Você está na página 1de 7

Supremo Tribunal Federal

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 821.932 ESPÍRITO SANTO

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


RECTE.(S) : CAIXA BENEFICENTE DOS MILITARES ESTADUAIS
DO ESPIRITO SANTO
ADV.(A/S) : FÁBIO DAHER BORGES
RECDO.(A/S) : NILO BELINOSSI
ADV.(A/S) : LUIZ ANTONIO TARDIN RODRIGUES E
OUTRO(A/S)

DECISÃO

AGRAVO EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E
PROCESSUAL CIVIL. ASSOCIAÇÃO
COMPULSÓRIA: IMPOSSIBILIDADE.
ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO
JUÍZO DA CAUSA, LITISCONSORTE
PASSIVO NECESSÁRIO, JULGAMENTO
EXTRA E ULTRA PETITA E DE
CERCEAMENTO DO DIREITO DE
DEFESA: AUSÊNCIA DE OFENSA
CONSTITUCIONAL DIRETA.
PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE
NEGA SEGUIMENTO.

Relatório

1. Agravo nos autos principais contra decisão de inadmissão de


recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, inc. III, al. a, da
Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de
Justiça do Espírito Santo:

“AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. RESTITUIÇÃO DE


VALORES. PRIMEIRA APELAÇÃO. PRELIMINARES
REJEITADAS. INTEMPESTIVIDADE. INCOMPETÊNCIA

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6358785.
Supremo Tribunal Federal

ARE 821932 / ES

ABSOLUTA. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CAUSA DE


PEDIR. LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO.
JULGAMENTO EXTRA PETITA. MÉRITO. ASSOCIAÇÃO
COMPULSÓRIA. VEDAÇÃO. PECÚLIO-RESGATE. DEVIDO.
RECURSO IMPROVIDO. SEGUNDA APELAÇÃO.
RESTITUIÇÃO INTEGRAL DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE.
ANUÊNCIA TÁCITA. TERMO INICIAL. RECURSO
ADMINISTRATIVO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1)
A Caixa Beneficente é uma instituição de natureza autárquica, pois
desenvolve atividade típica do Estado, foi criada por lei,
regulamentada por ato do Poder Executivo e possui capacidade de
gestão autônoma e patrimônio próprio. 2) O art. 188 do CPC confere
prazo em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública. 3)
O Código de Organização Judiciária traz regra específica de
competência de juízo para os casos em que for demandada autarquia
estadual, a competência para julgar ação em que figura como
requerida a Caixa Beneficente dos Militares Estaduais do Espírito
Santo é da Vara da Fazenda Pública Estadual. Contudo, o Juízo da 1ª
Vara Cível de Nova Venécia, segundo o Código de Organização
Judiciária, possui competência para processar e julgar as causas em
que forem interessado o Estado e suas respectivas autarquias. 4) A
inépcia da inicial configura-se quando lhe faltar causa de pedir,
contudo no presente caso, estão presentes os fundamentos de fato e de
direito que dão suporte ao pedido autoral. 5) A autarquia estadual
possui personalidade jurídica própria, capacidade administrativa
autônoma e patrimônio independente, podendo o Estado do Espírito
Santo figurar na relação processual tão somente como assistente
simples, eis que seu interesse é indireto na solução da demanda. 6)
Não há que se falar em julgamento extra petita, notadamente, porque
houve pedido expresso de exclusão do nome de associado da entidade,
de devolução dos valores descontados na folha de pagamento e do
benefício-pecúlio e de declaração de inconstitucionalidade da Lei
Estadual 2.978/68. 7) Inexiste cerceamento de defesa pelo julgamento
antecipado da lide quando a prova documental produzida for
suficiente para a formação do livre convencimento motivado do
magistrado. 8) A norma estadual que estabelecia a compulsória

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6358785.
Supremo Tribunal Federal

ARE 821932 / ES

associação dos policiais militares à Caixa Beneficente restou


incompatível com os ditames do inciso XX do art. 5º da Constituição
Federal. 9) O instituto do pecúlio-resgate, a requerimento do
contribuinte, pode ser resgatado até o valor de 25% (vinte e cinco por
cento) de seu valor integral, conforme previsão do parágrafo único do
art. 39 do Decreto-Lei 2.978/68. 10) A restituição de valores pagos
indevidamente deve operar-se a partir do momento em que o
requerente manifestou interesse em desligar-se da associação. 11)
Primeira apelação improvida e segunda apelação parcialmente
provida” (fls. 198-199, doc.1).

