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Instituto do Conhecimento AB
N.º 2
2014
INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB
editor
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
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3000-167 Coimbra
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FBA.
pré-impressão
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
impressão e acabamento
, 2014
depósito legal
Apresentação
265
266
Abreviaturas
A. Autor
AA. Autores
ac. Acórdão
acs. Acórdãos
al. Alínea
art. Artigo
arts. Artigos
BMJ Boletim Ministério da Justiça
CC Código Civil
cfr. Confrontar
CJ Colectânea de Jurisprudência
CPC Código de Processo Civil
CP Código Penal
CPI Código da Propriedade Industrial
CPub Código da Publicidade
CPP Código de Processo Penal
CRP Constituição da República Portuguesa
EMJ Estatuto dos Magistrados Judiciais
ICANN Internet Corporation for Assigned Names and Numbers
n. Nota de pé de página
nn. Notas de pé de página
p. Página
pp. Páginas
TC Tribunal Constitucional
TRC Tribunal da Relação de Coimbra
TRE Tribunal da Relação de Évora
TRG Tribunal da Relação de Guimarães
TRL Tribunal da Relação de Lisboa
TRP Tribunal da Relação do Porto
ss. Seguintes
STJ Supremo Tribunal de Justiça
v. Vide
Vol. Volume
267
1 – Introdução
1
Confirma-se aqui, portanto, a provocação deixada por Christian Atias, Épistémologie,
p. 29: «Pour les juristes aussi, la question se pose: savent-ils de quoi ils parlent ou parlent-ils de ce qu’ils
savent?».
2
Com isto não pretendemos, à partida, excluir que as conclusões deste trabalho se apliquem
a matérias de direito público. Apenas não tratamos desse assunto.
268
3
A propósito desta escola de pensamento cfr. Hespanha, Cultura Jurídica, pp. 391 e ss.,
Kaufmann, Filosofia, pp. 42 e ss. e Wieacker, História do Direito, pp. 397 e ss..
4
Cfr. Hespanha, O Caleidoscópio, pp. 700 e ss..
269
aplique claramente aos factos, mas também para os casos em que a ocorrên-
cia dos factos não é clara, pelo que, também nestes, será possível encontrar
o respectivo enquadramento legal. Surgiu então a necessidade de, partindo
dos conceitos que o Direito já consagrava, determinar qual o Direito aplicá-
vel às situações de incerteza factual, respeitando-se, deste modo, a obrigato-
riedade de decidir.
Foi assim que, neste contexto, surgiu a chamada teoria das normas, for-
mulada pelo jurista alemão Leo Rosenberg5. Segundo a referida teoria, era
necessário, em primeiro lugar, atentar nas normas cuja aplicação está em
causa e determinar a quem beneficiam essas normas: se àquele que pretende
exercer um direito subjetivo, caso em que teremos uma «norma de base», se
ao outro que pretende obstar ao exercício desse direito pelo primeiro, caso
em que teremos uma «contranorma». As «normas de base» contêm, portanto,
os factos constitutivos do direito que atribuem, enquanto que as «contranor-
mas» contêm os factos extintivos, impeditivos e modificativos relativamente
ao direito atribuído pela respectiva norma «norma de base»6.
Identificadas as normas que favorecem quem deseja exercer o direito e as
que favorecem quem visa obstar a esse exercício, que correspondem àquelas
que beneficiam (exceptuando as ações de simples apreciação negativa) o autor
e o réu, respectivamente, haverá de reconhecer quais os factos que constam
da previsão de cada uma dessas normas. Chegados a este ponto, Rosenberg
faz o seguinte raciocínio: se certa norma favorece determinada pessoa e se
essa norma prevê a ocorrência de alguns factos, deverá ser essa pessoa a ter
de provar os factos previstos nessa norma. Deste modo, a verificação dos ele-
mentos das previsões das normas constituem pressupostos da sua aplicação,
não podendo o juiz aplicá-las não só quando considere demonstrada a não
ocorrência desses elementos, mas também quando não considere demons-
trada a sua ocorrência, ou seja, quando haja incerteza relativamente à sua veri-
5
Este A. formulou aquela teoria na obra Die Beweislast, editada pela primeira vez em 1900
e cuja última edição data de 1952; existe também uma tradução argentina datada de 1956,
cuja segunda edição data de 2002, sendo esta a obra que citaremos em todas as referencias
futuras a Rosenberg. Quanto ao entendimento deste A. como um positivista-legalista veja-se
v.g. Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 58 e 149, n. 126.
6
Para uma boa panorâmica do surgimento e do funcionamento da teoria das normas v. Pedro
Múrias, Por uma distribuição, pp. 43 e ss..
270
ficação. Por conseguinte, atribui-se o ónus da prova dos factos previstos nas
várias normas partindo de conceitos já estabelecidos (ainda que não tenham
sido previamente identificados de forma clara) no ordenamento jurídico: o
de normas atribuidoras de direitos («normas de base») e o de normas oposi-
tivas aos direitos («contranormas»).
7
Com efeito, o legalismo surgiu no seguimento das revoluções liberais do século XIX (em-
bora tivesse aproveitado as contribuições culturais do chamado jusracionalismo setecentista:
cfr. Hespanha, Cultura Jurídica, pp. 376 e ss.), as quais se seguiram à idade média, período
em que a prova tarifada (cuja origem remonta ao direito germânico) era a regra e nesta não
se coloca o problema de haver dúvida em relação à ocorrência dos factos (cfr. n. 22), pelo
que não havia necessidade de estabelecer qualquer género de critério de decisão na dúvida,
não existindo qualquer ónus da prova. Foi, portanto, com o advento das revoluções liberais
e, nomeadamente, com o surgimento do tribunal de júri (manifestação no âmbito do poder
judicial da necessidade de democratização que emergia na época) e a consequente necessidade
de abolir a prova tarifada (visto que os jurados desconheciam as suas regras) que surgiu a
livre apreciação da prova e a dúvida na sua apreciação (a este respeito veja-se Álvaro Paúl,
Sana Crítica, pp. 6 e ss. e Alberto Bovino, A Atividade Probatória, pp. 74 e ss.). Assim, dado
o entendimento que o direito era um sistema normativo completo, que se explica no texto,
surgiu o conceito de ónus da prova como critério de decisão na dúvida.
8
Para um panorama das razões do desvanecimento do legalismo e das escolas de pensamento
jurídico que se lhe seguiram cfr. Hespanha, Cultura Jurídica, pp. 402 e ss., e Wieacker, Histó-
ria do Direito, pp. 654 e ss.. Para uma crítica concisa e imaginativa aos dogmas do positivismo
veja-se Pedro Múrias, O Direito no Pacífico Sul.
271
9
V. Lynce de Faria, A Inversão, p.15.
10
Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição, Tomo III, pp. 18 e ss.. e Gomes Cano-
tilho e Vital Moreira, Constituição, Vol. II, pp. 509 e ss..
11
Para um aprofundado panorama da necessidade de decidir na incerteza e da decisão de ónus
da prova já não sob uma perspetiva fechada no discurso jurídico mas centrada no respectivo
fundamento lógico e axiológico, veja-se Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 60 e ss..
272
12
Efetivamente, para cada facto existem, em abstrato, duas versões: a de que ocorreu e a de
que não ocorreu. A determinação de qual delas é a onerada e a privilegiada é feita de acordo
com a distribuição do ónus da prova.
13
Cfr. n. 11.
14
Esta expressão deve ser entendida do seguinte modo: se A tem o ónus da prova de que X
ocorreu (sendo esta a versão onerada dos factos) e se for incerto que X tenha ocorrido, deve
o juiz decidir como se X não tivesse ocorrido (sendo esta a versão privilegiada dos factos);
se A tem o ónus da prova de que Y não ocorreu (versão onerada) e se for incerto que Y tenha
ocorrido, deve o juiz decidir como se Y tivesse ocorrido (versão privilegiada). Com efeito, no
primeiro caso, X é um facto cuja ocorrência aproveita a A e, no segundo, Y é um facto cuja
ocorrência prejudica A, sendo estes os sentidos em que se pode dizer que existe risco relativo
à não produção de prova de X ou de Y.
15
Acerca deste princípio, cfr. Freitas, Machado, Pinto, Código de Processo, Volume 2.º,
pp. 431 e ss., Castro Mendes, Do Conceito, p. 167, Montalvão Machado e Paulo Pimenta,
O Novo Processo, p. 33 e João Baptista, Processo Civil, p. 428.
273
das partes16. Como tal, será apenas na sua acepção objectiva que nos iremos
referir ao ónus da prova.
Contudo, não obstante a relevância da distinção, ela não deve ser exage-
rada. De facto, a parte a quem aproveita a versão onerada terá um forte estí-
mulo para produzir a prova dessa versão, pelo que, na prática, será muito
frequentemente essa parte, caso seja capaz de o fazer, a provar aquela versão
factual17: a este de estímulo à produção de prova poderemos chamar de efeito
à distância do ónus da prova, por oposição ao seu efeito mais «próximo» de
determinação da parte que suporta o risco de ser alvo de uma decisão des-
favorável em caso de dúvida. Por este motivo, não será ainda completamente
desadequado falar também em partes oneradas ao invés de, apenas, versões
oneradas. Por estas razões, usaremos ambas as expressões ao longo deste tra-
balho.
2.2.2.1 – Preliminares
16
Apesar da irrelevância do sujeito processual que produz a prova, já não será sempre ir-
relevante a parte que alega os factos que delimitam o objecto da prova: a não indiferença
relativamente a este aspeto surgirá sempre que a lei substantiva restrinja a certas pessoas a
invocação de certos direitos ou de formas de obstar ao exercício de direitos com os corres-
pondentes factos constitutivos. Este aspeto encontra-se ressalvado no artg. 413.º, in fine do
CPC. Assim, o princípio da aquisição processual é restrito à produção de prova, funcionando
após o objecto desta ter sido delimitado pelas alegações de factos das partes.
17
Neste sentido, v. Oliveira Yoshikawa, Considerações sobre a teoria dinâmica, pp. 120-1.
Reconhecendo este efeito da atribuição do ónus da prova v. ac. do STJ de 05/10/2005 (Fer-
nandes Magalhães).
274
teza tal que, para decidir, deva recorrer às regras da distribuição do ónus da
prova. Para encontrar esse critério devemos focarmo-nos na apreciação que o
juiz faz das provas que tem ao seu dispor e procurar analisar o resultado dessa
apreciação, ou seja, o convencimento com que o juiz ficou da ocorrência ou
não ocorrência dos factos cujas provas visam demonstrar. Essa convicção só
muito raramente será absoluta, no sentido em que o juiz, na maior parte das
vezes, não terá a certeza absoluta de que certo facto ocorreu ou não. Portanto,
será razoável graduar essa (in)certeza18. Para tal, imaginemos que os referi-
dos casos raros em que o juiz está absolutamente convicto de que certo facto
ocorreu ou não ocorreu correspondem, respectivamente, aos pontos extre-
mos de 0% e de 100% de uma linha que meça o grau de convicção do juiz
(a que também poderemos chamar a medida da prova), correspondendo todos
os outros pontos intermédios às várias graduações que possam caracterizar a
sua convicção. Nessa linha, o ponto intermédio, correspondente a uma con-
18
A graduação da convicção do juiz (medida da prova) relativamente à ocorrência de certo
facto é uma atitude comum na doutrina e na jurisprudência dos ordenamentos de common
law, que tem por base uma (aparentemente) diferente concepção de medida da prova em
comparação com a compreensão do mesmo conceito que é típica nos ordenamentos de civil
law. Com efeito, nos primeiros, é comum haver uma abordagem mais objectiva da medida da
prova, centrada na probabilidade de ocorrência de um certo facto, tendo em conta as provas
apreciadas pelo juiz. Nos segundos, é frequente uma perspectiva mais subjetiva do mesmo
conceito, focada na chamada livre e íntima convicção do julgador relativamente à ocorrência
dos factos. Em relação a esta questão, com referências legais, doutrinais e jurisprudenciais
que atestam aquela divergência, cfr. Brinkmann, The Synthesis, pp. 876 e ss. e Christoph
Engel, Preponderance of the Evidence, pp. 4 e ss.. No entanto, este desacordo revela posições
que, em vez de contrárias, são complementares e, em conjunto, revelam uma imagem mais
completa da mesma realidade. Com efeito, a determinação da probabilidade de ocorrência
de certo facto só poderá acontecer no âmbito da apreciação judicial das provas que, não
devendo ser arbitrária, não pode deixar de conter uma grande dose de subjetividade. Neste
sentido, apontando como justificação para aquela aparente divergência o sistema de decisão
dos factos através de júri, que é a regra nos ordenamentos de common law e a exceção nos de
civil law, Brinkmann, The Synthesis, pp. 881 e ss.. No entanto, adotámos no texto a abordagem
da graduação da prova dado que, ao ser mais centrada no resultado da apreciação probatória,
julgamos ser mais sugestiva para a fixação e para a exposição dos níveis mínimos de convicção
necessários para dar certo facto como provado (cfr. próximos parágrafos do texto), não se
limitando a uma referência praticamente vazia ao modo (livre) de apreciação da prova. De
referir que os Princípios UNIDROIT de Processo Civil Transnacional acolhem a perspetiva
da graduação da prova (cfr. ponto 21.2 dos referidos Princípios). Contudo, existem também
AA. que pensam não ser possível graduar a (in)certeza resultante da apreciação da prova, tais
como Castro Mendes, Do Conceito, pp. 318 e ss. e Carratta, Funzione dimostrativa, pp. 91 e ss..
275
19
Note-se que as provas a que o juiz teve acesso podem não resultar apenas da atividade
probatória levada a cabo pelas partes, mas também da realização de diligências probatórias por
iniciativa do juiz (art. 411.º do CPC, que consagra o princípio do inquisitório), relativamente
às quais é devida, não só pelas partes mas também por terceiros, a necessária colaboração
para a descoberta da verdade dos factos em causa (arts. 7.º e 417.º do CPC).
20
A respeito destas interrogações cfr. Castro Mendes, Do Conceito, pp. 317 e ss..
21
V. n. 30. Note-se, contudo, que o atual CPC consagra, no art. 607.º, n.º5, a propósito da
fundamentação da sentença, a prescrição de que o juiz deve analisar «criticamente as provas»
276
e extrair «dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Assim, este preceito contém já uma referência às regras da experiência bem como ao caráter
indireto da atividade probatória, que adiante se explica no texto.
22
É importante esclarecer que, como o ónus da prova só se torna relevante nos casos de
dúvida, só poderá ocorrer uma decisão baseada na distribuição do ónus nos casos em que
essa dúvida seja relevante, ou seja, naqueles em que os meios de prova estão sujeitos à livre
apreciação pelo julgador (cfr., entre outros, os arts. 357.º, n.º2, 358.º, n.os3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º,
n.º1, in fine, 389.º, 391.º, ou 396.º, todos do CC). Pelo contrário, sempre que o valor probatório
de um meio de prova esteja fixado na lei (prova tarifada) e se verifiquem as condições para a
sua aplicação ao meio de prova que seja apresentado (pense-se, por exemplo, que um docu-
mento particular que contenha declarações de vontade das quais decorra a celebração de um
contrato, relativamente às quais não tenha sido feita prova do contrário, tem força probatória
plena, tal como decorre dos arts. 347.º e 376.º, n.º1 do CC), então o facto demonstrado por
esse meio tem de ser dado como provado pelo juiz, pelo que a sua livre apreciação, e eventual
dúvida, acerca da ocorrência do facto será irrelevante, não havendo lugar a uma decisão de
ónus da prova. Acerca deste assunto veja-se, por exemplo, Lebre de Freitas, A Ação, pp. 213-4.
23
Em relação à livre apreciação da prova, esta encontra-se genericamente prevista no
art. 607.º, n.º5 do CPC. Além disso, o CPC reitera a sujeição à livre apreciação nalguns casos
concretos: 417.º, n.º2, 455.º e 489.º.
24
Para uma definição doutrinal do conceito de regras da experiência v., entre outros, Jauer-
nig, Direito Processual, p. 269 e Pires de Sousa, Prova por Presunção, pp. 75 e ss..
25
Dentro da categoria dos factos instrumentais podem-se distinguir os factos acessórios e
os probatórios. Os primeiros consistem em factos que demonstram a ocorrência dos factos
principais, enquanto que os segundos atestam a verosimilhança daquela demonstração. Por
exemplo: a declaração de uma testemunha (facto acessório) que atesta que ocorreu certo facto
principal torna-se verosímil pelo facto de ela ser coerente em si ou quando confrontada com
as declarações de outras testemunhas (facto probatório). A propósito destes conceitos v., por
exemplo, Lebre de Freitas, Introdução, pp. 172 e ss., Castro Mendes, Do Conceito, pp. 178 e
ss.. Assim, sendo os factos principais necessariamente factos passados (efetivamente, mesmo
quando está em causa a obtenção, em juízo, de um efeito que pressuponha uma projeção fu-
277
tura, tal como ocorre, por exemplo, na atribuição de indemnização em forma de renda, essa
projeção tem sempre de ser baseada em acontecimentos passados, que constituem os factos
probandos), pensamos que o julgador apenas poderá, no âmbito do processo, ter acesso aos
factos instrumentais que demonstrem a ocorrência dos principais, nunca podendo aceder a
estes diretamente. Não concordamos pois com Lebre de Freitas, Introdução, pp. 173, n. 51
que admite a possibilidade de o juiz aceder diretamente a factos principais e que aponta como
exemplo de um facto principal que pode ser objecto de prova direta (e ao qual, portanto, o
juiz pode aceder diretamente) a verificação, por inspeção judicial, de que certo prédio urbano
seria menor do que o acordado para efeito de anular, por erro, a promessa de compra e venda
do mesmo: na verdade, pensamos que o facto principal numa ação em que se peça a anulação
de um contrato por erro, além daquele de que decorra a essencialidade do elemento sobre
que incide o erro, é o facto de que decorre a divergência entre a vontade real e a declarada,
sendo que esse facto terá de consistir nalguma circunstância que implique que o declarante
formou a sua vontade declarada de forma não correspondente com a realidade (por exemplo
porque visitou o prédio em fase de obras, o que fez com que não se apercebesse devidamente
do seu tamanho), circunstância essa que será necessariamente pertencente ao passado e a que
o juiz não poderá aceder diretamente, não sendo possível provar aquela divergência apenas
pela constatação do tamanho do prédio. Com efeito, tal como se explica adiante no texto,
julgamos que toda a prova é indireta, embora em diferentes graus.
