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Fernando Júlio Machel

Januário Carlos Canze

Manuel António de Lisboa

Teles Tavares Fernando Fumo

O DOMÍNIO DO SIMBÓLICO

Licenciatura em Ensino de Física

Universidade Pedagógica

Faculdade de Ciências Naturais e Matemática

Maputo, Outubro de 2019


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Fernando Júlio Machel

Januário Carlos Canze

Manuel António de Lisboa

Teles Tavares Fernando Fumo

O DOMÍNIO DO SIMBÓLICO

Licenciatura em Ensino de Física

Trabalho a ser apresentado na Cadeira de


Antropologia Cultural, referente ao tema O domínio
do simbólico: Pela orientação do docente: Prof.
Doutor Martinho Pedro

Universidade Pedagógica

Faculdade de Ciências Naturais e Matemática

Maputo, Outubro de 2019


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INDICE

CAPITULO I. Introdução................................................................................................................................ 4
1. Objectivos ........................................................................................................................................ 5
1.1. Gerais ....................................................................................................................................... 5
1.2. Específicos ................................................................................................................................ 5
CAPITULO II. Fundamentação teórica .......................................................................................................... 6
2. O domínio do simbólico ................................................................................................................... 6
2.1. Tipos de representação simbólica............................................................................................ 7
3. O estudo dos rituais em Moçambique ............................................................................................. 7
4. Ritual ................................................................................................................................................ 9
5. Rituais de passagem .......................................................................................................................10
6. Rituais como mecanismo de reprodução social ............................................................................11
6.1. Makondes...............................................................................................................................11
6.2. Makhuwas ..............................................................................................................................12
6.3. Chuwabos ...............................................................................................................................13
6.4. Ma Sena/senas e va Ndau/ndaus...........................................................................................13
7. Feitiçaria .........................................................................................................................................14
7.1. Feitiçaria em Moçambique ....................................................................................................15
7.2. Forma de fazer feitiçaria em Moçambique ............................................................................16
7.3. Impacto da feitiçaria ..............................................................................................................18
8. Ciência e Racionalidade .................................................................................................................19
8.1. Características da Ciência.......................................................................................................19
9. Noçao de cultura. O Homem e as suas obras ................................................................................20
9.1. O Homem, a Cultura e a Sociedade .......................................................................................20
9.2. O Indivíduo e a Cultura ..........................................................................................................20
9.3. Características da Cultura ......................................................................................................21
10. Modelos religiosos endógenos vs modelos relogiosos exógenos..............................................22
11. A emergência de sincretismos religiosos e de igrejas envangêlicas em Moçambique..............23
12. A emergência de igrejas envangêlicas em Moçambique ...........................................................24
CAPITULO III. Conclusões ...........................................................................................................................27
13. Referências Bibliográficas ..........................................................................................................28
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CAPITULO I. Introdução

O presente trabalho, surge no âmbito da cadeira de Antropologia cultural de Moçambique. Cuja


unidade temática é: O domínio do simbólico. O trabalho visa abordar de forma nítida e sucinta,
aspectos atinentes ao, estudo dos rituais em Moçambique, os ritos de passagem, rituais como
mecanismo de reprodução social, feitiçaria, ciência e racionalidade,cultura, tradição e
religiosidade no contexto sociocultural do Moçambique moderno, modelos religiosos endógenos
vs modelos religiosos exógenos, a emergência de sincretismos religiosos e de igrejas evangélicas
em Moçambique, sua importância bem como explicar como é que ela é feita.

Neste contexto, o trabalho encontra-se estruturado da seguinte: elementos pré-textuais que


incluem a introdução, os objectivos e a metodologia, os elementos textuais que constituem o
desenvolvimento do trabalho e pós-textuais a conclusão e as referências bibliográficas.
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1. Objectivos

1.1.Gerais

 Compreender a dinâmica dos processos de Simbolismo, Rituais, e Religião.

1.2.Específicos

 Conceituar o domínio do simbolismo;


 Contextualizar o domínio do simbolismo;
 Descrever assuntos básicos sobre a feitiçaria;
 Caracterizar os modelos religiosos;
 Caracterizar a emergência do sincretismo religioso e de igrejas messiânicas em
Moçambique.
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CAPITULO II. Fundamentação teórica

2. O domínio do simbólico

De acordo com NORBERT (1994, p. 3,4-5) muitos dos problemas que são colocados e discutidos
sobre o domínio do simbólico não são problemas da sociologia convencional que, nos nossos dias,
se encontra num estádio relativamente jovem de desenvolvimento. Não só é difícil, neste estádio,
discutir a sucessão processual pela qual um facto não se pode. produzir se um outro facto, anterior,
não se produziu previamente; não só, por outras palavras, a sociologia exige a percepção e a
representação simbólica dos processos, mas também a compreensão plena de que a localização
dos factos pode ter lugar numa sequência de níveis diferentes de integração.

Consideremos a orientação no que designamos como espaço. Pode ser representada por conceitos
como largura, profundidade ou comprimento. Mas, num nível superior de integração, pode ser
também representada pelo conceito de "espaço" e não é inverosímil que, no desenvolvimento da
humanidade, conceitos como comprimento ou largura tenham precedido a integração superior
representada pelo conceito de espaço. "Espaço" representa ainda uma integração a um nível
inferior de concepção face ao conceito de "dimensão" que, implicitamente, indica que o espaço
não é o único nível de orientação. A descoberta de que a orientação global de um facto no espaço
exige também a sua determinação no tempo foi, como podemos lembrar, um acontecimento
científico significativo. A localização plena de um facto no espaço não é possível a menos que ela
seja acompanhada da sua localização no tempo. Com efeito, se afirmarmos que "Einstein
descobriu que o nosso universo é tetra- dimensional", tal não implica que, de facto, a integração
dos meios de localização, ao nível do tempo-espaço, fosse desconhecida antes de Einstein a tornar
explícita. Qualquer mudança no comprimento é também uma mudança no tempo. É difícil admitir
a ideia de que, antes de Einstein, ninguém teve jamais consciência deste facto. Um dos seus
méritos foi o de ele ter a coragem de dar a prova e a expressão científicas a um facto óbvio.
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2.1.Tipos de representação simbólica

NORBERT (1994) afirma que há vários tipos de representações simbólicas. Os mapas


são apenas um deles. As línguas são outro. As pessoas que falam inglês quando pretendem
fazer uma observação sobre o céu nocturno podem utilizar o padrão sonoro moon. Na sua
língua, este padrão sonoro representa simbolicamente o corpo celeste mais volumoso do
céu nocturno. Com o auxílio de uma ampla gama de padrões sonoros como este, os seres
humanos têm a capacidade de comunicar entre si.

