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ACÓRDÃO Nº 163/2007

Processo n.º 730/06


1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

1. A. e outros instauraram, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto,


acção popular administrativa, na modalidade de recurso de impugnação de normas,
contra a Assembleia Municipal do Porto, pedindo que fosse declarada, com força
obrigatória geral, a ilegalidade de todas as normas integrantes do Regulamento das
Normas Provisórias do Município do Porto (fls. 2 e seguintes).

A Assembleia Municipal do Porto contestou (fls. 74 e seguintes), seguindo-


se as alegações dos autores (fls. 102 e seguintes) e o parecer do Ministério Público (fls.
106 e seguintes).

Por sentença de 31 de Outubro de 2003, o juiz do Tribunal Administrativo


do Círculo do Porto julgou o recurso improcedente (fls. 109 e seguintes).

2. Desta sentença recorreram de agravo A. e outro (fls. 122), tendo nas alegações
respectivas (fls. 127 e seguintes) concluído, para o que agora releva, do seguinte modo:
“Primeira conclusão
Nos termos do art. 8° do DL 69/90, o recurso ao estabelecimento de normas
provisórias apenas era possível em relação a procedimentos de elaboração de
planos municipais de ordenamento destinados a regular o uso e ocupação do
solo em áreas por eles ainda não abrangidas, estando excluída a sua
admissibilidade em relação a procedimentos de revisão.
Segunda conclusão
A norma do art. 8°/5 do DL 69/90, na medida em que permite que o regulamento
de um PDM, precedido de inquérito público, seja alterado automaticamente por
um regulamento de normas provisórias cujo procedimento não integra qualquer
momento de participação dos interessados, é inconstitucional, por violação do
art. 65°/5 da Constituição da República Portuguesa, que garante «a participação
dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico
e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território».
[…].”.

A Assembleia Municipal do Porto contra-alegou (fls. 156 e seguinte).

A sentença foi mantida, por despacho de fls. 175 e v.º.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso não merecia


provimento (fls. 183).

3. Por acórdão de 25 de Maio de 2006, o Supremo Tribunal Administrativo


negou provimento ao recurso jurisdicional, para o que agora releva pelos seguintes
fundamentos (fls. 185 e seguintes):

“[…]
2.2.2. Quanto à matéria da conclusão 1ª
[…] independentemente do mais, todo o esforço argumentativo desenvolvido
pelos recorrentes em abono da interpretação do preceito em causa [artigo 8º do
Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março] como apenas aplicável à elaboração dos
planos fica sem qualquer suporte justificativo em face do que, muito claramente,
se estatui no art.º 19º, n.º 4 do mesmo diploma legal: «A revisão dos planos
municipais obedece ao processo e requisitos estabelecidos no presente diploma,
nomeadamente quanto à sua elaboração, aprovação, ratificação, registo e
publicação».
O legislador usou, no diploma em causa, um expediente técnico-legislativo
bastante frequente para evitar a repetição de normas, ou seja, uma norma de
remissão, mandando aplicar ao procedimento de revisão o regime jurídico
disciplinador do processo de elaboração de planos, sem exceptuar, como se vê,
o regime das normas provisórias; o que significa, conforme ensina Baptista
Machado […] que foi o próprio legislador que se deu conta da existência de
analogia entre as situações a regular.
Compreende-se, assim, melhor que o n.º 5 do aludido art.º 8º se reporte
à alteração automática, durante a sua vigência, das disposições de qualquer
plano municipal, na parte abrangida por essas normas, e que o n.º 6, ao
prescrever a necessidade de ratificação das normas provisórias, faça expressa
alusão às situações em que as mesmas se relacionam com a elaboração de
planos municipais que careçam de ratificação ou alterem disposições de plano
municipal ratificado.
A disjuntiva é claramente estabelecida entre as duas situações – elaboração ou
alteração –, o que sempre retiraria qualquer hipótese de êxito à tentativa dos
Recorrentes de destruir a argumentação usada na sentença a este propósito,
alvitrando que os citados n.ºs 5 e 6 se refeririam a outros planos municipais que
não àquele que estivesse em elaboração.
Improcede, assim, a conclusão 1ª das alegações.
2.2.3 - Quanto à matéria da conclusão 2ª
Alegam os recorrentes que a norma do art.º 8º, n.º 5 do D. Lei 69/90, na medida
em que permite que o regulamento de um P.D.M., precedido de inquérito
público, seja alterado automaticamente por um regulamento de normas
provisórias, cujo procedimento não integra qualquer momento de participação
dos interessados, é inconstitucional, por violação do art.º 65º/5 da Constituição
da República Portuguesa, que garante «a participação dos interessados na
elaboração dos instrumentos de planeamento físico do território».
Sem razão, contudo.
Efectivamente a circunstância de não estar legalmente prevista no processo de
elaboração das normas provisórias a participação dos interessados,
nomeadamente através de inquérito público, é justificada pela natureza urgente
da adopção das referidas medidas, as quais visam neutralizar os perigos e
inconvenientes para o interesse público da demora na aprovação final dos
planos.
Ora, tendo em conta que, em sede de controlo da constitucionalidade, não cabe
aos tribunais emitir propriamente um juízo «positivo» sobre a solução legal,
mas tão só um juízo «negativo» que afaste aquelas soluções de todo o modo
insusceptíveis de credenciação racional, dir-se-á que a opção legal em causa não
merece a censura inerente ao aludido juízo negativo, atenta, nomeadamente, a
justificação acima referida.
[…].”.
4. Deste acórdão recorreu A. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação
da inconstitucionalidade da norma do artigo 8º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de
Março, “interpretada no sentido de as disposições dos Regulamentos de Normas
Provisórias não precedidos de inquérito público prevalecerem sobre as disposições de
Regulamentos de outros instrumentos de planeamento urbanístico aprovados na
sequência de um procedimento que integra esse mecanismo de audição dos interesses
dos particulares”, por violação do princípio consagrado no artigo 65º, n.º 5, da
Constituição (fls. 218 e seguinte).