26
Não concordamos pois com os AA. (cfr., entre outros, Varela, Bezerra, Nora, Manu-
al de processo, p. 500 e Lebre de Freitas, Introdução, p. 173, Rui Rangel, O ónus da prova,
p. 226) que consideram estar em causa um raciocínio dedutivo, dado que pensamos estarem
envolvidos neste processo apenas raciocínios do tipo indutivo e abdutivo, pelas razões que
apontamos na n. 33.
27
A alegação e prova dos factos principais é essencial à procedência das pretensões formu-
ladas pelo autor (integrando, neste caso, a causa de pedir) ou das exceções aduzidas pelo réu
(art. 5.º, n.º1 do CPC), sendo que aqueles constam, respetivamente, das previsões das «normas
de base» e das «contranormas». No primeiro caso, estão em causa factos constitutivos e, no
segundo, factos impeditivos ou extintivos do direito do autor (cfr. ponto 2.3). Assim, tal como
se prenuncia no texto, consideramos que as provas apenas podem veicular factos probatórios
e nunca factos principais, consideração essa que se explica mais adiante.
28
Cfr. n. 25.
29
Apesar de alguns AA. defenderem que a normalidade pode, em certas situações, ser utilizada
como um critério de distribuição do ónus da prova (cfr. n. 61), pensamos que esta deve ser conside-
rada como um elemento relevante apenas no âmbito da apreciação da prova. Com efeito, julgamos
que a normalidade ou anormalidade é um fator que revela a maior ou menor probabilidade de
278
experiência30, para que, atendendo aos factos acessórios que aprecia no caso
concreto, lhe seja possível inferir os factos principais com base nos factos
probatórios. Por exemplo: perante o facto de que a testemunha estava num
local muito próximo do acontecimento em causa (facto probatório provado,
por exemplo, através de uma fotografia), dado que o depoimento da testemu-
nha indica a ocorrência do facto principal (facto acessório), é uma regra da
experiência, que resulta da normalidade das coisas, que quem se encontra
perto dos acontecimentos tem uma melhor percepção deles, pelo que será
adequado, à partida, inferir do depoimento da testemunha o facto principal.
Aquela operação de inferência pode também ser encarada como uma pre-
sunção que se baseia no elevado grau de verosimilhança, em virtude das regras
da experiência, entre os factos demonstrados pelas provas (factos instrumen-
tais) e os factos inferidos a partir daqueles (factos principais). Efetivamente,
as presunções que a lei consagra em várias normas do nosso ordenamento são
justificadas pela elevada probabilidade de, demonstrado o facto base da pre-
sunção, o facto presumido ter ocorrido também31. No âmbito da apreciação da
ocorrência de certo facto, devendo, assim, ser levado em conta no âmbito da medida da prova
de modo a que se possa decidir pela demonstração ou não demonstração dos factos. Como tal,
este fator não deve relevar na determinação da parte que deve correr o risco da não verificação
daqueles, tanto que julgamos que esta questão deve ser resolvida com base em elementos de
diferente natureza, nomeadamente a facilidade relativa de produzir a prova (cfr. ponto 3).
30
Refira-se que relativamente ao conceito de regras da experiência, apesar de a sua inde-
terminação em abstrato implicar um inevitável grau de subjetividade no seu preenchimento
casuístico, não se trata de um conceito que deva poder ser discricionariamente preenchido.
De facto, ultrapassado o entendimento discricionário da apreciação da prova (que vigorou
no período imediatamente posterior às revoluções liberais novecentistas (cfr. n. 7) e que se
pode encontrar, por exemplo, em José Dias Ferreira, Novíssima Reforma, p. 262, ao afirmar
que o julgador podia decidir «com as provas, sem as provas e contra as provas, visto que o
elemento determinativo da sua decisão é unicamente a sua consciência»), a apreciação da
prova segundo as regras da experiência deve ser feita sempre em termos lógicos e razoáveis,
de acordo os factos acessórios e probatórios que as provas sugerem e nunca «contra» elas.
Com efeito, o cumprimento desta prescrição é sindicável em sede de recurso de apelação,
tal como decorre do n.º1 do art. 662.º do CPC. Esta questão é, atualmente, alvo de consenso
doutrinal: cfr., entre outros, Castro Mendes, Do Conceito, pp. 177 e ss., Aroso Linhares,
Regras de Experiência e liberdade objectiva, pp. 70 e ss., Teixeira de Sousa, As partes, pp. 236 e
ss. e A livre apreciação da prova, pp. 115 e ss. e Lebre de Freitas, Introdução, pp. 196-7.
31
V., neste sentido, Lebre de Freitas, A Ação, pp. 207-8, Jaime Cordero, Lógica y Sana
Crítica, p. 148 e Fernando Gil, Neutralidade do Facto, p. 10. No ponto 5.2 retomaremos esta
questão, analisando alguns exemplos.
279
prova, ocorre a mesma relação de verosimilhança entre dois factos, mas essa
relação terá de ser aferida pelo julgador em função das características do caso
concreto e das regras da experiência que se lhe devam aplicar32, permitindo
que o julgador se convença da verdade dos factos presumidos (ou inferidos:
os factos principais) a partir dos factos base da presunção (ou factos a partir
dos quais se processa a inferência33: os factos instrumentais), sendo estes os
32
Cfr., afirmando esta equivalência de «procedimentos», Castro Mendes, Do Conceito,
pp. 179 e ss..
33
Esta inferência envolve, pensamos, raciocínios do tipo abdutivo, na passagem do facto
base para o facto presumido, e do tipo indutivo, na formulação das regras de experiência
que permitem essa passagem. Com efeito, na lógica abdutiva procura-se uma explicação
possível e provável para um certo facto, sendo esse o tipo de raciocínio que se aplica quando
se realizam inferências com base em regras de experiência. Por exemplo: se considerarmos
(regra da experiência) que se X foi alvo de agressões físicas, então terá marcas no corpo, a
constatação de que X tem marcas no corpo (facto base da presunção) poderá levar-nos a
considerar que X foi alvo de agressões físicas. Note-se, contudo, que, considerando este si-
logismo individualmente, ele sofre da falácia da afirmação do consequente, dado que não se
afirma que a única razão para que se tenham marcas no corpo é o facto de se ter sido vítima
de agressões físicas. Com efeito, este argumento é formalmente inválido, mas tal ocorre por
uma razão que não o impede de produzir uma inferência que possa ser levada em conta pelo
julgador, pois essa invalidade só implica que a conclusão não é necessariamente correta, não
a impedindo de ser verdadeira, como ocorrerá, por exemplo, se for corroborada por outras
provas, distintas daquelas que demonstraram o facto base da presunção, ou se se demons-
trar, em função das circunstâncias do caso, que aquela conclusão constitui uma explicação
altamente provável e verosímil para o facto de que X tem marcas no corpo. Por outro lado,
num momento logicamente anterior àquele raciocínio abdutivo, a formulação das regras
de experiência implica um raciocínio indutivo. Com efeito, na lógica indutiva, afirma-se a
verdade de certo facto mais genérico como sendo provável em função da verdade de certas
constatações particulares repetidas. Por exemplo: se considerarmos que, em todos os casos
observados por X (imaginando que X é o julgador), sempre que alguém foi alvo de agressões
físicas ficou com as respectivas marcas no corpo, então X irá, em princípio, decidir de acordo
com essa regra da experiência, a menos que se demonstre que essa regra não se aplica ao caso
concreto. Com efeito, a inaplicabilidade das regras da experiência ao caso concreto pode ser
feita contrariando o raciocínio abdutivo ou o raciocínio indutivo envolvidos no processo de
apreciação da prova. Assim, se perante a regra «quem foi agredido, ficou com marcas no cor-
po» se afirmar o consequente (X tem marcas no corpo, logo foi agredido), a inaplicabilidade
da regra terá de ser feita com provas que demonstrem que, no caso em análise, as marcas no
corpo se deveram a outra razão que não uma agressão, contrariando-se, assim, o raciocínio
abdutivo. Se, pelo contrário, perante aquela mesma regra se negar o consequente (X não tem
marcas no corpo, logo não foi agredido), a inaplicabilidade da regra terá de ser feita com pro-
vas que demonstrem que a agressão em causa pode não ter deixado marcas, contrariando-se,
deste modo, o raciocínio indutivo. No entanto, mesmo nestes casos em que, eventualmente,
280
se venha a decidir em sentido contrário àquele para que a regra de experiência apontava, con-
sideramos que não se está a decidir contra as regras da experiência, mas antes de acordo com
outras regras de experiência que se demonstram mais adequadas ao caso, tal como ocorrerá
se, por exemplo, em resultado de uma perícia, no primeiro caso, se comprovar que as marcas
do corpo se deveram a uma alergia na pele ou, no segundo, que a agressão apenas causou
danos no interior do corpo. Em relação à questão da chamada lógica não monotónica ou não
dedutiva ( fuzzy logic), na qual estes problemas se inserem, veja-se Jaime Cordero, Lógica y
Sana Crítica, pp. 146 e ss.. Relativamente à lógica indutiva no âmbito da apreciação da prova
veja-se Jonathan Cohen, The Probable and the Provable. Para uma abordagem profunda do
tema da lógica abdutiva no campo específico da apreciação da prova criminal mas em termos
transponíveis para o âmbito da produção e apreciação da prova em processo civil, veja-se A.
Ciampolini e P. Torroni, Using Abductive Logic, pp. 251 a 275. Para uma abordagem completa
a todos os modos de inferência v. Kaufmann, Filosofia, pp. 111 e ss..
34
Cfr. n. 42.
35
Cfr. Lebre de Freitas, Introdução, pp. 172 e ss., Varela, Bezerra, Nora, Manual de pro-
cesso, p. 442, Castro Mendes, Do Conceito, pp. 176 e ss.. No âmbito do processo penal, veja-se
Germano Marques da Silva, Curso de Processo, Vol. II, p. 114.
281
36
V. n. 25.
37
Para um reconhecimento da importância das regras da experiência neste âmbito da apre-
ciação da prova, veja-se, no âmbito do processo penal, o ac. do STJ de 20/04/2006 (Rodrigues
da Costa), relativo ao chamado «caso Joana».
38
Assim, tomando como exemplo uma prova testemunhal indireta, no primeiro juízo de
inferência, os factos presumidos serão aqueles que a testemunha relata e, num segundo juí-
zo, os factos presumidos serão os que se podem inferir dos factos relatados. Assim, os factos
presumidos serão verosímeis devido, no primeiro caso, (por exemplo) à forma convincente
como a testemunha falou e, no segundo, (por exemplo) devido à inexistência de qualquer outra
explicação credível para a ocorrência dos factos (diretamente) relatados pela testemunha.
282
39
Refira-se incidentalmente que a circunstância de que toda a prova é, no sentido abordado
no texto, indireta fez com que, noutras jurisdições, se tivessem, especialmente para os casos
em que o facto que se visa provar é demonstrado de forma especialmente clara, cunhado
expressões especialmente sugestivas para designar essa clareza, mesmo em situações em
que o caráter indireto da prova é manifesto. Assim, é frequentemente utilizada na doutrina
e jurisprudência norte-americana a expressão res ipsa loquitor (literalmente, a coisa fala por si
mesma), na francesa a expressão faute virtuelle (culpa virtual) e na alemã a expressão anscheins-
beweis (prova prima facie; note-se que esta expressão também é utilizada nos ordenamentos da
common law mas com um sentido distinto) para designar, por exemplo, a necessidade de se dar
como provada a negligência nos casos em que a prova dos restantes requisitos da responsabi-
lidade civil, nomeadamente o facto, o dano e o nexo de causalidade (naturalístico) permita
inferir, de acordo com as regras da experiência, que o agente atuou de forma negligente, pois o
dano não poderia normalmente ter acontecido sem que o agente tivesse agido daquela forma.
Neste sentido, Álvaro Yerga, Regulación de la carga, p. 10, embora enquadrando o A., a nosso
ver de forma errada, este problema no âmbito da distribuição do ónus da prova e não, como
julgamos ser correto, no campo da apreciação da prova, pelas razões que se avançaram na n. 29.
40
Discordamos pois de AA. como Manuel de Andrade e Antunes Varela (em colab.),
Noções, p. 215, Varela, Bezerra, Nora, Manual de processo, p. 442, Lebre de Freitas,
A Ação, pp. 202-3 e 223 e Introdução, pp. 151 e 173 quando referem que as presunções judiciais
só operam se a prova em causa for indireta. Naturalmente, não poderíamos partilhar desta
posição, na medida em que defendemos que toda a prova é indireta.
41
Cfr. n. 22.
42
Esta afirmação implica uma enorme abrangência das presunções judiciais, a qual é, aparen-
temente, incompatível com a restrição a que se refere o art. 351.º do CC. Com efeito, se toda
a prova é indireta e se, por isso, no âmbito da livre apreciação da prova (cfr. n. 22), é sempre
necessário recorrer ao mecanismo das presunções judiciais, então tal significaria que toda
a prova sujeita à livre apreciação só seria admitida «nos casos e termos em que é admitida a
prova testemunhal». Como tal, esta restrição teria como consequência que todas as provas que
estivessem sujeitas à livre apreciação teriam, por força da restrição do art. 351.º, as mesmas
limitações da prova testemunhal, sem que tal constasse (diretamente) do respectivo regime
legal. No entanto, não pensamos que esta conclusão seja correta. De facto, a admissibilidade
da prova testemunhal está regulada nos arts. 392.º e ss. do CC de forma bastante restritiva
(veja-se, entre outros, Lebre de Freitas, A Ação, pp. 279 e ss. para uma completa descrição
dos casos de inadmissibilidade da prova testemunhal previstos nos arts. 392.º e ss. do CC),
fruto, de acordo com a doutrina que sobre isto se pronunciou (cfr. Pereira Rodrigues,
A Prova, p. 143, Teixeira de Sousa, As partes, p. 255, Varela, Bezerra, Nora, Manual de
processo, pp. 615-6), da maior falibilidade e susceptibilidade de manipulação das declarações
das testemunhas, que, por isso, não deveriam ser levadas em conta na prova dos factos que
também sejam demonstrado por outros meios de prova alegadamente mais fiáveis. Sem que-
rermos por em causa esse aspeto da prova testemunhal, não podemos aceitar como boas as
283
284
Vista a forma como o julgador deve apreciar as provas, vejamos agora quais
as medidas da prova que podem ser consideradas para que o julgador consi-
dere provados os factos principais, no seguimento da sua apreciação dos fac-
tos instrumentais.43
Com efeito, a doutrina anglo-americana44 tem avançado três diferentes
medidas da prova que, pensamos nós, se podem aplicar ao ordenamento por-
tuguês, em termos que adiante explicaremos. Por agora, vejamos quais são e
como podem ser definidas essas medidas.
A medida da prova mais exigente é a chamada prova para lá de toda a
dúvida razoável (proof beyond any reasonable doubt). Neste caso, estaremos
perante uma prova para lá de toda a dúvida razoável quando o facto princi-
pal presumido corresponder à única explicação concebível, em termos sensa-
tos, para o facto instrumental, base da presunção. Portanto, nesta medida da
prova, para que o julgador possa decidir com base em certo facto presumido,
é necessário que, de acordo com as provas apresentadas e apreciadas, não res-
tem quaisquer dúvidas razoáveis relativamente à ocorrência desse facto. Serão
dúvidas razoáveis outros factos que se possam presumir a partir dos factos
base e que apresentem igual ou maior probabilidade de ocorrência,45 sendo
esta aferida de acordo com as regras da experiência. Como tal, esta medida
da prova não deixa de se verificar se se puderem conjecturar como possíveis
dúvidas irrazoáveis, ou seja, hipóteses alternativas que apresentem uma pro-
babilidade de ocorrência muitíssimo baixa, sempre de acordo com aquelas
regras. Assim, este tipo de medida da prova implica uma elevada certeza rela-
como apenas no âmbito da livre apreciação da prova se torna necessário, segundo o nosso
entendimento, recorrer às presunções judiciais, o problema que enunciámos no início desta
n. não se coloca neste caso.
43
Praticamente no mesmo sentido cfr. Pires de Sousa, Prova por presunção, pp. 23 e ss., visto
que afirma que «com exceção da inspecção judicial, podemos afirmar que toda e qualquer
prova é sempre nalguma medida indirecta». Não concordamos, portanto, com a referida
exceção, pelas razões que avançamos na n. 25.
44
Cfr. Christoph Engel, Preponderance of the Evidence, p. 4; Katie Atkinson e Trevor
Bench-Capon, Argumentation and Standards, pp. 107-8 e Bryan Garner (coord.), Black’s Law
Dictionary, pp. 596, 1220, 1293 e 1294.
45
Assim, não julgamos que esta medida da prova imponha que não se possam configurar
quaisquer explicações alternativas para o facto base da presunção, mas apenas que esses
outros factos explicativos se apresentem como menos prováveis do que o facto presumido
inicialmente considerado. Neste sentido veja-se o ac. do TRC de 27/10/2010 (Jorge Dias).
285
tivamente à ocorrência dos factos principais para que o juiz deva decidir com
base na ocorrência dos mesmos. Indicativamente, poder-se-ia dizer que esse
grau de certeza teria de ser superior a 90%46.
Por outro lado, a medida da prova menos exigente é a chamada prova pre-
ponderante. Nesta, para que se decida com base em certo facto presumido,
basta que as provas indiquem que a probabilidade de esse facto ter ocorrido é
maior do que a probabilidade desse mesmo facto não ter ocorrido. Por outras
palavras, a demonstração da verdade de um facto nesta medida da prova exige
apenas que o julgador se convença da sua ocorrência com uma probabilidade
superior a 50% (exclusive47).
Por fim, situada entre as duas medidas anteriores, aparece-nos a prova clara
e convincente. A forma mais correta de definir esta medida é pela negativa:
um facto será claro e convincente se tiver uma probabilidade maior do que
a medida da prova preponderante, mas menor do que a da prova para lá da
dúvida razoável, admitindo ainda que se coloquem algumas hipóteses alter-
nativas, que se afigurem como possíveis, à ocorrência do facto principal. No
entanto, essas hipóteses, apesar de até poderem ser razoáveis, terão de ser
menos prováveis, em função das circunstâncias do caso, do que a ocorrência
do facto principal, sendo esta a conjetura mais verosímil. Com efeitos mera-
mente indicativos, podemos apontar para a uma necessidade de certeza na
ordem dos 75% para que se verifique esta medida da prova.
