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Universidade Federal de Goiás, Brasil.
E-mail: joaoacpinto@yahoo.com.br
Recibido: 4 Noviembre 2012 / Revisado: 12 Enero 2013 / Aceptado: 7 Abril 2013 /Publicación Online: 15 Octubre 2013
Resumen: Caio Prado Júnior fue un estudioso aos nacionalismos das décadas de 1930 e 1940,
del marxismo, especialmente del marxismo apresento neste artigo uma reflexão sobre o
estalinista, pero si consideramos el conjunto de conjunto da obra de Caio Prado Júnior,
su obra, nos es posible caracterizar al autor ressalvando o livro Formação do Brasil
como uno de los últimos grandes pensadores del Contemporâneo (1942) com o propósito de
nacionalismo corporativista (en la misma línea justificar, como estrutural para a caracterização
que Oliveira Viana y que Azevedo Amaral) de da visão de mundo do autor, a enfática defesa
Brasil. Para justificar ese argumento y para para o Brasil de um modelo de economia
remitir al pensador paulista a la visión de mundo política capitalista nacional-corporativista.
de los nacionalismos de las décadas de 1930 y
1940, presento en este artículo una breve Para justificar a minha perspectiva analítica
reflexión sobre el conjunto de la obra de Caio desenvolvo inicialmente um breve excurso
Prado Júnior, exceptuando el libro Formação do descritivo sobre alguns dos principais estudos
Brasil Contemporâneo (1942), con el propósito dedicados à trajetória intelectual e à
de justificar, como estructural para la historiografia do pensador paulista.
caracterización de la visión de mundo del autor,
la enfática defensa para Brasil de un modelo de Os livros de Paulo Iumatti1 e Lincoln Secco2 são
economía política capitalista nacional- os estudos biográfico-analíticos que melhor
corporativista. descrevem e problematizam a trajetória de Caio
Prado Júnior, são trabalhos produzidos no
Palabras clave: Estado Nacional; ambiente acadêmico uspiano (ambos autores são
Nacionalismo; Corporativismo; Historiografía professores na Universidade de São Paulo). O
brasileña. livro de Iumatti marca-se pelo tom mais
______________________ intimista oferecido ao personagem Caio Prado
Júnior, este nos aparece com ênfase
Introdução. circunstanciada ao ambiente familiar, estudos no
exterior e ação empresarial e muito pouca coisa
C
aio Prado Júnior foi um estudioso do da ação política ou análise sistemática da
marxismo, especialmente do marxismo produção intelectual. Trata-se de um livro
stalinista, mas se considerarmos o fundamental pelas inúmeras informações do
conjunto da sua obra, penso que nos é possível percurso pessoal de Caio Prado Júnior, trata-se
perceber o autor como um dos últimos grandes de uma biografia quase “oficial” chancelada
pensadores do nacionalismo corporativista (na pelo universo da família Prado e montada com
mesma linhagem de Oliveira Viana e Azevedo livre e exclusivo acesso a um universo
Amaral) do Brasil. Para justificar esse documental que apenas os familiares de Caio
argumento, para demonstrar essa hipótese Prado Júnior tinham acesso. O grande ponto a
explicativa e assim remeter a obra do pensador destacar na detalhada investigação feita por
paulista a uma perspectiva ideológica associada Iumatti são as fontes. É uma referência de suma
detentora do poder, através das câmaras porque, conforme o autor, tais camadas, “não se
municipais, edificariam as bases da encontravam politicamente maduras para
nacionalidade brasileira, essa seria a sua fazerem prevalecer suas reivindicações”, o
“evolução natural” não houvesse, entretanto, Brasil naquele momento, “não tinha ainda
com a exploração do ouro e a monopolização do condições objetivas para a sua libertação
comércio por negociantes vinculados à Coroa econômica e social”, afinal, conclui o autor
portuguesa, um abalo na marcha dos manifestando uma inflexão determinista ao seu
acontecimentos, um abalo nessa evolução argumento, as “reformas mais profundas teriam
natural para se constituir como nação econômica ainda que esperar outros tempos e outro
autônoma e não mais como colônia. Entretanto, momento mais favorável e avançado da
em 1808, por causa das guerras napoleônicas, e evolução histórica do país”23. Noutra passagem
