudança de orientação prestigia, ao mesmo
tempo, a própria Suprema Corte, cujo acesso se deve dar em situações
efetivamente extraordinárias, e que, portanto, não pode se transformar em
tribunal ordinário de revisão, nem deve ter seu tempo e recursos escassos
desperdiçados com a necessidade de proferir decisões em recursos
nitidamente inadmissíveis e protelatórios.

25
II. DIMINUIÇÃO DA SELETIVIDADE DO SISTEMA CRIMINAL

46. Além disso, a execução provisória da pena permitirá reduzir o


grau de seletividade do sistema punitivo brasileiro. Atualmente, como já
demonstrado, permite-se que as pessoas com mais recursos financeiros,
mesmo que condenadas, não cumpram a pena ou possam procrastinar a
sua execução por mais de 20 anos. Como é intuitivo, as pessoas que hoje
superlotam as prisões brasileiras (muitas vezes, sem qualquer condenação
de primeiro ou segundo graus) não têm condições de manter advogado
para interpor um recurso atrás do outro. Boa parte desses indivíduos
encontra-se presa preventivamente por força do art. 312 do Código de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 62 de 122

HC 126292 / SP

Processo Penal. A alteração da compreensão do STF acerca do momento de


início de cumprimento da pena deverá ter impacto positivo sobre o
número de pessoas presas temporariamente – a maior eficiência do sistema
diminuirá a tentação de juízes e tribunais de prenderem ainda durante a
instrução –, bem como produzirá um efeito republicano e igualitário sobre
o sistema.

47. Não se trata de nivelar por baixo, mas de fazer justiça para
todos. Note-se, por exemplo, que a dificuldade em dar execução às
condenações por crimes que causem lesão ao erário ou à administração
pública (e.g., corrupção, peculato, prevaricação) ou crimes de natureza
econômica ou tributária (e.g., lavagem, evasão de divisas, sonegação)
estimula a criminalidade de colarinho branco e dá incentivo aos piores.
Como escrevi em recente texto acadêmico:

“Outro elemento de fomento à corrupção é a impunidade.


As pessoas na vida tomam decisões levando em conta incentivos
e riscos. O baixíssimo risco de punição – na verdade, a certeza da
impunidade – funcionava como um incentivo imenso à conduta
criminosa de agentes públicos e privados. Superar este quadro
envolve mudança de atitude, da jurisprudência e da legislação.
(...) O enfrentamento da corrupção e da impunidade produzirá
uma transformação

26
cultural importante no Brasil: a valorização dos bons em lugar
dos espertos. Quem tiver talento para produzir uma inovação
relevante capaz de baixar custos vai ser mais importante do que
quem conhece a autoridade administrativa que paga qualquer
preço, desde que receba vantagem. Esta talvez seja uma das

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 63 de 122

HC 126292 / SP

maiores conquistas que virá de um novo paradigma de decência


e seriedade”28.

III. QUEBRA DO PARADIGMA DE IMPUNIDADE

48. Por fim, a mudança de entendimento também auxiliará na


quebra do paradigma da impunidade. Como já se afirmou, no sistema
penal brasileiro, a possibilidade de aguardar o trânsito em julgado do REsp
e do RE em liberdade para apenas então iniciar a execução da pena tem
enfraquecido demasiadamente a tutela dos bens jurídicos resguardados
pelo direito penal e a própria confiança da sociedade na Justiça criminal.
Ao evitar que a punição penal possa ser retardada por anos e mesmo
décadas, restaura-se o sentimento social de eficácia da lei penal. Ainda,
iniciando-se a execução da pena desde a decisão condenatória em segundo
grau de jurisdição, evita-se que a morosidade processual possa conduzir à
prescrição dos delitos. Desse modo, em linha com as legítimas demandas
da sociedade por um direito penal sério (ainda que moderado), deve-se
buscar privilegiar a interpretação que confira maior – e não menor –
efetividade ao sistema processual penal.

49. Em razão dos motivos aqui apresentados, entendo que o


princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade não obsta a

28 V. Luís Roberto Barroso, Brasil: o caminho longo e tortuoso. Conferência proferida na


Universidade de Nova York, em 11 abr. 2016. Disponível em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2016/04/Conferência-NYU-
11abr2016-versão-final-completa2.pdf. Sobre o comentário final da transcrição, denunciando
o círculo vicioso que premia os piores, v. Míriam Leitão, História do futuro, 2015, p. 177-78.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 64 de 122

HC 126292 / SP

execução da pena após a decisão condenatória de segundo grau de


jurisdição.

27
CONCLUSÃO

50. Por todo o exposto, voto no sentido de denegar a ordem de habeas


corpus, com revogação da liminar concedida, bem como para fixar a
seguinte tese de julgamento: “A execução de decisão penal condenatória
proferida em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeita a recurso especial ou
extraordinário, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou
não-culpabilidade”.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OBERT O BARR OSO Inteiro Teor do Acórdão - Página 65 de 122

HC 126292 / SP

28

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10940219.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OSA WEBER Inteiro Teor do Acórdão - Página 66 de 122

HC 126292 / SP
17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, este


habeas corpus não estava previsto com maior antecedência para a pauta
de hoje, e não tive condições de me debruçar sobre o tema com o cuidado
e atenção que estava a merecer. Faço esse registro porque, quanto às
colocações e às razões que estão levando o eminente Ministro Teori
Zavascki a propor a revisão da jurisprudência desta Corte, eu compartilho
das preocupações de Sua Excelência e louvo o belíssimo voto, assim como
as oportunas colocações do Ministro Fachin e agora do Ministro Luís
Roberto.
Ocorre que tenho adotado, como critério de julgamento, a
manutenção da jurisprudência da Casa. Penso que o princípio da
segurança jurídica, sobretudo quando esta Suprema Corte enfrenta
questões constitucionais, é muito caro à sociedade, e há de ser prestigiado.
Tenho procurado seguir nessa linha. Nada impede que a jurisprudência
seja revista, por óbvio. A vida é dinâmica, e a Constituição comporta leitura
atualizada, à medida em que os fatos e a própria realidade evoluem.
Tenho alguma dificuldade na revisão da jurisprudência pela só
alteração dos integrantes da Corte. Para a sociedade, existe o Poder
Judiciário, a instituição, no caso o Supremo Tribunal Federal. Por isso é
que, embora louvando, como já disse, e até compartilhando dessas
preocupações todas – é emblemático o caso que o eminente Ministro Luís
Roberto refere, sob a minha relatoria, revelador do uso abusivo e indevido
de recursos, e estamos todos os dias enfrentando essa realidade -, eu, talvez
por falta de reflexão maior , não me sinto hoje à vontade para referendar a
revisão da jurisprudência proposta. E digo por quê. Colho do voto do
Ministro Eros Grau, proferido no HC 84.078 - Tribunal Pleno, Diário de
Justiça, de fevereiro de 2010, ou seja, há seis anos -, que por ele foi proposta
a revisão da jurisprudência da Corte sobre o tema. E propôs a revisão da
jurisprudência da Corte, que, como o Ministro Teori Zavascki acentuou,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10957645.
Voto - MIN. R OSA WEBER
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 67 de 122

era firme no sentido da possibilidade de execução da pena na pendência


ainda de recursos, vale dizer, antes do trânsito em julgado da decisão
condenatória, assim fundamentando: “A execução da sentença, antes de
transitada em julgado, é incompatível com o texto do art. 5 , LVII da Constituição
do Brasil. Colho, em voto de Sua Excelência, (no caso o Ministro
Sepúlveda Pertence) , no julgamento do HC nº 69.964, a seguinte assertiva -
(agora, palavras do Ministro Sepúlveda Pertence):
"(...) quando se trata de prisão que tenha por título sentença condenatória
recorrível, de duas, uma: ou se trata de prisão cautelar, ou de antecipação do
cumprimento da pena.
(...) E antecipação de execução de pena, de um lado, com a regra
constitucional de que ninguém será considerado culpado antes que transite em
julgado a condenação, são coisas, data venia, que hurlent de se trouver ensemble.
(...)"
Também o Ministro Marco Aurélio afirmou, quando desse mesmo
julgamento, a impossibilidade, sem afronta ao art. 5º da Constituição de
1988, da antecipação provisória do cumprimento da pena.
Sigo lendo da fundamentação do HC citado: “Aqui, mais do que diante
de um princípio explícito de direito, estamos em face de regra expressa afirmada,
em todas as suas letras, pela Constituição. Por isso é mesmo incompleta a notícia
de que a boa doutrina tem severamente criticado a execução antecipada da pena.
Aliás, parenteticamente - e porque as palavras são mais sábias do que quem as
pronuncia, porque as palavras são terríveis, denunciam causticamente -, anoto a
circunstância de o vocábulo "antecipada", inserido na expressão, denotar
suficientemente a incoerência da execução assim operada”.
“Retomo porém o fio da minha exposição repetindo ser incompleta a notícia
de que a boa doutrina tem severamente criticado a execução antecipada da pena. E
isso porque na hipótese não se manifesta somente antipatia da doutrina em relação
à antecipação de execução penal; mais, muito mais do que isso, aqui há oposição,
confronto, contraste bem vincado entre o texto expresso da Constituição do Brasil
e regras infraconstitucionais que a justificariam, a execução antecipada da pena."

2
HC 126292 / SP

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10957645.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R OSA WEBER Inteiro Teor do Acórdão - Página 68 de 122

HC 126292 / SP
Este Plenário apreciou o tema com profundidade, naquela
oportunidade, à luz da Constituição. Exarados votos, inclusive um
belíssimo, como sempre, do nosso eminente decano, Ministro Celso de
Mello, no sentido da prevalência do postulado da presunção de inocência,
ou da não culpabilidade, até o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Há questões pragmáticas envolvidas, não tenho a menor dúvida, mas
penso que o melhor caminho para solucioná-las não passa pela alteração,
por esta Corte, de sua compreensão sobre o texto constitucional no aspecto.
Não ouso, Senhor Presidente, no momento, repito, com todo o
respeito, pedindo vênia ao eminente Relator e aos Ministros que o
acompanharam, afastar os fundamentos antes lembrados para referendar
a revisão da jurisprudência da Corte. Assim, forte no critério que expus
como norte da minha atuação nesta Casa, divirjo para conceder a ordem.
Pelo que depreendi do voto do Ministro Teori, o Ministro Falcão, no STJ,
indeferiu a liminar em impetração contra decisão do Tribunal de Justiça de
São Paulo que determinara "execute-se a pena", em execução provisória,
não se tratando de decreto de prisão cautelar.
Respeitosamente divirjo, portanto, concedendo a ordem. É
como voto.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10957645.
Voto - MIN. LUIZ FU X
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 69 de 122