Resta referir que a cada grau de certeza necessário para a comprovação
judicial da ocorrência de certo facto corresponde um grau de valor comple-
mentar que visa a demonstração da não ocorrência do facto cuja medida da
prova está em causa48. Deste modo, se certo facto tiver de ser provado com
uma certeza para lá de toda a dúvida razoável (certeza superior a, por exemplo,
90%), então para a prova de que esse facto não ocorreu bastará que se afigure
46
Veja-se David Hamer, Probabilistic Standards of Proof, pp. 85-6, onde são indicados outras
percentagens de graus de certeza elevada, que também têm sido considerados, nomeada-
mente, no âmbito do processo penal, dado que é nesta sede que esta medida da prova se
deve aplicar, tal como se explica adiante no texto. Deste modo, o valor de 90% é meramente
indicativo um elevado grau de certeza.
47
Com efeito, se o julgador se convencer que a probabilidade de certo facto ter ocorrido for
de 50%, então encontramo-nos no ponto de ignorância, a que já fizemos referência e em que
o julgador deve decidir contra a parte onerada com a prova.
48
Neste sentido David Hamer, Probabilistic Standards of Proof, pp. 96 e ss..
286
49
No sentido de que as medidas da prova ajudam o julgador a conseguir afastar-se das suas
pré-compreensões e contribuem para uma maior objectividade na apreciação da prova, veja-se
Christoph Engel, Preponderance of the Evidence, pp. 5 e ss. e 20 e ss..
287
No entanto, qual deve ser a medida da prova suficiente para que um juiz
considere provado um facto principal através dos factos instrumentais que
as provas revelam em cada caso?
Responder a esta pergunta implica definir um critério que se mostre ade-
quado à correta fixação da medida da prova, tendo em conta os valores que
estão em jogo. Assim, de acordo com a doutrina que se tem pronunciado acerca
deste assunto50, pensamos ser correto afirmar que esse critério seja a diferença
entre a gravidade de uma decisão condenatória e de uma decisão absolutória.
Com efeito, se uma condenação implicar uma forte restrição dos direitos
fundamentais da pessoa visada, restrição essa que se apresenta como sendo
muito mais grave do que a situação resultante da decisão de absolvição, então
justifica-se que a medida da prova seja elevada como forma de minimizar a
probabilidade de a decisão de condenação ser baseada em factos que não
correspondem à realidade, uma vez que quanto mais elevada for a medida da
prova, maior será a probabilidade dos factos cuja prova está a ser apreciada
terem efetivamente ocorrido, no caso de o julgador os considerar provados.
É este o panorama que se verifica no âmbito do processo penal51 em que a
condenação de alguém num ilícito criminal implica a mais forte restrição
que o ordenamento jurídico pode aplicar a uma pessoa. Por isso é tão impor-
tante, neste âmbito, elevar a medida da prova para uma prova para lá de toda
a dúvida razoável, sendo a demonstração da ocorrência dos factos muito mais
exigente do que a sua não ocorrência. É pois, esta a concretização, no que à
medida da prova diz respeito, da máxima que se tornou um lugar-comum no
processo penal moderno, de que “toda a prova por presunção deve ser admi-
tida com cautela: para efeitos legais, mais vale deixar 10 culpados por conde-
nar do que fazer um inocente sofrer” (tradução nossa), atribuída a William
Blackstone52-53.
50
Neste sentido, vide Brinkmann, The Synthesis, p. 890 e David Hamer, Probabilistic Standards
of Proof, pp. 74 e ss. e 81 e ss..
51
V. anexo.
52
William Blackstone, Commentaries on the Laws, p. 352.
53
Será importante referir que a doutrina processual penal tem abordado a necessidade de
uma maior exigência na atividade de apreciação probatória não através da referência a uma
elevada medida da prova, mas antes através do chamado in dubio pro reo. No entanto, julgamos
que ambas as abordagens são equivalentes no que toca ao seu conteúdo, sendo que a primeira
enfatiza mais o facto de só ser possível dar como provados os factos sobre os quais não reste
288
qualquer dúvida razoável, enquanto que a segunda coloca a tónica na circunstância de que
um facto sobre o qual se coloquem dúvidas razoáveis não deve ser dado como provado, por
força do in dubio pro reo. A compreensão deste aspeto tornar-se-á mais clara através da primeira
figura constante do anexo. Com efeito, da figura resulta que o in dubio pro reo implica que o
julgador não deva considerar provado um facto ainda que lhe pareça mais provável que o
mesmo tenha ocorrido do que não tenha (certeza superior a 50% mas inferior a 90%). Deste
modo, dificulta-se muito a prova da ocorrência do facto (é necessária uma certeza superior
a 90%) e facilita-se também muito a prova da sua não ocorrência (na medida complementar
de 10% de certeza necessária para a prova), estimulando a certeza da ocorrência dos factos
provados, ainda que à custa da consideração como não provados de factos que provavelmente
ocorreram. A propósito do in dubio pro reo, v., entre muitos outros, Rui Patrício, O Princípio
da Presunção, pp. 25 e ss. e Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis, pp. 9 e ss..
54
Naturalmente, não se coloca a questão de uma decisão condenatória ser menos grave
para a pessoa visada por ela do que uma decisão absolutória, pois esta ser-lhe-á sempre mais
favorável do que aquela.
55
Efetivamente, existem alguns casos que, embora se reportem ao âmbito do direito privado,
exigem que a prova dos factos processualmente relevantes seja feita tendo em conta uma
289
medida da prova mais exigente, nomeadamente a prova clara e convincente. Entre estes casos
incluem-se os processos de jurisdição voluntária (cfr., entre outros, arts. 986.º e ss. do CPC e
o Decreto-lei 314/78 de 27 de Outubro relativo à Organização Tutelar de Menores), em que
um processo judicial é utilizado não como forma de dirimir um litígio entre duas partes, mas
antes para exercer uma função administrativa de regulação do exercício de direitos do foro
privado (cfr., por exemplo, Lebre de Freitas, Introdução, pp. 62 e 63) que, pela importância
e necessidade de avaliar com cuidado os interesses envolvidos na atribuição destes direitos,
interesses esses envolvem sempre a análise da situação de um terceiro que se encontre num
estado de especial vulnerabilidade (v.g. o interesse do menor ou do incapaz nos casos de
suprimento de consentimento, de interdição ou regulação do poder paternal), foi atribuída
aos tribunais judiciais e não a uma entidade administrativa. Como tal, estas características
dos processos de jurisdição voluntária fazem com que a não concessão do direito em causa
(que corresponderá, por exemplo, à recusa do suprimento) tenha uma gravidade (no que à
restrição do exercício de direitos privados diz respeito) claramente superior do que a sua
atribuição (que consistirá, no mesmo exemplo, na outorga do suprimento), pelo que, nestes
casos, tal como acontece no direito penal, se justifica que se minimize a probabilidade da
não verificação dos factos que fundamentem a decisão não atributiva do direito. No entanto,
dado que as consequências dessa não atribuição não são tão graves como as consequências da
condenação num ilícito penal, pensamos que nos processos de jurisdição voluntária se mostra
mais adequada a medida clara e convincente do que a medida, mais exigente, da prova para
lá de toda a dúvida razoável. De resto, esta maior «tutela probatória» dos casos de jurisdição
voluntária está bem patente na circunstância, aliás partilhada com o processo penal, de que
neles vigora o princípio do inquisitório do campo da alegação dos factos (v. 986.º, n.º2 do CPC).
Outro exemplo em que deve ser exigida a medida clara e convincente (que, embora envolva
uma matéria tradicionalmente considerada como de direito privado, não se circunscreve estri-
tamente a este âmbito) verifica-se aquando da prova necessária para demonstrar o uso efetivo
de uma marca quando o respetivo titular é confrontado, perante a entidade administrativa
competente ou perante o tribunal, com uma pretensão de caducidade por falta de uso sério
desse direito de propriedade industrial (cfr. arts. 269.º e 270.º do CPI). Com efeito, também
neste caso está em causa um interesse de um «terceiro» relativamente ao titular da marca e ao
eventual interessado em obter a declaração de caducidade: o interesse geral da comunidade
em poder utilizar um sinal que, apesar de registado a favor de uma pessoa, não é utilizado
por esta, pelo que não lhe deverá ser conferido o direito de o utilizar em exclusivo na sua
atividade comercial. Assim, também neste caso é justificada a existência de uma medida mais
exigente do que a prova preponderante (veja-se, neste sentido, a orientação dada pelo Instituto
de Harmonização do Mercado Interno no seu Manual of Trade Mark Practice, secção C, parte
6, p. 8 e, em especial, a parte 5, p. 27, disponível em http://oami.europa.eu/ows/rw/pages/CTM/
/legalReferences/guidelines/OHIMManual.en.do; veja-se, também no mesmo sentido, as decisões
do Tribunal Geral da União Europeia, processos T-356/02 [§33] e T382/08 [§40]). Refira-se,
por fim, que estes são apenas alguns dos casos, em que julgamos ser adequada a medida clara
e convincente, não tendo esta enumeração qualquer pretensão de exaustividade. Para outro
elenco diferente (embora em parte coincidente com alguns dos casos enumerados) de casos
em que deve ser aplicada esta medida da prova v. Pires de Sousa, Prova por presunção, p. 157.
290
56
V. anexo.
57
No mesmo sentido, veja-se Brinkmann, The Synthesis, pp. 889 e 890 e Pires de Sousa,
Prova por presunção, p. 157. Aparentemente neste sentido, cfr. Lebre de Freitas, Introdução,
p. 200. Em sentido contrário, afirmando expressamente que mesmo em processo civil deve
ser exigida maior certeza para condenar do que para absolver, ver Castro Mendes, Do Con-
ceito, pp. 326-7. Já no que toca à jurisprudência as alusões à medida da prova têm sido muito
raras. No entanto, aproveitamos aqui as referências feitas em Pires de Sousa, Prova por pre-
sunção, p. 156 a dois acórdãos do TRE datados de 21/06/2011 (João Gomes de Sousa) e de
06/12/2011 (António João Latas) que se à «preponderância da prova» e à «probabilidade
prevalecente» como medidas da prova aplicáveis no processo civil. A estes arestos podemos
acrescentar, dentro da mesma linha, os seguintes: TRL: 21/11/2007 e 20/05/2009 (Carlos
Almeida); TRC: 03/06/2012 (Teles Pereira); em sentido contrário, defendendo nesta sede
uma medida mais elevada v. TRP: 14/02/2013 (Aristides Rodrigues de Almeida). Refira-se
ainda que, do disposto no art. 341.º do CC não se pode retirar qualquer conclusão quanto à
medida da prova, visto que este preceito se limita a dispor que as provas visam demonstrar
a realidade dos factos, não atendendo à realidade (que referimos no ponto 2.2.2.3) de que só
muitíssimo raramente o julgador terá a certeza absoluta de que certo facto ocorreu ou não
e de que na decisão sobre a ocorrência ou não ocorrência de um facto está sempre envolvida
alguma incerteza.
58
Este conceito será abordado no ponto 4.2.
291
Assim sendo, se, de acordo com a forma de apreciar a prova que abor-
dámos, o juiz não conseguir convencer-se da ocorrência ou não ocorrência
dos factos, mesmo que com uma medida apenas preponderante (a qual, por
ser, como vimos, a aplicável à maioria das questões de direito privado, reduz
a frequência dos casos em que o juiz não consegue determinar a ocorrên-
cia dos factos, sem, naturalmente, eliminar as situações de dúvida60), então
estará no ponto de ignorância e deverá decidir segundo a distribuição do
ónus da prova. É este, portanto, o âmbito em que deve ocorrer a decisão de
ónus da prova.
59
É importante, neste momento, explicitar que o conceito de medida da prova não se
confunde com a quantidade de prova que é necessária para criar no julgador a convicção
da ocorrência de certo facto. Com efeito, julgamos que a quantidade de meios de prova ne-
cessários para que se atinja a medida da prova suficiente para determinar que certo facto se
encontra provado é, naturalmente, variável em função dos contornos de cada caso concreto
(cfr., neste sentido, Brinkmann, The Synthesis, p. 890; já Castro Mendes, Do Conceito, pp.
317 e ss. não distingue entre a medida da prova, a que chama de «quantum» da prova, e a
quantidade da prova). Assim, a quantidade de prova variará tendo em conta a «qualidade»
de cada meio de prova, ou seja, a «força» com que cada meio consegue convencer o julgador,
nomeadamente porque o facto instrumental que demonstra não é compatível com qualquer
explicação alternativa (em face de outros meios de prova) à ocorrência do facto principal,
caso em que a quantidade de prova pode ser mínima ou porque o facto instrumental que o
meio de prova veicula pode ser explicado de várias outras formas que não através da veri-
ficação do facto principal, caso em que poderão ser necessários vários meios de prova que
corroborem a ocorrência de um mesmo facto principal. Como tal, se a quantidade de prova
varia em função de cada caso, a medida da prova é fixada à partida segundo os critérios
enunciados anteriormente no texto.
60
No mesmo sentido, Lima Rego, Decisões em ambiente de incerteza, ponto 4.
61
Para uma descrição histórica completa do surgimento da teoria das normas no di-
reito português cfr. Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 115 e ss.. Este A. considera
(p. 129) que, por razões históricas, o referido preceito legal não consagra exatamente a
292
teoria das normas, devendo entender-se que no nosso ordenamento vigora um modelo hí-
brido ou autónomo de distribuição do ónus, agregador de elementos da teoria das normas
e de características próprias, admitindo contudo, num momento posterior (p. 134), que a
nomenclatura de classificação dos factos usada no art. 342.º «só guarda algum sentido em
moldes rosenberguianos ou aparentados», pelo que (aparentemente) acaba por concluir
que a teoria em causa se encontra consagrada no nosso ordenamento. Também no sentido
de que a teoria das normas é a única forma de entender a distribuição do onus probandi
no nosso ordenamento, v. Manuel de Andrade e Antunes Varela (em colab.), Noções,
pp. 200-1, Anselmo de Castro, Direito processual civil, pp. 345 a 365, Varela, Bezerra,
Nora, Manual de processo, pp. 454-7, Teixeira de Sousa, As partes, pp. 217 a 228, França
Gouveia, A Prova, pp. 334-5. Diferentemente, defendendo que a teoria das normas é apenas
um (embora seja o mais indicado) dos vários critérios legalmente possíveis para distinguir
entre factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos, v. Lynce de Faria,
A inversão, pp. 29 e ss.. Por outro lado, alguns AA. admitem, por vezes em conjugação com o
critério da teoria das normas, critérios diferentes de distribuição do ónus, nomeadamente
a utilização do critério da normalidade (segundo o qual a parte onerada é aquela a quem
aproveita a versão do facto de ocorrência excepcional, sendo a privilegiada aquela a quem
aproveita a versão de ocorrência normal) para a qualificação de certo facto como constitutivo
ou como impeditivo, dado que este é, tal como se refere mais adiante no texto, o caso em
que maiores dificuldades surgem na distribuição do ónus segundo a teoria em causa. Entre
os AA. que partilham desta ideia podemos referir Vaz Serra, Provas, pp. 126 e ss., Lebre
de Freitas, A Ação, p. 118, Freitas, Machado, Pinto, Código de Processo, Volume 2.º, p. 317,
Lobo Xavier, Justa causa de despedimento, pp. 50 e ss. e Pinto Oliveira, Estudos sobre o Não
Cumprimento, pp. 126 e ss.. Além disso, alguns AA. defendem ainda a distribuição do ónus
com base em critérios baseados no regime legal aplicável a certa situação, nomeadamente
nas situações em que o direito material procura defender ou privilegiar certa situação ou
certa parte na relação jurídica, atribuindo o ónus à parte contrária ou à parte que pretende
constituir a situação contrária. É o que acontece, por exemplo, com Manuel de Andrade,
Algumas questões, pp. 39 e ss. que, apesar de, em regra, propor a teria das normas como base
da distribuição, afirma, por exemplo, que a prova dos factos de que decorre a violação matri-
monial cabe à parte que apresenta o pedido de divórcio, em consequência do favor matrimonii
que se retira do regime legal aplicável ao casamento. Pela nossa parte, julgamos que a teoria
das normas é a única explicação que, até agora, conseguiu atribuir algum conteúdo às várias
classificações dos factos que constam do art. 342.º, n.os 1 e 2 do CC. Com efeito, critérios al-
ternativos de distribuição do onus probandi, como o critério da normalidade ou outro baseado
no regime legal de direito material, implicam que se considere que essa distribuição seja
o resultado da aplicação de um critério que em nada se relaciona com o efeito constitutivo
ou impeditivo de certo facto, pelo que este não será constitutivo ou impeditivo porque dele
depende o surgimento de certo direito ou o impedimento ao seu exercício, mas antes em
função da sua normalidade/excepcionalidade ou do sentido das normas de direito material
aplicáveis. Nas expressivas palavras de Pedro Múrias, Por uma distribuição, p. 134, critérios
diferentes do da teoria da normas implicariam que «O art. 342.º seria um preceito vazio
porque «impeditivos» deixaria de ser critério, passando a conclusão. (...) Já não se trataria
de interpretar o art. 342.º, mas sim de ultrapassá-lo».
293
62
V. ponto 2.1.
63
Refira-se que, embora esta teoria tenha sido criada como um critério de distribuição do
ónus da prova, ela nem sempre determina essa distribuição, sendo que tal acontece sempre
que exista alguma disposição legal que prescreva uma distribuição específica para um caso
concreto. É o que acontece com as normas dos arts. 343.º, 344.º e 345.º do CC. Relativamente
a estas, dado que não apresentam dificuldades de interpretação e de aplicação, não as iremos
abordar. No entanto, a teoria das normas determina, sem exceção, a distribuição do ónus da
alegação (art. 5.º, n.º1 do CPC).
64
V. Rosenberg, La Carga de la Prueba, pp. 149 e ss.. Veja-se ainda, entre outros, Pedro Mú-
rias, Por uma distribuição, pp. 43 e ss. e Lynce de Faria, A inversão, pp. 29 e ss..
65
Como exemplos de normas atributivas de direitos podemos apontar todas as que esta-
belecem a responsabilidade civil por um dano de outrem, nomeadamente as constantes dos
arts. 483.º, 489.º, 491.º (primeira parte), 492.º, 493.º, 500.º, n.os 1 e 2, 501.º, 502.º, 503.º, n.os 1
e 3 (primeira parte), todos do CC, entre muitas outras. Acerca das normas constitutivas, cfr.
Rosenberg, La Carga de la Prueba, pp. 124 e ss..