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 235-245,


doc. 1).

2. O recurso extraordinário foi inadmitido sob o fundamento de


insuficiência da preliminar de repercussão geral (fls. 64-68, doc. 2).

3. A Agravante afirma ter o Tribunal de origem contrariado os arts.


5º, incs. IV e IX, e 220 da Constituição da República.

No agravo, a Agravante afirma ter havido “a exposição preliminar e


fundamentada da repercussão geral, tendo o Recorrente, portanto, satisfeito o
requisito recursal. A efetiva existência de transcendência subjetiva da matéria
(competência material para julgamento da causa) é apreciação de competência
exclusiva deste excelso STF, nos termos do art. 543-A, §, do CPC” (fl. 47, doc.
2).

No recurso extraordinário, a Agravante sustenta que: a) o “foro


judicante quanto à territorialidade” seria incompetente (fl. 11, doc. 2); b) “o
Estado do Espírito Santo tem interesse direto no deslinte da presente lide”, pelo
que deveria ter sido chamado na causa como litisconsórcio passivo
necessário (fl. 13, doc. 2); c) a sentença e o acórdão seriam ultra e extra
petita, porque teriam decidido “causa diferente da que foi posta em juízo, na
inicial ou em recurso” (fl. 18, doc. 2); d) não poderia ser condenada a

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6358785.
Supremo Tribunal Federal

ARE 821932 / ES

devolver as parcelas pagas pelo Agravado por ter ele usufruído das
benesses da associação compulsória (fl. 30, doc. 2); e) o “cerceamento de
defesa caracterizado não através do mero julgamento antecipado da lide como se
deu, mas do verdadeiro ‘apressado’ da lei, onde restou violado o constitucional
direito da Ré/Apelante à ampla defesa” (fl. 31, doc. 2).

Examinados os elementos havidos no processo, DECIDO.

4. Cumpre afastar o fundamento da decisão agravada. A Agravante


suscita preliminar na qual defende a repercussão geral da questão
constitucional contida no recurso extraordinário (fls. 8-9, doc. 2).

Todavia, a superação desse fundamento não é suficiente para o


acolhimento da pretensão da Agravante.

5. O Tribunal de Justiça decidiu:

“Compulsando as provas colacionadas, extrai-se que realmente o


recorrente ingressou de forma irregular aos quadros da Caixa
Beneficente, sem obediência ao inciso XX do art. 5º da CF/88, pois não
pediu nem aquiesceu expressamente em associar-se à instituição.
Destarte, é perceptível que, mesmo verificando sua inserção nos
quadros da associação recorrida desde o seu ingresso na corporação da
Polícia Militar há mais de tinta anos, permaneceu inerte, por todo esse
tempo, sem insurgir-se quanto aos descontos que vinham mês a mês
sendo realizados em sua folha de pagamento, apenas requerendo o seu
desligamento junto à primeira apelada em 14/02/2011, conforme fl.
03.
Desse modo, o silêncio do recorrente deve ser interpretado como
adesão tácita à Caixa Beneficente dos Militares Estaduais do Espírito
Santo, não havendo possibilidade de restituição dos descontos
efetivados nesse período.
No entanto, em razão do pedido de desligamento formalizado
pelo recorrente e negado pela apelada em 14 de fevereiro de 2011, no
qual demonstrou sua intenção em não permanecer no quadro da

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6358785.
Supremo Tribunal Federal

ARE 821932 / ES

associação, correta a devolução das parcelas eventualmente


descontadas a partir desta data.
(…)
Com o raciocínio acima exposto, não há dúvidas de que a
devolução pleiteada é cabível, todavia, apenas a partir do momento em
que o requerente manifestou interesse em desligar-se da associação, o
que se operou no momento em que formalizou o pedido em sede
administrativa em 14/02/2011, negado na mesma data, conforme
transcrito à fl. 03” (fl. (fls. 211-213, doc. 1, grifos nossos).