O recurso foi admitido por despacho de fls. 226.

5. Já no Tribunal Constitucional, produziu o recorrente alegações (fls. 233 e


seguintes), formulando as conclusões que seguem:

“Primeira
O tribunal recorrido interpretou a norma do art. 8º/5 do Decreto-Lei 69/90, de 2
de Marco, no sentido de as disposições dos Regulamentos de Normas
Provisórias não precedidos de inquérito público, destinado a assegurar a
participação dos interessados, prevalecerem, alterando-as automaticamente,
sobre as disposições de Regulamentos de outros instrumentos de planeamento
urbanístico aprovados na sequência de um procedimento integrador dessa fase
de audição dos interesses dos particulares.
Segunda
Interpretação essa que levou o tribunal recorrido a sustentar a admissibilidade
legal da utilização do mecanismo das normas provisórias nos procedimentos de
revisão de planos directores municipais em vigor.
Terceira
Porém, interpretada assim, tomada com esse significado normativo, a norma do
art. 8º/5 do D.L. 69/90, de 2 de Março, viola frontalmente o preceito do art.
65º/5 da CRP, segundo o qual «garantida a participação dos interessados na
elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros
instrumentos de planeamento físico do território», pelo que deve julgada
inconstitucional.
[…].”.
A Assembleia Municipal do Porto contra-alegou (fls. 240 e seguintes),
concluindo do seguinte modo:

“A) O regime jurídico das normas provisórias resulta de uma opção do


legislador ao disciplinar juridicamente uma matéria especial, através de diploma
legislativo (Decreto-Lei).
B) A regulamentação do art.º 8º do D.L. 69/90, de 2/3 (posteriormente revogado
pelo D.L. 380/99, de 22 de Setembro), que previa a possibilidade de a
Assembleia Municipal, mediante proposta da Câmara Municipal (e com parecer
da comissão técnica ou da comissão de coordenação regional, consoante os
casos) estabelecer normas provisórias para a ocupação, uso e transformação do
solo em toda ou em parte das áreas a abranger por planos municipais em
elaboração quando o estado dos trabalhos fosse de modo a possibilitar a sua
adequada fundamentação, era também aplicável à revisão dos planos
municipais, por força do estatuído no artº 19º, n.º 4 do mesmo diploma legal.
C) A norma do artº 8º, n.º 5 do DL. 69/90 não infringe o disposto no artº 65º, n.º
5 da C.R.P., que garante «a participação dos interessados na elaboração dos
instrumentos de planeamento físico do território», pois, a omissão da previsão
legal de participação dos interessados no processo de elaboração das normas
provisórias justifica-se pela natureza urgente e cautelar das referidas medidas.
D) A «antecipação» das soluções urbanísticas constantes do plano em
elaboração ou em revisão nas normas provisórias não constitui um desvio ilegal
do procedimento, antes, como medida cautelar que visa obviar ao perigo de uma
decisão tardia, a utilidade prática das normas provisórias será tanto maior
quanto mais acentuada for a identidade de conteúdo com as correspondentes
disposições do plano.
E) A adopção de normas provisórias e/ou de medidas preventivas traduz um
verdadeiro e próprio sub procedimento que se insere no procedimento mais
amplo de elaboração, revisão ou alteração de um instrumento de planeamento,
onde estava, e está, assegurado o direito de participação dos cidadãos – arts. 14º,
15º e 19º do revogado DL n.º 69/90 e arts 6º e 77º do RJIGT.”.

