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Ressalta-se que, mesmo sem o fazer de forma expressa e impositiva, foi o Tratado
de Lisboa que deu à União contornos delineados de um actor securitário global [2].
Consegue-se perceber isto claramente no artigo 3º, nº 5, do Tratado da União Europeia
ao realçar que, em sua relação com o mundo exterior, a União “[...] contribui para a paz,
a segurança, o respeito mútuo entre os povos [...]” [3].
Preservar a paz, prevenir os conflitos, reforçar a segurança internacional e ajudar as
populações, países e regiões vítimas de catástrofes naturais e de origem humana também
são definidos em seu artigo 21 como objetivos da acção externa da União.
Desta forma, apesar do Tratado não delimitar rigorosamente esta função como
sendo uma das missões da União, “há materializações importantes na construção de um
actor de segurança comprometido com a gestão de crises internacionais”. E, mesmo que
o Tratado de Amsterdão tivesse estabelecido as missões de Petersberg, foi o de Lisboa
enrijeceu a dimensão civil destas missões. É nesta lógica que o artigo 42º, nº 3, do TUE,
estabelece que os Estados-membros coloquem à disposição da União tanto capacidades
militares como as civis, a fim de perseguir os objetos fixados no âmbito da PCSD [4].
O Conselho Europeu também já teve a oportunidade, em diversas ocasiões, de
corroborar a posição da União como actor global, chegando a afirmar que um dos
principais objetivos da EU em sua ação externa seria o fortalecimento da segurança
internacional e a preservação da paz [5]. E o que se observa na condução dessas políticas
e missões é a preponderância de instrumentos civis frente ao militar, mesmo em operações
civis-militares[6], sendo “o tipo de poder exercido pela UE mais do tipo ‘soft’ do que
‘hard’, e baseia-se em instrumentos económicos, diálogo e diplomacia” [7], áreas antes
pouco exploradas por outros atores internacionais.
Esta lógica já era defendida desde a década de 1970 por autores como François
Duchêne, que argumentava que o poder detido pela UE deveria ser entendido de uma
forma diferente do tradicional poder militar ou estratégico, mas sim visto como um poder
civil, “um modelo de estabilização, reconciliação e paz para outras regiões do mundo”
[8]. Seria através da difusão de suas normas e princípios democráticos que a União
Européia conseguiria contribuir de forma mais efectiva para a transformação da
segurança no âmbito internacional, sendo isto, portanto, a materialização daquele soft
power.
Embora contata-se que número de conflitos armados tenha diminuído nos últimos
anos, os reflexos daqueles mais recentes ainda perduram em suas sociedades. Talvez por
este motivo a União Europeia venha desenvolvendo cada vez mais, na concepção de um
soft power, missões em Estados terceiros que tem com o objectivo de prevenir conflitos,
acção esta exemplificada no art. 43º, nº 1, do TUE, como um dos meios que a pode se
utilizar na manutenção da paz no planeta e no reforço da segurança internacional.
Partindo deste ponto de vista, Ana Juncos e Steven Blockmans argumentam que
um dos principais obstáculos a ser superado pela União Europeia neste contexto é uma
maior capacidade de monitoração e agilidade na identificação de um possível conflito.
Não obstante o consenso entre os Estados de que é bem melhor prevenir do que remediar
conflitos, os autores indagam se os mecanismos de prevenção de conflitos da UE estariam
servindo apropriadamente a este propósito. [11]
Neste caso, o problema não parece ser de natureza financeira, uma vez que o
Instrumento da União Europeia para a estabilidade e a paz [14], de 2014, foi criado
justamente para incrementar o orçamento de execução de acções que têm como escopo
as questões de prevenção de conflitos, gestão de crises e promoção da paz. Assim,
evidencia-se que o entrave assenta no emprego destes recursos, que não são direcionados
da forma eficaz a segmentos carecentes.
Sem embargo, as dinâmicas políticas mundiais vêm levando cada vez mais a
ameaças e conflitos complexos, eternizando velhos desafios e contribuindo com o
surgimento de novos, sendo necessário um aperfeiçoamento constante e ágil, por parte da
UE, da sua atuação e de seus instrumentos de prevenção. As reformas institucionais a fim
de sanar as fragilidades apontadas no âmbito burocrático e de planejamento devem
continuar a acontecer. E, além de tudo, é preciso haver um compromisso político a longo
prazo da União Europeia e seus Estados-membros na superação destes obstáculos
prementes da segurança internacional.
NOTAS DE RODAPÉ
[1] SARAIVA, Miriam Gomes. A União Européia como ator internacional..., 2004
[2] XAVIER, Ana Isabel. A União Europeia e a Segurança Humana..., 2010, p.59
[3] XAVIER, Ana Isabel, Idem, 2010, p. 60
[4] Com vista à execução da política comum de segurança e defesa, os Estados-Membros colocam à
disposição da União capacidades civis e militares de modo a contribuir para os objetivos definidos pelo
Conselho. Os Estados-Membros que constituam entre si forças multinacionais podem também colocá-las à
disposição da política comum de segurança e defesa.
[5] 3101st Council meeting Foreign Affairs Luxembourg, 20 June 2011
[6] SILVEIRA, João Almeida. EU NAVFOR Atalanta..., 2015, p.73
[7] XAVIER, Ana Isabel, Idem, 2010, p. 237
[8] BARRINHA, André. Towards a global dimension..., 2008, p. 20.
[9] Conclusões do Conselho da União Europeia, ST 14305 2018 INIT.
[10] JUNCOS, Ana. The EU’s role in conflict prevention and peacebuilding: four key challenges, 2018
[11] JUNCOS, Ana. The EU’s role in conflict prevention and peacebuilding: four key challenges, 2018
[12] Resolução do Parlamento Europeu, P8_TA(2019)0158
[13] WHITIMAN, Richard; WOLFF, Stefa. The European Union as a Global Conflict Manager. 2012
[14] Regulamento (UE) n. °230/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2014 , que
cria um instrumento para a estabilidade e a paz
[15] Tratado da União Europeia
[16] Conclusões do Conselho da União Europeia, 15283/16
[17] JUNCOS, Ana. The EU’s role in conflict prevention and peacebuilding: four key challenges, 2018
[18] EIDUS, F.; JUNCOS, A. E. Reclaiming the local in EU peacebuilding..., 2018.
[19] BABAUD, S. et al. Responding to people’s security needs..., 2009
[20] EDMUNDS, Timothy el al. EU local capacity building..., 2018
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
BABAUD, S. et al (2009). IfP security cluster. Responding to people’s security needs.
Improving the impact of EU programming. Synthesis Report. Retrieved
from https://www.ictj.org/sites/default/files/ICTJ-IFP-EU-Security-Needs-2009-
English.pdf
JUNCOS, Ana; BLOCKMAN, Steven (2018). The EU’s role in conflict prevention and
peacebuilding: four key challenges, Global Affairs, 4:2-3, 131-
140, DOI: 10.1080/23340460.2018.1502619