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, egrégio


Tribunal Pleno, ilustre representante do Ministério Público.
Senhor Presidente, aqui, em muitas ocasiões, nós aduzimos ao silêncio
eloquente do constituinte originário em determinadas matérias. Mas, no
meu modo de ver, aqui houve uma deformação eloquente da presunção de
não culpabilidade. A presunção de inocência, desde as suas raízes
históricas, está calcada exatamente na regra mater de que uma pessoa é
inocente até que seja considerada culpada. E, fazendo um paralelismo entre
essa afirmação e a realidade prática, e a jurisdição em sendo uma função
popular, ninguém consegue entender a seguinte equação: o cidadão tem a
denúncia recebida, ele é condenado em primeiro grau, é condenado no
juízo da apelação, condenado no STJ e ingressa presumidamente inocente
no Supremo Tribunal Federal. Isso efetivamente não corresponde à
expectativa da sociedade em relação ao que seja uma presunção de
inocência. E presunção de inocência é o que está escrito na Declaração
Universal dos Direitos Humanos da ONU: “Toda pessoa acusada de um ato
delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha
sido provada." Não há necessidade do trânsito em julgado.
Nós também, aqui, sempre nosso querido e dileto amigo Ministro
Aurélio afirma que aqui não há semideuses, quer dizer, nós não temos a
última palavra, porque sabemos mais do que todos. Então, se esse agente
perpassa por todas as esferas do Judiciário, positivamente, é impossível
que ele chegue, aqui, ao Supremo Tribunal Federal, na qualidade de
presumido inocente.
Por outro lado, Senhor Presidente, foi aqui destacado um aspecto
muito importante que é, talvez, uma singularidade processual. A coisa
julgada está intimamente vinculada à ideia da imutabilidade da decisão.
Coisa julgada significa a imutabilidade da decisão ou a indiscutibilidade
HC 126292 / SP

de alguns capítulos da decisão.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915613.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FU X Inteiro Teor do Acórdão - Página 70 de 122

HC 126292 / SP

E é exatamente o que ocorre no processo penal, como aqui foi


destacado pelo Ministério Público, pelo voto do Ministro Teori, Ministro
Fachin, Ministro Barroso, com relação àquela matéria fático-probatória. Há
uma coisa julgada singular, porque, aquilo ali, em regra, é imutável,
indiscutível, porque não é passível de análise no Tribunal Superior. Só se
devolvem questões constitucionais e questões federais. E, eventualmente,
ad eventum, e à luz da realidade prática muito difícil, pode-se,
eventualmente, constatar um vício de inconstitucionalidade.
Mas a verdade é que é possível se entrever uma imutabilidade com
relação à matéria de mérito da acusação das provas e prosseguir-se o
recurso por outro ângulo da análise constitucional. E isso porque o próprio
Supremo Tribunal Federal já afirmou, recentemente, que se admite a coisa
julgada em capítulos. Admite-se a coisa julgada em capítulos. As ações
devem ser interpostas a partir do momento em que parte das decisões
transitem em julgado. Então, essa parte relativa ao mérito da acusação e às
provas, essa parte se torna indiscutível, imutável, de sorte que nada
impede, ainda, aqueles que interpretam que a presunção de inocência vai
até o trânsito julgado, e se entreveja o trânsito em julgado exatamente
nesse momento.
Eu, como fui antecedido por três exemplares manifestações - Ministro
Teori, Ministro Fachin e Ministro Barroso - não queria reiterar aspectos que
aqui foram destacados. Mas, apenas, traria a lume, por fim, uma
observação que parece muito importante. É preciso observar que, quando
uma interpretação constitucional não encontra mais ressonância no meio
social - e há estudos de Reva Siegel, Robert Post, no sentido de que a
sociedade não aceita mais - e se há algo inequívoco hoje, a sociedade não
aceita essa presunção de inocência de uma pessoa condenada que não para
de recorrer -, com a seguinte disfunção, a prescrição, nesse caso, ela
também fica disfuncional, como destacou o eminente Procurador da
República, se o réu não é preso após a apelação, porque, depois da sentença
ou acórdão condenatório, o próximo marco interruptivo da prescrição é o
início do cumprimento da pena. Assim,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915613.
Voto - MIN. LUIZ FU X
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 71 de 122

2
após a sentença, não iniciado o cumprimento da pena, pode a defesa
recorrer ad infinitum, correndo a prescrição. E veja que não há nenhuma
inércia do Ministério Público. Isso é uma situação, isso é teratológico,
absolutamente teratológico.
E, como hoje, efetivamente, essa presunção de inocência não
corresponde mais aquilo que se denomina de sentimento constitucional,
eu colho da obra da professora Patrícia Perrone Campos Mello, sobre
precedentes, que, às vezes, é fundamental o abandono dos precedentes em
virtude da incongruência sistêmica ou social. E, aqui, cito um trecho que
eu também repisei no voto da "Ficha Limpa", quando se alegava presunção
de inocência irradiando-se para o campo eleitoral.
Aqui, eu trago um texto muito interessante dessa eminente
doutrinadora da nossa Universidade. Então afirma ela:
“[…] A incongruência social alude a uma relação de
incompatibilidade entre as normas jurídicas e os standards sociais;
corresponde a um vínculo negativo entre as decisões judiciais e as
expectativas dos cidadãos."

Por outro lado, Konrad Hesse, na sua obra sobre "A Força
Normativa da Constituição", com tradução escorreita do eminente
Ministro Gilmar Mendes, na obra da Fabris Editor, afirmou:
"[...] Quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr
corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de
ser o desenvolvimento de sua força normativa."

O desenvolvimento da força normativa da Constituição, nesse


aspecto, está em que a presunção de inocência cessa a partir do momento
em que se comprova a culpabilidade do agente, máxime, em segundo grau
de jurisdição, encerrando um julgamento impassível de ser modificado
pelos Tribunais Superiores.
Então, pedindo vênia à divergência e louvando essas três exemplares
manifestações dos Ministros Teori, Fachin e Barroso, eu os acompanho
integralmente.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915613.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ÁRM EN LÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 72 de 122

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente,


também devo dizer que esta matéria, que já veio aqui algumas vezes, me
parece da maior relevância, não apenas para a comunidade jurídica, mas,
neste caso específico, para toda a sociedade. Acho que esse é um tema
candente.
Lembro bem que, na última decisão que tomamos no habeas corpus,
parece que da relatoria do Ministro Eros Grau, chegou-se a discutir muito,
nas faculdades, nas academias, mas escutei isso em programas populares,
as consequências que isso teria.
Eu, Senhor Presidente, fiquei vencida nas outras ocasiões exatamente
no sentido do que é o voto agora do Ministro-Relator, ou seja, considerei
que a interpretação da Constituição no sentido de que ninguém pode ser
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória haveria de ser lido e interpretado no sentido de que ninguém
poderá ser considerado culpado e não condenado. Quer dizer, condenado
ele está, mas o que a Constituição diz é que a esfera de culpa ou o carimbo
da culpa, com consequências para além do Direito Penal, inclusive com
base na sentença penal transitada, é uma coisa; quer dizer, algo é dizer que
ninguém será considerado culpado, e esta é a presunção de inocência que
foi discutida na Constituinte. Todos são considerados inocentes até prova
em contrário, e se resolveu que, pelo sistema administrativo brasileiro, que
permite consequências também na esfera do Direito Civil, admitir-se-ia o
princípio da não culpabilidade penal. Então, as consequências eventuais
com o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória haverão de
ser tidas e havidas após o trânsito em julgado, mas a condenação que leva
ao início de cumprimento de pena não afeta este princípio estabelecido
inclusive em documentos internacionais.
Voto - MIN. GILMAR MEND ES
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 73 de 122
Portanto, naqueles julgamentos anteriores, afirmava que a mim não

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10354586.
Voto - MIN. C ÁRM EN LÚCIA

parecia ruptura ou afronta ao princípio da não culpabilidade penal o início


do cumprimento de pena determinado quando já exaurida a fase de
provas, que se extingue exatamente após o duplo grau de jurisdição,
porque então se discute o direito.
E temos inclusive súmula, que aplicamos reiteradamente nos habeas
corpus e em todos os outros processos, aqui incluídos os recursos
extraordinários, a Súmula 279, que não permite revisão de provas nesta
sede.
Portanto, o quadro fático já está posto. Outras questões, claro, haverão
de ser asseguradas para os réus. Por isso, Presidente, considerei e concluí,
votando vencida naqueles julgados, no sentido de que o que a Constituição
determina é a não culpa definitiva antes do trânsito, e não a não
condenação, como disse agora o Ministro Fux, se em duas instâncias já foi
assim considerado, nos termos inclusive das normas internacionais de
Direitos Humanos.
Por essa razão, Senhor Presidente, vou me manter na mesma linha dos
votos antes proferidos, ou seja, neste caso, denego a ordem,
acompanhando o Ministro-Relator, com as vênias da Ministra Rosa Weber
que votou divergente.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 74 de 122

HC 126292 / SP

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10354586.

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Senhor Presidente,


eu formei, como já foi até assinalado, a maioria que, no julgamento do caso
do Habeas Corpus 84.078, estabeleceu a orientação hoje vigente quanto à
necessidade de que houvesse sempre o trânsito em julgado para que se
executasse a sentença.
À época, lembro-me de que o relator do processo era o ministro Eros
Grau, mas se destacou, com muita ênfase, o voto proferido pelo ministro
Cezar Peluso, que ressaltava a importância ou a possibilidade de que
houvesse a prisão provisória a partir dessa decisão de primeiro ou de
segundo grau desde que presentes os requisitos de prisão preventiva. São
os casos clássicos, nós nos lembramos bem, que são hoje enquadráveis
naquele fundamento de ordem pública. A possibilidade, por exemplo, de
uma iteração ou reiteração delitiva. Então, era uma hipótese que se
colocava como plausível para justificar a prisão preventiva a partir da
decisão de primeiro ou de segundo grau.
Como já foi amplamente destacado aqui e tem sido objeto de ampla
discussão e reflexão, nosso sistema é bastante singular, porque, ao
contrário, por exemplo, do modelo alemão, não enseja o trânsito em
julgado a não ser depois de ultimadas todas as providências verificadas no
processo. Daí, termos visto o caso recente trazido ao Plenário, do ministro
Dias Toffoli. Esses apelos, minúcias, expedientes, que vão ao extremo. No
Direito alemão, uma Verfassungsbeschwerde, um recurso constitucional, já
se lançaria contra uma decisão trânsita em julgado. Foi, inclusive, o modelo
Voto - MIN. GILMAR MEND ES
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 75 de 122
que o ministro Peluso imaginou introduzir aqui, por proposta de emenda
constitucional, dizendo, na fase da apelação, definida a apelação, já haverá
trânsito em julgado. Portanto, é a partir desse modelo positivo que muitas
vezes se diz "mas o modelo alemão, por exemplo, leva isso em conta". Ou
o próprio modelo espanhol, que não tem o recurso constitucional, mas tem
o recurso de amparo. Em suma,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 76 de 122

HC 126292 / SP

seguindo as mesmas pegadas. Em nosso caso, ao contrário, sabemos que é


possível, depois da decisão de apelação, portanto, na esfera ainda da
jurisdição ordinária, termos o recurso especial, o recurso extraordinário,
esses sucessivos recursos, já com objetivo, embargos de declaração,
destinados a fundamentalmente elidir o trânsito em julgado e a bloquear a
efetividade das decisões.
Isso tem sido objeto, inclusive, de glosa na própria imprensa
internacional. Não faz muito o The Economist fez uma análise da jurisdição
criminal no Brasil – um pouco na linha do que falou há pouco o ministro
Barroso – dizendo que nós somos muito generosos na utilização da prisão
preventiva e depois invocamos o argumento do trânsito em julgado para a
execução da sentença. Portanto, sugerindo que há abusos.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – Ministro


Gilmar, e só nessa linha, ratificando, porque me esqueci, e acho que parte
do número excessivo de prisões provisórias que nós temos no Brasil é pela
percepção de que, se você não pune no início, não consegue punir no final.
Portanto, uma inversão lógica que hoje nós talvez estejamos ajudando a
combater.
Já que Vossa Excelência citou o The Economist, o desta semana tem
uma matéria muito interessante pela descriminalização da maconha.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Consta a observação


de um correspondente estrangeiro chocado com o excesso de prisões
provisórias e depois com o fato de que pode ser que, se eles obtiverem um
habeas corpus, demorem, ou talvez nem venham a ser presos na execução,
tendo em vista todas as delongas que o sistema permite.
Por conta de todas essas questões e reflexões é que, de uns tempos
para cá, eu tenho me proposto a refletir novamente sobre aquela nossa
decisão. E casos graves têm ocorrido que comprometem mesmo a
efetividade da justiça.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 77 de 122