por o príncipe regente obrigar-se a deslocar o do livro, encontra-se de modo bastante
governo português para o Brasil, o Brasil evidenciado um raciocínio de fortes conotações
novamente seria enquadrado naquela “evolução positivistas – e ressalvo que esta é apenas uma
natural”, porque seria o príncipe regente quem afirmação de contraste com a própria descrição
acabaria por lançar “as bases da autonomia analítica que o autor apresenta na mesma obra –
brasileira”19. trata-se daquela referente às camadas populares
quando do processo de consolidação da
A transferência da corte portuguesa para o Brasil independência da nação no século XIX, que
foi termo fundamental para a definição da muitos analistas reputam como sendo a grande
nacionalidade brasileira, afinal, por originalidade da análise pradiana, a marca da
contingências de política internacional, D. João ruptura historiográfica que o autor realizava
VI foi obrigado a desmantelar as estruturas diante da tradição conservadora na historiografia
coloniais e todas as medidas, como a abertura de então:
dos portos, já eram práticas institucionais que
“mesmo um governo propriamente nacional não “A posição das classes pobres [sic] na
poderia ultrapassar”20. Dessa maneira o autor revolução da Independência é radical ao
percebia em 1808 a real independência do Brasil extremo. Planejavam-se completas
mesmo que essa só se consumasse em 1822 – transformações sociais, e não faltaram
“tivemos um período de transição em que, sem mesmo, projetos de divisão igualitária de
sermos ainda uma nação de todo autônoma, não toda a riqueza social. Mas faltavam as
éramos propriamente uma colônia”21. condições objetivas necessárias para a
realização destas reformas, e elas por isso
A nacionalidade estava asseverada, nada poderia andam mais no ar que caracterizadas em
quebrar essa inexorabilidade, nem mesmo a programas definidos. Vemo-las
reação colonizadora de 1820, na cidade do assumirem um caráter político, vago e
Porto, pois naquele momento histórico, a reação abstrato, sem se apoiarem numa sólida
recolonizadora embora contando com o apoio da base econômica e social, Eram em suma
metrópole e das cortes portuguesas, será levada aspirações confusas, muito mais
de vencida porque não era mais possível deter o destruidoras que construtivas”24.
curso dos acontecimentos e fazer retrogradar o
Brasil na marcha da História22. Por que na análise do autor, as ideias das
“classes pobres” eram “destruidoras”, naquela
Afirmado o nascimento da Nação e do seu conjuntura? Simplesmente porque na
principal personagem, o Estado Nacional, o inexorabilidade evolucionista dos fatos
próximo passo analítico foi o de caracterizar a históricos dispostos pelo autor, naquele
composição social das classes envolvidas na momento, “só os grandes proprietários” é que
política da nova nação. Além das classes poderiam ser donos da “marcha dos
dominantes dirigentes, Caio Prado refere-se acontecimentos”, nessa concepção de “história
também às camadas populares, e nisso, sua materialista” não há uma ideia de ruptura, de
análise era de fato pioneira, se comparada esta contradição permanente na processualidade
obra com outras aparecidas até então na cultura histórica, o que se evidencia, quer me parecer, é
historiográfica brasileira. Entretanto, é uma lógica explicativa teleológica. Uma lógica
necessário ressalvar, que tais camadas populares explicitamente evolucionista e determinista,
apareciam na análise do autor, como objeto porque o historiador ao conhecer o
coisificado, isto é, apareciam fixadas a um desdobramento posterior daqueles fatos do
determinismo estrutural – o da derrota política passado impunha aos mesmos um juízo de valor
mais variegados conjuntos étnicos que a diferenciada àquela parte do “país”? Vários
humanidade conheceu”33. outros exemplos poderiam aqui ser listados para
justificar o fato de que em grande parte, os
Ao enfatizar a questão sexual no contato entre as argumentos do autor apresentavam-se em
raças, o autor incorpora elementos da análise de visivelmente distanciados de uma perspectiva
Freyre, mas ao contrário das conclusões deste, marxista).