Eles podem armazenar conhecimento na sua memória e transmiti-lo de uma geração para
outra. Uma forma muito definida de estandardização social permite que, no interior de
uma mesma sociedade, os mesmos padrões sonoros sejam reconhecidos por todos os
membros mais ou menos com o mesmo sentido, ou seja, como símbolos que representam
o mesmo tipo de conhecimento.

Consideremos um outro exemplo, a palavra "vírus". Foi inventada e estandardizada


quando foram descobertos agentes menores que os bacilos, que provocavam tipos
específicos de doenças, e foi necessário um símbolo comum através do qual as pessoas
pudessem comunicar acerca dos vírus. Sem este símbolo comum, a comunicação a seu
respeito seria difícil se não mesmo impossível. Mas a necessidade de nomes não está
confinada a objectos raros e especializados. Os objectos mais vulgares da nossa vida
quotidiana como os botões, as camisas, as escadas e as bicicletas necessitam de uma
representação simbólica padronizada como condição para podermos comunicar sobre
eles.

3. O estudo dos rituais em Moçambique

Os ritos de iniciação são instituições culturais praticadas nas zonas centro e norte de
Moçambique. Portanto, é comum afirmar-se que são constituintes dos direitos culturais,
que são uma das importantes dimensões dos direitos humanos.

As instituições culturais organizam os lugares e os papéis e as funções sociais que cada


um deve ocupar na sociedade. Nesse sentido, a cultura é determinante para a construção
das identidades sociais. Isto é, numa determinada cultura as pessoas aprendem a
reconhecer-se e a reconhecerem os outros em termos de partilha de representações e
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práticas, desde a forma como se cumprimentam, como mostram hospitalidade, como


partilham uma refeição e, para ir mais a fundo, como pensam acerca da vida, do amor e
da amizade.

Isto significa, em primeiro lugar, que os direitos culturais devem ser respeitados e
protegidos, e, em segundo lugar, devem ser vistos em articulação com os direitos
universais que são uma conquista de toda a humanidade. Todos os direitos culturais que
contenham em si discriminação subordinam-se aos direitos que consagram a igualdade
entre todas as pessoas.

Desde que entram nos ritos os rapazes aprendem como controlar o corpo da mulher, o
corpo que trabalha, que se deve reproduzir e que deve constituir uma fonte de prazer
sexual para os homens. Nos ritos de iniciação masculina são realizadas práticas que
exercitam a sexualidade e potenciam a virilidade através do uso de plantas como o
gonandzlolo e kisangongo, que prolongam a relação sexual e que permitem realizá-la
muitas vezes. As palavras “malhar”, “furar” e “meter”, constantemente referidas pelos
rapazes quando falam de sexualidade, representam o exercício do poder masculino que
em nenhum momento pode ser questionado ou negado.

Em circunstância algumas as mulheres podem rejeitar a relação sexual ou manifestar


desejos que impliquem a mudança do comportamento sexual do homem.

Ainda no que se refere ao desejo e ao prazer sexual, constata-se que embora


eventualmente a mulher possa sentir desejo, só em contexto urbano e entre professoras
encontramos a iniciativa sexual e o desejo como direitos.

As raparigas (muitas vezes apenas com 11 e 12 anos) por intermédio de canções, da


manipulação de objectos (com a forma do sexo masculino) e do mimetismo da relação
sexual, sabem que o seu destino e a sua vida são condicionados pela vontade masculina.
Ele é o chefe da família e ele é principalmente visto como o seu “dono” e seu patrão.

Os ritos de iniciação são também muito violentos para os rapazes, em que com castigos
inomináveis eles aprendem a ser dominadores, aprendem que depois de iniciados devem
começar a preparar-se para serem homens e para proverem uma família. Para as raparigas
os ritos de iniciação autorizam os pais a “casarem-nas” prematuramente. Com muita
frequência este “casamento” foi combinado com anos de antecedência, sendo a sua
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realização determinada pelo aparecimento da primeira menarca e pela realização dos


ritos.

As consequências são normalmente o abandono da escola, a gravidez precoce e o


surgimento de doenças e de lesões graves, como a fístula obstétrica.

A sexualidade é assim vivida de forma violenta, fazendo parte do vasto conjunto de


deveres que a mulher tem que cumprir. Nos ritos as jovens aprendem a subordinar-se,
seja pela instrução em estratégias de apaziguamento do homem, seja através da relação
sexual e da aplicação das técnicas aprendidas, seja através da paciência e da tolerância
nos casos em que, mesmo ignorando as razões da zanga masculina, devem “aceitar”.

4. Ritual

Segundo André cit. Aurélio (2004), o conceito ritual designa as regras e cerimónias que
se devem observar na prática de uma religião. Igualmente refere a qualquer cerimónia de
carácter simbólico que segue preceitos estabelecidos individualmente ou socialmente.

Neste caso, pode se definir ritual como a realização de ritos; um cerimonial de carácter
sagrado ou não, regulado por normas próprias e por vezes repetitivo, que se deve observar
de forma invariável em ocasiões determinadas. Para Houaiss (2000), ritual é o conjunto
de actos e práticas próprias de uma cerimónia sagrada, onde se estabelecem regras
individuais ou sociais, observadas de uma forma solene e repetida.

A definição de Cox (1998), é a que mais se aproxima a temática deste estudo, na medida
em que olha para o ritual como actos simbólicos e repetitivos direccionados aonde os
interesses pela vida se situam, onde os participantes ganham novas identidades,
transformando-os, transmitindo significados sociais, verbal e não-verbal e, oferecendo o
paradigma de como o mundo é concebido e vivenciado. A partir desta visão podemos
dizer que os indivíduos ao passarem ao estatuto de casados, ganham nova identidade
através das fases do ritual, concebendo uma nova realidade do mundo.
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5. Rituais de passagem

Na literatura consultada, os rituais de passagem são tratados por parte de autores como
ritos de iniciação, Boudon (1990) define ritos como sendo: “conjunto de actos repetitivos
e codificados, muitas vezes solenes, de ordem verbal, gestual e postural de forte carga
simbólica, fundado na crença, na força actuante de seres ou de poderes sacros, com os
quais o homem tenta comunicar, em ordem a obter um efeito determinado”.

Boudon, sugere dois aspectos passíveis de análise nos ritos: o primeiro refere-se à
construção e afirmação dos papéis sociais dos indivíduos participantes e o segundo é
sobre a estrutura,sobre a qual assenta a prática dos ritos.