HC 126292 / SP

Ainda há pouco – e é um caso que eu acompanhava na Presidência do


Supremo Tribunal Federal –, esse crime, por todas as razões,

2
reprovável, ocorrido em Unaí, dos auditores fiscais do trabalho, em que o
assim reconhecido mandante foi condenado a cem anos de prisão e livrase,
solto, vai para casa em seguida. É algo incompreensível, incompreensível
para o senso comum, mas também para o senso técnico.
Um outro caso que nós acompanhávamos, na Presidência do
Supremo, de um deputado que, para solucionar a falta de vaga na Câmara,
decide matar a suplente. Manda matar a suplente.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – Ministro


Gilmar, e no caso de tribunal do júri, tendo em vista a soberania do júri,
talvez se devesse até mesmo pensar a questão do segundo grau, tendo em
vista a gravidade do homicídio.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Mas ficou anos


respondendo solto, vai a júri... Tem que se pensar em alguma coisa.
O caso célebre, que sempre foi discutido, do jornalista do Estado de
São Paulo, que cometeu homicídio contra a também jornalista, sua colega
e namorada, Pimenta Neves.
Em suma, são casos emblemáticos, mas apenas para ajudar a ilustrar
essa situação. E todo dia nós temos aqui essa multiplicidade de embargos
de declaração como instrumento e impediente do trânsito em julgado, que
muitas vezes levam também a esse fenômeno da imposição da prescrição,
porque, ainda que nós tenhamos todo o cuidado nesse tipo de matéria, e
tenhamos hoje até um setor competente no Tribunal para nos advertir do
risco da prescrição, o fato é que ela ocorre, e ocorre não por deliberação

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 78 de 122

HC 126292 / SP

nossa. Todos nós rezamos para que isso não ocorra. Mas simplesmente a
massa de processos não permite que sejamos oniscientes. E infelizmente
isso ocorre. Essa massa de recursos faz com que tenhamos esse quadro
constrangedor de impunidade.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Ministro, Vossa


Excelência me permite um segundo? Apenas para fazer uma observação
que me parece muito coerente com o que já foi dito até aqui. Em todos os

3
casos isso é grave. Em todos os casos penais é grave.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Sim.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – A Justiça que tarda


falha, é claro, mas, em alguns casos, a Justiça que tarda na sua execução
deixa de poder ser prestada. De uma forma simples, dou um exemplo, que
é esse trabalho que faço, de homicídios praticados contra mulheres e um
júri ocorrido dezesseis anos depois. Quer dizer, a pessoa não é presa. Ela já
formou outra família, o homem. A criança que tinha oito anos viu isso,
dezesseis anos depois, aos 24, nem entende mais o que está acontecendo. E
quem é do interior - e o Brasil mora muito no interior -, sabe que as famílias
são inimigas. Então, criou-se uma situação social em que aplica-se a lei,
mas a ideia de justiça acabou, simplesmente acabou. Enfim, só para dar
essa achega. Obrigada pelo aparte.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Obrigado, ministra


Cármen.
Agora eu também queria enfrentar a questão na perspectiva teórica
da ideia da presunção de inocência ou presunção da não culpabilidade, que

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 79 de 122

HC 126292 / SP

foi objeto de uma reflexão muito séria por parte do Tribunal. Acho
importante o debate tendo como leitmotiv a ideia da presunção da não
culpabilidade.
A mim me parece que nós temos uma sinalização de um instituto
jurídico ou o desenho de uma assim chamada garantia institucional. O que
se quer fundamentalmente? Que determinadas premissas básicas sejam
seguidas. Agora, se nós notarmos, ao longo do desenho jurídico positivo,
vamos ver que o próprio legislador lida com esse tema de maneira variada,
dizendo, por exemplo, que bastam indícios para que se justifique a busca e
apreensão. Logo, portanto, atenuando a ideia de uma presunção de
inocência que tornasse o indivíduo quase que insuscetível de ser
investigado. Mas, para o recebimento da denúncia, já exige alguma coisa
mais densa, a ideia da materialidade.

4
O núcleo essencial da presunção de não culpabilidade impõe o ônus
da prova do crime e de sua autoria à acusação. Sob esse aspecto, não há
maiores dúvidas de que estamos falando de um direito fundamental
processual, de âmbito negativo.
Para além disso, a garantia impede, de uma forma geral, o tratamento
do réu como culpado até o trânsito em julgado da sentença. No entanto, a
definição do que vem a ser tratar como culpado depende de intermediação
do legislador.
Ou seja, a norma afirma que ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado da condenação, mas está longe de precisar o que vem
a ser considerar alguém culpado.
O que se tem é, por um lado, a importância de preservar o imputado
contra juízos precipitados acerca de sua responsabilidade. Por outro, uma

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 80 de 122

HC 126292 / SP

dificuldade de compatibilizar o respeito ao acusado com a progressiva


demonstração de sua culpa.
Disso se extrai que o espaço de conformação do legislador é lato. A
cláusula não obsta que a lei regulamente os procedimentos, tratando o
implicado de forma progressivamente mais gravosa, conforme a
imputação evolui. Por exemplo, para impor uma busca domiciliar, bastam
“fundadas razões” – art. 240, §1º, do CPP. Para tornar o implicado réu, já
são necessários a prova da materialidade e indícios da autoria (art. 395, III,
do CPP). Para condená-lo, é imperiosa a prova além de dúvida razoável.
E, aí, eu vou citar um clássico do nosso Direito, que é Eduardo
Espínola Filho, ao afirmar que “a presunção de inocência é vária”, dizia ele na
linguagem singular, “segundo os indivíduos sujeitos passivos do processo, as
contingências da prova e o estado da causa” (ESPÍNOLA FILHO, Eduardo.
Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Volume III. Campinas:
Bookseler, 2000. p. 436).
Portanto, suscitando que isso é passível, usando uma linguagem da
teoria dos direitos fundamentais, de uma conformação por parte inclusive
do legislador. Não é um conceito, quer dizer, estamos falando de um
princípio, não de uma regra. Aqui, não se resolve numa fórmula de tudo

5
ou nada. É disso que se cuida quando Eduardo Espínola Filho fala dessa
gradação.
Ou seja, é natural à presunção de não culpabilidade evoluir de acordo
com o estágio do procedimento. Desde que não se atinja o núcleo
fundamental, o tratamento progressivamente mais gravoso é aceitável.
Na hipótese que estamos analisando, ainda que a condenação não
tenha transitado em julgado, já foi estabelecida pelas instâncias soberanas
para análise dos fatos. Após o julgamento da apelação, estão esgotadas as

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 81 de 122

HC 126292 / SP

vias ordinárias. Subsequentemente, cabem apenas recursos


extraordinários.
Os recursos extraordinários têm sua fundamentação vinculada a
questões federais (recurso especial) e constitucionais (recurso
extraordinário) e, por força da lei (art. 637 do CPP), não têm efeito
suspensivo. A análise das questões federais e constitucionais em recursos
extraordinários, ainda que decorra da provocação da parte recorrente,
serve preponderantemente não ao interesse do postulante, mas ao interesse
coletivo no desenvolvimento e aperfeiçoamento da jurisprudência.
Esgotadas as instâncias ordinárias com a condenação à pena privativa
de liberdade não substituída, tem-se uma declaração, com considerável
força de que o réu é culpado e a sua prisão necessária.
Nesse estágio, é compatível com a presunção de não culpabilidade
determinar o cumprimento das penas, ainda que pendentes recursos.
Note-se que a Lei da Ficha Limpa considera inelegíveis os condenados
por diversos crimes graves nela relacionados, a partir do julgamento em
Tribunal (art. 1º, I, “e”, da Lei Complementar 64/90, introduzido pela Lei
Complementar 135/10).
Essa norma é constitucional, como declarado pelo Supremo Tribunal
(Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30, Relator Min. LUIZ
FUX, Tribunal Pleno, julgadas em 16.2.2012).
Ou seja, a presunção de não culpabilidade não impede que, mesmo
antes do trânsito em julgado, a condenação criminal surta efeitos severos,
como a perda do direito de ser eleito. Igualmente, não parece

6
incompatível com a presunção de não culpabilidade que a pena passe a ser
cumprida, independentemente da tramitação do recurso.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 82 de 122

HC 126292 / SP

Como reforço, acrescenta-se que uma análise do direito comparado


permite verificar que a extensão da garantia contra a prisão até o trânsito
em julgado está longe de ser preponderante.
Nem todas as declarações de direitos contemplam expressamente a
não culpabilidade.
Em sua maioria, as que contemplam afirmam que a inocência é
presumida até o momento em que a culpa é provada de acordo com o
direito.
A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da
Costa Rica) prevê a garantia no artigo 8, 2: “Toda pessoa acusada de um delito
tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente
comprovada sua culpa”.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem prevê, no artigo 6º, 2,
que “Qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a
sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”.
Disposições semelhantes são encontradas no direito francês (artigo 9º
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789), canadense
(seção 11 da Carta de Direitos e Liberdades) e russo (artigo 49 da
Constituição).
Todas escolhem, como marco para cessação da presunção, o momento
em que a culpa é provada de acordo com o direito. Resta saber em que
momento isso ocorre.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, interpretando o
dispositivo da Convenção Europeia, afirma que a presunção pode ser tida
por esgotada antes mesmo da conclusão do julgamento em primeira
instância. Alguns países, notadamente os do sistema “common law”,
dividem os julgamentos nas fases de veredito (verdict) e de aplicação da
pena (sentencing). Na primeira, é deliberado acerca da culpa do implicado.
Se declarada a culpa, passa-se à fase seguinte, de escolha e quantificação
das penas. No caso Matijašević v. Serbia, n. 23037/04, julgado em 19.9.2006,
o Tribunal reitera já longa jurisprudência no sentido

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 83 de 122

HC 126292 / SP

7
de que, declarada a culpa na fase de veredito, o dispositivo não mais se
aplica. Ou seja, com a declaração da culpa, cessa a presunção,
independentemente do cabimento de recursos.
Os Estados Unidos adotam standards bastante rigorosos nessa seara.
A legislação processual federal – art. 18 U. S. Code §3143 – determina a
imediata prisão do condenado, mesmo antes da imposição da pena (alínea
“a”), salvo casos excepcionais. As exceções são ainda mais estritas na
pendência de apelos (alíneas “b” e “c”). As legislação processuais dos
estados não costumam ser mais brandas.
Nesses ordenamentos, muito embora a presunção de não
culpabilidade fique afastada, ainda há o direito a recurso, a ser analisado
em tempo hábil. No entanto, o direito de análise célere da impugnação é
fundado em outros preceitos, como a duração razoável do processo.
O direito alemão prevê uma solução diversa. Muito embora não exista
menção expressa à presunção de inocência na Lei Fundamental, o princípio
faz parte do ordenamento jurídico pela interpretação do sistema e pela
incorporação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. No plano
legal, o Código de Processo Penal (Strafprozeßordnung) afirma que as
“sentenças condenatórias não são exequíveis enquanto não passarem em
julgado” (§449: “Strafurteile sind nicht vollstreckbar, bevor sie rechtskräftig
geworden sind”). A despeito disso, se o acusado é fortemente suspeito
(“dringen verdächtig”) do cometimento de um crime grave, a regra é que
responda preso. Nesses casos, a lei dispensa ulterior demonstração da
necessidade da prisão – §§ 112 e 112a do Strafprozeßordnung. Tendo em
vista a dificuldade de compatibilização da prisão automática com a
presunção de inocência, a jurisprudência tempera a aplicação desses
dispositivos, exigindo, nas prisões antes do julgamento, a demonstração,
ainda que mínima, de algum dos requisitos da prisão preventiva
(Bundesverfassungsgericht, 19, 342).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 84 de 122