66
Como exemplos de normas extintivas de direitos podemos enumerar todas aquelas que
prescrevem causas de extinção das obrigações, nomeadamente as constantes dos arts. 309.º
e ss., 762.º, n.º1, 837.º, 841.º, n.º1, 847.º, n.º1, 857.º, 863.º, n.º1, 868.º, todos do CC.
294
67
Como exemplos deste tipo de normas podemos apontar as constantes dos arts. 847.º, n.º2
(modificação de sentido extintivo); 406.º, n.º1, 2ª parte e 437.º, n.º1 (modificação de sentido
constitutivo ou extintivo, consoante, respetivamente, o sentido da alteração negocial acordada
pelas partes ou determinada em resultado de alteração das circunstâncias), todos do CC. A
respeito dos factos modificativos será importante esclarecer que o entendimento acabado
de enunciar que lhes atribui a possibilidade de serem equiparados a factos constitutivos ou
extintivos não é unânime na doutrina. Efetivamente, em Rosenberg, La Carga de la Prueba,
p. 147 podemos encontrar o entendimento de que os factos modificativos têm sempre um
sentido extintivo dos direitos constituídos, o qual é partilhado por vários AA. portugueses
como Vaz Serra, Provas, p. 123, n. 89, Varela, Bezerra, Nora, Manual de processo, pp. 452
e ss., Teixeira de Sousa, As Partes, pp. 221 e ss. ou Lynce de Faria, A Inversão, p. 39. No
sentido de que os factos modificativos podem ter um efeito tanto extintivo como constitutivo
v. Manuel de Andrade e Antunes Varela (em colab.), Noções, p. 202, Castro Mendes,
Direito Processual, Vol. II, p. 671 e Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 127-8, n. 367. Deste
modo, em face da posição que partilhamos, torna-se necessário esclarecer como podemos
defender que os factos modificativos podem ter também um efeito constitutivo quando a letra
do art. 342.º, n.º2 do CC é clara em estabelecer que a prova deste tipo de factos cabe ao réu
(ou autor reconvido), pelo que, aparentemente, exclui a possibilidade de serem tratados como
constitutivos. Como tal, pensamos que sempre que estejamos face a um facto modificativo
que implique uma modificação do direito em sentido constitutivo (v. exemplos acima) deve
esse facto ser enquadrado na norma relativa aos factos constitutivos (art. 342.º, n.º1 do CC),
pelo que o conceito que propomos de factos modificativos não corresponde com o conceito
legal com o mesmo nome, sendo o primeiro mais abrangente do que o segundo.
68
Com efeito, julgamos que este critério temporal é apenas auxiliar na distinção entre os
tipos de factos referidos no texto, não podendo ser apontado como um critério orientador
da distribuição do ónus da prova em geral. Em sentido contrário, apresentando o critério
temporal como um dos vários critérios que poderia ser equacionado para a distribuição do
ónus, embora reconhecendo as referidas limitações, ver Lynce de Faria, A Inversão, p. 27.
295
69
Esta dificuldade foi admitida pelo próprio Rosenberg, La Carga de la Prueba, p. 149.
70
Cfr. Rosenberg, La Carga de la Prueba, pp. 154 e ss. e Pedro Múrias, Por uma distribuição,
p. 135.
71
Efetivamente, por vezes a forma como a redação das normas apresenta os factos determina
a respetiva qualificação sem que tal aconteça com as locuções referidas no texto. Como exem-
plo atentemos no art. 220.º do CC: «A declaração negocial que careça da forma legalmente
prescrita é nula». Assim, a redação da norma atribui à falta de forma um efeito impeditivo da
eficácia da declaração, apresentando a não verificação da forma exigida como versão onerada.
Diferente seria se a redação da mesma norma fosse: «A declaração negocial que apresente a
forma legalmente prevista é válida», caso em que a forma exigida seria um facto constitutivo da
eficácia da declaração negocial. Por isso, as expressões aludidas no texto são apenas orientações
(que, tal como se explica adiante no texto, podem até ser enganadoras) para a determinação da
forma como a redação das normas apresenta os factos, sendo que essa determinação depende
sempre da correta interpretação da norma. Este aspeto foi claramente referido por Rosen-
berg, La Carga de la Prueba, pp. 151 e ss., ao referir que a «relação entre a norma constitutiva
e impeditiva se reduz à relação entre regra e exceção» (tradução nossa), sendo que nas normas
constitutivas constam os factos que, em regra, determinam a atribuição do direito em causa
e nas impeditivas constam os que, excecionalmente, impedem que, apesar da ocorrência dos
296
factos constitutivos, o direito seja atribuído. A identificação da regra e da exceção deverá ser
feita, segundo aquele A, através da interpretação das normas, em que a forma como estas
estão redigidas tem um papel crucial. Exatamente no mesmo sentido, v. Lebre de Freitas,
A Ação, p. 118, que considera ainda (indo, neste aspeto, além do paradigma rosenberguiano
da teoria das normas) que, caso a interpretação das normas não permita identificar a regra e
a exceção, estas deverão ser fixadas segundo as regras da experiência que permitem, assim,
reconhecer se a versão do facto alegada é de ocorrência normal (caso em que caberá à outra
parte o ónus da prova da versão contrária) ou excecional (caso em que o ónus da prova cabe
à parte que o alega). Pela nossa parte, discordamos deste entendimento visto que, de acordo
com o que se afirmou no ponto anterior do texto (cfr., em especial, a n. 29), os aspetos relativos
à normalidade dos factos devem influir apenas no âmbito da apreciação da prova e não no da
repartição do ónus da prova.
72
Alguns AA. que têm tratado a questão da distribuição do ónus da prova (cfr., entre ou-
tros, Vaz Serra, Provas, pp. 155 e ss. e Teixeira de Sousa, As Partes, pp. 224 e ss.) abordam
frequentemente, quando confrontados com o critério da teoria das normas, o problema de
que este critério baseado na estrutura linguística das normas não leva em conta a eventual
dificuldade de produção de prova pela parte onerada, dado que na forma de redação das nor-
mas raramente se terá considerado o efeito da distribuição do onus probandi. Em relação a este
problema (que ainda será retomado) devemos, para já, referir que, embora ocorra com muita
frequência, existem também casos, bastante raros, em que a redação das normas parece ter
levado em conta a distribuição do ónus que dela decorre. Como exemplo podemos apontar
os arts. 827.º, 828.º, e 829.º, n.º1 do CC. Assim, enquanto que nos primeiros dois preceitos
legais, os quais se aplicam a obrigações de facto positivo, o incumprimento da obrigação não
consta das respectivas previsões normativas como condição para exigir o cumprimento, no art.
829.º, n.º1 do CC, aplicável às obrigações de facto negativo, o incumprimento é expressamente
referido na respetiva previsão: «Se o devedor estiver obrigado a não praticar algum facto e
vier a praticá-lo» (sublinhado nosso). Como tal, esta diferença na redação destas normas tem
297
298
(cfr. a favor Lynce de Faria, A Inversão, pp. 74 e ss., e, contra, Galvão Telles, Direito das
Obrigações, pp. 333 e ss., e Pinto Oliveira, Estudos sobre o Não Cumprimento, pp. 126 e ss.).
74
Devido a esta circunstância, o processo de averiguação da distribuição do ónus da prova
só poderá ocorrer perante um certo pedido cuja determinação terá de preceder logicamente
a qualificação do facto como constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo. Realmente,
cada facto só poderá ser constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que
se quer fazer valer com o pedido. Neste sentido, veja-se Antunes Varela, Pires de Lima e
Henrique Mesquita (em colab.), Código Civil, Vol. I, pp. 305-6, Lynce de Faria, A Inversão,
p. 32 e Micheli, L’onere, p. 392.
75
Por uma distribuição, pp. 92 e ss..
299
76
Nas sugestivas palavras de Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 94-5, a propósito da
interpretação restritiva, refere aquele A. que «Um grupo de casos ou de soluções é destacado
do sentido juridicamente relevante do enunciado legal. É afastado «em silêncio», não há pala-
vras fixas para o expressar. Tanto pode ter-se entendido que o texto só fazia sentido (jurídico)
sem aquela sua secção, quanto que fazia pleno sentido excepto se a integrasse».
77
Por uma distribuição, p. 143.
300
301
83
Esta qualificação já seria diferente se o pedido visasse antes a declaração de inimputa-
bilidade do agente, caso em que a expressão «salvo se» já anunciaria um facto impeditivo.
84
Cfr. n. 71.
85
Neste sentido, v., entre muitos outros, os ss. acs.: STJ: 23/09/2001 (Lucas Coelho),
06/07/2006 (Oliveira Barros), 26/04/2012 (Silva Gonçalves); TRP: 19/03/2007 (Mar-
302
seja qual for o entendimento que se adopte em relação a esta matéria, para o
efeito da ideia que procuraremos defender neste trabalho, é essencial notar
uma característica comum a qualquer critério de distribuição do ónus da
prova que tem sido considerado: o facto de essa distribuição ser feita sempre
de acordo com critérios prévios e fixos para cada direito que se queira exercer
em juízo, não sendo levadas em conta quaisquer características de cada pro-
cesso em concreto (com exceção da pretensão que nele se queira fazer valer).
A esta forma de distribuir o ónus podemos chamar a distribuição estática do
ónus da prova86.
303
Para fazer face a este problema, alguns AA.89 têm avançado uma solução
que se situa no âmbito da livre apreciação da prova. Por isso, sugerem que o
julgador tenha em conta, no momento de apreciar as provas, que o onerado
estava numa posição particularmente difícil para conseguir demonstrar os
acontecimentos, devendo ser menos exigente na altura de considerar prova-
dos os factos principais, em comparação com o que aconteceria se tal dificul-
dade não se verificasse.
Tal opinião não é por nós partilhada, devido, essencialmente, a dois tipos
de motivos: um aplicável a título principal e outro a título subsidiário.
O primeiro consiste na circunstância de que nas regras de experiência que
devem orientar a apreciação das provas, julgamos não ser possível incluir a
eventual dificuldade que a parte onerada teve em recolhê-las. Efetivamente,
se essa parte conseguir, apesar dos obstáculos, apresentar algumas provas,
estas devem ser apreciadas como quaisquer outras, tendo em conta os conhe-
cimentos da experiência de vida, da lógica, da regularidade ou normalidade
dos acontecimentos, critérios que indicam objetivamente a credibilidade das
provas. Como tal, a título de exemplo, caso certa testemunha apresente inco-
erências no seu discurso, internas ou em comparação com outros meios de
prova verosímeis, o julgador deve desvalorizar o respetivo depoimento, ape-
sar da dificuldade probatória.
Além disso, será muito provável que, se certa parte se deparar com difi-
culdades probatórias, não consiga apresentar quaisquer provas para demons-
trar a versão factual com que está onerada. E, neste caso, não existirão provas
para apreciar, pelo que, também por este motivo, de nada serviria a menor
exigência no que respeita à apreciação das provas.
Depois, mesmo que se entenda que a dificuldade em produzir a prova deva
aligeirar a exigência do julgador com vista à consideração dos factos como
provados, não podemos partilhar da opinião de que esse aligeiramento fosse
correto, pelo menos no âmbito do direito privado. Isto porque, tal como se
referiu supra90, a medida da prova exigível neste âmbito é já a menos exigente
89
Neste sentido se pronunciaram, especialmente no que toca à dificuldade de provar a
ocorrência de factos negativos, Rosenberg, La Carga de la Prueba, p. 378, Vaz Serra, Provas,
p. 139, Manuel de Andrade e Antunes Varela (em colab.), Noções, p. 203, Teixeira de
Sousa, Sobre o ónus, p. 141.
90
V. ponto 2.2.2.3.
304
que se pode conceber, ou seja, a prova preponderante. Esta não pode, portanto,
ser aligeirada sob pena de se estar a considerar como provado um facto que,
pelo contrário, se deveria tomar como não provado, por insuficiência proba-
tória91, visto que a medida da prova exigida seria inferior a 50%.
Por ambas as razões, não consideramos ser correta a referida forma de
tentar resolver o problema acima enunciado. De facto, pensamos ser mais
adequado que as dificuldades probatórias sejam tidas em conta na situação
em que, após e apesar de o julgador ter apreciado as provas, não se logrou
demonstrar os factos, encontrando-se a convicção daquele no ponto de igno-
rância. Assim, é no âmbito da distribuição do ónus da prova que a dificuldade
de provar deve ser tida em conta, podendo aqui ser encontrada uma solução
eficiente para aquele problema, que passamos a expor.
3.2.1 – Preliminares
91
Cfr. n. 56.
92
Cfr. n. 103.
305
outro, impõe-se que a parte contrária tenha que provar efetivamente a versão
factual que lhe é favorável para que ela possa ser considerada na decisão93.
Não estamos sozinhos nesta consideração. Efetivamente, têm alguns AA.
adotado esta forma de reagir ao problema da dificuldade de provar certo facto.
Surge assim o critério da distribuição dinâmica do ónus da prova, que procura
tornar relevante, no campo da repartição deste ónus, a dificuldade relativa de
produzir a prova de cada uma das partes, atribuindo, precisamente, sempre
que possível, o onus probandi94 à parte com maior facilidade relativa95 de produ-
zir a prova. Por esta via se opera uma flexibilização das regras legais de distri-
buição do ónus, tornando-as mais adaptáveis aos contornos do caso concreto.
A distribuição dinâmica do ónus da prova é uma ideia que julgamos ter
estado latente, há já vários anos, na doutrina que se tem pronunciado acerca
deste assunto96 e em decisões de tribunais que, de forma mais ou menos fun-
damentada, não aplicaram de forma estrita as regras legalmente estabele-
cidas para a distribuição do ónus da prova, baseadas na teoria das normas97.
93
Estas são as vantagens que, genericamente, pensamos que apresenta esta consideração
no modo como é distribuído o ónus da prova. No ponto 4 iremos analisar melhor a sua com-
patibilidade com os princípios processuais aplicáveis.
94
Dado que no âmbito do ónus da alegação não se coloca o problema da dificuldade, neste
caso, de alegar os factos, a teoria das normas continua a ser o único critério para aferir a re-
partição deste ónus, em nada influindo a distribuição dinâmica do ónus da prova no encargo
de alegar os factos.
95
Esta relatividade é aferida entre as partes: deverá suportar o ónus de provar um facto
a parte que com mais facilidade puder provar a versão desse facto que lhe é favorável, em
relação à parte contrária, que, portanto, terá maior dificuldade em provar a versão contrária.
96
A título de exemplo cfr. Vaz Serra, Provas, p. 121 (cfr. n. 234), Teixeira de Sousa, As partes,
pp. 222-3 e 227-8, Lynce de Faria, A Inversão, p. 37, n. 120. Veja-se também a forma sugestiva
como Jeremy Bentham, no seu escrito Introductory view of the rationale of evidence, pp. 136-7,
responde à pergunta «Sobre quem deve recair o ónus da prova?»: «Esta questão apresenta
infinitas dificuldades num sistema processual técnico. Num sistema de justiça honesta e
simples, orientado por um procedimento natural, é muito fácil de responder. O ónus da prova
deve ser imposto, tendo em conta cada caso concreto, à parte que possa proceder à prova com
menos inconvenientes, dilações ou gastos. (…). Contudo, – dir-se-á – é a parte que inicia o
processo, que formula a alegação, que deve provar a verdade da mesma. Este aforismo, que
se explica a si próprio, é, aparentemente, muito plausível. Mas, por muito plausível que seja,
a experiência tem demonstrado que quanto mais se tem querido segui-lo, mais ele se afastou
do fim que visava e maiores têm sido os inconvenientes, as dilações e os gastos. Numa palavra,
aquele aforismo serviu mais para criar dificuldades do que para as resolver» (tradução nossa).
97
V. n. 234.
306
98
Referimo-nos ao texto Lineamientos de las cargas probatorias «dinámicas», pp. 13 e ss..
A propósito das implicações que a publicação deste escrito teve cfr. Abraham Vargas, Cargas
probatorias dinámicas. Sus perfiles, p. 10.
99
V. Maximiliano Grande, Cargas probatórias pp. 2 e ss..
100
V. Inés White, Cargas probatorias dinámicas, p. 68.
101
Cfr. ponto 3.4.
102
Para alguns exemplos dessa situação v. Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 133-4.
103
Cfr. ponto 3.3.2.
307
Os casos em que com maior nitidez se verifica uma clara proximidade e con-
trolo dos factos da parte a quem aproveita a versão privilegiada em relação
à parte contrária (onerada com a prova) são algumas situações de ressarci-
mento de danos resultantes do incumprimento das chamadas obrigações de
meios, nomeadamente no que diz respeito à prova dos requisitos da ilicitude
104
Para uma distinção clara entre as noções de conceito indeterminado e de cláusula geral,
bem como dos vários tipos desta última, v. Engish, Introdução ao Pensamento, pp. 228 e ss..
308
105
Relativamente aos requisitos da ilicitude e da culpa, a já habitualmente difícil tarefa da
sua distinção e identificação perante os factos é ainda mais complicada sempre que esteja
em causa o incumprimento de uma obrigação de meios, dado que, nestes casos, a prova da
inadequação do comportamento do devedor para causar o resultado equivale, à partida, à
demonstração da falta de zelo ou diligência da conduta do devedor, visto que a demonstração
do incumprimento não assenta apenas na verificação da não ocorrência de um resultado mas
também na valoração do comportamento do devedor. Neste sentido, v. Carneiro da Frada,
Uma «Terceira Via», p. 29; a este respeito cfr. André dias Pereira, O Consentimento, pp. 426-
7, n. 962 e Ana Prata, Responsabilidade Civil, pp. 346 e ss.. Em consequência deste aspeto,
aplicaremos a estes dois requisitos a mesma solução em relação ao que no texto seguidamente
se afirma a propósito do ónus da prova nas ações de responsabilidade civil por atos médicos.
106
Obrigações de meios, pp. 999 e ss..
107
A doutrina não é unânime em considerar, se numa ação de responsabilidade civil em que
se discuta o incumprimento de uma obrigação de meios, se deve entender-se como sendo
aplicável a presunção de culpa genericamente prevista para a responsabilidade contratual (art.
799.º, n.º 1 do CC). A propósito desta divergência doutrinal, no sentido de que a presunção
de culpa não de aplica às obrigações de meios, v. Manuel Nunes, O Ónus da Prova, pp. 46 e
ss., Pedro Múrias e Lurdes Pereira, Obrigações de meios, pp. 1012 e ss., Ribeiro de Faria,
Da prova na responsabilidade civil médica, pp. 177 e ss., João Álvaro Dias, Procriação Assistida,
pp. 221 e ss. e Teixeira de Sousa, Sobre o Ónus da Prova, pp. 136 e ss. Em sentido contrário, v.