as suas não imantavam a mesma positividade
societária, tal como sugere a perspectiva do Na terceira parte do livro de 1942 (aspecto
historiador pernambucano. Note-se o tom, como fundamental para os propósitos da argumentação
exemplo dessa perspectiva, quando se refere ao que aqui apresento sobre a visão de mundo do
papel da mulher indígena na colonização onde autor) aquela referente à vida material, Caio
com essa era “notória a facilidade com que se Prado Júnior afirma que a economia colonial
entregava, e a indiferença e passividade com que estava caracterizada,
se submetia ao ato sexual”, e junto a essa
“característica”, outra, a da “impetuosidade “(...) de um lado, na sua estrutura [como]
característica do português e a ausência total de um organismo meramente produtor, e
freios morais”, elementos de sociabilidade, nos constituindo só para isto um pequeno
termos do autor, que acabaram por se constituir número de empresários e dirigentes que
em regra geral na colônia34. senhoreiam tudo, e a grande massa da
população que lhe serve de mão - de -
E para explicitar o diálogo com Freyre, o autor obra. Doutro lado, no funcionamento, um
corrobora de modo positivo e sem juízo fornecedor do comércio internacional dos
depreciativo, uma das teses centrais do gêneros que este reclama e de que ela
culturalismo freyriano: “É pela aptidão do dispõe. Finalmente, na sua evolução, e
português em se mestiçar com outras raças que como consequência daquelas feições, a
se deve a unidade do Brasil”35. Apesar de exploração extensiva e simplesmente
concluir nesses termos, no seu sentido geral, a especuladora, instável no tempo e no
questão racial abordada por Caio Prado é espaço, dos recursos naturais do país”37.
explicitamente um retrocesso teórico e político
se comparada àquela desenvolvida por Gilberto As características acima, “independente do
Freyre, e mais problemática ainda pelo fato de o estatuto de colônia ou depois de Nação”38
argumento pradiano aparecer num contexto resultam-se permanentes e geradoras para o país
histórico explicitamente marcado pelo racismo de uma “consequência final” gravíssima, qual
antissemita que o nazismo impunha ao mundo. seja: os ciclos de prosperidade e decadência
A economia colonial voltada integralmente ao econômica.
mercado externo; a natureza, o lugar-região
impondo o isolamento populacional; a mistura Uma evolução cíclica, tanto no tempo como no
racial depreciada que é “salva” pela aptidão do espaço, em que se assiste sucessivamente a fases
português; ou seja, um conjunto de atavismos de prosperidade estritamente localizadas,
que determinam a tipicidade da evolução seguidas, depois de maior ou menor lapso de
nacional. Evolução essa que só tomaria seu tempo, mas sempre curto, do aniquilamento
rumo “correto” quando da intervenção total. Processo este ainda em pleno
saneadora do Estado “científico” (veja-se este desenvolvimento no momento que nos ocupa e
exemplo: a certa altura do texto, o autor que continuará assim no futuro39.
referindo-se aos índios que viviam em aldeias
jesuíticas no Pará - Maranhão, diz que estes Para melhor vislumbrar a estrutura dessa
falavam o tupi, e não o português, e constatando permanente crise é preciso acompanhar o autor
o fato, interroga-se: “Era de se esperar que sem em algumas questões específicas, como a
a providência das leis pombalinas, aquele setor questão agrária, por exemplo. A estrutura
do Brasil se integrasse no corpo da colônia?” agrária colonial, o centro econômico do Brasil,
Responde a sua indagação desta maneira: assim se caracterizou:
“Parece mais provável que evoluiria numa
direção inteiramente diversa, e não chegaria De um lado a grande lavoura, seja ela do açúcar,
nunca a fazer parte do país”36. Ora, o que do algodão ou de alguns outros gêneros de
poderia significar isto se não uma visão de menor importância, que se destinam todos ao
História tipicamente evolucionista? E como a comércio exterior. Doutro a agricultura de
linguagem por si determinaria uma “evolução” subsistência, isto é, produtora de gêneros
destinados à manutenção da população do país, nenhuma voz ativa; nem ao menos depositou
ao consumo interno40. nele a confiança que não só merecia pelo seu
passado, [...] mas que lhe era absolutamente
O aspecto essencial das grandes lavouras seria o indispensável43.