HC 126292 / SP

Já o nosso texto constitucional segue a tradição das Constituições da


Itália – artigo 27: “L'imputato non è considerato colpevole sino alla condanna
definitiva” – Portugal –artigo 32, 2: “Todo o arguido se presume inocente até ao
trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais

8
curto prazo compatível com as garantias de defesa” – e dos países de língua
portuguesa em geral – Angola, artigo 67, 2; Moçambique, artigo 59, 2: 2;
Cabo Verde, artigo 34, 1; São Tomé e Príncipe, artigo 40, 2; Guiné-Bissau,
artigo 42, 2 e Timor Leste, artigo 34, 1.
Nota-se que, na tradição italiana e nas constituições de língua
portuguesa a presunção vige até o trânsito em julgado.
Não se nega a importância da análise das Constituições de mesma
tradição. Em nosso caso, os textos constitucionais de língua portuguesa são
“importante objeto de estudo”, visto que “é possível identificar uma tradição
institucional comum que informa os ordenamentos constitucionais de Portugal, do
Brasil, de Angola, de Guiné-Bissau, de Cabo Verde, de Moçambique, e de São Tomé
e Príncipe” (HORBACH, Carlos Bastide. O controle de Constitucionalidade
na Constituição de Timor-Leste. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, vol. XLVI, nº 2. Coimbra: Coimbra Editora, 2005).
De qualquer forma, a interpretação da presunção de não
culpabilidade não pode perder de vista nosso próprio ordenamento. Nosso
país tem um intrincado sistema judiciário. Na base, há duas instâncias, com
ampla competência para análise dos fatos e do direito. Logo acima, temos
as instâncias extraordinárias – Tribunais Superiores e Supremo Tribunal.
O acesso às instâncias extraordinárias é consideravelmente amplo. Não há
meios eficazes para garantir adequação da força de trabalho das Cortes
Superiores ao interesse do desenvolvimento da jurisprudência. A própria
rejeição de recursos pela falta de repercussão geral, nas estreitas hipóteses
em que cabível, demanda muito da Corte. Isso faz com que, mesmo quando

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 85 de 122

HC 126292 / SP

desprovidos de relevância, a análise dos recursos extraordinários demore


muito.
Resta-nos reconhecer que as instâncias extraordinárias, da forma
como são estruturadas no Brasil, não são vocacionadas a dar respostas
rápidas às demandas.
Em suma, a presunção de não culpabilidade é um direito fundamental
que impõe o ônus da prova à acusação e impede o tratamento do réu como
culpado até o trânsito em julgado da sentença.

9
Ainda assim, não impõe que o réu seja tratado da mesma forma
durante todo o processo. Conforme se avança e a culpa vai ficando
demonstrada, a lei poderá impor tratamento algo diferenciado.
O que eu estou colocando, portanto, para nossa reflexão é que é
preciso que vejamos a presunção de inocência como um princípio
relevantíssimo para a ordem jurídica ou constitucional, mas princípio
suscetível de ser devidamente conformado, tendo em vista, inclusive, as
circunstâncias de aplicação no caso do Direito Penal e Processual Penal.
Por isso, eu entendo que, nesse contexto, não é de se considerar que a
prisão, após a decisão do tribunal de apelação, haja de ser considerada
violadora desse princípio.
E a mim parece que, se porventura houver a caracterização – que
sempre pode ocorrer – de abuso na decisão condenatória, certamente
estarão à disposição do eventual condenado todos os remédios, além do
eventual recurso extraordinário, com pedido de efeito suspensivo,
cautelar, também o habeas corpus. E os tribunais disporão de meios para
sustar essa execução antecipada.
Logo, não estamos aqui a fazer tábula rasa e a determinar que se
aplique, sem qualquer juízo crítico, a condenação emitida pelo juízo de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 86 de 122

HC 126292 / SP

segundo grau. Haverá sempre remédios, e o bom e forte habeas corpus


estará à disposição dos eventuais condenados, como acontece de resto com
os vários recursos extraordinários para os quais nós acabamos por
conceder efeito suspensivo. Poderemos fazê-lo também em sede de habeas
corpus.
Revisitei esse tema, Presidente, porque entendi de minha
responsabilidade demarcar que também somei posição na formação da
jurisprudência que agora se está a rever. Mas a própria realidade
institucional de difícil modificação – tanto é que todos nós nos lembramos
do esforço feito pelo ministro Peluso, ao oferecer aquela proposta de
emenda constitucional, mas que tinha reflexo não só na área do Direito
Penal, como também na área do Direito Civil, gerando, então, um
fenômeno de grande insegurança jurídica, com a possibilidade de execução
provisória também no campo do Direito Civel em geral. E, daí,

10
talvez a razão por que a proposta de emenda acabou por não ter o trâmite,
a despeito do bafejo, do apoio que ela colheu na imprensa e também nos
setores da política, porque é um juízo quase que unânime no sentido de
que há algo de extremamente singular no nosso sistema jurídico penal,
mas, de fato, a ideia que Sua Excelência desenvolveu, seguindo o modelo
europeu de controle concentrado de que haveria o trânsito em julgado com
a decisão de segundo grau e, aí, valia tanto para as decisões de caráter
penal como de civil, colocou realmente em grande temor todos aqueles que
imaginavam que, depois, o recurso extraordinário teria efeito de uma
rescisória com todas as consequências e as próprias execuções que se
fariam no campo cível já teriam caráter de definitividade. Daí, portanto, a
dificuldade que se colocou. Mas isso é até um dado muito curioso que fala
bem da honestidade intelectual do ministro Peluso. Sua Excelência, na
verdade, que contribuiu decisivamente para o debate, para a consagração

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 87 de 122

HC 126292 / SP

do precedente aqui referido, depois, diante da análise das consequências,


se viu tentado a desamarrar o impasse e propôs então essa emenda
constitucional que teve um trâmite bastante enfático e acentuado, eu acho
que no Senado.
Mas eu quero registrar que estou fazendo uma revisão de orientação.
E, à época, eu imaginei que a própria ressalva que o ministro Peluso tinha
trazido quanto à possibilidade de prisão depois da decisão de segundo
grau, fosse mais abrangente do que poderia ser, porque, de fato, em alguns
casos, nós podemos chegar, após a decisão de segundo grau, à aplicação
da prisão como garantia da ordem pública. Mas como fazê-lo, por exemplo,
em casos graves de homicídio? Crimes que causam desassossego nas
comunidades e que o réu responde solto? Vai a júri? Vai recorrer
sucessivamente?
Nós temos inclusive hoje uma dificuldade, e esse é um outro dado
importante, que nós até temos tido essa reflexão na Turma, alonga-se por
demais a submissão de alguém ao julgamento do júri. Por quê? Porque se
espera também a preclusão definitiva da chamada decisão de sentença de
pronúncia. Portanto, isso vem em recurso para o tribunal de apelação e
depois vem ao STJ e, muitas vezes, vem até ao Supremo Tribunal Federal,

11
frequentemente em habeas corpus, em suma, buscando a revisão da sentença
de pronúncia. E, veja, o Brasil, nesse sentido, é um país, Presidente, Vossa
Excelência tem os dados, inclusive, no CNJ, certamente é surreal.
Acontece, no Brasil, prescrição de crime de júri, o que seria impensável,
porque nós estamos falando da prescrição longi temporis, a mais ampla que
se pode imaginar, mas eu me deparei com isso em Pernambuco, em que,
em vários casos, teve-se de fazer mutirão, porque, veja, algo que seria
impensável, que é a possibilidade de ter-se prescrição em função desse

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 88 de 122

HC 126292 / SP

alongamento. O que realmente acaba comprometendo todo o sistema.


Portanto...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – Ministro


Gilmar, só um comentário nessa mesma linha. Primeiro, endossando a
referência elogiosa ao Ministro Peluso, à qual adiro. Mas este problema...
Eu fui do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, cinco anos.
Uma das grandes tragédias brasileiras, em matéria de direitos humanos, é
a existência de grupos de extermínio, de norte a sul do País, que atuam,
sobretudo, em razão da impunidade do sistema formal de Justiça. Então,
com um certo apoio velado da sociedade, aquele pequeno comerciante ou
pequeno empresário, ou aquele que foi afrontado com, eventualmente, um
homicídio não punido, ele contrata um matador e resolve o seu problema
com uma Justiça paralela, que é apenas um sintoma mais grave de que a
Justiça formal não foi capaz de atender à demanda dele.
De modo que, endossando essa sua observação, eu me lembro desse
problema dos grupos de extermínio, que é um problema grave, de norte a
sul do País; e é grave pela violência, e é grave por uma certa cumplicidade
silenciosa da sociedade.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – E é verdade, o


governador Eduardo Campos acompanhava essa questão, diretamente, me
mostrou o sistema de acompanhamento no Palácio, em Pernambuco, e

12
ele ficava um tanto chocado, não era da área jurídica, com esse fenômeno;
travava um combate muito intenso contra o crime organizado,
especialmente, esse crime de mando em Pernambuco, e, depois de dois ou
três anos da prisão de autores de crimes graves, ele dizia "a Justiça acaba

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 89 de 122

HC 126292 / SP

decidindo pela soltura", porque vinha a questão do tempo de prisão,


crimes complexos em que não havia a possibilidade de fazer um
julgamento rápido e, claro, essas pessoas voltariam a cometer crimes,
porque pertenciam a organizações criminosas. Nós sabemos que, em
alguns parlamentos, de alguns Estados, há, inclusive, algumas figuras
importantes que estão associadas – certamente Vossa Excelência deve ter
visto isso na comissão – a esses crimes extremamente graves; a questão da
pistolagem, em alguns Estados, é extremamente grave.
Então, a mim me parece que eu teria que me estender um pouco mais,
Presidente, só porque me somei à maioria vencedora naquele caso. E quero
ressaltar que, tivéssemos nós a compreensão, por exemplo, que têm os
alemães em relação à possibilidade da prisão preventiva, mesmo antes do
trânsito em julgado, nós teríamos um argumento satisfatório, quer dizer,
com base na garantia da ordem pública. Mas, pelo menos, o entendimento
que nós temos hoje, aqui, é que se justifica a prisão, com base na garantia
da ordem pública, em casos de possibilidade de repetição do delito em
situações assemelhadas; em muitas situações, nós temos crimes
extremamente graves, mas não se pode cogitar de sua possível repetição a
justificar a prisão.
De modo que eu, fazendo todos esses registros, pedindo vênia agora
à ministra Rosa Weber, que aderiu à posição anterior e, também, vênias
antecipadas ao ministro Marco Aurélio, possivelmente ao ministro Celso
de Mello, que há muito perfilham a orientação até aqui dominante, vou
acompanhar o voto trazido pelo ministro Teori Zavascki, denegando a
ordem.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MEND ES Inteiro Teor do Acórdão - Página 90 de 122

HC 126292 / SP

13

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10932289.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. M ARCO AUR ÉLIO Inteiro Teor do Acórdão - Página 91 de 122