Ao olhar para os ritos de iniciação como cerimónias usadas para assinalar e concretizar a
transição de um status social para o outro. Johnson (1997), que olha para os ritos de
iniciação como cerimónias usadas para assinalar e concretizar a transição de um status
social para o outro.

Segundo a perspectiva de Vann Gennep (2011),percebe-se que os rituais de passagem são


actos de um género especial, ligados a uma certa tendência de sensibilidade e determinada
orientação mental. Organizados em bases mágico-religiosas, onde os introduzidos passam
do mundo profano ao mundo sagrado e que esta passagem é acompanhada de cerimónias
específicas em cada fase (separação, margem e por fim a agregação).

Para Durkheim (1937), os rituais de passagem constituem o principal meio de


diferenciação entre os papéis sociais essenciais para a manutenção da ordem social. Nesta
lógica Durkheimiana, é possível discernir que numa sociedade pode se distinguir pelos
papéis exercidos, os que passaram pelo ritual e os que ainda não passaram.

Por seu turno Mitchel (s/d), define os rituais de passagem como processo cerimonial pelo
qual se ganha uma nova posição social, ou seja, a passagem de um estatuto para o outro,
cujas características essenciais são a aquisição de novos deveres e direitos, em virtude da
sua mudança de estatuto. Esta visão condiz com o ritual em análise, pois à passagem para
a fase adulta, ganha-se novos direitos e deveres em virtude da aquisição do novo estatuto
social.

Os autores acima apresentados convergem quando consideram que os rituais de passagem


são essa sequência cerimonial que tem por fim a condução de um estágio social para outro
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estatuto social, regido por leis e normas próprias, onde a comunidade cobra o iniciado em
acções e responsabilidades pelo novo estatuto adquirido.

6. Rituais como mecanismo de reprodução social

6.1.Makondes

Entre os makondes, algumas práticas são importantes como sinais identificadores de


pertença. A este propósito, Dias e Dias (1964: 72) referem que:

“Aliadas às práticas ergoculturais de expressão estética é de referir, embora actualmente


em desuso, os desenhos de tatuagens ou escarificações da pele (i.e. no rosto, nos seios,
no peito e no baixo ventre, mutilações dentárias que consistia em quebrar as pontas dos
dentes, conferindo-lhes uma forma pontiaguda, assim como a perfuração dos lábios)
prática mais frequente entre as mulheres que permitiam e permitem identificações inter e
intra-etnolinguísticas”.

Ora estas marcas revelam formas de organização social que distribuem papéis sociais
dentro do grupo. Os homens, por exemplo, são os responsáveis (ensinados desde os ritos
de iniciação) pela construção das casas familiares e por serem os detentores dos filhos e
da linhagem familiar (repercussão da característica virilocal e patrilinear). Por seu turno,
as mulheres marcam com máscaras os seus rostos em função do estatuto que vão
assumindo ao longo da sua vida (por exemplo, noiva à espera do casamento; mulher
casada sem nenhuma função no grupo; mulher casada com alguma função no grupo,
como, por exemplo, de filha herdeira). As mulheres têm a função de fornecimento de água
para a casa (por exemplo, quando filha da casa ou mesmo depois quando já esposa noutra
casa) e na produção agrícola na terra dos homens (por exemplo, seu pai ou seu marido).
A passagem do/da rapaz/rapariga a homem/mulher é garantida pelos ritos de iniciação
marcados pela circuncisão para os meninos e pelo alongamento dos lábios menores para
as meninas. No matrimónio, se as evidências para o caso das raparigas não são tão
notórias, para os rapazes, contudo, é visível a permanência de uma ideologia de
incompatibilidade de miscigenação, ou seja, é parte do conteúdo dos ensinamentos rituais
masculinos, a ideia do privilégio do casamento dentro do mesmo grupo, sugerido como
forma de conservação da pureza e dos valores do grupo.
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6.2.Makhuwas

Este grupo etnolinguístico é considerado matrilinear, tendo como características a


urilocalidade e o poder parental matrilinear sobre os descendentes. Todavia, para além de
que estes aspectos não alteram a marca patriarcal do grupo, eles começam também a ser
alvo de algumas transformações sociais profundas, algumas das quais assinaladas neste
estudo. Ora, a primeira evidência de que este grupo ou sociedade é de base matrilinear
mas com/para orientação patriarcal encontra-se na dominância dos ritos de iniciação
masculinos comparados com os das raparigas, em termos de duração, de recrutamento,
de organização comunitária, investimento material doméstico, educação heterossexual
virada para a dominação masculina (elemento também fortemente presente nos ritos
femininos), entre outros, descritos por Medeiros (1995). Isto não significa que os ritos
femininos sejam alheios ao controlo masculino do poder, mas sim que esse controlo (que
se estende desde a orientação de papéis sociais até ao controlo do corpo da mulher) está
presente mesmo antes do momento dos ritos. Aliás, esta trajectória para o caso dos
makhuwa-lomwe e chuwabos, na Zambézia, tem simbologia até na natureza, no caso da
árvore da menstruação (mpila), por exemplo, e cujo significado vai até à expressão da
morte simbólica dos seres provisórios da comunidade (na asserção de Medeiros, 1995).

Entre os makhuwas são os ritos de iniciação (tendo como centro de referência geográfica
a floresta nas montanhas – talvez devido ao facto de a cordilheira dos Nairuco, em
Nampula, se situar na ordem mitológica dos antepassados makhuwas) que garantem o
ensinamento e a reprodução social da hierarquia do poder parental dos tios maternos,
irmãos da mãe.

Enquanto entre os makondes, ndaus e senas, por exemplo, a construção da casa e a


propriedade dos filhos por parte do marido é norma “natural” da dominação masculina
patrilinear e virilocal, acentuada com os ritos, entre os makhuwas os rapazes aprendem já
nos ritos a serem detentores directos dos bens matrimoniais (por exemplo, casa,
machamba e filhos) sem antes passar pela tradicional “prova” de masculinidade que o
noivo deve realizar ainda em território parental da noiva. Exceptua-se, em casos da
ausência ou distanciamento deste território, que a supervisão do irmão da mãe da noiva
sobre o lar do casal é tida como referência simbólica, ficando qualquer avó viva, irmão
ou prima da mãe da noiva (directa ou afastada, mesmo que não consanguínea, segundo
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nos relatou um mestre makhuwa) sob responsabilidade directa do que vai acontecendo no
seio deste mesmo casal (conflitos, reprodução e doenças, entre outros).