da “exploração em larga escala”, onde áreas
extensas e “numerosos trabalhadores” Somente um homem de elevada moralidade, um
constituíam-se como uma empresa, “com homem de ciência, poderia levar a cabo o
organização coletiva do trabalho e mesmo saneamento da crise, mas mesmo esse,
especializações”41. Já a agricultura de precisaria também do parceiro-chave: o Estado;
subsistência, envolvida, entre algumas outras e se este faltasse àquele, pela cadeia dos
atividades, na produção de aguardente, algodão determinismos atávicos, mesmo esse homem de
e arroz, se caracterizava por sua ciência, mais preparado, falharia. Pressuponho
“mediocridade”, e onde só se encontrava um diante da argumentação do autor, uma questão
“elemento humano residual”, constituído, óbvia: somente um Estado científico reformador
sobretudo, de “mestiços do índio que é que poderia modificar as estruturas da crise
conservaram dele a indolência e qualidades cíclica permanente.
negativas” se comparada a uma vida de teor
“moral mais elevado” e, se não eram esses Enfim, o processo histórico de formação da
personagens, nessas atividades encontravam-se sociedade colonial enquanto totalidade centrou-
também “brancos degenerados e decadentes”42. se sob dois aspectos gerais: primeiro, a grande
propriedade agrícola, de monocultura e trabalho
A característica da economia de subsistência era escravo – o emblema do sistema colonial, a
resultado de uma determinação estrutural estrutura condicionante e condicionada do
imposta pelas funções da economia organizada sistema colonial metropolitano; e, segundo, a
de atividade produtiva voltada à metrópole, mas, atividade de subsistência nas suas várias formas
não se pode deixar de observar os termos – a esfera societária dos baixos valores morais,
desqualificadores com que o autor caracteriza a “da relaxação geral dos costumes”, dos “pretos
vida social que era determinada por aquelas boçais e índios apáticos”44. É de se notar, que
condições. É possível até concordar que a sua para o autor não havia dualidade nessa
intenção não fosse a de um racista ideológico, caracterização, porque ambas as situações eram
entretanto, os termos usados são claros: são partes constitutivas de um todo.
expressões racistas. E como sempre deixa
sugerido como ideal de padrão societário, p. ex., No quadro de impossibilidades societárias livres
a “moral mais elevada”, o autor explicita uma da escravidão (mesmo o pouco trabalho livre,
visão de mundo fortemente conservadora, executado por brancos, é conforme, o autor, o
apresenta-nos a palavra do reformador trabalho “dos desclassificados, dos inúteis e
autoritário. Insisto em ressalvar estes aspectos inadaptados, indivíduos de ocupações mais ou
da textualidade do autor porque creio serem eles menos incertas e aleatórias”45, Caio Prado
estruturais, e não mero acidente retórico. descreverá o clã patriarcal como a “unidade em
Apresento um exemplo claro dessa visão de que se agrupa a população de boa parte do país,
mundo reformadora e autoritária, um exemplo e que na base do grande domínio rural, reúne o
retirado do livro em questão quando o autor conjunto de indivíduos que participam das
referindo-se ao fracasso do trabalho do geólogo atividades dele ou se lhe agregam” 46. Essa
alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege durante descrição é uma clara influência historiográfica
o governo do regente D. João, em 1811. de Oliveira Viana, pois tal como o pensador
fluminense, Caio Prado Jr. também definirá o
Em 1811, o Regente, mais próximo do mal [o clã patriarcal como a única instituição
autor referia-se ao Brasil e ao fracasso da efetivamente organizada da colônia, já que nas
mineração – João Alberto] e enxergando-o por vilas ou em qualquer outro espaço público onde
isso melhor, [...] deu um primeiro passo acertado pudesse existir administração metropolitana, só
ao contratar os serviços de um homem como preponderava a indisciplina, a dispersão da
Eschewege, que além de técnico notório na população, a “falta de sedimentação social, de
matéria, tinha todas as qualidades de dedicação educação e preparo para um regime policiado”47.