Cumpre apreciar e decidir.


II

6. É a seguinte a redacção do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março,


que disciplinava – antes da sua revogação pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de
Setembro – o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território:

“Artigo 8º
Normas provisórias
1 – A assembleia municipal, mediante proposta da câmara municipal e com
parecer da comissão técnica ou da comissão de coordenação regional, consoante
os casos, pode estabelecer normas provisórias para a ocupação, uso e
transformação do solo em toda ou em parte das áreas a abranger por planos
municipais em elaboração, quando o estado dos trabalhos seja de modo a
possibilitar a sua adequada fundamentação.
2 – O parecer referido no número anterior é emitido no prazo de 60 dias a contar
da recepção do respectivo pedido, interpretando-se a sua não emissão como
nada havendo a opor.
3 – A assembleia municipal, ao estabelecer as normas provisórias, fixa também
o prazo da sua vigência, que não pode exceder dois anos.
4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, as normas provisórias
caducam com a entrada em vigor dos planos a que respeitam, bem como com a
entrada em vigor de qualquer outro plano na área que tal plano com elas tenha
em comum.
5 – Com a entrada em vigor das normas provisórias caducam as medidas
preventivas, se as houver, e ficam automaticamente alteradas, durante a sua
vigência, as disposições de qualquer plano municipal, na parte abrangida por
essas normas.
6 – As normas provisórias, quando estejam relacionadas com a elaboração de
planos municipais que careçam de ratificação ou alterem disposições de plano
municipal ratificado, estão sujeitas a ratificação nos termos do artigo 16º.
7 – Aplica-se às normas provisórias o disposto nos artigos 17º e 18º, sobre
registo e publicação, com as necessárias adaptações.”.

Constitui objecto do presente recurso a norma do n.º 5 deste preceito legal,


interpretada no sentido de “as disposições dos Regulamentos de Normas Provisórias
não precedidos de inquérito público prevalecerem sobre as disposições de
Regulamentos de outros instrumentos de planeamento urbanístico aprovados na
sequência de um procedimento que integra esse mecanismo de audição dos interesses
dos particulares”.

Segundo o recorrente, tal norma, nesta interpretação, é inconstitucional, por


violação do disposto no artigo 65º, n.º 5, da Constituição.

O artigo 65º da Constituição, que tem como epígrafe “Habitação e


urbanismo”, integrando-se sistematicamente no Capítulo da Constituição dedicado aos
direitos e deveres sociais, determina o seguinte no seu n.º 5:

“É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de


planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento
físico do território.”.

Vejamos se a apontada interpretação normativa viola este preceito


constitucional, como sustenta o recorrente.

Refira-se, porém, e antes de mais, que ao Tribunal Constitucional não


cumpre apreciar se o artigo 8º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, restringe
a admissibilidade das normas provisórias aos procedimentos de elaboração de planos
municipais de ordenamento destinados a regular o uso e ocupação do solo em áreas por
eles ainda não abrangidas (como quer o recorrente) ou, diversamente, se as admite
também em relação a procedimentos de revisão (como entendeu o tribunal recorrido e
a recorrida).

Este é um problema de interpretação do direito ordinário, que, em regra, não


compete ao Tribunal Constitucional resolver. No âmbito do recurso previsto no artigo
70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, este Tribunal deve partir, sem
questionar a respectiva legalidade, da interpretação que, a esse propósito, foi perfilhada
pelo tribunal recorrido, cabendo-lhe unicamente apreciar se tal interpretação é ou não
conforme com a Constituição.
7. Segundo o recorrente, e em síntese, a violação do artigo 65º, n.º 5, da
Constituição, pela interpretação normativa que constitui o objecto do presente recurso,
decorreria do seguinte (supra, 5.):

a) A disposição constitucional invocada exige que as próprias normas


provisórias aprovadas durante o procedimento de elaboração ou revisão de planos
municipais sejam precedidas da participação dos interessados, não legitimando a
respectiva natureza cautelar e urgente a total ausência de participação dos interessados;
b) Ainda que tal ausência de participação dos interessados seja
constitucionalmente admissível, não é aceitável a preterição de um regulamento
precedido de participação dos interessados por um outro que não é precedido dessa
participação.