Este entendimento harmoniza-se com a Constituição da República,


segundo a qual “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer
associado” (art. 5º, inc. XX) e com a jurisprudência deste Supremo Tribunal
que assentou ser livre a pessoa para associar-se ou não. Assim, por
exemplo:
“Colho da Constituição Federal que ninguém está compelido a
fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Embora o preceito se refira a obrigação de fazer, a concretude que lhe é
própria apanha, também, obrigação de dar. Esta, ou bem se submete à
manifestação de vontade, ou à previsão em lei.
Mais do que isso, a título de evitar o que se apontou como
enriquecimento sem causa, esvaziou-se a regra do inciso XX do artigo
5º do Diploma Maior, a revelar que ninguém poderá ser compelido a
associar-se ou a permanecer associado. A garantia constitucional
alcança não só a associação sob o ângulo formal como também tudo
que resulte desse fenômeno e, iniludivelmente, a satisfação de
mensalidades ou de outra parcela, seja qual for a periodicidade, à
associação pressupõe a vontade livre e espontânea do cidadão em
associar-se” (RE 432.106, Relator o Ministro Marco Aurélio,
Primeira Turma, Dje 4.11.2011, grifos nossos).

Naquele julgamento ressaltei que “a questão do direito constitucional à


associação, que é até muito pouco estudada ainda, mas que é taxativa nos termos
de uma liberdade assegurada de se associar. Portanto as obrigações decorrentes da
associação, ou da não associação, são direitos constitucionais.”

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6358785.
Supremo Tribunal Federal

ARE 821932 / ES

Dessa orientação jurisprudencial não divergiu o acórdão recorrido.

6. Ademais, o exame das outras matérias veiculadas no recurso


extraordinário (incompetência do juízo que proferiu a sentença,
litisconsórcio passivo necessário do Estado do Espirito Santo, devolução
de parcela ao Agravado, julgamento ultra e extra petita e cerceamento do
direito de defesa) demandaria a interpretação da legislação
infraconstitucional aplicável à espécie (Código de Processo Civil e Código
de Organização Judiciária). Assim, a alegada contrariedade à
Constituição da República, se tivesse ocorrido, seria indireta, o que
inviabiliza o regular processamento do recurso extraordinário. Confiram-
se:
“Julgamento extra petita. Interpretação do pedido. Matéria afeta
à norma infraconstitucional. Recurso extraordinário. Não cabimento.
Agravo regimental não provido” (AI 212.070-AgR, Relator o
Ministro Maurício Corrêa, Segunda Turma, Dje DJ 7.5.1999).

“Configuração de litisconsórcio passivo necessário afastado na


origem. 4. Alegado descumprimento de limite orçamentário previsto
em portaria. Análise de norma infraconstitucional. Ofensa
constitucional indireta. 5. Agravo regimental ao qual se nega
provimento” (RE 665.764-AgR, de minha relatoria, Primeira
Turma, Dje 9.4.2012).

“A questão alusiva ao cabimento de recursos da competência de


outros Tribunais se restringe ao âmbito infraconstitucional.
Precedentes. Não havendo, em rigor, questão constitucional a ser
apreciada por esta nossa Corte, falta ao caso ‘elemento de configuração
da própria repercussão geral”, conforme salientou a ministra Ellen
Gracie, no julgamento da Repercussão Geral no RE 584.608’” (RE
598.365, Relator o Ministro Ayres Britto, Plenário Virtual, Dje
26.3.2010).

“Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à


suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6358785.
Supremo Tribunal Federal

ARE 821932 / ES

limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da


causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas
infraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral” (ARE 748.371,
Relator o Ministro Gilmar Mendes, Plenário Virtual, Dje
1º.8.2013).

“A questão relativa à devolução, pelo consórcio, das parcelas


pagas pelo consorciado, no caso de desistência, encontra-se no âmbito
infraconstitucional. Por essa razão, incabível o recurso extraordinário,
visto que não há ofensa direta à Constituição Federal. O Plenário
deste Tribunal reconheceu a inexistência de repercussão geral do tema
em debate (RE 628.914-RG). Agravo regimental a que se nega
provimento” (ARE 699.866-AgR, Relator o Ministro Joaquim
Barbosa, Segunda Turma, Dje 25.10.2012).

Nada há, pois, a prover quanto às alegações da Agravante.

7. Pelo exposto, nego seguimento ao agravo (art. 544, § 4º, inc. II,
alínea b, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Brasília, 3 de julho de 2014.

Ministra CÁRMEN LÚCIA


Relatora

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6358785.

Você também pode gostar