6.3.Chuwabos

Este grupo é de influência patrilinear embora tenha também um grupo populacional


reconhecido por uma filiação matrilinear (por exemplo, quando alguns rapazes referem a
influência do tio irmão da mãe e outros do pai ou tio irmão deste, no apadrinhamento dos
ritos de iniciação). Este facto não contraria a característica patrilinear dos chuwabos
conjugada com alguns aspectos matrilineares (i.e., papel do tio materno no matrimónio
dos seus sobrinhos). Nos ritos de iniciação dos chuwabos, os rapazes são, por exemplo,
ensinados a abonar materialmente (através de trabalho, géneros alimentícios agrícolas, ou
outros) a família da menina pretendida para casamento, por esforço próprio, ou seja, o
arranjo matrimonial é de iniciativa do rapaz e só depois é que passa para o nível familiar,
como testemunha um jovem chuwabo:

“Fiz ritos com 12 anos, já tenho namorada que posso dizer que é minha mulher. Eu tive
de trabalhar na machamba da família dela e depois gostaram de mim. Daí para a frente
falei com o meu tio, irmã da minha mãe, a minha irmã é que me acompanhou para se
apresentar para o noivado, levando o que eu trazia para oferecer à família da minha
namorada” (Gil 1).

Esta situação ilustra o facto de a cerimónia nupcial se realizar, geralmente, até hoje, em
casa dos pais da noiva, e a antecedê-la, faz- se o pedido (mavudho), para o qual os
familiares do noivo devem levar cinco litros de bebida fermentada, capulana e roupa
interior para a rapariga (Medeiros, s/d).

6.4.Ma Sena/senas e va Ndau/ndaus

A razão para colocarmos estes dois grupos numa mesma abordagem prende-se com três
razões: primeiro, porque diferentemente do que foi possível constatar, até certo ponto,
com os makhuwas e makondes (sobretudo em Mecúfi e Macomia ou em Alto-Molocué
ou Mocuba), com os senas e ndau o trabalho de campo encontrou semelhanças e também
indefinições que não ajudam a distinguir estes dois grupos, com maior destaque para a
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cidade da Beira, muito embora os outros dois locais de estudo (Búzi e Cheringoma) sejam,
historicamente, de base ndau e sena, respectivamente.

Segundo, o que contraria sobremaneira essa diferenciação histórica, nos dias de hoje, é a
quase impossibilidade de destrinçar (mesmo no Búzi e em Cheringoma) um alinhamento
ndau ou sena a partir da segunda geração dos indivíduos, avaliados pelo perfil social
(parental) dos entrevistados. Ou seja, em algum momento todos os entrevistados
informaram ter ascendentes ndaus e senas. Isto não quer, de forma alguma, significar
harmonia ou convivência entre estes dois grupos. Muitas representações diferenciam e
até opõem senas e ndaus:

“Os masena são considerados anarquistas, porcos e confusos, enquanto os vandau são,
especialmente, havidos como os reis do mpfukwa (capacidade de lesar outrem com o
feitiço, mas também são considerados ora como civilizados e conservadores, ora como
esquisitos porque comem gatos, crocodilos e corvos” (Serra, 2006).

7. Feitiçaria

Etimologicamente, o termo feitiçaria surge do grego “farmakía”, que significa


"drogueadores", no sentido de preparadores de drogas com fins terapêuticos a partir de
plantas. Para além da intenção de curar, os feiticeiros também usavam drogas para induzir
estados alterados de consciência para ascender ao Mundo dos Espíritos.

Feitiçaria designa a prática ou celebração de rituais, orações ou cultos com ou sem uso de
amuletos ou talismãs (objectos ao qual são atribuídos poderes mágicos), por parte de
adeptos do ocultismo com vista à obtenção de resultados, favores ou objectivos que, regra
geral, não são da vontade de terceiros.

A feitiçaria pode ser descrita como uma acção maliciosa, levada a cabo através do recurso
a forças místicas ou mesmo pela violência, resultante de ódios e tensões intensas presentes
na sociedade, e que as pessoas interpretam como actuam sobre si independentemente da
sua vontade, (ASHFORTH, 2005: 87).

Pode estar relacionada com cultos às forças da natureza ou aos antepassados já falecidos,
sendo que está também frequentemente relacionada com o uso de artes consideradas
mágicas, à invocação de entidades, como por exemplo, espíritos, deuses, génios ou
demónios, ou o emprego de diversas formas de adivinhação.
15

Os praticantes e líderes da feitiçaria, designados de feiticeiros, gozavam de uma


considerável influência social em diversas comunidades, sendo encarados como líderes
religiosos ou conselheiros.

Os espíritos da feitiçaria actuam recebendo pagamentos como: sangue de animais,


bebidas, perfumes e uma infinidade de objectos que valorizam, apesar da dimensão
incorpórea em que se encontram. São em geral espíritos arrogantes, agressivos e muito
auto confiantes.

A feitiçaria pode ser classificada como uma acção de interferência no ritmo normal da
vida a partir do plano extra-físico, já que aqueles que se entregam a ela sabem que o
mundo espiritual determina em grande parte a dinâmica do mundo físico e que, de lá, fica
às vezes bem mais fácil influir sobre as situações e as pessoas, pois se conta com a
influência mental sutil e a invisibilidade em relação aos indivíduos no plano físico, os
quais geralmente não possuem clarividência.

A feitiçaria representa um comportamento que se desvia das normas aceites numa


sociedade: os feiticeiros são maus e criam desarmonia nas relações sociais; eles
representam um risco para a estabilidade da comunidade. Portanto, chamar a alguém de
feiticeiro equivale a pronunciar essa pessoa como traiçoeira, situando-a num
relacionamento antagónico com o resto da comunidade/sociedade. Porque as práticas de
feitiçaria são impossíveis de detectar ou verificar por meios normais, as pessoas acusadas
de tais práticas são vistas como destruidoras da solidariedade social do grupo. Sendo uma
ameaça, elas deixam de merecer apoio e reconhecimento da comunidade. Em suma, já
não fazem parte da comunidade; não existem socialmente.

7.1. Feitiçaria em Moçambique

Durante o auge da intervenção colonial portuguesa, a feitiçaria foi considerada de modos


diferentes: como um conjunto de crenças, muitas vezes incluindo modelos de
comportamento inversos, como modelos de acusação e como um julgamento da pesada
tensão social. Apesar de muitos assumirem que, com o início da modernidade, vista como
produto da intervenção colonial, a feitiçaria iria desaparecer, em muitas partes do mundo
é visível uma forte presença de bruxas e práticas de feitiçaria, com o número de acusações
a aumentar (Geschiere, 2003; Caplan, 2004; Stewart e Strathern, 2004).
16

No Moçambique contemporâneo, a feitiçaria persiste como um conceito e uma realidade,


tanto em ambientes rurais como urbanos (Meneses, 2007; West, 2005); esta constatação
remete-nos, de um modo doloroso, para o facto de a feitiçaria não ser apenas uma
assombração do passado mas fazer parte do discurso e da experiência da modernidade
presente.