e energia para tentar a rehabilitação (sic) da
massa falida que lhe confiavam. Mas como Ao constatar a inexistência, até o início do
sempre, a administração esqueceu o principal, século XIX de “relações sociais de nível
não deu a este homem [...]nenhuma autoridade, superior”48. Caio Prado Júnior diagnosticava a
barbárie imposta estruturalmente pelo sistema desses vetores é que poderia realizar a orgânico
colonial, termo que seria óbvio, porque coerente verdadeiramente nacional, efetivado pelos laços
com a análise precedida, se não estivesse da solidariedade (não seria o caso de associar
comprometido, logo a seguir, com um inflexível essa tese ao “solidarismo” de Oliveira Viana?), a
juízo de valor, qual seja, o de que as tais consumação do povo brasileiro e seu destino
relações sociais de nível superior só poderiam nacional; esse personagem só poderia ser o
existir se houvesse no tecido social, aquilo, que Estado Nacional. E pelo que pude indicar e
o autor, como bom leitor de Durkheim que era, deduzir, as forças de composição desse Estado,
definirá como “nexos morais”. Para tanto define só poderiam ser aquelas oriundas do mundo do
“nexo moral”, no “seu sentido amplo de conhecimento científico, assim é possível
conjunto de forças de aglutinação, complexo de concluir que o Estado Nacional pradiano,
relações humanas que mantêm ligados e unidos enquanto vetor abstrato assemelhar-se-ia ao
os indivíduos de uma sociedade e os fundem modelo do Estado Científico de cariz autoritário.
num todo coeso e compacto”49. Ora, com estes Comparando os argumentos do livro de 1942
termos Caio Prado Jr. torna frágil o sentido com o livro de 1933 (Evolução Política do
historiográfico de sua análise revestindo-a Brasil) percebo um desvio na proposição
retoricamente com elementos opinativos analítica do autor (o desvio estaria caracterizado
fortemente vinculados à tradição do pensamento justamente pelas inflexões positivistas e
autoritário que lhe era contemporânea. O autor culturalistas acima descritas). Mas, em 1945
nesse procedimento indica um julgamento dos retomaria o mesmo espírito analítico sugerido
erros históricos do passado colonial e quando em 1933, onde voltaria a bater-se frontalmente
afirma que as possibilidades das transformações com a questão do imperialismo.
revolucionárias futuras estavam mais próximas
das forças sociais desorganizadas remanescentes Em 1970, o autor ainda asseverava o caráter
do mundo colonial – os marginais, o mundo inconcluso da autonomização econômica
social residual dos clãs patriarcais – acaba por nacional:
sugerir a inflexão de que estes marginais jamais
poderiam expressar por si uma vontade “Desencadeiam-se forças renovadoras
transformadora para a edificação da verdadeira latentes que daí por diante se afirmarão
nacionalidade, ou seja, jamais poderiam por si cada vez mais no sentido de
mesmos deixar de ser o residual para se transformarem a antiga colônia numa
transformar em povo brasileiro. O elemento comunidade nacional e autônoma. Será
chave de articulação da massa inorgânica em um processo demorado - em nossos dias
povo nacional seria o Estado Nacional. Só o ainda não se completou-, evoluindo com
Estado Nacional poderia impor os verdadeiros intermitências e através de uma sucessão
“nexos morais” à nação brasileira. de arrancos bruscos, paradas e mesmo
recuos”50.