HC 126292 / SP

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, não vejo


uma tarde feliz, em termos jurisdicionais, na vida deste Tribunal, na vida
do Supremo.
Há pouco, concluímos, considerada maioria escassa, por diferença de
um voto, no sentido do não cabimento do habeas corpus contra ato de
membro do Tribunal. Revelei preocupação quanto à reprodução dessa
óptica nos Tribunais Superiores, nos vinte e sete Tribunais de Justiça e nos
cinco Tribunais Regionais Federais. Já, agora, com o voto de integrantes
que buscam sempre a preservação da jurisprudência, revemos
jurisprudência, que poderia dizer até mesmo recente, para admitir o que
ressalto em votos na Turma como execução precoce, temporã, açodada da
pena, sem ter-se a culpa devidamente formada.
Esses dois pronunciamentos esvaziam o modelo garantista,
decorrente da Carta de 1988. Carta – não me canso de dizer – que veio a
tratar dos direitos sociais antes de versar, como fizeram as anteriores, a
estrutura do Estado. Carta apontada como cidadã por Ulisses Guimarães,
um grande político do Estado-país, que é São Paulo, dentro do próprio
País.
Tenho dúvidas, se, mantido esse rumo, quanto à leitura da
Constituição pelo Supremo, poderá continuar a ser tida como Carta cidadã.
Admito que a quadra é de delinquência maior, tendo em conta, até
mesmo, o crescimento demográfico desenfreado, ocorrido nos últimos
quarenta e cinco anos. Lembremo-nos da Copa de 1970, Zagalo, Pelé e
companhia, quando se ouvia o refrão: "Noventa milhões de brasileiros em
ação". Hoje somos duzentos e cinco milhões de brasileiros em ação. Um
crescimento demográfico de cerca de cento e quarenta por cento, presente
natalidade sem controle.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10400943.
Voto - MIN. M ARCO AUR ÉLIO
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 92 de 122

Reconheço, mais, que a Justiça é morosa, que o Estado, em termos de


persecução criminal, é moroso. Reconheço, ainda, que, no campo do
Direito Penal, o tempo é precioso, e o é para o Estado-acusador e para o
próprio acusado, implicando a prescrição da pretensão punitiva, muito
embora existam diversos fatores interruptivos do prazo prescricional.
Reconheço que a época é de crise. Crise maior. Mas justamente, em
quadra de crise maior, é que devem ser guardados parâmetros, princípios
e valores, não se gerando instabilidade, porque a sociedade não pode viver
aos sobressaltos, sendo surpreendida.
Ontem, o Supremo disse que não poderia haver a execução provisória,
quando em jogo a liberdade de ir e vir. Considerado o mesmo texto
constitucional, hoje, conclui de forma diametralmente oposta, por uma
maioria que, presumo, virá a ser de sete votos a quatro. Não quero atrelar
Vossa Excelência a qualquer das correntes, mas imagino, em termos de
concepção do Direito positivo, de interpretação – que é ato de vontade, mas
é ato vinculado ao Direito positivo –, o seu voto.
O caso não se mostra próximo de sugerir essa mudança substancial.
Por que não é um caso à feição dessa mudança? Porque, na sentença, sem
especificidade, sem limitação quanto ao recurso, assegurou-se ao paciente
recorrer em liberdade. Ele o fez; o Ministério Público, não. Então,
desprovida a apelação, implementou o Tribunal de Justiça não uma
cautelar. Partiu para a execução – que já rotulei, com desassombro, como
temporã, precoce, açodada –, determinando a expedição do mandado de
prisão. Repita-se: assim o fez em cima de um recurso da defesa e presente
a cláusula da sentença, não houve recurso da acusação, ensejadora da
interposição de recursos – no plural – em liberdade.
Presidente, o acesso aos Tribunais de Brasília ainda está pendente. Por
que, em passado recente, o Tribunal assentou a impossibilidade, levando
inclusive o Superior Tribunal de Justiça a rever jurisprudência pacificada,
de ter-se a execução provisória da pena? Porque, no rol principal das
garantias constitucionais da Constituição de 1988, tem-se, em bom
vernáculo, que "ninguém será considerado culpado antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória".
O preceito, a meu ver, não permite interpretações. Há uma máxima,
em termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10400943.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. M ARCO AUR ÉLIO Inteiro Teor do Acórdão - Página 93 de 122

HC 126292 / SP

2
HC 126292 / SP

onde o texto é claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se


reescrever a norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional. Há de
vingar o princípio da autocontenção. Já disse, nesta bancada, que, quando
avançamos, extravasamos os limites que são próprios ao Judiciário, como
que se lança um bumerangue e este pode retornar e vir à nossa testa.
Considerado o campo patrimonial, a execução provisória pode inclusive
ser afastada, quando o recurso é recebido não só no efeito devolutivo, como
também no suspensivo. Pressuposto da execução provisória é a
possibilidade de retorno ao estágio anterior, uma vez reformado o título.
Indaga-se: perdida a liberdade, vindo o título condenatório e
provisório – porque ainda sujeito a modificação por meio de recurso – a ser
alterado, transmudando-se condenação em absolvição, a liberdade será
devolvida ao cidadão? Àquele que surge como inocente? A resposta,
Presidente, é negativa.
Caminha-se – e houve sugestão de alguém, grande Juiz que ocupou
essa cadeira – para verdadeira promulgação de emenda constitucional.
Tenho dúvidas se seria possível até mesmo uma emenda, ante a limitação
do artigo 60 da Carta de 1988 quanto aos direitos e garantias individuais.
O ministro Cezar Peluso cogitou para, de certa forma, esvaziar um pouco
a morosidade da Justiça, da execução após o crivo revisional, formalizado
por Tribunal – geralmente de Justiça ou Regional Federal – no julgamento
de apelação. Mas essa ideia não prosperou no Legislativo. O Legislativo
não avançou. Porém, hoje, no Supremo, será proclamado que a cláusula
reveladora do princípio da não culpabilidade não encerra garantia, porque,
antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, é possível colocar o
réu no xilindró, pouco importando que, posteriormente, o título
condenatório venha a ser reformado.
O passo, Presidente, é demasiadamente largo e levará – já afirmou o
ministro Gilmar Mendes – a um acréscimo considerável de impetrações, de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10400943.
Voto - MIN. M ARCO AUR ÉLIO
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 94 de 122

habeas corpus, muito embora também seja dado constatar que o


esvaziamento dessa ação nobre, no que vinga a autodefesa, considerada a
grande avalanche de processos, e se busca uma base, seja qual for, para o
não conhecimento da ação – nomenclatura, esta, que se refere a recursos

3
–, considerados os pressupostos de recorribilidade.
Peço vênia para me manter fiel a essa linha de pensar sobre o alcance
da Carta de 1988 e emprestar algum significado ao princípio da não
culpabilidade. Qual é esse significado, senão evitar que se execute,
invertendo-se a ordem natural das coisas – que direciona a apurar para,
selada a culpa, prender –, uma pena, a qual não é, ainda, definitiva. E, mais,
não se articule com a via afunilada, para ter-se a reversão, levando em
conta a recorribilidade extraordinária, porque é possível caminhar-se,
como se caminha no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal
Federal, para o provimento do recurso especial ou do recurso
extraordinário.
Acompanho, Presidente, a divergência revelada pela ministra Rosa
Weber. Implemento a ordem pleiteada na inicial deste habeas corpus.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10400943.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. M ARCO AUR ÉLIO Inteiro Teor do Acórdão - Página 95 de 122

HC 126292 / SP

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10400943.
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 96 de 122

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Registre-se, desde


logo, Senhor Presidente, que a presunção de inocência representa uma
notável conquista histórica dos cidadãos em sua permanente luta contra a
opressão do Estado e o abuso de poder.

Na realidade, a presunção de inocência, a que já se referia Tomás de


Aquino em sua “Suma Teológica”, constitui resultado de um longo
processo de desenvolvimento político-jurídico, com raízes, para alguns,
na Magna Carta inglesa (1215), embora, segundo outros autores, o marco
histórico de implantação desse direito fundamental resida no século
XVIII, quando, sob o influxo das ideias iluministas, veio esse direito-
garantia a ser consagrado, inicialmente, na Declaração de Direitos do Bom
Povo da Virgínia (1776).

Esse, pois, na lição de doutrinadores – ressalvada a opinião de quem


situa a gênese dessa prerrogativa fundamental, ainda que em bases
incipientes, no Direito Romano –, o momento inaugural do
reconhecimento de que ninguém se presume culpado nem pode sofrer
sanções ou restrições em sua esfera jurídica senão após condenação
transitada em julgado.

A consciência do sentido fundamental desse direito básico,


enriquecido pelos grandes postulados políticos, doutrinários e
filosóficos do Iluminismo, projetou-se, com grande impacto, na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, cujo art. 9º solenemente
proclamava a presunção de inocência, com expressa repulsa às práticas
absolutistas do Antigo Regime.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 97 de 122

HC 126292 / SP

Mostra-se importante assinalar, neste ponto, Senhor Presidente, que


a presunção de inocência, legitimada pela ideia democrática – não obstante
golpes desferidos por mentes autoritárias ou por regimes autocráticos que
absurdamente preconizam o primado da ideia de que todos são culpados
até prova em contrário (!?!?) –, tem prevalecido, ao longo de seu virtuoso
itinerário histórico, no contexto das sociedades civilizadas, como valor
fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana.

Não foi por outra razão que a Declaração Universal de Direitos da Pessoa
Humana, promulgada em 10/12/1948, pela III Assembleia Geral da ONU,
em reação aos abusos inomináveis cometidos pelos regimes totalitários
nazi-fascistas, proclamou, em seu art. 11, que todos presumem-se
inocentes até que sobrevenha definitiva condenação judicial.

Essa mesma reação do pensamento democrático, que não pode nem


deve conviver com práticas, medidas ou interpretações que golpeiem o
alcance e o conteúdo de tão fundamental prerrogativa assegurada a toda
e qualquer pessoa, mostrou-se presente em outros importantes
documentos internacionais, alguns de caráter regional, como a
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948,
Artigo XXVI), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (São
José da Costa Rica, 1969, Artigo 8º, § 2º), a Convenção Europeia para
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(Roma, 1950, Artigo 6º, § 2º), a Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia (Nice, 2000, Artigo 48, § 1º), a Carta Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos/Carta de Banjul (Nairóbi, 1981, Artigo 7º, § 1º, “b”)
e a Declaração Islâmica sobre Direitos Humanos (Cairo, 1990, Artigo 19,
“e”), e outros de caráter global, como o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos (Artigo 14, § 2º), adotado pela Assembleia Geral
das Nações Unidas em 1966.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 98 de 122

HC 126292 / SP

Vê-se, desse modo, Senhor Presidente, que a repulsa à presunção de


inocência – com todas as consequências e limitações jurídicas ao poder
estatal que dessa prerrogativa básica emanam – mergulha suas raízes em
uma visão incompatível com os padrões ortodoxos do regime democrático,
impondo, indevidamente, à esfera jurídica dos cidadãos restrições não
autorizadas pelo sistema constitucional.