Ao longo dos últimos quinze anos, as acusações e suspeitas de práticas de feitiçaria têm
conhecido uma renovada importância. Com a emergência do moderno sistema colonial,
a feitiçaria transformou-se no símbolo do mundo selvagem, numa prática a ser abolida
com a introdução de uma racionalidade moderna.

Em Moçambique, a estrutura social tem sofrido profundas transformações fruto das


tensões e conflitos sociais, políticas e económicas que o país tem atravessado. Os
deslocamentos de populações geradas pelas guerras especialmente para contextos
urbanos, o agravamento da situação económica desde meados da década de 1980 e os
mecanismos demarcantes da exclusão social reflectem estas tensões, muitas das quais
encontram escape em acusações e suspeitas de feitiçaria.

Uma forma de explicar o infortúnio como uma consequência da malevolência humana


Evans-Pritchard, (1937), a feitiçaria usa a linguagem das relações interpessoais para falar
sobre catástrofes, conflitos e problemas importantes, quer imediatos, quer com profundas
raízes.

Sendo a feitiçaria uma linguagem de poder KAPFERER, (1997), os supostos feiticeiros,


como a maioria dos médicos tradicionais em Moçambique, operam de acordo com normas
que assentam em pilares referenciais que não foram integrados nas políticas do estado,
que emprega termos de análise e instrumentos políticos na resolução de problemas e
conflitos gerados pelo oculto que não têm ligação alguma com estes sistemas epistémicas.

Os supostos feiticeiros, tal como acontece com a maioria dos médicos tradicionais em
Moçambique, funcionam de acordo com as sua normas, existindo para além do alcance
da lógica formalista do Estado, que emprega termos de análise e instrumentos políticos
que não permitem uma ligação directa com o mundo do oculto.

7.2.Forma de fazer feitiçaria em Moçambique


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No seu livro Kupilikula, WEST (2009) traça-nos um cenário relativo ao planalto de


Mueda em que a feitiçaria se desenrola num mundo invisível que está em interacção com
o nosso, e no qual os feiticeiros nefastos se projectam para praticarem as suas malfeitorias.
Estas só poderão ser neutralizadas ou revertidas por uma projecção semelhante por parte
de feiticeiros benéficos que, nesse mundo, actuem sobre aquilo que os malvados
provocaram.

Tal actuação através de viagem espiritual, xamânica, é contrastante com as visões


dominantes no sul e centro do país. Aí, são os espíritos que possuem os indivíduos vivos,
ou que estes últimos conseguem dominar, quem actua sobre a realidade perceptível
através de formas a que chamaríamos mágicas, não o fazendo num outro mundo invisível
mas, embora sejam eles próprios invisíveis, no nosso mundo, que também habitam.

Esta diferença formal descortinável em Mueda não impede, contudo, que os referentes
morais sobre a prática (e acusações) de feitiçaria sejam semelhantes aos do resto do
território, embora talvez mais explícitos nas suas consequências lógicas. Assim, qualquer
pessoa poderosa ou mais rica que as circundantes, será à partida um feiticeiro, tanto por
ter tido necessidade de apoio mágico para aceder a esse estatuto excepcional, quanto
porque a sua posição lhe exige que proteja os seus subordinados, o que só será possível
sabendo combater os feiticeiros malévolos, através de aplicações benévolas da feitiçaria.

Entretanto, essa declaração do carácter ambíguo do poder encontra aqui uma outra
expressão, com carácter mais generalizado. Os feiticeiros malévolos são egoístas,
utilizando os seus poderes e conhecimentos para exclusivo interesse pessoal. Dessa
forma, quem usufrui das vantagens do poder sem cumprir as obrigações protectoras que
ele exige, ou quem enriquece sem partilhar parte da sua riqueza com as pessoas que dirige,
«comendo sozinho», demonstra através desses comportamentos ser um feiticeiro
malévolo.

Isto conduz a que, por exemplo, no célebre caso dos sucessivos linchamentos de pessoas
acusadas de serem donas ou de se transformarem nos leões que aterrorizaram a população
de Muidumbe em 2002/3, os suspeitos fossem os relativamente ricos e poderosos e que o
processo expressasse, conforme apontam Harry West (2008) e Paolo Israel (2009), uma
crítica política à apropriação pós-socialista do poder e da riqueza, em detrimento e sem
consideração pelos governados.
18

7.3.Impacto da feitiçaria

O primeiro aspecto a ter em conta, quando equacionamos o papel social da feitiçaria em


Moçambique, é que ela não constitui uma crença isolada, mas um elemento integrante
dum sistema mais vasto (e largamente partilhado) de interpretação e de acção sobre os
infortúnios e outros acontecimentos incertos.

Conforme GEORGE MURDOCK (1945) salientava em meados do século passado, sem


ter sido desde então desmentido, em todas as culturas conhecidas pela história ou a
etnografia existem sistemas de adivinhação. No entanto, acrescenta se, os sistemas
divinatórios não existem isolados, antes pressupondo o seu suporte lógico em sistemas de
interpretação que pretendem dar sentido à casualidade e, a partir desse sentido, guiar a
intervenção humana sobre o que é incerto e desconhecido. Existindo também eles em
todas as culturas, é plausível que tais sistemas de interpretação correspondam a uma
necessidade humana de carácter universal, demonstrando-nos a importância transcultural
do combate humano contra a humilhação da incerteza, contra a sua falta de sentido e
contra a dependência humana em relação a ela.

Os boatos que circulam no espaço público retratam a feitiçaria como a forma mais comum
de, em tempos de crise económica e de declínio social de oportunidades, se conseguir
sucesso pessoal, riqueza e prestígio. Os líderes políticos são amplamente referenciados
por recorrerem à feitiçaria a fim de assegurarem poder e sucesso eleitoral, e muitos usam
engenhosamente este conhecimento para ganhar visibilidade e mesmo deferência. Na
esfera doméstica, conflitos sociais e familiares em torno de acusações de feitiçaria
materializam-se repetidamente, especialmente quando ocorrem mortes súbitas ou
infortúnios pessoais. Permeando todo o espectro social e cultural, a feitiçaria permanece
hoje como uma força ambivalente que ajuda a promover a acumulação individual e
colectiva e a controlar a diferenciação social.