Dessa maneira, o que sugiro da leitura deste
grande clássico da historiografia brasileira, é Nessa explicação de 1970, o algoz da efetiva
certa ambiguidade na análise das vicissitudes do independência da nacionalidade brasileira ainda
sistema colonial e as suas imposições era o imperialismo, que por seu envolvimento
subordinantes – e isso me parece ser a sua com o grande latifúndio nacional obstaculizava
estrutura significativa fundamental. O autor o desenvolvimento autônomo do país, mas,
também irá sugerir outra cadeia de significados como já vinha sugerindo em outros trabalhos,
estruturantes, sintetizada no inorgânico da esse imperialismo representaria também, “um
colônia, o mundo das forças societárias residuais grande estímulo para a vida econômica do país”,
diante do predomínio do latifúndio. E, conforme porque a entrosara “num sistema internacional
propõe, as alternativas futuras do Brasil Nação altamente desenvolvido como é o do capitalismo
haveriam de residir nos laços solidaristas, nos contemporâneo”51. Ora, o que concluir com
nexos morais de relações sociais de nível estas afirmações? O autor ao qualificar como
superior, mesmo que oriundos do mundo social positiva a ação imperialista no seio da economia
desorganizado da colônia. brasileira afirmava que essas práticas do
imperialismo acabariam por conscientizar a
Evidente que por causa das forças telúricas, pela nação para a luta anti-imperialista, daí a
cadeia de determinismos não só do sistema conclusão: “o imperialismo é um suicida que
colonial, mas da própria natureza, do espaço marcha seguramente para a sua consumação”52.
fragmentado, somente um personagem acima
Caio Prado Júnior tem no conjunto de sua obra Caio Prado Jr. afirma que os países em que essa
dois livros que são praticamente ignorados em cultura burguesa se cristalizou nas suas
quase todos os estudos sobre a sua obra, deles estruturas societárias básicas eram, na ocasião
destaco O mundo do socialismo (1962). da publicação, os países da Europa Ocidental,
Interessa destacar, principalmente, a definição principalmente Inglaterra e França e os Estados
comparativa que o autor desenvolve sobre o que Unidos da América. Estes seriam a
entendia por Capitalismo e Socialismo. Essa exponencialidade do sistema capitalista. Os
dupla definição é importante porque fundamenta demais países, também capitalistas, mas que
alguns dos aspectos centrais da interpretação ainda não “se ajustaram adequadamente ao
que aqui elaboro do conjunto da obra do autor. estilo de vida e tipo de comportamento burguês,
Numa passagem do livro de 1962, Caio Prado ficaram para trás”, e na concorrência do
Júnior caracterizará da seguinte maneira alguns mercado capitalista internacional, tais países
dos reflexos da lógica capitalista sobre a “vida” seriam
dos indivíduos:
“[...] os chamados subdesenvolvidos do
“[...] miragem de um lucro monetário que mundo de hoje. É que lhes faltou, como
não tem essencialmente outro objetivo ainda lhes falta em grau suficiente, a mola
que abrir perspectivas para um lucro ainda mestra do capitalismo, isto é, o
maior num processo infindável que gira exclusivismo individualista centrado em
em círculo fechado em que o homem interesses materiais e permanentemente
como homem se anula. Esse aspecto do estimulado para a luta55”.
capitalismo não cabe, nas suas
implicações mais profundas, dentro da O Brasil, na ocasião, demarcava-se também por
Economia, e pertence antes ao domínio da essa situação em que a “cultura burguesa” não
neurologia se não da psiquiatria. Se o deitara ainda raízes efetivas, isto é, o Brasil não
estímulo do lucro não abafasse nos tinha entranhado nas suas sociabilidades, como
homens de negócio todo e qualquer outro caráter intrínseco, um tipo de capitalismo
impulso humano, eles seriam os primeiros mediado pela expressão egoística do
a se rebelarem contra um sistema que faz liberalismo; sendo assim, a inexistência de uma
deles um dos mais tristes e pobres tipos concreta “cultura burguesa” dava ao capitalismo
humanos que a história da humanidade brasileiro um caráter específico. Ora, com estas
jamais reconheceu”53. afirmações, algumas conclusões vão se tornando
óbvias. Se o paradigma societário que Caio
Prado Jr. procurava como modelo era o Para terminar este artigo, apresento rapidamente
socialismo soviético, porque na URSS, como o autor definia as práticas societárias no
Socialismo, considerando-se este como uma
“[...]o Socialismo propõe e está etapa de transição para o comunismo. Caio
procurando realizar um mundo fundado Prado Jr. afirma que “não é pelo caminho do
em princípio diametralmente oposto igualitarismo, isto é, forçando
(àquele do Capitalismo), a saber, o da indiscriminadamente para níveis idênticos os
cooperação entre os homens, o do esforço padrões de todos os indivíduos, que se marcha
comum e conjugado para os mesmos fins para a verdadeira igualdade, isto é, para o
que são de todos56”. comunismo”57. Se o caminho “igualitarista” era
um caminho equivocado para o comunismo, o
[...] e por o Brasil manifestar historicamente que haveria de sugerir então o autor? Sugere que
práticas de um capitalismo que não se definia o mundo do comunismo em substituição ao
nas estruturas básicas do paradigma liberal, a mundo socialista se vislumbrava pelo “aumento
“evolução” política do país e por aquilo que já e extensão dos bens e serviços postos
manifestara nos momentos de crise e de luta gratuitamente e indiscriminadamente à
anti-imperialista, essa evolução estaria mais disposição de um número sempre crescente de
próxima do Socialismo do que propriamente do cidadãos”58. Ora, o que há nesta assertiva? A
Capitalismo liberal – marca internacional organização estatal da economia, ou melhor, o
eufemística das práticas imperialistas, práticas poder público dirigindo os impulsos do
essas que impunham em plena segunda metade mercado, um tipo de prática estatal.