Torna-se relevante observar, neste ponto, a partir da douta lição


exposta por ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO (“Presunção de
Inocência e Prisão Cautelar”, p. 12/17, 1991, Saraiva), que esse conflito
ideológico entre o valor do princípio democrático, que consagra o
primado da liberdade, e o desvalor do postulado autocrático, que privilegia
a onipotência do Estado, revelou-se muito nítido na Itália, a partir do
século XIX, quando se formaram, em momentos sucessivos, três escolas de
pensamento em matéria penal: a Escola Clássica, cujos maiores
expoentes foram FRANCESCO CARRARA e GIOVANNI
CARMIGNANI, que sustentavam, inspirados nas concepções iluministas, o
dogma da presunção de inocência, a que se seguiram, no entanto, os
adeptos da Escola Positiva, como ENRICO FERRI e RAFFAELE
GAROFALO, que preconizavam a ideia de ser mais razoável presumir a
culpabilidade das pessoas, e, finalmente, a refletir o “espírito do tempo”
(“Zeitgeist”) que tão perversamente buscou justificar visões e práticas
totalitárias de poder, a Escola Técnico-Jurídica, que teve em EMANUELE
CARNEVALE e em VINCENZO MANZINI os seus corifeus,
responsáveis, entre outros aspectos, pela formulação da base doutrinária
que deu suporte a uma noção prevalecente ao longo do regime totalitário
fascista – a noção segundo a qual não tem sentido nem é razoável
presumir-se a inocência do réu!!!

O exame da obra de VINCENZO MANZINI (“Tratado de Derecho


Procesal Penal”, tomo I/253-257, item n. 40, tradução de Santiago Sentís
Melendo e Mariano Ayerra Redín, 1951, Ediciones Juridicas
Europa-América, Buenos Aires) reflete, com exatidão, essa posição

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 99 de 122

HC 126292 / SP

3
nitidamente autocrática, que repudia “A chamada tutela da inocência” e
que vê, na “pretendida presunção de inocência”, algo “absurdamente paradoxal
e irracional” (“op. cit.”, p. 253, item n. 40).

Mostra-se evidente, Senhor Presidente, que a Constituição brasileira


promulgada em 1988 e destinada a reger uma sociedade fundada em
bases genuinamente democráticas é bem o símbolo representativo da
antítese ao absolutismo do Estado e à força opressiva do poder, considerado o
contexto histórico que justificou, em nosso processo político, a ruptura com
paradigmas autocráticos do passado e o banimento, por isso mesmo, no plano
das liberdades públicas, de qualquer ensaio autoritário de uma
inaceitável hermenêutica de submissão, somente justificável numa
perspectiva “ex parte principis”, cujo efeito mais conspícuo, em face
daqueles que presumem a culpabilidade do réu, será a virtual (e
gravíssima) esterilização de uma das mais expressivas conquistas
históricas da cidadania: o direito do indivíduo de jamais ser tratado, pelo
Poder Público, como se culpado fosse.

Vale referir, no ponto, a esse respeito, a autorizada advertência do


eminente Professor LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com o
Professor VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Direito Penal –
Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto
de San José da Costa Rica”, vol. 4/85-91, 2008, RT):

“O correto é mesmo falar em princípio da presunção de


inocência (tal como descrito na Convenção Americana), não em
princípio da não-culpabilidade (…).
Trata-se de princípio consagrado não só no art. 8º, 2, da
Convenção Americana senão também (em parte) no art. 5º, LVII, da
Constituição Federal, segundo o qual toda pessoa se presume
inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença
transitada em julgado. Tem previsão normativa desde 1789,
posto que já constava da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 100 de 122

HC 126292 / SP

4
Do princípio da presunção de inocência (‘todo acusado é
presumido inocente até que se comprove sua culpabilidade’) emanam
duas regras: (a) regra de tratamento e (b) regra probatória.
‘Regra de tratamento’: o acusado não pode ser tratado
como condenado antes do trânsito em julgado final da sentença
condenatória (CF, art. 5º, LVII).
O acusado, por força da regra que estamos estudando, tem o
direito de receber a devida ‘consideração’ bem como o direito
de ser tratado como não participante do fato imputado. Como
‘regra de tratamento’, a presunção de inocência impede qualquer
antecipação de juízo condenatório ou de reconhecimento da
culpabilidade do imputado, seja por situações, práticas, palavras,
gestos etc., podendo-se exemplificar: a impropriedade de se manter
o acusado em exposição humilhante no banco dos réus, o uso de
algemas quando desnecessário, a divulgação abusiva de fatos e nomes
de pessoas pelos meios de comunicação, a decretação ou manutenção
de prisão cautelar desnecessária, a exigência de se recolher à prisão
para apelar em razão da existência de condenação em primeira
instância etc. É contrária à presunção de inocência a exibição de uma
pessoa aos meios de comunicação vestida com traje infamante (Corte
Interamericana, Caso Cantoral Benavides, Sentença de 18.08.2000,
parágrafo 119).” (grifei)

Disso resulta, segundo entendo, que a consagração constitucional da


presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa –
independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja
sido imputado – há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma
hermenêutica essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa
humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos
e quaisquer efeitos, deve prevalecer, até o superveniente trânsito em
julgado da condenação criminal, como uma cláusula de insuperável bloqueio
à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou restrinjam
a esfera jurídica das pessoas em geral.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 101 de 122

HC 126292 / SP

5
É por isso, Senhor Presidente, que ninguém, absolutamente ninguém,
pode ser tratado como se culpado fosse antes que sobrevenha contra ele
condenação penal transitada em julgado, tal como tem advertido o
magistério jurisprudencial desta Suprema Corte:

“O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO


DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO
SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU
CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.
– A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui
extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser
ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais que
culminem por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de
direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da
República, a ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de
crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória
irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável
vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a
culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja
a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem
que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada
em julgado.
O princípio constitucional da presunção de inocência, em
nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes
consequências, uma regra de tratamento que impede o Poder
Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao
indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido
condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário.
Precedentes.”
(HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A necessária observância da cláusula constitucional consagradora da


presunção de inocência (que só deixa de prevalecer após o trânsito em julgado

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 102 de 122

HC 126292 / SP

6
da condenação criminal) representa, de um lado, como já assinalado, fator
de proteção aos direitos de quem sofre a persecução penal e traduz, de
outro, requisito de legitimação da própria execução de sanções
privativas de liberdade ou de penas restritivas de direitos.

O fato, Senhor Presidente, é que o Ministério Público e as


autoridades judiciárias e policiais não podem tratar, de forma arbitrária,
quem quer que seja, negando-lhe, de modo abusivo, o exercício pleno de
prerrogativas resultantes, legitimamente, do sistema de proteção
institucionalizado pelo próprio ordenamento constitucional e concebido
em favor de qualquer pessoa sujeita a atos de persecução estatal.

Coerentemente com esse entendimento, tenho proferido decisões,


no Supremo Tribunal Federal, que bem refletem a posição por mim ora
exposta, como se vê, “p. ex.”, de decisão cuja ementa a seguir reproduzo:

“– A privação cautelar da liberdade individual – qualquer


que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão
em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão
decorrente de decisão de pronúncia e prisão resultante de condenação
penal recorrível) – não se destina a infligir punição antecipada à
pessoa contra quem essa medida excepcional é decretada ou
efetivada. É que a idéia de sanção é absolutamente estranha à
prisão cautelar (‘carcer ad custodiam’), que não se confunde com a
prisão penal (‘carcer ad poenam’). Doutrina. Precedentes.
– A utilização da prisão cautelar com fins punitivos
traduz deformação desse instituto de direito processual, eis que o
desvio arbitrário de sua finalidade importa em manifesta ofensa às
garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido
processo legal. Precedentes.
– A gravidade em abstrato do crime não basta, por si
só, para justificar a privação cautelar da liberdade individual do
suposto autor do fato delituoso.
O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza
da infração penal não se revela circunstância apta a legitimar a

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 103 de 122

HC 126292 / SP

7
prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada
pelo Estado. Precedentes.
– A ausência de vinculação do indiciado ou do réu ao
distrito da culpa não constitui, só por si, motivo autorizador da
decretação da sua prisão cautelar. Precedentes.
– A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou
judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as
autoridades que o investigam ou que o processam traduzem
comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio
constitucional que protege qualquer pessoa contra a auto-
incriminação, especialmente aquela exposta a atos de persecução
penal.
O Estado – que não tem o direito de tratar suspeitos,
indiciados ou réus como se culpados fossem (RTJ 176/805-806) –
também não pode constrangê-los a produzir provas contra si
próprios (RTJ 141/512).
Aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado
tem, dentre outras prerrogativas básicas, o direito (a) de
permanecer em silêncio, (b) de não ser compelido a produzir
elementos de incriminação contra si próprio nem constrangido a
apresentar provas que lhe comprometam a defesa e (c) de se
recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos
probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a
reprodução simulada do evento delituoso e o fornecimento de padrões
gráficos ou de padrões vocais, para efeito de perícia criminal.
Precedentes.
– O exercício do direito contra a auto-incriminação, além
de inteiramente oponível a qualquer autoridade ou agente do Estado,
não legitima, por efeito de sua natureza constitucional, a adoção de
medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica daquele contra
quem se instaurou a ‘persecutio criminis’. Medida cautelar
deferida.”
(HC 96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
DJE 15/10/2008)

Importante insistir na asserção, Senhores Ministros, de que o

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 104 de 122

HC 126292 / SP

Supremo Tribunal Federal há de possuir a exata percepção de quão

8
fundamentais são a proteção e a defesa da supremacia da Constituição para
a vida do País, a de seu povo e a de suas instituições.

A nossa Constituição estabelece, de maneira muito nítida, limites que


não podem ser transpostos pelo Estado (e por seus agentes) no desempenho
da atividade de persecução penal. Na realidade, é a própria Lei
Fundamental que impõe, para efeito de descaracterização da presunção de
inocência, o trânsito em julgado da condenação criminal.

Veja-se, pois, que esta Corte, no caso em exame, está a expor e a


interpretar o sentido da cláusula constitucional consagradora da presunção
de inocência, tal como esta se acha definida pela nossa Constituição, cujo
art. 5º, inciso LVII (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”), estabelece, de modo inequívoco, que
a presunção de inocência somente perderá a sua eficácia e a sua força
normativa após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

É por isso que se mostra inadequado invocar-se a prática e a


experiência registradas nos Estados Unidos da América e na França, entre
outros Estados democráticos, cujas Constituições, ao contrário da nossa, não
impõem a necessária observância do trânsito em julgado da condenação
criminal.

Mais intensa, portanto, no modelo constitucional brasileiro, a


proteção à presunção de inocência.

Quando esta Suprema Corte, apoiando-se na presunção de inocência,


afasta a possibilidade de execução antecipada da condenação criminal,
nada mais faz, em tais julgamentos, senão dar ênfase e conferir amparo a
um direito fundamental que assiste a qualquer cidadão: o direito de ser
presumido inocente até que sobrevenha condenação penal irrecorrível.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 105 de 122

HC 126292 / SP

9
Tenho para mim que essa incompreensível repulsa à presunção de
inocência, Senhor Presidente, com todas as gravíssimas consequências daí
resultantes, mergulha suas raízes em uma visão absolutamente
incompatível com os padrões do regime democrático.

Por isso mesmo, impõe-se repelir, vigorosamente, os fundamentos


daqueles que, apoiando-se em autores como Enrico Ferri, Raffaele Garofalo,
Emanuele Carnevale e Vincenzo Manzini, vislumbram algo “absurdamente
paradoxal e irracional” na “pretendida presunção de inocência” (a frase é de
Manzini).

O Supremo Tribunal Federal, ao revelar fidelidade ao postulado


constitucional do estado de inocência, não inviabiliza a prisão cautelar
(como a prisão temporária e a prisão preventiva) de indiciados ou réus
perigosos, pois expressamente reconhece, uma vez presentes razões
concretas que a justifiquem, a possibilidade de utilização, por magistrados e
Tribunais, das diversas modalidades de tutela cautelar penal, em ordem a
preservar e proteger os interesses da coletividade em geral e os dos
cidadãos em particular.