Moçambique não é excepção a este respeito. Também aqui coexistem racionalidades e


sistemas de interpretação com base materialista, religiosa, mágica, tecnológica,
espiritualista. Podemos no entanto afirmar que vigora na maior parte do país um sistema
de domesticação da incerteza que, coabitando embora com outros, assume predominância
quando se trata de interpretar acontecimentos disruptores da normalidade. Isto porque se
parte do princípio de que o acaso não existe, muito menos existindo coincidências. Por
isso, acontecimentos que prejudiquem (ou beneficiem) alguém de uma forma marcante
19

pressupõem a existência de causas que lhe estejam subjacentes, em especial se tais


acontecimentos forem recorrentes.

8. Ciência e Racionalidade

Etimologicamente, o termo ciência deriva do verbo em latim Scire, que significa


aprender, conhecer. Essa definição etimológica, contudo, é insuficiente para distinguir
ciência de outras atividades também relacionadas com o aprendizado e o conhecimento
(PRODANOV; FREITAS, 2013).

O ser humano, perante a necessidade de entender e dominar o meio, ou o mundo, em seu


proveito e da sociedade da qual é integrante, acumula conhecimentos racionais sobre seu
meio e sobre as ações capazes de modificá-lo. Essa série constante de acrescentamentos
de conhecimentos racionais e mensuráveis da realidade denominamos ciência. Em
decorrência da frequente busca da verdade cientifica realizada pelo homem, o avanço da
ciência se tornou presente, expandindo, aprofundando, esmiuçando e, algumas vezes, se
apossando de conhecimentos anteriores. Desta forma, se pode dizer que a ciência é exata
por um tempo delimitado, ou seja, até que ocorram novas transformações, tornando-a
assim, falível (FACHIN, 2011).

Um primeiro conceito de ciência diz que ela se identifica com um conjunto de


procedimentos que permite a distinção entre aparência e essência dos fenômenos
perceptíveis pela inteligência humana. As peculiaridades de seu método diferenciam a
ciência das muitas formas de conhecimento humano. E uma de suas particularidades é
aceitar que nada é eternamente verdadeiro. O dogma não encontra lugar na ciência. A
ciência divide-se inicialmente em lógicas (se subdividem em lógica e matemática) e
empíricas (se subdividem em naturais e ciências sociais). A comunidade cientifica de um
ramo possui características comuns quanto aos métodos que utiliza para investigar a
realidade. (MEDEIROS, 2019).

8.1.Características da Ciência

Objectividade – descreve a realidade independentemente dos caprichos do pesquisador;

Racionalidade – obtém seus resultados através da razão e não impressões do pesquisador;


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Sistematicidade – preocupa-se em construir sistemas de ideias organizadas racionalmente


e em incluir os conhecimentos parciais em totalidades cada vez mais amplas;

Generalidade – busca elaborar leis ou normas gerais, que explicam todos os fenômenos
de certo tipo;

Verificabilidade – possibilita sempre demonstrar a veracidade das informações;

Falibilidade – Ao contrário de outros sistemas de conhecimento elaborados pelo homem,


reconhece sua própria capacidade de errar (ASSIS, 2009).

9. Noçao de cultura. O Homem e as suas obras

Existem numerosas definições de cultura, pois esta palavranão quer significar como na
aacepção popular, somente aquilo que se admite pelo intelecto, pela leitura, por exames,
por contacto nas escolas, nas universidades, etc. Cultura é mais do que isso, pois um
analfabeto tem cultura, embora não seja culto.

A diferença, contudo, entre o Homem e o animal, é que o primeiro possui uma cultura
que modifica e transmite e o segundo não.

9.1.O Homem, a Cultura e a Sociedade

O antropólogo preocupa-se com a exist^encia da cultura como realidade que existe e que
procura estudar de uma maneira objectiva.

Esta existência só pode ser explicada através da acção que o homem exerce sobre a
natureza.

9.2.O Indivíduo e a Cultura

No seio das sociedades humanas manifestam-se permanentemente dois princípios – o


individual e o colectivo – o individual acaba quase sempre por ser absorvido pelo
colectivo. Normalmente o indivíduo mal tem consciência de si e funde-se no agrupamento
de que depende.

Não existe, porém, nem oposição nem ruptura entre a pessoa e a sociedade, entre o
individual e o colectivo, visto que o indivíduo e a sociedade são interdependentes.
Segundo Ruth Benedict, “na realidade, sociedade e indivíduo, não são coisas antagónicas.
A cultura fornece matéria-prima de que o indivíduo faz a sua vida.
21

9.3.Características da Cultura

A cultura apresenta várias características. Se por um lado há um mundo visível, palpável,


constituído de artefactos, fazendo parte da cultura e do carácter material, porque existe o
invisível, o expresso de forma simbólica. Assim, a outra natureza é o seu caracter
simbólico. De facto, acções, objectos, espaços, instituições, isto é, tudo o que está ligado
ao homem. Um simples gesto pode significar algo, mas um mesmo gesto pode variar de
um complexo cultura para o outro, daí a necessidade de nem sempre ser tangível este
mundo, precisando, por isso de uma aprendizagem. O própri símbolo, uma vez integrado
num padrão cultural acaba desempenhando a função comunicativa entre os membros de
um determinado grupo.

a) A cultura é social, na medida em que ela, se forma, se partilha, se transmite no interior


de um grupo social e nunca em indivíduos separados. Uma norma de comportamento só
pode ser concebida como tal se envolver um grupo social determinado e localizável num
espaço. É por causa disso que os processos de transmissão são também sociais, seja qua
for a sociedade.

b) As práticas sociais e culturais sã algo que duram no tempo . Nada é passageiro, mesmo
que varie a forma de sua manifestação. É por causa disso que se diz que a cultura é estável.
Mas ela é também dinâmica. A primeira vista parece haver contradição entre estabilidade
e dinamismo. Mas estão intrinsecamente ligados.

c) A cultura é dinâmica na medida em que está em constante transformação, sempre que


existir uma causa para o efeito. Esta dinâmica pode ser encontrada no interior de um grupo
de pessoas ou no seu conjunto, por exemplo, uma classe de idades ou uma faixa etária,
segundo as sociedades tem um certo conjunto de normas, que vão semdo
complementados na medida em que estes grupos passam para estágios superiores. Mas
com a própria dinâmica temporal, fruto da evolução material de uma sociedade ou da
acção directa de seus membros, de contactos com outros grupos, certos elementos que
antes eram considerados integrantes podem der excluídos. Ela transforma-se consciente
ou inconscientemente.