Na óptica do tribunal recorrido (supra, 3.), porém, a inexistência de


participação dos interessados no processo de elaboração das normas provisórias
justificar-se-ia “pela natureza urgente das referidas medidas, as quais visam neutralizar
os perigos e inconvenientes para o interesse público da demora na aprovação final dos
planos”; também a Assembleia Municipal do Porto, nas contra-alegações (supra, 5.),
sustenta que “a omissão da previsão legal de participação dos interessados no processo
de elaboração das normas provisórias justifica-se pela natureza urgente e cautelar das
referidas medidas”.

Apreciemos, então, a questão de constitucionalidade colocada.

8. O artigo 65º, n.º 5, da Constituição, ao garantir a participação dos interessados


na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros
instrumentos de planeamento físico do território, constitui, como sublinham Jorge
Miranda / Rui Medeiros (Constituição portuguesa anotada, Tomo I, Coimbra Editora,
2005, p. 678), “uma das diversas manifestações constitucionais do princípio da
democracia participativa proclamado no artigo 2º”, e, “ao contrário do que sucede
noutros preceitos constitucionais (designadamente, artigo 267º, n.º 4), o artigo 65º, n.º
5, não contém qualquer remissão para a lei, sendo antes um preceito directamente
aplicável, sem prejuízo, naturalmente, da liberdade de conformação do legislador na
concreta concretização do modo como se efectiva uma tal participação […]”.
Para Gomes Canotilho / Vital Moreira (Constituição da República
Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotação ao
artigo 65°, n.º XII), o n.º 5 do artigo 65º da Constituição “é uma concretização em sede
do ordenamento e do urbanismo do direito da participação dos interessados nas tarefas
e estruturas da administração (cfr. art. 267º-1)”. No entender destes autores, “a
Constituição visou alicerçar a democracia participativa no âmbito do planeamento
territorial procurando estimular uma cidadania territorial indispensável à prossecução
das tarefas do Estado referentes ao correcto ordenamento do território e
desenvolvimento harmonioso (arts. 9º/e e g e 82º/d, i, l e m) e à efectivação de direitos
fundamentais (direito ao ambiente e qualidade de vida, direito ao património cultural,
direito à paisagem, direito ao desenvolvimento sustentado, direito das futuras gerações,
direito à fruição cultural, direito à igualdade real entre portugueses)”.

O dever de audiência prévia e de audição dos interessados na elaboração de


planos directores e de ordenamento do território foi objecto de regulação no artigo 4º
da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto – a lei que rege o direito de participação procedimental
e acção popular – e voltou a ser reafirmado em recentes instrumentos de gestão
territorial (vejam-se, por exemplo, os artigos 6º e 48º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22
de Setembro, que revogou o diploma onde se insere a norma aqui em apreciação).

No Acórdão n.º 394/04, de 2 de Junho (disponível em


www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional considerou que “a
participação dos interessados está constitucionalmente prevista em quaisquer
instrumentos de planeamento físico do território (artigo 65º, n.º 5, da Constituição), mas
apenas na sua elaboração […]. É dizer que a prorrogação do regime pré-existente, não
sendo este constitucionalmente definido como transitório, não carece, à face da
Constituição, de participação obrigatória dos cidadãos”.
A referência à exigência de participação dos interessados apenas a propósito
da elaboração dos instrumentos de planeamento territorial não significa, porém, na
lógica deste Acórdão, que a alteração de um regime anterior não deva estar também
submetida a tal exigência: significa apenas que só para a prorrogação de um regime
pré-existente se prescinde dessa participação. Como aí se diz: “[…] as próprias razões
que depõem a favor da criação de Parques Naturais depõem a favor da sua natureza
permanente, salvo circunstâncias excepcionais, e sem prejuízo da alteração do regime
que lhes é aplicável (quer no sentido de o flexibilizar, ou reduzir, quer no sentido de o
endurecer, ou aumentar), justificando-se então, de novo, a participação dos cidadãos,
como constitucionalmente previsto («criação e desenvolvimento de parques
naturais»)”.