Sinde Monteiro, Acidente na auto-estrada, p. 93, n. 156, Figueiredo Dias e Sinde Monteiro,
Responsabilidade Médica, pp. 45 e ss., Álvaro Rodrigues, Reflexões em torno da responsabilidade,
pp. 208 e ss. e André dias Pereira, O Consentimento, pp. 425-6. Esta opinião é também par-
tilhada por alguma da jurisprudência que tem abordado este assunto e de que são exemplos
os ss. acs.: STJ: 17/12/2002 (Afonso Melo), 22/05/2003 (Neves Ribeiro), 18/09/2007 (Alves
Velho), 27/11/2007 (Rui Maurício), 04/03/2008 (Fonseca Ramos), 15/10/2009 (Rodrigues
dos Santos), 01/07/2010 (Serra Baptista), 22/09/2011 (Bettencourt de Faria); especial-
mente claro em relação a esta questão v. ac. do TRL de 15/12/2011 (Pedro Martins). Assim,
tal como se explica infra, no ponto 5.2, julgamos que as presunções são motivadas por uma
razão de verossimilhança entre o facto base da presunção (neste caso, o incumprimento que
causa o dano) e o facto presumido (neste caso, a culpa). Deste modo, pela nossa parte, como
309
o dano que estiver em causa só raramente será causado por uma tentativa inadequada para
produzir certo resultado, sendo muito mais provável que esse dano seja causado pela própria
ausência desse resultado, não julgamos existir, à partida, nenhuma relação de verossimilhança
que justifique a presunção de culpa neste âmbito das obrigações de meios.
108
Tal como bem apontou Ana Prata, Responsabilidade Civil, pp. 347 e ss., a distinção entre
o juízo de culpa e a aferição do nexo de causalidade adequada está longe de ser óbvia. Pela
nossa parte, efetivamente, os elementos confundem-se, pois a averiguação de se certo sujeito
poderia, em concreto, ter considerado as consequências danosas da sua atuação ou omissão
é uma parte da análise da eventual falta de cuidado ou de diligência que se pode atribuir à
atuação do sujeito. Como tal, mais correto seria se se entendesse exclusivamente o nexo de
causalidade na sua feição naturalística e se incluísse a previsibilidade dos danos no âmbito do
juízo de culpa, sendo esta questão especialmente relevante quando os danos se apresentassem
particularmente inesperados para a atuação que (naturalísticamente) os causou. Assim, esta
consideração tem, no que à distribuição dinâmica do onus probandi diz respeito, as suas con-
sequências. Com efeito, a referida indistinção entre aqueles elementos implica que não só a
prova da culpa como também a do nexo de causalidade adequada seja mais difícil de realizar
se estiver em causa o incumprimento de uma obrigação meios do que uma de resultado.
310
109
Apesar de na exposição que fazemos no texto termos optado por diferenciar os elementos
relativos à proximidade e controlo dos factos e os relativos aos conhecimentos técnicos e
exercício de uma atividade enquanto profissional (cfr. ponto 3.2.2.2), neste exemplo da res-
ponsabilidade civil por atos médicos ambos os elementos se reúnem, justificando-se assim,
de forma ainda mais intensa, a aplicação da distribuição dinâmica do onus probandi.
110
Refira-se que a atribuição do ónus da prova dos elementos da responsabilidade civil referi-
dos no texto ao médico tem sido apontada como a solução, de iure condendo, mais apropriada às
circunstâncias do caso por AA. como Manuel Nunes, O Ónus da Prova, pp. 61 e ss., sendo esta
também a solução consagrada na proposta de Diretiva sobre a responsabilidade do prestador
de serviços, elaborada pelo Concelho de Ministros da União Europeia (COM/90/482FINAL –
SYN 308). No que diz respeito aos AA. que se referem especificamente à teoria da distribuição
dinâmica do onus probandi, também estes são, naturalmente, muito explícitos na utilização
desta teoria para atribuir ao médico o ónus da prova no exemplo em análise. A este propósito
cfr. Edgar Baracat, Estado Actual, pp. 307 e ss., Juan Vallejos, Cargas Probatórias Dinâmicas,
pp. 455 e ss. e Silvina Marques, La Carga de la Prueba, pp. 479 e ss..
111
V. ponto 3.2.3, em especial a n. 127.
311
112
Note-se que, em todos os exemplos a que fazemos referência no texto, a teoria da dis-
tribuição dinâmica do ónus da prova determina apenas que, em comparação com o critério
distributivo deste ónus que consta do art. 342.º n.os1 e 2 do CC, haja inversão do onus probandi
relativamente àqueles factos principais em que se verifique que a parte onerada segundo
aquele preceito do CC não seja a que apresente maior facilidade probatória. Ora, tal nem
sempre se verificará relativamente a todos os factos principais cuja prova é relevante nos
exemplos que avançamos. Concretizemos com o exemplo da responsabilidade civil por atos
médicos: a prova da inexistência de culpa ou de ilicitude ou de que o dano não se ficou a
dever à intervenção médica, por ser comparativamente mais fácil ao médico do que a versão
contrária seria ao paciente, cabe, segundo a distribuição dinâmica, ao médico, verificando-se,
a este respeito, uma inversão da distribuição deste ónus que resultaria do art. 342.º n.os1 e 2
do CC; já a prova da verificação do facto e do dano, visto ser mais fácil ao paciente do que a
versão inversa seria ao médico (critério da proximidade e controlo dos factos), cabe, segundo
a ideia de que tratamos, ao paciente, mantendo-se aqui o resultado distributivo decorrente
do referido preceito legal.
113
Neste sentido cfr. Edgar Baracat, Estado Actual, pp. 315 e ss..
114
De facto, nos casos em que a lei prevê a desconsideração da personalidade coletiva para
efeitos determinados (cfr., por exemplo, os arts. 84.º, n.º1 e 270.º-F, n.º4 do CSC) não se exige,
à partida, a prova de requisitos com elevada dificuldade probatória. Pelo contrário, sempre
que a superação da personalidade coletiva assente em prescrições legais mais genéricas,
como ocorre com o abuso de direito, surgirão dificuldades probatórias a que a distribuição
312
dinâmica procura atender. No mesmo sentido v. Carlos Pastor, Cargas Probatórias Dinâmicas,
pp. 419 e ss..
115
Neste mesmo sentido, v. Carlos Carbone, Cargas Probatorias, p. 223. Cfr., a este respeito, o
ponto 4 da Política para a Resolução Uniforme de Litígios sobre Nome de Domínio, aprovada
pela ICANN (disponível em http://www.icann.org/pt/help/dndr/udrp/policy), em cuja redação se
baseou o art. 43.º do Regulamento referido no texto.
116
Refira-se que a repartição do onus probandi que a distribuição dinâmica aconselha nestes
dois casos é a que se encontra expressamente consagrada no ordenamento jurídico espanhol,
nomeadamente no art. 217.º, n.º4 da LEC. Entre nós existem também algumas normas que
apontam no mesmo sentido (cfr., por exemplo, o art. 16.º, n.º 5 do Código da Publicidade,
relativo à publicidade comparativa), mas, em regra, continua a caber ao autor o ónus da prova
da falsidade das declarações do demandado (cfr. arts. 317.º, n.º1 e 318.º do CPI e 10.º do CPub).
117
Neste sentido cfr. Héctor E. Leguisamón, La Necesaria Madurez, p. 123.
313
118
Referindo, relativamente ao direito alemão, que os casos de alegada violação grave de uma
obrigação profissional justificam a inversão do ónus da prova, v. Jauernig, Direito Processual,
p. 278.
119
Consideramos que as obrigações das agências de avaliação do risco de crédito são, em
regra, de meios, por deverem consistir na tentativa adequada de avaliar corretamente a pos-
sibilidade de incumprimento de certa empresa ou país, não devendo ser qualificadas como de
resultado, pois a avaliação do efetivo incumprimento da entidade avaliada está dependente de
fatores que, em muitos casos, serão imprevisíveis. Neste sentido e defendendo a aplicação da
distribuição dinâmica do ónus da prova a este caso, v. Carlos Carbone, Cargas Probatórias,
pp. 224-5.
120
Entendemos que a prova do nexo de causalidade adequada deve caber ao demandado
pelas razões que avançámos na n. 108. Contudo, ao contrário do que afirmámos e do que
ocorre no âmbito da responsabilidade por atos médicos, aqui não se verificam dificuldades
no âmbito da prova do nexo de causalidade naturalístico, pelo que a sua prova deve continuar
a caber ao autor.
314
Por fim, o último aspeto que analisaremos como sendo relevante na distribui-
ção dinâmica do ónus da prova é a capacidade das partes poderem aceder aos
meios de prova relevantes para a demonstração dos factos da causa, devendo
aquele ónus ser atribuído à parte que, com maior facilidade relativa, conse-
guir aceder aos mesmos. Neste ponto, ao contrário do que fizemos com os dois
anteriores, não iremos avançar exemplos de casos concretos, pois a questão
do acesso aos meios de prova é um problema que se pode colocar em pratica-
mente qualquer tipo de caso. De facto, dado que a única forma de demonstrar
certo facto em juízo é através de meios de prova, a verdade é que os exemplos
que avançámos anteriormente poderão também ser integrados neste fator
de facilidade probatória121. No entanto, optámos pela sua autonomização em
virtude de ser possível existirem casos em que a maior facilidade relativa de
produzir a prova não se deva a nenhum dos outros fatores, mas antes, sim-
121
Apesar de tal coincidência poder ocorrer, a autonomização dos outros fatores não perde
relevância, dado que eles permitirão sempre ajudar a aferir qual das partes tem mais fácil
acesso aos meios de prova. De todo o modo, a referida coincidência também pode não ocorrer
dado que, por exemplo, a maior facilidade probatória se pode ficar a dever à maior capacidade
de uma das partes (em função de algum dos outros critérios) expor os factos de forma mais
coerente e convincente, ficando a sua maior facilidade probatória a dever-se a essa melhor
capacidade de convencer o julgador pela exposição factual e não pelo acesso mais facilitado
aos meios de prova.
315
Além disso, refira-se que este constitui o único fator de dificuldade pro-
batória que o legislador reconheceu de forma genérica e a que atribuiu um
regime efetivamente dirigido à proteção da parte com maior dificuldade rela-
tiva de produzir a prova e à descoberta da verdade, que consta essencialmente
dos arts. 344.º, n.º2 do CC e 417.º, n.º2 do CPC.
Na verdade, decorre da conjugação daqueles dois preceitos legais, entre
outras, a prescrição de que, caso uma parte tenha acesso exclusivo ou facili-
tado a um meio de prova, pode a parte contrária requerer ao juiz (ou pode este
fazê-lo oficiosamente) que ordene àquela a apresentação desse meio122. Caso
a parte a quem a ordem se dirige se recuse a cumpri-la, existem duas conse-
quências: primeiramente, o juiz deverá levar em conta essa recusa no âmbito
da livre apreciação da prova, como um fator contributivo para a demonstra-
ção da versão do facto desfavorável à parte incumpridora (art. 417.º, n.º2 do
CPC)123; depois, caso o incumprimento da ordem implique a impossibili-
dade de a parte contrária (onerada com a prova) provar a versão do facto que
a favorece, então o ónus da prova é invertido, passando a ser suportado pela
parte incumpridora.
Sem deixar de louvar esta solução legal, por demonstrar a preocupação do
legislador com a dificuldade de prova, não podemos também deixar de subli-
nhar que o referido regime legal não é o mais adequado. Com efeito, dado que
os mecanismos nele previstos para solucionar aquela dificuldade (implicação
ao nível da apreciação da prova e inversão do ónus da prova) assentam sempre
na circunstância de a parte com acesso mais facilitado desobedecer à ordem
do juiz, existe um incentivo forte para o cumprimento dessa ordem. Assim,
como a parte a quem a ordem se dirige é aquela que tem acesso facilitado ou
exclusivo aos meios de prova, estará ao alcance desta alterar os mesmos de
122
Tal pode traduzir-se, por exemplo, na junção de um documento, na disponibilização do
acesso a certo local para permitir que se efetue uma inspeção judicial ou na indicação da
identidade de uma testemunha para que esta possa ser ouvida em audiência.
123
Entendemos que esta é uma má solução legal, dado que defendemos que a dificuldade
de produzir a prova não é um elemento que deva corretamente ser utilizado na operação de
apreciação da prova, pelas razões que avançámos no ponto 3.1.
316
modo a que os factos por eles demonstrados não contribuam para a prova da
versão desfavorável a esta parte124. Deste modo, a parte com maior facilidade
probatória encontra uma vantagem adicional em adulterar o conteúdo dos
meios de prova: não ter a seu cargo o onus probandi, sendo que a demonstra-
ção dessa adulteração pode ser (embora nem sempre o seja) muito difícil.
Com efeito, a solução típica da distribuição dinâmica do ónus da prova,
que passaria por atribuir, de forma incondicional, este ónus à parte com maior
facilidade em produzir a prova, porque esta possuiu um acesso mais facili-
tado aos meios de prova, evitaria os problemas apontados, no sentido em que
não existiria um incentivo adicional à adulteração dos meios de prova visto
que esta parte estaria, de qualquer modo, onerada com a prova. Esta seria,
portanto, a solução que estaria completamente conforme com a distribuição
dinâmica do ónus da prova e que pensamos ser preferível.
124
Pense-se, por exemplo, na falsificação de documentos ou na alteração do local em que se
irá realizar a inspeção judicial.
125
Neste sentido se pronunciaram, entre nós, Vaz Serra, Provas, p. 139, Varela, Bezerra,
Nora, Manual de Processo, p. 459, Teixeira de Sousa, Sobre o ónus, p. 140. No mesmo sentido,
na doutrina estrangeira, v. Verheyden-Jeanmart, Droit de la preuve, pp. 55-6 e Rosenberg,
La Carga de la Prueba, p. 378.
126
V., entre outros, os ss. acs.: STJ, 19/01/1984, in BMJ, n.º333, p. 369, STJ, 17/02/1983, in BMJ,
n.º 324, p. 584; TRP, 09/10/1979, in CJ, ano IV, p. 1276 e TRP 18/05/1978 in CJ, ano III, p. 847.
317
127
Novamente recorrendo ao exemplo da responsabilidade médica, a prova da inexistência
de culpa ou de ilicitude em processo judicial, cujo ônus da prova a distribuição dinâmica
318
aconselha estar a cargo do médico, corresponde sempre a um facto (negativo) definido visto
que o que se discute é sempre o cumprimento das boas práticas durante uma certa inter-
venção médica, definida no tempo e no espaço. No sentido de que este facto corresponde
a um facto negativo indefinido, com o qual não podemos concordar, v. João Álvaro Dias,
Procriação Assistida, p. 225.
128
Neste sentido, v. Steven Hales, You can proove a negative, p. 110, Verheyden-Jeanmart,
Droit de la preuve, p. 53 e Lynce de Faria, A Inversão, p. 64.
319
comprou uma maçã todos os dias da sua vida, a prova da versão factual con-
trária pode simplesmente ser feita provando o facto, completamente defi-
nido, de que, em certo dia, L não comprou uma maçã. Do mesmo modo, se
L nunca comprou uma maçã na sua vida, a prova da versão factual contrária
pode também ser feita demonstrando simplesmente o facto, perfeitamente
definido, de que L comprou uma maçã num certo dia da sua vida. Como se
vê, o factor relevante para a aferição da facilidade probatória é sempre a defi-
nição da alegação factual e nunca o facto de ela assumir a versão positiva ou
a negativa, sendo que se chegaria exatamente à mesma conclusão, embora
com um grau de diferença da dificuldade probatória menor entre a alega-
ção mais e a menos definida, no caso de o exemplo envolver alegações com
graus intermédios de (in)definição.
No entanto, também não defendemos que esta característica das alega-
ções factuais deva constituir um factor de aferição da facilidade probatória,
mediante o qual se devesse atribuir o ónus da prova à parte a quem aproveita
a versão factual (positiva ou negativa) mais definida. Na verdade, a dificuldade
inerente à demonstração de factos indefinidos, ou com certo grau de indefini-
ção, não é, na sua natureza, diferente daquela que se verifica na demonstração
de quaisquer factos, inclusivamente de certos factos completamente defini-
dos. Efetivamente, essa dificuldade tem sempre a mesma causa: a necessidade
de inferência entre um facto conhecido e um facto desconhecido. Tendo em
conta o referido a propósito da questão da medida da prova129, toda a prova
produzida no âmbito de um processo judicial é indireta, no sentido em que,
partindo dos factos a que o julgador tem acesso direto, os factos acessórios130,
se torna necessário inferir131, segundo as regras da experiência, a ocorrência
de outros factos. Estes factos poderão ser já os factos principais ou poderão
ser novamente factos acessórios a partir dos quais seja necessário efetuar um
novo juízo de inferência132. Será, em princípio, essa a situação sempre que se
pretenda demonstrar um facto com algum grau de indefinição, em virtude
da sua maior abrangência.
129
Cfr. ponto 2.2.2.2.
130
Cfr. n. 25.
131
Cfr. n. 33.
132
Cfr. n. 38.
320
321
3.3.1 – Funcionamento
133
No ponto 2.2.2.3.
134
Neste sentido, v. Steven Hales, You can proove a negative, pp. 109 e ss..
135
Diga-se incidentalmente que, à luz desta conclusão (embora não exclusivamente), não nos
parece ser correta a afirmação de Vaz Serra, Provas, p. 121 de que o critério a distributivo da
teoria das normas resulta na atribuição do ónus da prova à parte com maior facilidade proba-
tória (enunciando, precisamente, o critério da distribuição dinâmica, o que não deixa de ser
significativo quanto à sua adequação). Com efeito, aquele A. refere que o critério da teoria
das normas apenas onera as partes com a prova de factos positivos, visto que tanto os factos
constitutivos como os factos impeditivos, modificativos ou extintivos são sempre positivos
e, por isso, são mais fáceis de provar do que a respetiva versão negativa, com a qual ninguém
está onerado. Ora, parece-nos ser este raciocínio errado, por duas ordens de razões. Primeiro
porque esquece que ao considerar a versão factual dos factos constitutivos, impeditivos, mo-
dificativos e extintivos está apenas a considerar a versão factual dos factos principais, sendo
que estes terão de ser demonstrados por factos instrumentais (nomeadamente, acessórios) os
quais tanto podem ser positivos como negativos. Retomemos o exemplo da prova da culpa ou
da ilicitude numa ação de responsabilidade civil por negligência na prática de atos médicos:
este facto tanto poderá ser provado (naturalmente em casos diferentes) demonstrando-se
que o médico usou um procedimento inapropriado para a intervenção (facto acessório posi-
tivo) como que o médico não desinfetou as mãos antes de a iniciar (facto acessório negativo).