d) A cultura é também selectiva, na medida em que integra os valores, códigos, sistemas


em que determinado grupo acha pertinentes. Assim há uma avaliação inicial dos novos
elentos que culmina com a aceitação ou rejeição dos mesmos numa determinada cultura.
Essa selecção pode ocorrer ainda na sucessão de gerações. Muitas vezes, as novas
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geraç`oes têm considerado algumas normas de gerações precedentes como fora de moda,
Contudo, quando factores ex’ogenos são fortes, persistentes ou põem em causa a
sobrevivência de um grupo, pode ocorrer que haja uma integração de certos elentos novos
sem respectiva seleccão. ‘E isso que ocorre entre paises do Terceiro Mundo em relação
aos de técnicas muito avançadas.

e) A cultura é universal, regional e local. É universal na medida em que todo ser humano
é um ser cultural. Não há nenhum homem que não tenha cultura.há práticas específicas
de determinados locais, circunscritas em função das condições existentes ou criadas
localmente. Assim estar-se-ia na presença de manifestações particulares da cultura,
manifesta,cões regionais ou locais da cultura.

f) A cultura é determinante e determinada. Ela e fruto da actividade mental do homem.


Este acaba sendo produto da cultura. O homem depois de nascer é circunscrito a um
ambiente cultural, regendo-se por comportamentos e normas pré estabelecidas. Contudo,
isto nào significa que este homem não tem algum papel na modificação desse mesmo
ambiente, na medida que ele é um agente activo no interior do seu meio cultural, através
de vários processos, económicos, políticos, sociais, etc.

10. Modelos religiosos endógenos vs modelos relogiosos exógenos

A formação de grupos populacionais e do respectivo universo cultural em África e não


só, foi acompanhado pela formação de um sistema religioso específico, baseado no culto
aos antepassados.

A religião tradicional em África envolve um conjunto de procedimentos, muitos deles


diferentes das religiões mais massificadas do mundo: o Cristianismo e o Islamismo ou
outras que mesmo ocupando um país ou uma região geográfrica são expressivas, como o
Hinduísmo, o Budismo. São religiões que crêm no culto aos antepassados, pelos quais os
vivos se endereçam ao Deus e esperam receber, deste, as boas graças, que podem passar
pelos antepassados ou oodem ser endereçadas directamente.

Este culto resulta da crença numa segunda vida e da transformação dor mortos
(antepassados, um carácter entretanto atribuído a uma certa categoria de homens) em
personalidades místicas de ordem superior, contudo inferiores a Deus. Há uma crença de
que os antepassados que tiveram uma óptima conduta em vida têm a possibilidade de ter
uma relação directa com Deus, podendo, para isso se constituir como um bom
23

intermidiário entre vivos e Aquele. O culto é realizado por meio de oferendas, preces, que
variam de um grupo social para o outro. É uma religião que não tem um calendário
especificamente delimitado, podendo variar segundo omomento em que se manifesta o
factor de referência para o culto. É uma religião mais prática, que procura resolver os
problemas que aparecem quotidianamente.

O comportamento religioso, as vezes é associado ás forças malignas, influenciáveis por


práticas específicas, como a magia. A magia é um ritual prático, com finalidades
maléficas ou benéficas. Embora assente em realidades sociais, a magia sociais, a magia,
diferentemente da religião, é nos seus ritos individual. Há situações em que a magia é
comunitária e aceite pelo grupo. As vezes é considerada anti-social, pois põe em acção
poderes externos, manipulados pelos símbolos (objectos,fórmulas, gestos), visando
modificar o curso dos acontecimentos em favor de valguém e prejuíso do outro. A magia
não se faz num templo ou no altar doméstico, mas as escvondidas ou isolado londe do
grande público. O acto e o actor envolvem-se em mistério.

Uma outra acção que se situa a nível do espiritual é a feitiçaria, que é concebida como
tendo em vista prejudicar alguém. O acto é ofensivo,maléfico para um grupo social ou
para indivíduos. Contudo, ela pode influenciar para a manutenção da ordem social, na
medida que alimenta o receio de desvios e de tendências nocivas á sociedade.

As práticas tradicionais envolvem ainda a advinhação, que serve para reduzir incertezas
qunto ao futuro de um indivíduo, projecto colectivo ou para revelar desajustes existentes
numa comunidade, visando mo0ldar um novo comportamento.

11. A emergência de sincretismos religiosos e de igrejas envangêlicas em


Moçambique

A introdução de novas religiões em África, onde anteriormente existiam regiões


tradicionais trouxe um impacto sobre estas, através da sua marginalização ou até
supressão. Contudo, algumas resistiram e adaptaram-se á nova realidade, tendo até
absorvido algumas práticas das religiões impostas. Surgiram daí os diversos sincretismos
religiosos, que segundo Riviére (200, p. 158), é “... um processo contra-aculturativo, que
implica assimilação de mitos, empréstimo de mitos, assocação de símbols, por vezes
inversão semãntica e reinterpretação de mensagens supostamente divinas”. As evidências
indicam que com a emergência dessas paráticas sincréticas, os africanos quiseram
preservar esta relação com o sobrenatural, segundo os seus fundamentos da vida.
24

A introdução do Islamismo e do Cristianismo em moçambique nem sempre foi negociada.


O que geralmente aconteceu foi a im posição dos dois credos religiosos, já que
reclamavam um caracter universal, profético e hegemónico. As duas religiões foram
consideradas pelos respectivos povos como factor ideológico.

O primeiro impacto que ocorreu sobre as comunidades agrícols foi, logicamente, a


secundarização ou marginalização das práticas religiosas locais, senão a tentativa para a
sua supressõ, num projecto de uma aculturação programada ou subtil. De recordar que no
tempo colonial o Cristianismo foi imposto até nas escolas com as famosas
catequeses,incluindo a disciplina de Moral e Religião.

Contudo, não foi possível apagar tudo nas tradições religiosas locais. Os africanos
resistiram sob diversas formas, sendo uma delas, a integração parcial de alguns caracteres
das religiões impostas. Nessa fusão surgiu o dito Sincretismo religioso definido por
Riviére (200, p. 158).

Geralmente, os árabes e os europeus ao entrarem em África procuraram identificar as suas


religiões como as universais, monoteístas, isto é, mandatadas por uma única divindade,
anti-obscurantista, com o fim de subaltenizar todas as outrs práticas.

12. A emergência de igrejas envangêlicas em Moçambique

A presença envagêlica ou protestantes em Moçambique é uma realidade sobretudo


importada dos territórios vizinhos, muito produto de migrações. Pequenos núcleos de
protestantes expandiram-se no território na mesma época da Conferência de Berlim,
sendo a primeira instituição religiosa protestante a instalar-se em Moçambique a Igreja
Metodista Episcopal, em 1883, seguida da Missão Metodista Livre e depois da Missão
Suíça. Em 1893, surgem em Chamanculo e em Maciene os Anglicanos, e em 1935, os
Adventistas do Sétimo Dia. O principal esforço catequético desenvolvido pelos
missionários protestantes foi no Sul do território.