A jurisprudência que o Supremo Tribunal vem construindo em


tema de direitos e garantias individuais confere expressão concreta, em
sua formulação, a uma verdadeira agenda das liberdades, cuja
implementação é legitimada pelo dever institucional, que compete à Corte
Suprema, de fazer prevalecer o primado da própria Constituição da República.

Não custa rememorar que essa prerrogativa básica – a de que todos


se presumem inocentes até que sobrevenha condenação penal transitada em
julgado – está consagrada não só nas Constituições democráticas de
inúmeros países (como o Brasil), mas, também, como anteriormente
assinalado, em importantes declarações internacionais de direitos
humanos, como a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana
(1948), a Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 106 de 122

HC 126292 / SP

10
Homem e das Liberdades Fundamentais (1950), a Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia (2000), a Carta Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos (1981), a Declaração Islâmica sobre Direitos
Humanos (1990), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
(1966) e a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969).

Lembro-me de que, no passado, sob a égide autoritária do Estado


Novo, editou-se o Decreto-lei nº 88/37, que impunha ao acusado o dever
de provar, em sede penal, que não era culpado !!!

Essa regra legal – como salientei no julgamento do HC 83.947/AM,


de que fui Relator – consagrou uma esdrúxula fórmula de despotismo explícito,
pois exonerou, absurdamente, o Ministério Público, nos processos por delitos
contra a segurança nacional, de demonstrar a culpa do réu.

O diploma legislativo em questão, com a falta de pudor que


caracteriza os regimes despóticos, veio a consagrar, em dado momento
histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), a obrigação de o réu
provar a sua própria inocência!!!

Com efeito, o art. 20, n. 5, do Decreto-lei nº 88, de 20/12/1937,


estabeleceu, nos processos por delitos contra a segurança do Estado, uma regra
absolutamente incompatível com o modelo democrático, como se vê da
parte inicial de seu texto: “presume-se provada a acusação, cabendo ao réu
prova em contrário (...)” (grifei).

É por isso que o Supremo Tribunal Federal tem sempre advertido


que as acusações penais não se presumem provadas, pois – como tem
reconhecido a jurisprudência da Corte – o ônus da prova referente aos fatos
constitutivos da imputação penal incumbe, exclusivamente, a quem acusa.

Isso significa que não compete ao réu demonstrar a sua própria


inocência. Ao contrário, cabe ao Ministério Público comprovar, de forma

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 107 de 122

HC 126292 / SP

11
inequívoca, em plenitude, para além de qualquer dúvida razoável, a
culpabilidade do acusado e os fatos constitutivos da própria imputação
penal pertinentes à autoria e à materialidade do delito (RTJ 161/264-266, Rel.
Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

É por tal motivo que a presunção de inocência, enquanto limitação


constitucional ao poder do Estado, faz recair sobre o órgão da acusação,
agora de modo muito mais intenso, o ônus substancial da prova, fixando
diretriz a ser indeclinavelmente observada pelo magistrado e pelo
legislador.

O fato indiscutivelmente relevante, no domínio processual penal, é


que, no âmbito de uma formação social organizada sob a égide do regime
democrático, não se justifica a formulação, seja por antecipação ou seja por
presunção, de qualquer juízo condenatório, que deve, sempre, respeitada,
previamente, a garantia do devido processo, assentar-se – para que se
qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica – em elementos de
certeza, os quais, ao dissiparem ambiguidades, ao esclarecerem situações
equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se
capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente,
afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas em torno da
culpabilidade do acusado.

Meras conjecturas – que sequer podem conferir suporte material a


qualquer acusação penal – não se revestem, em sede processual penal, de
idoneidade jurídica. Não se pode – tendo-se presente a presunção
constitucional de inocência dos réus – atribuir relevo e eficácia a juízos
meramente conjecturais, para, com fundamento neles, apoiar um
inadmissível decreto condenatório e deste extrair, sem que ocorra o
respectivo trânsito em julgado, consequências de índole penal ou extrapenal
compatíveis, no plano jurídico, unicamente com um título judicial
qualificado pela nota da definitividade.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 108 de 122

HC 126292 / SP

12
É sempre importante advertir, na linha do magistério jurisprudencial
e em respeito aos princípios estruturantes do regime democrático, que,
“Por exclusão, suspeita ou presunção, ninguém pode ser condenado em
nosso sistema jurídico-penal” (RT 165/596, Rel. Des. VICENTE DE
AZEVEDO – grifei).

Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo


constitucional consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer
comportamento estatal transgressor do dogma segundo o qual não haverá
culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita (RT
690/390 – RT 698/452-454).

A jurisprudência desta Suprema Corte enfatiza, bem por isso, com


particular veemência, que “Não podem repercutir contra o réu situações
jurídico-processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível do Poder
Judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistência de título penal
condenatório definitivamente constituído” (RTJ 139/885, Rel. Min. CELSO
DE MELLO).

Insista-se, pois, na asserção de que o postulado do estado de inocência


repele suposições ou juízos prematuros de culpabilidade até que sobrevenha
– como o exige a Constituição do Brasil – o trânsito em julgado da
condenação penal. Só então deixará de subsistir, em relação à pessoa
condenada, a presunção de que é inocente.

Há, portanto, segundo penso, um momento, claramente definido no


texto constitucional, a partir do qual se descaracteriza a presunção de
inocência, vale dizer, aquele instante em que sobrevém o trânsito em
julgado da condenação criminal. Antes desse momento, o Estado não pode
tratar os indiciados ou os réus como se culpados fossem. A presunção de
inocência impõe, desse modo, ao Poder Público um dever de tratamento
que não pode ser desrespeitado por seus agentes e autoridades.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 109 de 122

HC 126292 / SP

13
Acho importante acentuar que a presunção de inocência não se
esvazia progressivamente, à medida em que se sucedem os graus de
jurisdição. Isso significa, portanto, que, mesmo confirmada a
condenação penal por um Tribunal de segunda instância, ainda assim
subsistirá, em favor do sentenciado, esse direito fundamental, que só
deixará de prevalecer – repita-se – com o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, como claramente estabelece, em texto inequívoco, a
Constituição da República.

Enfatizo, por necessário, que o “status poenalis” não pode sofrer –


antes de sobrevir o trânsito em julgado de condenação judicial –
restrições lesivas à esfera jurídica das pessoas em geral e dos cidadãos
em particular. Essa opção do legislador constituinte (pelo
reconhecimento do estado de inocência) claramente fortaleceu o
primado de um direito básico, comum a todas as pessoas, de que ninguém
– absolutamente ninguém – pode ser presumido culpado em suas relações
com o Estado, exceto se já existente sentença transitada em julgado.

Impende registrar, Senhor Presidente, que Vossa Excelência, no


julgamento da ADPF 144/DF, de que fui Relator, bem destacou a
importância de aguardar-se o trânsito em julgado da condenação criminal,
demonstrando, à luz de dados estatísticos, uma realidade que torna
necessário respeitar-se a presunção de inocência.

Disse Vossa Excelência, então:

“(...) trago, finalmente, nessa minha breve intervenção, à


consideração dos eminentes pares, um dado estatístico,
elaborado a partir de informações veiculadas no portal de
informações gerenciais da Secretaria de Tecnologia de Informação do
Supremo Tribunal Federal (...). De 2006, ano em que ingressei no
Supremo Tribunal Federal, até a presente data, 25,2% dos
recursos extraordinários criminais foram providos por esta
Corte, e 3,3% providos parcialmente. Somando-se os

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 110 de 122

HC 126292 / SP

14
parcialmente providos com os integralmente providos, teremos o
significativo porcentual de 28,5% de recursos. Quer dizer,
quase um terço das decisões criminais oriundas das instâncias
inferiores foi total ou parcialmente reformado pelo Supremo Tribunal
Federal nesse período.” (grifei)

Não é por outro motivo que o Supremo Tribunal Federal tem


repelido, por incompatíveis com esse direito fundamental, restrições de
ordem jurídica somente justificáveis em face da irrecorribilidade de
decisões judiciais.

Isso significa, portanto, que inquéritos policiais em andamento,


processos penais ainda em curso ou, até mesmo, condenações criminais
sujeitas a recursos (inclusive aos recursos excepcionais interpostos para o
Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal) não
podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de
pronunciamento absolutório, como fatores de descaracterização desse
direito fundamental proclamado pela própria Constituição da República.

Essencial proteger a integridade desse direito fundamental (o direito de


ser presumido inocente até o trânsito em julgado da condenação judicial) e
destacar-lhe as origens históricas, relembrando – não obstante a sua
consagração, no século XVIII, como um dos grandes postulados
iluministas – que essa prerrogativa não era desconhecida pelo direito romano,
como resultava de certas presunções então formuladas (“innocens
praesumitur cujus nocentia non probatur”, p. ex.), valendo mencionar o
contido no Digesto, que estabelecia, em benefício de quem era processado,
verdadeiro “favor rei”, que enfatizava, ainda de modo incipiente, essa ideia-
força que viria a assumir grande relevo com a queda do Ancien Régime.

Finalmente, mesmo que não se considerasse o argumento


constitucional fundado na presunção de inocência, o que se alega por mera
concessão dialética, ainda assim se mostraria inconciliável com o nosso

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 111 de 122

HC 126292 / SP

15
ordenamento positivo a preconizada execução antecipada da condenação
criminal, não obstante sujeita esta a impugnação na via recursal excepcional
(RE e/ou REsp), pelo fato de a Lei de Execução Penal impor, como inafastável
pressuposto de legitimação da execução de sentença condenatória, o seu
necessário trânsito em julgado.

Daí a regra inscrita no art. 105 de referido diploma legislativo, que


condiciona a execução da pena privativa de liberdade à existência de
trânsito em julgado do título judicial condenatório:

“Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar


pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz
ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.”
(grifei)

Idêntica exigência é também formulada pelo art. 147 da LEP no que


concerne à execução de penas restritivas de direitos:

“Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a


pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a
requerimento do Ministério Público, promoverá a execução,
podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de
entidades públicas ou solicitá-la a particulares.” (grifei)

Vê-se, portanto, qualquer que seja o fundamento jurídico invocado


(de caráter legal ou de índole constitucional), que nenhuma execução de
condenação criminal em nosso País, mesmo se se tratar de simples pena de
multa, pode ser implementada sem a existência do indispensável título
judicial definitivo, resultante, como sabemos, do necessário trânsito em
julgado da sentença penal condenatória.

Lamento, Senhores Ministros, registrar-se, em tema tão caro e sensível


às liberdades fundamentais dos cidadãos da República, essa preocupante
inflexão hermenêutica, de perfil nitidamente conservador e regressista,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 112 de 122

HC 126292 / SP

16
revelada em julgamento que perigosamente parece desconsiderar que a
majestade da Constituição jamais poderá subordinar-se à potestade do
Estado.

Concluo o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, peço vênia


para acompanhar, integralmente, na divergência, os eminentes Ministros
ROSA WEBER e MARCO AURÉLIO e deferir o pedido de “habeas
corpus”, mantendo, em consequência, o precedente firmado no julgamento
plenário do HC 84.078/MG, Rel. Min. EROS GRAU, reafirmando, assim, a
tese de que a execução prematura (ou provisória) da sentença penal
condenatória antes de consumado o seu trânsito em julgado revela-se
frontalmente incompatível com o direito fundamental do réu, assegurado pela
própria Constituição da República (CF, art. 5º, LVII), de ser presumido
inocente.