Depois, o referido raciocínio também não nos parece correto porque mesmo que o facto
instrumental necessário para provar o principal seja positivo, não é necessariamente verdade
que este seja mais fácil de provar do que a versão negativa correspondente, pelas razões que
se acabam de enunciar no texto.
322
veita com maior facilidade relativa. E vimos também, embora de forma pre-
liminar, que esta ideia se justifica, essencialmente, não só pela vantagem de
não onerar a parte para quem a prova é mais difícil (igualdade material), mas
também porque a oneração dessa parte estimula a efetiva produção de prova
(verdade material).
Ora, estes fundamentos têm implicações no que toca à forma de aferir
qual das partes possui maior facilidade probatória. De facto, essa aferição
deve ser feita através do uso de critérios como aqueles que foram avança-
dos a título exemplificativo (controlo e proximidade do facto, conhecimen-
tos técnicos, acesso aos meios de prova), mas sem que seja necessário que
os mesmos originem uma efetiva maior facilidade probatória no processo
em causa. Essencial é que se determine qual a parte que, anteriormente ao
processo, nomeadamente aquando e após a ocorrência dos factos, se encon-
trava em melhores condições relativas de vir a efetuar a prova, em função de
critérios como aqueles que referimos, independentemente de essa parte ter
aproveitado a sua posição de vantagem probatória para poder efetivamente,
no momento da produção de prova, encontrar-se em melhores condições para
provar a versão factual que lhe é favorável.
Efetivamente, e apesar de não termos conhecimento de que este aspeto
tenha sido abordado pelos AA. que exploraram a ideia da distribuição dinâ-
mica, julgamos que apenas levando em conta este entendimento da facili-
dade probatória se tornará possível, por um lado, incentivar a conservação
e a posterior produção de prova no processo e, por outro lado, garantir que
a dificuldade probatória que é levada em conta na distribuição dinâmica é
motivada por factores objectivos e não pela deficiente produção de prova das
partes no decorrer do processo. Com efeito, se assim não fosse, estar-se-ia a
privilegiar, no que toca à distribuição do ónus da prova, a parte que não con-
servasse nem produzisse de forma diligente a prova, o que desincentivaria a
efetiva produção de prova e a procura da verdade.
3.3.2 – Âmbito
323
136
Por uma distribuição, p. 33.
137
Cfr. ponto 2.2.
138
Pedro Múrias, Por uma distribuição, p. 31.
139
Neste sentido, v. Pedro Múrias, Por uma distribuição, p. 32, n. 48 e a bibliografia aí citada.
324
Com efeito, neste caso, a dúvida é uma questão relevante apenas no contexto
processual, pois consiste na eventualidade de não se ter conseguido demons-
trar no processo a ocorrência de um facto que seria, em abstrato, demonstrá-
vel. Como tal, deve esta questão ser objeto de um «tratamento» processual,
sendo que, quanto a isso, se mostram apropriados os principais fundamentos
da distribuição dinâmica do ónus da prova: o estímulo à produção de prova
visa a procura da verdade material, a qual constitui, à partida, a finalidade de
toda a atividade probatória processual, enquanto que a não oneração da parte
com maior dificuldade probatória promove a igualdade material entre as par-
tes, sendo este um valor essencial à verificação de um processo equitativo140.
Dentro dos casos de dúvida subjetiva, deve colocar-se a questão de saber se a
ideia da distribuição dinâmica se deve aplicar sempre que haja um desequilí-
brio identificável na capacidade probatória das partes ou se, pressupondo tal
desequilíbrio, o seu âmbito se deve limitar ainda aos casos em que a produ-
ção de prova pela parte onerada segundo o critério decorrente do art. 342.º,
n.º1 do CC seja especialmente difícil. Os AA. que têm abordado o critério da
distribuição dinâmica defendem esta última hipótese141, apresentando este
critério como uma «válvula de segurança» que evita onerar certa parte com
uma prova particularmente difícil sempre que a parte contrária apresentar
maior facilidade probatória. Contudo, não partilhamos desta opinião. Além da
dificuldade de aferir em que casos estaremos perante uma situação de prova
particularmente exigente (que, aliás, se trata de uma objeção de natureza prá-
tica provavelmente ultrapassável), os fundamentos essenciais da distribuição
dinâmica do ónus da prova são igualmente válidos quer a parte onerada com
o critério decorrente do art. 342.º, n.º1 do CC se veja confrontada com uma
prova particularmente difícil ou com uma prova de baixa dificuldade, mas
que, naturalmente, será sempre mais difícil do que para a parte contrária.
Com efeito, atribuir o ónus da prova à parte com maior facilidade probatória
relativa, terá, em ambos os casos, o efeito de estimular a produção efetiva de
prova (verdade material) e um maior equilíbrio entre as partes no que toca
às hipóteses de fazerem valer a sua posição em juízo (igualdade material).
140
Estes dois efeitos da distribuição dinâmica do onus probandi serão abordados, respetiva-
mente, nos pontos 4.2 e 4.3. Cfr. também o ponto 4.6.
141
Neste sentido, por exemplo, Jorge Peyrano, Nuevos Lineamientos, pp. 21 e 24.
325
Naturalmente que nos casos em que a parte onerada de acordo com o cri-
tério decorrente do art. 342.º, n.º1 do CC se vir confrontada com uma prova
de baixa dificuldade ela poderá, com maior probabilidade, conseguir provar
a versão factual que a favorece, pelo que não será tão necessário estimular a
produção de prova pela parte contrária (que possui maior facilidade proba-
tória), nem existirá um desequilíbrio tão acentuado nas hipóteses das par-
tes fazerem valer a sua posição em juízo. No entanto, trata-se apenas de uma
diferença de grau e não de natureza, pelo que julgamos que o tratamento de
ambos casos deverá ser o mesmo.
Já quando a dúvida em causa for objetiva, a distribuição do ónus da prova
terá de assentar num critério distinto, diferente do da distribuição dinâmica.
Realmente, sendo a dúvida objetiva, esta ultrapassa o contexto do processo
(sem prejuízo de ser nesse contexto que ela é, no que diz respeito ao ónus da
prova, relevante), ocorrendo independentemente sequer de existir um pro-
cesso judicial, visto que é impossível determinar a ocorrência do aconteci-
mento. Nestes casos não tem sentido considerar que uma parte tem maior
facilidade probatória do que a contrária: a prova é-lhes igualmente impossível.
Como tal, será inútil distribuir este ónus em função da maior facilidade pro-
batória, sendo descabido incentivar a produção de uma prova impossível de
realizar, pelo que os casos de dúvida objetiva estão fora do âmbito de aplicação
da distribuição dinâmica do ónus da prova. Como deverá, então, distribuir-se
o onus probandi? Seguindo o entendimento de Pedro Múrias142 a este res-
peito, dever-se-á ter em conta que estamos perante uma realidade (um facto):
a de que é incerto se determinado facto ocorreu ou não, relativamente à qual
é necessário aferir qual o direito aplicável. Esta realidade não é, no entanto,
subsumível (pelo menos de forma imediata) às previsões normativas, visto
que estas apenas preveem a ocorrência de factos e não os casos de incerteza
na sua ocorrência. A regulação destes casos, e (o que será o mesmo) a distri-
buição do ónus da prova sempre que a dúvida seja objetiva, deverá, portanto,
ser encarada como um problema de direito substantivo. Como tal, visando
este trabalho abordar exclusivamente a solução da distribuição dinâmica do
ónus da prova e tendo esta solução em vista resolver um problema exclusiva-
mente processual (a decisão nos casos de dúvida subjetiva), não desenvolve-
142
Por uma distribuição, p. 33.
326
remos o modo de distribuir este ónus nos casos de dúvida objetiva, nos quais
aquela solução é inaplicável. Efetivamente, o nosso propósito na abordagem
deste tipo de dúvida é apenas o de explicitar melhor o âmbito de aplicação
daquela solução.
Por fim, será importante repetir que julgamos serem os casos de dúvida
objetiva relativamente raros143. De facto, a prova de qualquer facto será, em
princípio, possível de realizar em certo processo judicial, pelo que será cor-
reto «presumir» a subjetividade da dúvida, apenas devendo esta ser conside-
rada objetiva se a impossibilidade de prova for efetivamente demonstrada. Em
consequência, entendemos que o critério da distribuição dinâmica do onus
probandi, aplicável nos casos de dúvida subjetiva, será adequado a boa parte
dos casos de dúvida sobre a ocorrência dos factos, sem, naturalmente, esgotar
a discussão acerca dos critérios de distribuição do ónus da prova.
3.4.1 – Argentina
Referimos já144 que a teoria que temos vindo a analisar foi «batizada» e sis-
tematizada pelo A. argentino Jorge W. Peyrano no início dos anos 80 do
século passado e que tem atualmente uma ampla, ainda que não unânime,
aceitação na doutrina145 e na jurisprudência daquele país. Efetivamente, foi
no âmbito da prática judiciária que primeiramente surgiu, na Argentina, a
necessidade de flexibilizar as regras de distribuição do ónus da prova, onde,
143
Um exemplo poderá ser um caso em que não seja possível determinar se certa doença
de que padece certa pessoa fora causada por uma vacina que lhe fora administrada ou por
qualquer outra causa que também a possa ter provocado. Esta dúvida poderá ser relevante,
por exemplo, numa ação em que o doente demande o vendedor da vacina pelos danos que
esta alegadamente lhe causou.
144
Cfr. ponto 3.1.
145
Cfr. nn. 99 e 100.
327
146
Cfr. a referência que aquela A., em Cargas probatorias dinámicas, p. 71, faz ao mencionado
aresto (não conseguimos ter acesso direto ao mesmo, mas apenas ao respetivo sumário, dis-
ponível em http://www.csjn.gov.ar/jurisp/jsp/MostrarSumario?id=354292&indice=57, o qual nada
refere de relevante para o assunto que tratamos).
147
Disponível para consulta em http://www.csjn.gov.ar/cfal/fallos/cfal3/cons_ fallos.jsp.
148
Vários escritos têm sido publicados na Argentina acerca deste tema, sendo de destacar a
obra coletiva, organizada por Jorge W. Peyrano e por Inés Lépori White, Cargas Probatorias
Dinámicas, por ser uma recolha especialmente completa de tudo aquilo que a doutrina tem
analisado a este propósito, bem como pela vasta referência jurisprudencial que dela consta.
328
3.4.2 – Brasil
149
V. Jorge Peyrano, La Doctrina, p. 88.
150
V. Beatriz Ruzafa, Las Cargas Probatorias, pp. 374 e ss..
151
V. Carlos Carbone, Cargas Probatorias, pp. 206 e ss..
152
V. Miryam Faure, La Dinámica, pp. 328 e ss..
153
A nossa opinião acerca da aplicabilidade da distribuição dinâmica no ordenamento por-
tuguês decorre do que se refere no ponto 5.
154
A este respeito v. Héctor E. Leguisamón, La Necesaria Madurez, pp. 122-3.
155
Poderemos, a título de exemplo, apontar os seguintes escritos: Oliveira Yoshikawa,
Considerações sobre a teoria dinâmica, p. 115 e ss., Pereira Azário, Dinamicização da distribuição.
Refira-se que muitos outros existem a que não conseguimos ter acesso direto, podendo tal
ser confirmado pelas numerosas referências que constam dos aludidos escritos.
329
3.4.3 – Espanha
156
V., por exemplo, os ss. acs.: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, n.º AI 0379445-2,
(Nilson Mizuta); Tribunal de Alçada do Paraná, n.º AG 0263987-6 (Marcos de Luca Fan-
chin). Ambos se referem a casos de mala praxis médica.
157
A propósito desta influência cfr. Marcos Peyrano, La Teoria, p. 186.
158
De referir, pela sua clareza, os ss. acs. do Tribunal Supremo espanhol: 24/01/1986 (Carlos
Benayas) e 20/03/1987 (Antonio Perez).
159
Cfr., entre outros, a obra de LLamas Pombo, La responsabilidad civil del médico, publicada
em 1988.
330
160
Acerca desta norma cfr., entre outros, Marcos Peyrano, La Teoria, pp. 187 e ss..
161
Manuel Ortells Ramos, Derecho Procesal, pp. 400-1. No mesmo sentido, cfr. Va-
lentín Domíngues et al., Derecho Procesal, p. 258 e Álvaro Yerga, Regulación de la carga,
pp. 9 e ss..
331
3.4.4 – Alemanha
332
164
V. ponto 3.3.2.
333
165
Cfr. ponto 3.2.2.
166
Para uma descrição desta e de outras criticas que têm sido apontadas à teoria das esferas
de risco v. Ribeiro de Faria, Da prova na responsabilidade, pp. 255 e ss..
167
Refira-se que, segundo o critério da distribuição dinâmica do ónus da prova, este deveria
caber ao réu, dado que este exerceu a atuação no âmbito da sua atividade profissional, pelo
334
4.1 – Preliminares
que, tendo em conta todos os factos relevantes no processo, terá sempre maior facilidade em
demonstrar que a instalação elétrica estava devidamente montada.
168
Aquela distinção pode ser encontrada, entre outros, em Manuel de Andrade e Antu-
nes Varela (em colab.), Noções, p. 374 ou Castro Mendes, Do Conceito, pp. 384 e ss.. Este
último refere os AA. a quem se deve, alegadamente, a formulação da distinção a que não
conseguimos ter acesso direto.
335
aos factos tal qual eles realmente ocorreram. A segunda consistiria no con-
junto de factos que lograram ser apreendidos no processo, segundo as regras
aplicáveis à produção, valoração e apreciação da prova, sendo este um meca-
nismo de construção de uma «realidade jurídica», que seria a única relevante
no processo: quod non est in actis, non est in mundo.
Aquela distinção, referem vários AA., está hoje ultrapassada, essencial-
mente argumentando que a verdade factual, entendida como a represen-
tação intelectual da realidade, só pode ser uma, não admitindo quaisquer
variações169. Sem se discordar desta afirmação, não podemos porém deixar
de constatar que a factualidade sobre que incidem as decisões judiciais, a
verdade «formal», poderá não corresponder à factualidade que efetivamente
se verificou. De facto, a obtenção de provas não pode ser feita a todo o custo,
visto que o valor de averiguar o sucedido pode, em certas circunstâncias, ter
de ceder perante outros valores, nomeadamente o respeito pela integridade
física e moral das pessoas, pela salvaguarda da sua vida privada ou pelos deve-
res de sigilo profissional ou segredo de Estado, entre outros. É, portanto, nesta
ótica que se justifica o disposto no n.º3 do art. 417.º do CPC.
No entanto, consideramos que a salvaguarda daqueles valores é a única
razão que deve justificar, em abstrato (ou seja, desconsiderando as dificulda-
des probatórias que possam surgir em concreto), a discrepância entre as cha-
madas verdade «material» e «formal», não podendo essa discrepância ficar a
dever-se simplesmente à falta de diligência ou de colaboração dos sujeitos
processuais na alegação dos factos e na sua prova. É, assim, com esse objetivo,
que deve ser entendido o sentido do princípio da cooperação.
De facto, este princípio, na sua vertente material170 que aqui abordamos,
tem essencialmente em vista promover que a verdade «formal» se aproxime
o mais possível da «material», de modo a que a decisão judicial possa assentar
sobre uma base factual tão verdadeira quanto possível171, sempre dentro dos
limites impostos pelo n.º3 do art. 417.º do CPC. Assim, podemos identificar
169
Assim, Lebre de Freitas, Introdução, p. 156 (em especial a n. 5) e A Confissão, pp. 628 (em
especial a n. 26) e 629 e Castro Mendes, Do Conceito, pp. 401 e ss..
170
Adotamos aqui a distinção entre cooperação material e formal seguida por Lebre de
Freitas em Introdução, pp. 185 e ss..
171
Neste sentido, Euler Moura Jansen, A verdade formal (http://www.conjur.com.br/2008-
-jun-05/verdade_ formal_real_relacionamento_harmonico).
336
172
Apesar de, em face da atual redação dos n.os3 e 4 do art. 590.º do CPC, não subsistirem
dúvidas relativamente à natureza vinculada destas duas situações de convite ao aperfeiçoa-
mento, tal não ocorria em face da anterior redação do CPC, nomeadamente do disposto na
anterior redação dos n.os 2 e 3 do art. 508.º do CPC. Eis o que escrevemos à luz do anterior
enquadramento jurídico: «embora no que toca ao despacho dirigido a convidar as partes a
suprir as irregularidades que os seus articulados apresentem (art. 508.º, n.º2 do CPC) não
existam dúvidas sobre a natureza vinculada da sua emissão, já no que diz respeito ao despa-
cho que visa o aperfeiçoamento dos articulados (art. 508.º, n.º3 do CPC) a jurisprudência e a
doutrina encontram-se divididas em relação àquele esse aspeto. Defendendo a sua natureza
não vinculada temos, entre outros, os seguintes acs.: STJ: 17/2/05 (Silva Salazar), 21/1/06
(Sebastião Póvoas); TRC: 29/5/01 (Nuno Carreira). No mesmo sentido se posicionam os
seguintes AA.: Freitas, Machado, Pinto, Código de Processo, Vol. 2.º, p. 384 e Montalvão
Machado, O Dispositivo, p. 255. Diferentemente, advogando no sentido de que se trata de
um despacho vinculado temos, entre outros, os seguintes acs.: TRL: 26/2/07 (Luísa Geral-
des); TRP: 18/9/2003 (Pinto de Almeida), 5/7/06 (Deolinda Varão); TRE: 22/3/07 (João
Marques). Na mesma linha podemos encontrar os ss. AA.: Abrantes Geraldes, Temas da
Reforma, II, p. 79, Lopes do Rego, Comentários ao Código, p. 433 e Paulo Pimenta, A Fase do
Saneamento, pp. 194 e ss.. A tomada de decisão nesta querela torna-se necessária para deter-
minar se o não proferimento do despacho dirigido ao aperfeiçoamento dos articulados gera
uma nulidade processual arguível nos termos do art. 201.º do CPC. Pela nossa parte, pensa-
mos que a comparação da redação dos n.os2 e 3 do preceito legal em análise («convidará», no
primeiro, e «pode (...) convidar», no segundo), que tem sido utilizada como argumento em
favor da tese da não vinculatividade, não permite chegar a essa conclusão visto que, por um
lado, a formulação utilizada no n.º3 não exclui o entendimento de que quando o proferimento
do despacho de aperfeiçoamento se justificar ele não deva obrigatoriamente ser proferido
e, por outro, visto ser o elemento literal inconclusivo, o teleológico sugere-nos que a tese da
vinculatividade será a mais adequada: prevendo a lei processual a existência de um despacho
337
338
mente por este modo que a distribuição dinâmica do ónus da prova se apre-
senta, portanto, como uma solução que incentiva a cooperação das partes no
sentido de colaborarem com o tribunal (que podemos incluir na primeira das
referidas três manifestações do princípio da cooperação) para que a decisão
que este venha a proferir seja baseada em factos que, realmente, ocorreram.