Segundo o Supintrep “Panorama religioso de Moçambique” datado de 1967, o número de


protestantes em Moçambique estimava-se em 450.000, localizando-se o grosso dos seus
adeptos no Sul do Save. Existiam ainda 24 Missões, na sua maioria situadas a Sul, mais
propriamente em Gaza, Lourenço Marques e Inhambane.

Dos principais métodos catequéticos a que recorriam os Protestantes em África,


destacam-se a crescente utilização da imprensa, o recurso permanente à acção médico-
25

social, à distribuição de trajos e distintivos, ao hábil aproveitamento de certas fraquezas


psicológicas do Africano, à superioridade tecnológica, à exploração de erros da
Administração; através da compreensão e aproveitamento de alguns usos e costumes dos
autóctones, à divulgação de um conhecimento simples mas útil; à actuação junto dos
chefes tradicionais; ao recurso ao desporto; à usualmente pouca importância paga nos
seus bons serviços hospitalares e escolares; à propaganda levada a cabo através de clubes
e associações, bem organizadas segundo idade e sexo, o planeamento da celebração do
culto sincronizado com os afazeres; à instalação de escolas em locais dominantes e à
implantação destacada de símbolos religiosos.

Face aos progressos do Catolicismo e do Islamismo, o Protestantismo parecia contentar-


se em sobreviver. Contudo, não podia subestimar-se a sua influência que, através de
Missões preocupadas sobretudo com o aspecto prático e utilitário e, em geral, dispondo
de recursos consideráveis, conduziam com facilidade o autóctone à conversão, o que não
seria inconveniente para a Administração Portuguesa se os missionários (cujo número de
portugueses brancos era muito reduzido) não fossem abertamente contrários aos
interesses e à causa lusa; o clero protestante assumiu franca e hábil hostilidade para com
a soberania portuguesa. As atitudes tidas por inconvenientes para aquela soberania, por
parte de alguns missionários estrangeiros, podia ser explicada, segundo as Informações
Militares Portuguesas, pelas linhas de articulação e dependências externas que esses
missionários mantinham com os seus países de origem.

As Igrejas Protestantes, no desempenho das suas actuações sócio-económicas e de


catequização, eram auxiliadas com fundos dos países de origem e por algumas
organizações internacionais. Mas, no sistema político então vigente, em que era inviável
uma tomada de posição aberta daquelas Igrejas para com a subversão, diversas delas,
através do Conselho Mundial das Igrejas, apoiaram a FRELIMO com fundos para fins
humanitários, como vimos em 3.3 do II capítulo; tal auxílio processava-se apenas para o
Seminário de Ricatla. Acreditava-se ainda que a “Conférence des Églises de Toute
L’Afrique” desempenhava em relação às confissões protestantes influência relevante que
não seria apenas espiritual.

Nas populações negro - africanas sempre se verificou a propensão para a formação de


movimentos do tipo associativo que desempenharam funções diversas na organização e
direcção da vida social. Estas associações, produto das sociedades ou resultantes do
contacto com o colonizador europeu, foram como que um movimento instintivo de
26

reacção contra aquela cultura estranha ou de defesa da própria e, ao mesmo tempo, meio
de superação das diferenças de situação social inerentes à situação colonial.

Fora da sua colectividade originária, o negro-africano, como já vimos, fica destribalizado,


desamparado e inseguro. Restam-lhe complexas vias alternativas. Uma dessas vias pode
integrar um “(...) processo de sublimação assumido através do carisma salvífico de uma
seita cristã de anelos imediatistas (...)”.

O Etiopismo e o Zionismo exprimiram-se num crescendo paralelo a partir da derrota


italiana na Etiópia (Addua 1896), da revolta dos Zulus em 1906 e novamente da derrota
italiana na guerra italo-abissínia (1935), sempre se conotando com o factor da
superioridade rácica. O Etiopismo, era típico das áreas mais ruralizadas, clivado de
Missões na quase totalidade de protestantes, ao passo que o Zionismo era mais frequente
nas zonas urbanas e periféricas. Em Moçambique, segundo as estimativas oficiais de
1972, implicavam cerca de 20.000 pessoas. Esta expressão numérica, cremos, apresenta
grandes lacunas. Para Amaro Monteiro, dado que o fenómeno foi estudado de uma forma
incompleta, este número deverá ser multiplicado por dez.
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CAPITULO III. Conclusões

Embora haja diferenças entre sociedades, existe um repertório básico de acções que
partilhamos. Somos semelhantes e diferentes ao mesmo tempo”. Neste lançar de olhares
que o pesquisador faz, sobre a aplicação da estrutura ritual na análise dos fenómenos
sociais, o desafio reside não somente na observação e interpretação dos rituais e suas
manifestações, mas vai além. Encontra-se no cerne do que expressam as representações
colectivas que chegaram até nós por meio de várias gerações. É a palavra, o sentido, o
gesto, a narrativa - elementos inseridos no mito. No contexto da importância da feitiçaria,
destaca-se o facto de a feitiçaria servir como a forma mais comum de, em tempos de crise
económica e de declínio social de oportunidades, se conseguir sucesso pessoal, riqueza e
prestígio. Os líderes políticos são amplamente referenciados por recorrerem à feitiçaria a
fim de assegurarem poder e sucesso eleitoral, e muitos usam engenhosamente este
conhecimento para ganhar visibilidade e mesmo deferência. Na esfera doméstica,
conflitos sociais e familiares em torno de acusações de feitiçaria materializam-se
repetidamente, especialmente quando ocorrem mortes súbitas ou infortúnios pessoais.
Permeando todo o espectro social e cultural, a feitiçaria permanece hoje como uma força
ambivalente que ajuda a promover a acumulação individual e colectiva e a controlar a
diferenciação social. A análise ritual está sempre relacionada à acção social e à
comunicação. Estas buscam estabelecer a forma estrutural de realização de um rito. Neste
processo é possível observar a maneira como os indivíduos classificam o mundo e
constroem a realidade em que vivem. Nessa realidade, inserem-se as instituições, que
nada mais são do que os meios em que o homem propaga a sua existência e projecta a sua
forma de existir. E nesse poder de uniformização e de padronização, as instituições
servem para estabelecer uma ligação entre o passado e o presente.
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13. Referências Bibliográficas

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