É o meu voto.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. C ELSO D E MELLO Inteiro Teor do Acórdão - Página 113 de 122

HC 126292 / SP

17

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10330659.
Voto - MIN. R ICARD O LEWANDOWSKI
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 114 de 122

17/02/2016 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Eu vou pedir vênia ao eminente Relator e manter a
minha posição, que vem de longa data, no sentido de prestigiar o princípio
da presunção de inocência, estampado, com todas as letras, no art. 5º, inciso
LVII, da nossa Constituição Federal.
Assim como fiz, ao proferir um longo voto no HC 84.078, relatado pelo
eminente Ministro Eros Grau, eu quero reafirmar que não consigo, assim
como expressou o Ministro Marco Aurélio, ultrapassar a taxatividade
desse dispositivo constitucional, que diz que a presunção de inocência se
mantém até o trânsito em julgado. Isso é absolutamente taxativo,
categórico; não vejo como se possa interpretar esse dispositivo. Voltando
a, talvez, um ultrapassadíssimo preceito da antiga escola da exegese, eu
diria que in claris cessat interpretatio. E aqui nós estamos, evidentemente, in
claris, e aí não podemos interpretar, data venia.
Eu me recordo que, daquela feita, naquela oportunidade, o Ministro
Eros Grau, com muita propriedade ao meu ver, disse que nem mesmo
constelações de ordem prática - dizendo que ninguém mais vai ser preso,
que os tribunais superiores vão ser inundados de recursos -, nem mesmo
esses argumentos importantes, que dizem até com a efetividade da Justiça,
podem ser evocados para ultrapassar esse princípio fundamental, esse
postulado da presunção de inocência.
Na época, nesse meu longo voto que proferi, naquela oportunidade,
naquela assentada, eu trouxe a lição de três eminentes professores, titulares
da Universidade de São Paulo, de Processo Penal: a professora Ada
Pellegrini Grinover, o professor Antônio Magalhães Filho e o professor
Antônio Scarance Fernandes, que diziam o seguinte em um pequeno
trecho:

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915614.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R ICARD O LEWANDOWSKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 115 de 122

HC 126292 / SP

Para o processo penal, pode-se afirmar que a interposição, pela defesa,


do recurso extraordinário ou especial, e mesmo do agravo da decisão
denegatória, obsta a eficácia imediata do título condenatório penal, ainda
militando em favor do réu a presunção de não culpabilidade,
incompatível com a execução provisória da pena (ressalvados os casos de
prisão cautelar).
O efeito suspensivo - diziam aqueles professores e dizem ainda,
porque o texto doutrinário deles ainda sobrevive - dos recursos
extraordinários com relação à aplicação da pena deriva da própria
Constituição, devendo as regras da lei ordinária, o artigo 637 do CPP, ser
revistas à luz da Lei Maior.
Portanto, este é o ensinamento de três dos maiores processualistas
penais de nosso país e que creio que ainda estão em vigor.
Eu também, respeitosamente, queria manifestar a minha
perplexidade desta guinada da Corte com relação a esta decisão
paradigmática, minha perplexidade diante do fato de ela ser tomada logo
depois de nós termos assentado, na ADPF 347 e no RE 592.581, que o
sistema penitenciário brasileiro está absolutamente falido. E mais, nós
afirmamos, e essas são as palavras do eminente Relator naquele caso, que
o sistema penitenciário brasileiro se encontra num estado de coisas
inconstitucional. Então, agora, nós vamos facilitar a entrada de pessoas
neste verdadeiro inferno de Dante, que é o nosso sistema prisional? Ou
seja, abrandando esse princípio maior da nossa Carta Magna, uma
verdadeira cláusula pétrea. Então isto, com todo o respeito, data venia, me
causa a maior estranheza.
Eu queria dizer também, sempre atento, não apenas à literatura
jurídica, estritamente, que é o nosso dever conhecê-la com maior
profundidade, mas também atento à leitura dos historiadores e dos
sociólogos brasileiros, eu vejo e constato isso, e vou elaborar um pouco
sobre esse argumento, que, em nossa história, a propriedade sempre foi um
valor que se sobrepôs ao valor liberdade. Interessante isto. Especulam os
especialistas que se debruçam sobre o tema que isso talvez venha do
Código Civil Napoleônico, de 1804, que consagrou o triunfo da burguesia,
do estado liberal, e que deu início exatamente à economia

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915614.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R ICARD O LEWANDOWSKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 116 de 122

HC 126292 / SP

2
capitalista ou consolidou a revolução industrial, que, logo antes, havia,
enfim, se iniciado do ponto de vista histórico, e isso teve uma repercussão
no Direito Positivo. E o Código Civil Napoleônico foi o primeiro exemplo
desta consubstanciação deste fenômeno histórico que então se processava.
O Código Civil Napoleônico, todos nós sabemos, teve uma intensa
repercussão no Código Civil brasileiro de 1916, elaborado,
fundamentalmente, pelo grande jurista Clóvis Beviláqua, e vejo também,
confirmando essa constatação dos historiadores, sociólogos, politólogos,
esta prevalência ou esse valor maior que se dá à propriedade com relação
à liberdade, isto se encontra refletido no próprio Código Penal brasileiro.
Eu estava aqui folheando alguns dispositivos penais, alguns tipos
penais, e nós verificamos que ofensa à propriedade, o crime de furto, o
crime de roubo são punidos - claro que sopesados de forma relativa - com
muito mais rigor do que os crimes contra a pessoa. O crime de furto e o
crime de roubo são muitíssimo mais apenados ou apenados com penas
bem maiores do que o crime de lesão corporal, por exemplo, ou o crime
contra a honra - a calúnia, a difamação, a injúria. São penas insignificantes
se nós considerarmos que a pena mínima de furto é de dois anos, e do
roubo é de quatro anos. Ou seja, no Brasil, o sistema jurídico sempre deu
maior valor à propriedade.
Antes mesmo que o Ministro Marco Aurélio fizesse alusão à
disparidade de tratamento que o nosso sistema jurídico dá no que diz
respeito à execução provisória, à propriedade e à liberdade, eu fazia aqui
uma consulta - e eu externo meu pensamento com muita reverência, e até
com um certo temor, diante do grande especialista no Código de Processo
Civil, que é o Ministro Fux, um dos principais elaboradores do novo
Código do Processo Civil -, mas eu verifiquei aqui, e confirmando aquilo
que o Ministro Marco Aurélio acaba de afirmar, que o art. 520 do novo CPC
estabelece que:

"Art. 520.
(...)
IV. o levantamento de depósito em dinheiro" - vil metal - "e a
prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915614.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R ICARD O LEWANDOWSKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 117 de 122

HC 126292 / SP

3
propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave
dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada
de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos".

E vem aquilo ao qual o Ministro Marco Aurélio aludiu, diz o art. 520,
II:

"Art. 520.
(...)
II. fica sem efeito, sobrevindo decisão que modifique ou anule a
sentença objeto da execução" - claro, a transferência do bem, a
propriedade - "restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidandose
eventuais prejuízos nos mesmos autos".

Ora, em se tratando de dinheiro de propriedade, o legislador pátrio se


cercou de todos os cuidados para evitar qualquer prejuízo, a restituição
integral do bem, no caso de reversão de uma sentença posterior, por parte
do Tribunais Superiores.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me


permite?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Pois não.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas o Estado está


muito bem financeiramente, poderá indenizar o inocente colocado, por
erro Judiciário, atrás das grades.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Pois é, então, vejam Vossas Excelências, com todo o
respeito, há incongruência - digo isso com a maior humildade e, insisto,
reverência aos votos vencedores, que agora já se consolidaram -, há uma
certa disparidade, há uma certa incongruência ante o novo Código de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915614.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R ICARD O LEWANDOWSKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 118 de 122

HC 126292 / SP

4
Processo Civil, que entrará em vigor dentro de poucos dias, no dia 16 de
março vindouro.
Quer dizer, em se tratando da liberdade, nós estamos decidindo que
a pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e
anos, e anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com
a possibilidade que se aproxima de 1/4 de absolvição, não terá nenhuma
possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a
custódia do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite
o termo.
Eu queria, também, finalizar e dizer o seguinte: eu tenho trazido
sempre a esta egrégia Corte alguns números que são muito
impressionantes relativos ao nosso sistema prisional, dizendo que nós
temos hoje no Brasil a quarta população de presos, em termos mundiais,
logo depois dos Estados Unidos, da China e da Rússia, nós temos
seiscentos mil presos. Desses seiscentos mil presos, 40%, ou seja, duzentos
e quarenta mil presos são presos provisórios. Com essa nossa decisão, ou
seja, na medida que nós agora autorizamos, depois de uma decisão de
segundo grau, que as pessoas sejam presas, certamente, a esses duzentos e
quarenta mil presos provisórios, nós vamos acrescer dezenas ou centenas
de milhares de novos presos.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Presidente, só pela ordem,


rapidamente. Nós temos verificado nas Turmas que esse número de presos
representa presos, provisoriamente, em razão de prisão provisória ou
preventiva.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Isso.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Então, as Turmas têm se


conscientizado disso, nós temos imposto medidas restritivas em
substituição a essas penas provisórias.
Então, no meu modo de ver, o que vai ocorrer, diante dessa

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915614.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R ICARD O LEWANDOWSKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 119 de 122

HC 126292 / SP

5
modificação da jurisprudência do Supremo, vai ser a liberação de quem
está injustamente preso, provisoriamente ou preventivamente, e o
recolhimento daqueles que foram condenados em segundo grau; sai um,
entra outro, eu acho que vai ser mais ou menos isso.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Pois é. É verdade.
Vossa Excelência me permite - é claro, eu não quero ser jocoso, nem
irônico -, nós vamos trocar seis por meia dúzia, nós vamos trocar duzentos
e quarenta mil presos provisórios por duzentos e quarenta mil presos
condenados em segundo grau.
Mas eu acho que a Suprema Corte chegou a uma decisão. Todos os
argumentos foram extremamente muito bem fundamentados. O Ministro
Teori Zavascki, como sempre, nos brindou com um belíssimo e
profundíssimo voto, atento à realidade brasileira que se caracteriza por
uma crescente criminalidade, seja ela urbana e rural.
Mas, então, eu peço vênia, mesmo diante desses argumentos muito
sólidos, para manter a minha posição e, acompanhando os argumentos da
Ministra Rosa Weber, do Ministro Marco Aurélio e do eminente Ministro
Decano Celso de Mello, conceder a ordem.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915614.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. R ICARD O LEWANDOWSKI Inteiro Teor do Acórdão - Página 120 de 122

HC 126292 / SP

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10915614.
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 121 de 122

Extrato de Ata - 17/02/2016

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 126.292


PROCED. : SÃO PAULO
RELATOR : MIN. TEORI ZAVASCKI
PACTE.(S) : XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
IMPTE.(S) : XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 313.021 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por votação unânime, afetou o julgamento do


feito ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, por indicação do
Ministro Relator. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª
Turma, 15.12.2015.

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator,


denegou a ordem, com a conseqüente revogação da liminar, vencidos os
Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo
Lewandowski (Presidente). Falou, pelo Ministério Público Federal, o
Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da República.
Plenário, 17.02.2016.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori
Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin.

Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de


Barros.

p/ Maria Sílvia Marques dos Santos


Assessora-Chefe do Plenário
Supremo Tribunal Federal
Inteiro Teor do Acórdão - Página 122 de 122

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 10328572

Você também pode gostar