Depois, mesmo que nenhuma das partes consiga demonstrar as versões
factuais que as favorecem e a decisão relativa à matéria de facto seja uma deci-
são de ónus da prova, a probabilidade de essa decisão ser também coincidente
com a verdade «material» será mais elevada. Com efeito, se nada se conse-
guir provar, continuando o julgador no ponto de ignorância, a decisão será
tomada como se a versão factual que aproveita à parte com maior facilidade
probatória não tivesse ocorrido. Ora, esta será, efetivamente, a situação fac-
tual de ocorrência mais provável, caso contrário a parte onerada com a prova,
por ser a que tem maior facilidade probatória, conseguiria tê-la demonstrado.
Assim, apesar de este efeito não promover propriamente a cooperação entre
as partes, contribui para uma mais frequente coincidência entre a verdade
«material» e a «formal», sendo esta a razão de ser do princípio do cooperação.
Por tudo isto, não se nega a existência de uma diferença entre a chamada
verdade «material» e «formal», mas reconhece-se a necessidade de uma coin-
cidência entre as duas tão frequente quanto possível, sendo o princípio da coo-
peração uma manifestação clara dessa necessidade. A distribuição dinâmica
do ónus probandi constitui, na nossa ótica, outro meio de fomentar os valores
da cooperação e da procura da verdade dos factos no processo174.
4.3 – Igualdade
Uma das decorrências do processo equitativo a que se refere o art. 20.º, n.º4
da CRP diz respeito à necessidade de se garantir a igualdade entre as par-
tes175. Com efeito, o princípio da igualdade encontra-se genericamente pre-
visto no art. 13.º da CRP, sendo atualmente entendido não apenas numa
174
Neste mesmo sentido v. María Airasca, Reflexiones Sobre, p. 142 e Beatriz Ruzafa, Las
Cargas, pp. 374 e ss..
175
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, Vol. I, pp. 415 e ss. e Lopes do Rego,
O Direito fundamental, pp. 744 e ss..
339
176
A este respeito, cfr., entre muitos outros, Reis Novais, Os princípios constitucionais, pp. 101 e
ss., Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição, Tomo I, pp. 442 e ss. e Gomes Canotilho
e Vital Moreira, Constituição, Vol. I, pp. 341 e ss..
177
Teixeira de Sousa, Estudos, p. 42. No mesmo sentido, v. Lebre de Freitas, Introdução,
pp. 124-5.
178
Por vezes, existem casos em que a desigualdade entre as posições de autor e réu é ine-
vitável. Por exemplo: a posição do autor ao poder escolher arbitrariamente o momento da
proposição da ação é necessariamente mais vantajosa do que a do réu que terá de respeitar
prazos apertados para a sua defesa.
340
179
Cfr. Lebre de Freitas, Introdução, p. 137 e Freitas, Machado, Pinto, Código de Processo,
Volume 1.º, p. 10.
180
Temas da Reforma, p. 112.
181
O direito fundamental, pp. 748 e ss..
182
Estudos, p. 44.
183
Reforma do Processo, p. 48 e ss..
184
Teixeira de Sousa, Estudos, p. 45.
341
185
Pronunciando-se a favor da compatibilidade desta norma com os princípios da igualdade
das partes e da imparcialidade do tribunal, v. o ac. do TC n.º517/2000.
186
Refira-se que a opinião que manifestamos no texto pressupõe um certo entendimento
dos valores que estão em causa no processo civil, nomeadamente o de que a circunstância de
que se está a lidar com um litígio privado não deve nunca servir de pretexto para que o juiz
não dirija o processo de forma ativa, intervindo sempre que necessário para resolver de forma
eficaz e real o litígio. Partilhando deste entendimento, v. França Gouveia, Os poderes do juiz,
pp. 47 e ss.. Com um entendimento completamente contrário, v. Correia de Mendonça,
Vírus Autoritário, pp. 67 e ss..
342
343
em provar tem, por essa razão, melhores condições para conseguir obter uma
decisão que a favoreça, por outro, visto que suporta o ónus da prova, ela tem
também de efetivamente provar a versão dos factos que a favorecem para obter
aquela decisão. A possibilidade de a parte contrária obter uma decisão favo-
rável ocorrerá, portanto, caso a outra parte não consiga demonstrar a versão
factual com que estava onerada, possibilidade essa que não existe se o ónus
da prova não for atribuído à parte beneficiada com maior facilidade proba-
tória190. Nesse caso, a parte com maior dificuldade em provar a versão factual
que lhe é favorável ficaria, de facto, em piores condições para obter uma sen-
tença favorável do que a parte contrária.
190
Apresentando a ideia de igualdade e de equilíbrio entre as partes como um dos funda-
mentos da distribuição dinâmica do ónus da prova, v. Inés White, Cargas probatorias, p. 69 e
Abraham Vargas, Cargas probatorias dinámicas. Sus perfiles, p. 42 e ss..
191
Refiram-se, entre outras, as normas do CPC que permitem o litisconsórcio (arts. 32.º e
ss.), a cumulação de pedidos (arts. 555.º e 36.º) e o pedido subsidiário (arts. 554.º e 39.º), a
reconvenção (art. 266.º), a adequação formal (art. 547.º), a gestão processual (art. 6.º) ou a
que proíbe a prática de atos inúteis ou desnecessariamente complexos (arts. 130.º e 131.º).
192
Acerca deste princípio, cfr. Manuel de Andrade e Antunes Varela (em colab.), No-
ções, pp. 387-8, Lebre de Freitas, Introdução, pp. 203 e ss. e Francisco Almeida, Direito
Processual, pp. 264 e ss..
193
Encarando o princípio da economia processual como um corolário do direito a obter uma
decisão judicial em prazo razoável v. Remédio Marques, Acção Declarativa, p. 212.
344
194
Referindo as mesmas vantagens, v. Lynce de Faria, A Inversão, p. 62.
195
Neste sentido, Reis Novais, Os princípios constitucionais, pp. 261 e ss..
196
V. ponto 3.2.2.
197
Refira-se que este juízo de valor não implica que esta decisão do julgador deva ser conside-
rada como discricionária. De facto, a subjetividade da análise de qual das partes se encontra em
melhores condições para produzir a prova não significa que essa análise seja completamente
deixada ao prudente arbítrio do julgador (art. 152.º, n.º4 do CPC) visto que, adotando-se a
distribuição dinâmica do ónus da prova, não está no âmbito da liberdade do juiz escolher se
distribui este ónus de acordo com esse critério ou não, estando realmente vinculado a adotá-lo
caso os respetivos pressupostos de aplicação, nomeadamente a possibilidade de identificar
a parte com maior facilidade probatória, se verifiquem. Trata-se, portanto, de uma decisão
que, neste aspeto, é análoga, por exemplo, à de inquirição de testemunha não oferecida pelas
345
partes (art. 526.º do CPC), a qual deve também ser tomada caso os seus pressupostos («co-
nhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa») se verifiquem. Sobre este
assunto, v., entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos, pp. 68 e ss., Freitas, Machado,
Pinto, Código de Processo, Volume 1.º, pp. 296 e ss. e Teixeira de Sousa, Estudos, pp. 380 e ss..
198
A decisão do julgador acerca da distribuição do ónus deverá, pensamos, ser anunciada às
partes na audiência prévia, tal como se explicará no ponto 5.4.
199
Tratamos a analise desta restrição a um direito fundamental segundo o procedimento
aplicável às restrições a estes direitos operadas por normas legais pois entendemos, pelos
motivos que indicaremos no ponto 5, que a distribuição dinâmica do ónus da prova é, de
facto, a forma de atribuição deste ónus que o nosso ordenamento jurídico, à partida, consagra.
200
Veja-se, entre muitos outros, Reis novais, Os princípios constitucionais, pp. 161 e ss., Jorge
Miranda e Rui Medeiros, Constituição, Tomo I, pp. 372 e ss., Gomes Canotilho e Vital
Moreira, Constituição, Vol. I, pp. 392 e ss..
346
objetivos, estaremos já perante um juízo que implica uma análise que ainda
não foi feita. Assim, caso seja possível, num juízo comparativo, encontrar um
outro modo de distribuir o ónus da prova que permita, com a mesma idonei-
dade ou com uma melhor relação entre a idoneidade e a restritividade dos
seus efeitos, atingir os mesmos fins com maior previsibilidade da sua aplica-
ção (menor restritividade do valor da segurança jurídica) então a distribui-
ção dinâmica do ónus da prova seria uma solução violadora do princípio da
segurança jurídica. No entanto, não se afigura que tal forma de distribuir
este ónus exista.
Realmente, a tarefa de distribuir o ónus da prova incide, como também já
se referiu, sobre todos os factos principais que se mostrem relevantes para a
procedência da pretensão do autor ou réu reconvinte ou das exceções aduzidas
pelo réu ou autor reconvido. Como tal, resulta impraticável a configuração de
uma distribuição perfeitamente casuística em que, para cada facto principal,
estivesse normativamente prevista a respetiva distribuição do ónus da prova.
A ser possível, esta solução constituiria a mais segura que se poderia conce-
ber e que poderia perfeitamente ter na sua base a preocupação de atribuir o
ónus à parte com maior facilidade relativa de provar, com todas as vantagens
que temos vindo a elencar, mas, por não o ser, não a deveremos considerar.
Restará, portanto, um tipo de distribuição de alcance mais ou menos gené-
rico, ainda que esta possa conviver com casos em que ela seja casuisticamente
atribuída mas que não poderão consistir numa solução completa para uma
alternativa mais favorável à distribuição dinâmica do ónus da prova. Como tal,
torna-se óbvio analisar a solução, já abordada201, da distribuição resultante da
teoria das normas. No entanto, como também resulta do que já se afirmou,
a teoria das normas baseia-se essencialmente na forma como estão enuncia-
das e como podem ser interpretadas as formulações normativas na lei, sendo
que, salvo raras exceções202, a elaboração dessa formulação não teve sequer em
conta as consequências distributivas do onus probandi que dela decorreriam.
Por isso, a teoria das normas não permite genéricamente alcançar nenhum
dos objetivos que a distribuição dinâmica tem em vista, visto ser «estática»
relativamente às características que, no caso concreto, podem sugerir certa
201
V. ponto 2.3.
202
Cfr. n. 72.
347
203
Cfr. ponto 2.3.
204
V. ponto 3.2.2.
205
A relevância desta discussão no âmbito da distribuição dinâmica pode ser encontrada em
Edgar Baracat, Estado Actual, pp. 282 e ss..
348
206
Entendimento esse que pode ser encontrado, por exemplo, em Oliveira Ascensão,
O Direito, pp. 195 e ss., Kaufmann, Filosofia, pp. 284 e ss..
207
Gustav Radbruch, Gesetzliches Unrecht und übergestztliches Recht, p. 89 apud Kaufmann,
Filosofia, p. 285.
349
208
Cfr. ponto 4.3.
209
Cfr. n. 61.
210
Cfr. ponto 3.1.
211
Com efeito, a arbitrariedade consiste na situação em que a diferenciação de tratamento
não se apresenta fundamentada por qualquer fundamento compatível com algum valor digno
de proteção, nomeadamente de algum valor com consagração constitucional. Naturalmente
que o alcance do princípio da igualdade vai além disto, mas é claro que esta é a sua dimensão
mais essencial e consensual. A este respeito cfr., entre outros, Reis Novais, Os princípios
constitucionais, pp. 111 e ss., Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição, Tomo I, pp. 224 e
ss., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, Vol. I, pp. 339 e ss..
212
Em sentido aparentemente contrário, referindo que uma forma de distribuição do ónus
da prova que leve em conta as características do caso concreto seria inadmissivelmente vio-
ladora do valor a segurança jurídica, Lynce de Faria, A Inversão, p. 65. Não surpreende que
a mesma opinião possa ser encontrada em Rosenberg, La Carga de la Prueba, pp. 84-5, visto
ser este A. aquele a quem é atribuída a formulação da teoria das normas.
350
A CRP consagra explicitamente, no seu art. 20.º, n.º4, o direito dos cidadãos
a que qualquer decisão resultante de causa em que intervenham seja obtida
mediante processo equitativo. Vejamos agora quais as consequências que este
direito fundamental pode ter no campo da distribuição do ónus da prova.
Da epígrafe do art. 20.º da CRP consta a referência à «tutela jurisdicional
efetiva». Esta expressão transmite a ideia de que os cidadãos devem poder
aceder aos tribunais para, através da ação destes, poderem ver reconhecidos
e efetivados os direitos (e os correspetivos deveres) que o Direito lhes con-
cede. Este é, pensamos nós, o objetivo que orienta boa parte do conteúdo
deste preceito, nomeadamente a universalidade do direito de acesso aos tri-
bunais (n.º1), a indispensabilidade da existência de procedimentos cautelares
(n.º5) e, também, a necessidade de as decisões judiciais serem tomadas em
prazo razoável e mediante um processo equitativo (n.º4). Com efeito, apenas
estando assegurado que o andamento dos processos judiciais respeita as exi-
gências de igualdade material de tratamento das partes, respeito pelo con-
traditório, imposição de prazos razoáveis às partes, direito à apresentação de
provas, não sujeição a ónus processuais desnecessários ou inúteis e obtenção
de uma decisão fundamentada em prazo razoável213, ou seja, apenas quando
estiver assegurado o respeito pelo processo equitativo, poderão estar reunidas
as condições para que as decisões judiciais reconheçam os direitos e deveres
que, na realidade, o Direito atribui aos cidadãos.
Assim, de entre os referidos aspetos constitutivos do processo equitativo,
destacaremos aquele que terá maior relevância para o problema que temos
vindo a tratar: o direito das partes a não serem oneradas com exigências pro-
cessuais inúteis ou desligadas de qualquer finalidade valiosa, tendo em conta
a tramitação processual em que se inserem214. Esta vertente do processo equi-
213
Adotámos, neste elenco, em termos gerais, a descrição apresentada por Gomes Canotilho
e Vital Moreira, Constituição, Vol. I, pp. 415-6 e ss. daquilo que a doutrina e a jurisprudência
têm entendido como sendo o conteúdo do direito ao processo equitativo.
214
Neste sentido se tem pronunciado repetidamente o TC, sendo disso exemplo os seguintes
acs.: 384/98 ou 275/99. Seguindo a mesma orientação v. Lopes do Rego, O Direito fundamental,
pp. 755-6 e Os princípios constitucionais, pp. 839 e ss..
351
tativo, que pode ser sugestivamente designada de favor actionis215, tem conse-
quências no que toca ao critério de distribuição do ónus da prova.
Efetivamente, o ónus da prova, mesmo que entendido na sua aceção obje-
tiva, constitui, para efeito de avaliar a sua conformidade com a exigência
constitucional de respeito pelo processo equitativo, um ónus processual que
impende sobre uma das partes, nomeadamente por força do seu efeito à dis-
tância216. Como tal, é necessário averiguar se a imposição deste ónus às partes,
nos termos em que, na prática, ele lhes é imposto, ou seja, tendo em conta a
sua distribuição, é ou não adequado em função da sua finalidade. Esta consis-
tirá na obtenção de uma decisão nos casos de dúvida mas não qualquer uma,
devendo a decisão de ónus da prova ser, como qualquer outra, fundamentada
em critérios materiais de justiça, nomeadamente tendo em conta os valores
que estiverem em jogo no caso concreto e, em especial, que se encontrarem
consagrados na CRP. Estes valores são, em nossa opinião, no âmbito, ao qual
nos restringimos, do ónus da prova enquanto critério de decisão nos casos de
dúvida subjetiva217, a procura da verdade «material» e o respeito pela igualdade
de oportunidades das partes para obterem uma decisão favorável no que diz
respeito à matéria de facto. Com efeito, sendo a prova do facto em causa pos-
sível, e sendo a dúvida em relação à sua ocorrência indesejável, a decisão de
ónus da prova deverá ser orientada no sentido de favorecer a «verdade mate-
rial», evitando, no fundo, a sua própria tomada, devendo ser desfavorável à
parte com maior facilidade de revelar essa verdade. Por outro lado, consis-
tindo o ónus da prova num ónus processual com um efeito de forte motiva-
ção da parte onerada no sentido da produção de prova (efeito à distância), a
decisão de ónus da prova pode e deve ser utilizada para equilibrar as possi-
bilidades das partes de obterem uma decisão baseada nos factos que as favo-
recem, devendo ser favorável à parte que, à partida, tem maior dificuldade de
provar as versões factuais que a beneficiam.
Isto suposto, podemos, desde já, afirmar que a atribuição do ónus da prova
resultante da aplicação de um critério de distribuição como o que está previsto
no art. 342.º, n.os 1 e 2 do CC não contribui para a existência de uma decisão
215
V. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição, Tomo I, pp. 439-40, para uma descrição
das consequências associadas ao favor actionis.
216
Cfr. ponto 2.2.1.
217
Cfr. ponto 3.3.2.
352
218
Cfr. ponto 3.1.
353
5.1 – Preliminares
219
Cfr. pontos 2.1, 2.3, 3.1 e 4.5.
354
220
V. os AA. referidos na n. 31.
221
Contra, afirmando que este se trata de um caso de dispensa ou liberação legal do ónus da
prova em que não relevam as regras da experiência, v. Lebre de Freitas, A Ação, pp. 208-9.
355
222
V., entre outros, Lebre de Freitas, A Ação, pp. 207-8, Pais do Amaral, Direito Processual,
p. 306, Montalvão Machado, Paulo Pimenta, O Novo Processo, p. 236, Remédio Marques,
Acção Declarativa, p. 598, Lynce de Faria, A Inversão, pp. 33 e ss., Teixeira de Sousa, As Partes,
pp. 225-6, Varela, Bezerra, Nora, Manual, p. 465.