A necessidade de participação dos interessados, quer na elaboração, quer na


alteração de um instrumento de planeamento urbanístico, é sublinhada por Jorge
Miranda / Rui Medeiros (ob. cit., p. 678), que, citando Fernando Alves Correia,
consideram que “a teleologia do preceito [do artigo 65º, n.º 5, da Constituição] abrange
qualquer modificação substancial de instrumentos de planeamento urbanístico”.
Também Gomes Canotilho / Vital Moreira (ob. e loc. cits.) entendem que “o direito de
participação incide sobre a elaboração (e sobre a revisão) de todos os instrumentos de
planeamento urbanístico e de planeamento físico do território e tem por beneficiários
todos os cidadãos e organizações residentes ou sedeadas nas áreas correspondentes” e
que “dado o âmbito dos interessados, o mecanismo de participação deve contemplar
procedimentos adequados (debates públicos, audiências públicas, etc.) a uma eficaz
participação”.

Sendo este o sentido do preceito, o que se pode, então, perguntar é se também


as normas provisórias a que alude o artigo 8º do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março,
ora em apreciação, consubstanciam, elas mesmas, a elaboração ou a alteração de um
instrumento de planeamento territorial, e se, consequentemente, estão abrangidas pela
exigência de participação dos interessados, contida no artigo 65º, n.º 5, da Constituição.

9. Importa desde logo reconhecer que, de acordo com o que se estabelece no


próprio artigo 8º do Decreto-Lei n.º 69/90, as normas provisórias aí previstas dizem
respeito a “ocupação, uso e transformação do solo em toda ou em parte das áreas a
abranger por planos municipais em elaboração, quando o estado dos trabalhos seja de
modo a possibilitar a sua adequada fundamentação” (itálico aditado).

Por outro lado, não pode deixar de se ter em consideração que as normas
provisórias, tal como se encontram reguladas no preceito em análise, têm um prazo de
vigência limitado, que não pode exceder dois anos (n.º 3), e que essas normas
provisórias caducam com a entrada em vigor dos planos a que respeitam (n.º 4).

Tal significa que a adopção das normas provisórias se inscreve num processo
de elaboração de um determinado instrumento de planeamento territorial e se encontra
por isso vinculada a um certo fim – a elaboração desse instrumento de planeamento
territorial. Ora, no âmbito do procedimento mais amplo de elaboração de um
instrumento de planeamento, encontra-se assegurado, no sistema do revogado Decreto-
Lei n.º 69/90, o direito de participação dos cidadãos (vejam-se os artigos 14º, 15º e 19º).

A determinação de participação dos interessados contida no artigo 65º, n.º 5,


da Constituição não é absoluta. O direito de participação dos interessados na elaboração
dos instrumentos de planeamento territorial deve harmonizar-se com outras exigências
constitucionais que, no caso concreto, podem até prevalecer, implicando, por exemplo,
um prazo mais curto do que o geral para o exercício do direito de participação dos
interessados, ou até a aprovação de medidas provisórias não precedidas desta
participação.

Segundo Fernando Alves Correia, são múltiplas as formas de participação e


existem diversos graus de intensidade ou de profundidade da participação (cfr. Manual
de direito do urbanismo, Vol. I, 3ª ed., Almedina, 2006, p. 380 ss).

No caso em apreço, é certo que não se encontra prevista – como pretendia o


recorrente – a modalidade de participação mais rigorosa traduzida no inquérito público,
regulado no artigo 14º do Decreto-Lei n.º 69/90. Mas não seria desadequado considerar
que as exigências estabelecidas no diploma quanto ao procedimento a seguir para a
aprovação das normas provisórias permitem, de algum modo, acautelar o direito de
participação dos interessados, através da intervenção da assembleia municipal.

Conclui-se, assim, tal como no acórdão recorrido, que a circunstância de não


estar legalmente prevista no processo de elaboração das normas provisórias a
participação dos interessados, através de inquérito público, é justificada pela natureza
urgente da adopção das referidas medidas. Tais normas provisórias visam neutralizar
os perigos e inconvenientes que para o interesse público poderiam decorrer da demora
na aprovação final dos planos. A omissão da previsão legal de participação dos
interessados no processo de elaboração das normas provisórias, através de inquérito
público, não traduz uma solução arbitrária, encontrando o seu fundamento na natureza
urgente e cautelar das referidas medidas.

III
11. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional
decide negar provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida no que
se refere à questão de constitucionalidade.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 ( vinte


) unidades de conta.

Lisboa, 6 de Março de 2007


Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Artur Maurício

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