do século XX, a manutenção da lógica
exploratória do antigo sistema colonial. E, além É possível concluir que para o caso do
disso, as lutas anti-imperialistas por significarem capitalismo brasileiro, a presença de práticas
um estímulo e fortalecimento dos laços sociais similares àquelas, isto é, práticas de regramento
de coesão nacional, por possibilitarem relações estatal indicativas de um tipo de capitalismo
sociais reativas de “nível superior”, por organizado pelas demandas do consumo. O
construírem os “nexos morais” da solidariedade, modelo de socialismo de Caio Prado Jr. poderia
fundavam um tipo de práticas de sociabilidade então ser entendido como um desdobramento
que colocariam a evolução política e social do evolucionário desse capitalismo corporativista
capitalismo especificamente brasileiro na rota da de mercado organizado. O autor em momento
evolução socialista. Daí, na obra do autor, não algum de sua obra indica práticas socialistas de
estar presente um conceito de revolução no gestão produtiva transformada, isto é, a
sentido clássico que o marxismo poderia dar ao produção controlada pela classe operária. Em
termo, isto é, a revolução como expressão de 1962, mesmo após o relatório de Nikita
lutas de classe. Kruschev, Caio Prado via positivamente na
parceria Estado-Partido Comunista a expressão
Na História do Brasil de Caio Prado Jr. não máxima de organização política na URSS. Uma
existiam lutas de classe, apenas as lutas dos espécie de neocorporativismo que haveria de
“nacionais” contra os “imperialistas”. Dessa garantir o controle sobre as demandas
maneira, o conceito de Revolução Brasileira de trabalhistas e os abusos do capital. Para os
Caio Prado Júnior seria a expressão trabalhadores sobrariam as medalhas
evolucionária de um processo histórico que pela stakhanovistas do “herói do trabalho” – “título
sua particularidade e características altruísticas conferido àqueles que mais se destacam em suas
em formação poderia dar ao povo brasileiro a atividades profissionais, constitui a mais
possibilidade de estar em “marcha” ao lado do honrosa qualificação a que pode aspirar um
socialismo soviético, a Revolução Brasileira de cidadão soviético”59. Em plena década de 1960,
Caio Prado Jr. apontava as possibilidades de um após o descortinamento dos crimes do Estado
socialismo evolucionário com evidentes stalinista, o autor sem qualquer reflexão crítica
conotações positivistas. O agente primordial de sobre os fatos apontados pelo relatório Kruschev
organização dessa marcha evolutiva do Brasil no (em momento algum dos escritos de Caio Prado
mundo, só poderia ser o Estado nacional Jr. há uma observação que considere
composto por uma tecnocracia de “homens mais criticamente os acontecimentos que abalaram no
capazes”, um Estado notadamente mundo inteiro as opiniões dos socialistas e dos
integracionista sob uma contundente marca comunistas) sugere como ideal societário aquilo
corporativista. que as práticas stakhanovistas já impunham
desde o começo da década de 1930 aos