223
Cfr., a título de exemplo, o disposto nos ss. acs.: STJ: 14/12/2006 (Pinto Hespanhol),
03/02/2009 (Helder Roque), 19/05/2010 (Vasques Dinis); TRL: 29/11/2007 (Ana Paula
Boularot), 16/03/2010 (Maria José Simões); TRP: 10/10/2011 (Soares de Oliveira); TRC:
24/01/2012 (Sílvia Pires).
356
224
V., em sentido muito próximo deste, Pires de Sousa, Prova por presunção, p. 92.
225
Refira-se que, pelas razões avançadas na n. 107, entendemos que, no que toca à presunção
de culpa na responsabilidade contratual (art. 799.º do CC), apenas nos casos responsabilização
civil por incumprimento de uma obrigação de resultado existe uma relação de verossimilhança
entre o facto base da presunção e o facto presumido, pelo que só nestes existirá uma presunção.
226
Neste sentido, v. Lynce de Faria, A Inversão, p. 62.
227
No mesmo sentido v. V., entre outros, Lebre de Freitas, A Ação, pp. 208-9, Pais do
Amaral, Direito Processual, p. 306, Montalvão Machado, Paulo Pimenta, O Novo Processo,
p. 236, Lynce de Faria, A Inversão, pp. 39 e ss., Varela, Bezerra, Nora, Manual, pp. 465-6.
357
228
Note-se que existem casos de natureza mista, com elementos próprios das presunções
e dos casos de dispensa ou liberação legal do ónus da prova, nos quais é possível identificar
tanto uma relação de verosimilhança entre o facto base e o facto presumido bem como a
intenção de atribuir o ónus da prova à parte com maior facilidade probatória. É o que ocorre,
por exemplo, no art. 98.º do CPI: de acordo com este preceito, no âmbito de um processo em
358
359
posição que lhe permite reunir os meios de prova para tal, como, por
exemplo, a gravação da chamada onde essa informação foi (ou devia ter
sido) dada (critério da proximidade e controlo dos factos e do acesso
aos meios de prova);
– a concessionária da autoestrada, por ser a entidade a quem é exigido o
cumprimento de algumas obrigações de segurança e que as deverá por
em prática, será quem melhor posicionada estará para poder demons-
trar que as cumpriu (critério da proximidade e controlo dos factos);
– o empregador, dado que controla a gestão da empresa, é quem melhor
conhece as necessidades laborais da mesma e mais facilmente poderá
provar que a contratação do trabalhador em causa se destina à satis-
fação de uma necessidade de cariz temporário.
229
V. Lynce de Faria, A Inversão, p. 60. Aparentemente no mesmo sentido se pronunciam
Varela, Bezerra, Nora, Manual, p. 458.
230
Exceção feita ao caso da presunção de comoriência, prevista no art. 68.º, n.º2 do CC, visto
que não entendemos que possa ser qualificada como uma presunção, dado que não existe
qualquer relação de verosimilhança entre o facto base da presunção (dúvida quanto ao mo-
mento da morte de cada pessoa) e o facto presumido (morte simultânea). Com efeito, o facto
de ambas terem falecido simultaneamente será mesmo a situação menos provável. Também
não deverá ser qualificada como um caso de dispensa ou liberação legal do ónus da prova
pois não se pode concluir que tenha sido orientada para onerar a parte com maior facilidade
probatória. Dentro da lógica das presunções legais, mais correto teria sido a consagração da
presunção de premoriência pois o facto de ter falecido primeiramente a pessoa mais velha já
apresenta uma solução, à partida, mais verosímil. Por isso, encaramos a presunção de como-
riência como um tipo singular de distribuição casuística do ónus da prova.
231
Cfr. o ponto 5.3.
360
232
Neste sentido se pronunciam Antunes Varela, Pires de Lima e Henrique Mesquita
(em colab.), Código Civil, Vol. I, p. 309.
233
V. ponto 3.2.2.3.
361
234
Além das referências legais apontadas, existem também algumas decisões jurisprudenciais
em que é possível encontrar exemplos nos quais a dificuldade probatória com que se confronta
a parte (inicialmente) onerada levou o decisor, a atribuir o ónus da prova à parte com maior
facilidade probatória, mas apenas quando a versão factual onerada é negativa, a qual, por
si só, não julgamos ser um indicador adequado da dificuldade probatória (cfr. ponto 3.2.3).
Disso são exemplos os acs. referidos na n. 126. Refira-se, contudo, que estes arestos justificam
o seu entendimento na afirmação feita por Vaz Serra, Provas, p. 121 de que «este critério [o
consagrado no art. 342.º do CC] faz com que o encargo da prova caiba precisamente à parte
que se encontra em melhor situação para a produzir, e, assim, constitui um estímulo para
que a prova seja produzida pela parte que mais perfeitamente pode auxiliar a descoberta da
verdade: mostra a experiência, que, em regra, quem tem a seu favor certo facto se acautela
com os meios de prova dele». Ora, apesar de, nesta passagem, Vaz Serra ter enunciado
precisamente o critério da distribuição dinâmica do ónus da prova, refere que o art. 342.º do
CC, baseado na teoria das normas, resulta na atribuição do onus probandi à parte com maior
facilidade probatória, afirmação com a qual não podemos concordar, pelas razões que se avan-
çaram na n. 135. Neste panorama, é de destacar o acórdão do TRP de 10/05/2010 (Soares de
Oliveira) que, aparentemente, aplica, por analogia, a inversão do ónus da prova, já referida
no texto, prevista para a comunicação adequada e efetiva das cláusulas contratuais gerais,
à prova da entrega do exemplar de contrato de crédito ao consumo (para efeito do disposto
no art. 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, revogado pelo Decreto-Lei n.º
133/2009, de 2 de junho que regula a mesma questão no art. 13.º, n.º1), em ambos os casos
onerando-se o financiador-predisponente por ser quem apresenta maior facilidade probatória
(para maiores desenvolvimentos a este respeito v. Jorge Carvalho e Micael Teixeira,
Crédito ao consumo, pp. 44 e ss.). Assim, esta aplicação analógica é um raciocínio que deve ser
louvado e que corresponde, embora com uma abrangência muito mais limitada, à nossa visão
do modo como se deve aplicar a distribuição dinâmica da prova no nosso ordenamento, que
se explica, de seguida, no texto.
362
235
Ao colocarmos esta questão, estamos, desde logo, a excluir a possibilidade de considerar
a distribuição dinâmica do ónus da prova como consagrada no nosso ordenamento pelo facto
de o elenco de casos de inversão do ónus da prova previsto no art. 344.º, n.º1 do CC não ser
exaustivo. Com efeito, nada na sua redação permite retirar essa conclusão, pelo que se deve
entender que se trata de um elenco exaustivo.
363
364
236
Filosofia, p. 114.
237
Introdução ao Pensamento, p. 292.
238
Metedologia, p. 555.
239
Refira-se ainda, a respeito da adequação da distribuição dinâmica, que a necessidade de,
apesar da subjetividade da análise, o julgador se ater à cláusula geral da distribuição dinâmica
(cfr. n. 197) também significa que não estará a violar o princípio da separação de poderes visto
que apenas aplicará, analogicamente, uma solução que, como se viu, já decorre da teleologia
das normas que consagram dispensas ou liberações do ónus da prova. Além disso, a existência
de alguma subjetividade na análise do caso aquando a aplicação do critério da distribuição
dinâmica é comum a qualquer decisão baseada em cláusulas gerais, sendo estas pacificamente
aceites como modelo de decisão jurídica.
365
366
exige uma valoração crítica da lei segundo a pauta da sua própria teleologia
e do preceito de tratamento igual daquilo que tem igual sentido, as consi-
derações que para o efeito hão-de fazer-se aqui conduzem já também, com
frequência, a integrar a lacuna.»240; «a restrição de uma norma pela via da
sua redução teleológica vai amiúde acompanhada da ampliação do âmbito
de aplicação de outra norma. Inversamente, a ampliação de uma norma legal
restritiva por via de analogia significa uma restrição contida na norma por ela
restringida (...). Quer dizer, neste caso analogia e redução teleológica com-
plementam-se»241.
240
Metedologia, pp. 569-70.
241
Metedologia, p. 561.
242
Refira-se que, apesar de a figura da redução teleológica não ser, em geral, admitida pela
doutrina portuguesa, a qual prefere reconduzi-la à interpretação restritiva (cfr., entre outros,
Oliveira Ascenção, O Direito, pp. 427-8, e Teixeira de Sousa, Introdução, p. 379), não é
difícil encontrar decisões judiciais que, a nosso ver de forma adequada, abertamente reco-
nhecem e aplicam um regime resultante da redução teleológica das normas em causa nessas
decisões. A título de exemplo, podemos enumerar os ss. acs.: STJ: 25/06/2008 (Carmona da
Mota), 21/12/2012 (Henriques Gaspar); TRL: 15/04/2010 (Maria Manuela Gomes); TRC:
367
14/07/2010 (Teles Pereira). Com efeito, tem todo o sentido distinguir entre os casos em
que o elemento teleológico de interpretação limita o alcance da norma a um certo conjunto
de casos e essa limitação corresponde a um dos sentidos literais possíveis (interpretação
restritiva) e os casos em que a teleologia da norma (ou de outras normas análogas ao caso, tal
como ocorre na situação descrita no texto) reduz o seu âmbito de aplicação a um conjunto
de casos que não se pode delimitar a partir da letra da norma.
243
Cfr. ponto 3.3.2.
244
Em sentido próximo do entendimento que propomos, defendendo uma «interpretação
restritiva» do 342.º do CC que só se aplicará «nos casos em que, dada a incipiência da dis-
cussão valorativa do tema, a distribuição não consiga apoiar-se solidamente em argumentos
materiais», v. Pedro Múrias, Por uma distribuição, p. 155. Por aquilo que fomos referindo
no texto e na n. 242, não encontramos qualquer forma de interpretar o dito preceito que
possa originar aquele resultado interpretativo restritivo e que ainda caiba em qualquer dos
seus sentidos literais possíveis. Com efeito, nada na letra do art. 342.º do CC aponta para a
possibilidade de o preceito se aplicar apenas aos casos em que haja «incipiência da discussão
valorativa do tema» ou, como nós entendemos, aos casos em que não haja desequilíbrio na
capacidade probatória das partes. Este resultado só poderá, a nosso ver, ser corretamente
obtido por analogia com outros preceitos legais e redução teleológica, nos termos descritos,
e não por interpretação de resultado restritivo. Avançando a possibilidade de «analogia iuris»
em casos de responsabilidade civil médica para inverter o ónus da prova da culpa, mas rejei-
tando (em nossa opinião erradamente) essa possibilidade v. Ribeiro de Faria, Da prova na
responsabilidade civil médica, pp. 284-5.
368
245
Neste sentido, v. Lynce de Faria, A Inversão, p. 66, Vaz Serra, Provas, p. 188 e Castro
Mendes, Do conceito, p. 669.
246
Apresentando esta distinção entre excecionalidade material e formal, v., entre outros,
Larenz, Metedologia, pp. 502-3, Baptista Machado, Introdução ao Direito, p. 95 e Teixeira
de Sousa, Introdução ao Direito, pp. 400-1.
369
247
Die Feststellung von Lücken im Gesetz, p. 181, apud Henrik Holzapfel e Georg Werner,
Interpreting Exceptions, p. 101 (tradução nossa).
248
Neste sentido, Teixeira de Sousa, Introdução, p. 401.
249
Cfr. supra, ponto 4.
250
V. ponto 3.2.2.
370
251
Em face desta conclusão, devemos fazer referência à intervenção oral de Maria dos
Prazeres Beleza, realizada em 29 de junho de 2012 no âmbito do Curso Luso-Brasileiro
de Direito Processual Civil, intitulada O activismo judiciário em matéria probatória e a teoria di-
nâmica da distribuição do ónus da prova (cuja transcrição escrita está disponível em https://sites.
google.com/site/ippcivil/recursos-bibliograficos/5-papers). Com efeito, nesta intervenção, além de
se fazer referência à distribuição dinâmica enquanto um dos aspetos em que se pode traduzir
a direção ativa do processo pelo juiz, tendo em vista a resolução real e eficaz do litígio (em
termos próximos dos que temos vindo a enunciar), a principal conclusão da mesma consiste
na consideração de que a distribuição dinâmica não pode ser adotada no nosso ordenamento
sem que ela esteja legalmente prevista de forma expressa. É uma conclusão com que não
podemos concordar, por tudo o que fomos referindo no texto.
371
252
Face à atual redação do referido preceito legal, julgamos que o dever de adequação formal
só pode ter esse conteúdo. No entanto, na anterior redação da norma correspondente a esta
que constava do anterior art. 265.º-A do CPC, a doutrina divergia quanto ao entendimento a
dar àquele preceito. Defendendo, à luz do anterior quadro legal, que o princípio da adequa-
ção formal só podia implicar a adoção pelo juiz de uma diferente ordenação formal dos atos
relativamente àquela que a lei previa para o caso sub judice, v. Pedro Brito, O novo princípio,
pp. 41 e ss.. Em sentido contrário, entendendo que o princípio da adequação formal implicava
já, entre outras, a possibilidade de o juiz praticar atos não constantes de qualquer tramitação
legalmente prevista, v. Remédio Marques, A Acção Declarativa, p. 213.
253
Cfr. supra o que referimos no início do ponto 4.5.
254
V. n. 197.
255
Entre os AA. que abordaram a solução da distribuição dinâmica do ónus da prova não é
consensual a circunstância de se o anúncio da repartição deste ónus segundo esta solução
deve ser feito aquando da audiência prévia ou apenas na sentença. Acerca desta discussão
cfr. Edgar Baracat, Estado Actual, pp. 279 e ss..
372
256
Cfr. o que referimos no ponto 3.2.2.
257
No caso menos provável de ser necessário apresentar ou produzir alguma prova para aferir
a ocorrência de um facto essencial na determinação da verificação de algum fator de facili-
dade probatória, então tal também deverá ocorrer na própria audiência prévia, novamente
recorrendo ao princípio da adequação formal, devendo o juiz determinar a apresentação ou a
produção de prova no despacho pré-saneador (art. 590.º do CPC). Referindo expressamente
que aquele princípio permite a modificar o conteúdo da (então chamada) audiência preliminar
no sentido de se proceder à produção de prova, nomeadamente à inquirição de testemunhas,
nessa audiência v. Pedro Brito, O novo princípio, p. 48.
258
V. n. 197.
373
259
V. ponto 4.5.
260
Concretamente no ponto 3.3.1.
374
6 – Conclusões
375
– além disso, a teoria das normas consiste num critério estático, no sen-
tido em que reparte o ónus da prova sem levar em consideração quais-
quer características de cada caso concreto;
– a distribuição dinâmica do ónus da prova apresenta-se como um cri-
tério alternativo à distribuição deste ónus segundo a referida teoria,
atribuindo-o à parte que apresente maior facilidade probatória rela-
tiva, sendo que a abordagem do problema da dificuldade de certa parte
provar um facto é corretamente realizada no âmbito da distribuição
do ónus da prova;
– a aplicação da distribuição dinâmica é facilitada pela enumeração de
alguns fatores de facilidade probatória que ajudam a identificar, em
cada caso concreto, qual é a parte com maior facilidade probatória;
– os fatores de facilidade probatória são, sem pretensão de exaustividade,
a proximidade e o controlo dos factos, os conhecimentos técnicos e o
exercício de uma atividade enquanto profissional e o acesso aos meios
de prova;
– a versão factual negativa e a (in)definição factual não devem ser con-
siderados fatores indicativos de facilidade probatória;
– a atribuição do ónus da prova segundo a distribuição dinâmica deve
ser feita à parte que deveria apresentar maior facilidade probatória em
função dos referidos fatores e o seu âmbito de aplicação restringe-se
aos casos de dúvida subjetiva;
– esta forma de repartir o onus probandi é originária da Argentina, sendo
atualmente utilizada em países como a Espanha ou o Brasil, existindo
na Alemanha uma forma de distribuir este ónus que, de forma dife-
rente, visa o mesmo objetivo;
– a distribuição dinâmica do ónus da prova fomenta a cooperação e a
procura da verdade, estimula a parte com maior facilidade probató-
ria a aproveitá-la, aumentando a probabilidade de prova dos factos e,
quando tal não acontece, estabelece uma decisão de ónus da prova
que é, com maior probabilidade, coincidente com a realidade;
– a distribuição dinâmica mostra-se conforme com o valor da promoção
da igualdade material das partes no processo, equilibrando a possibi-
lidade de as partes com distintas capacidades probatórias consegui-
rem obter uma decisão favorável;
376
377
261
Com esta afirmação não queremos negar que seria preferível que a solução da distribuição
dinâmica do ónus da prova estivesse expressamente consagrada na nossa legislação, à seme-
lhança do que aconteceu em Espanha (cfr. ponto 3.4.3) ou do que consta da proposta do novo
Código de Processo Civil Brasileiro (cfr. ponto 3.4.2). Antes desejamos afirmar que, neste
caso, como em outros, é possível chegar a uma solução mais adequada às suas particularidades
através dos chamados «métodos de desenvolvimento judicial do direito» (a expressão é de
Larenz, Metedologia, pp. 519 e ss.), sendo que, em função da necessidade de determinar uma
solução conforme com os princípios orientadores do ordenamento jurídico, essa possibilidade
constitui um dever para quem julga.
378
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384
385
Anexo
Em matérias penais262:
Factonão
Facto não provado
provado porporinsuficiência
insuficiência In dubio pro reo Facto
probatória (é mais provável não
probatória (é mais provável não ter ter provado
acontecido
acontecido do que
do que ter)ter)
Ponto de ignorância (decisão de ónus da
Ponto de ignorância
prova, de acordo com a presunção de
inocência)
Facto não provado por insuficiência Facto provado (é mais provável ter
probatória (é mais provável não ter acontecido do que não ter)
acontecido do que ter)
Ponto de ignorância (decisão
de ónus da prova)
Facto provado (é mais provável ter
(decisão
262
Refira-se, contudo, que nem todas as decisões tomadas no decurso de um processo penal
implicam uma medida da prova tão elevada, dado que nem todas têm o efeito de aplicar de
forma definitiva uma sanção. É o que acontece, por exemplo, com as decisões de aplicação
de medidas de coação de menor gravidade, como o termo de identidade e residência ou a
obrigação de apresentação periódica.
386