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Colecção Estudos

Instituto do Conhecimento AB
N.º 2

2014

Rui Paulo Rodrigues Santos


Abílio Manuel Silva Rodrigues
Manuel José Alves de Sá Martins
Micael Martins Teixeira

INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB

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COLECÇÃO ESTUDOS N.º 2
INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB
autores
Rui Paulo Rodrigues Santos / Abílio Manuel Silva Rodrigues
Manuel José Alves de Sá Martins / Micael Martins Teixeira

editor
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EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
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, 2014

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Por uma distribuição dinâmica do ónus da prova

MICAEL MARTINS TEIXEIRA


Aprovada na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (Ciências Jurídico-Foren-
ses), Novembro de 2012
Orientador: Professora Doutora Mariana França Gouveia

Apresentação

O presente texto corresponde essencialmente ao apresentado, em julho de


2012, na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa como disser-
tação de mestrado, tendo-se aproveitado para atualizar as referências legais e
a bibliografia assim como para fazer alterações pontuais que, julgo, clarificam
a redação e a exposição das ideias. As provas públicas decorreram perante um
júri constituído pelo Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia (presidente),
pela Professora Doutora Isabel Alexandre (arguente) e pela Professora Dou-
tora Mariana França Gouveia (orientadora). A todos devo e deixo um pro-
fundo agradecimento pelos respetivos encargos com a minha dissertação.
O mesmo agradecimento é devido a todos aqueles que, de forma diferente
mas não menos decisiva, contribuíram para que este trabalho chegasse ao fim:
por todos os bons conselhos, incentivos e críticas que tive a sorte de receber
de todos os bons amigos que tenho a sorte de ter, muito obrigado.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

Modo de citar e outras convenções

As citações de bibliografia das notas de pé de página são feitas pela indica-


ção do(s) nome(s) abreviado(s), do início do título da obra, do volume (caso
exista) e da(s) página(s) relevante(s);
Na bibliografia, constam todos os elementos das obras consultadas, estando
ordenadas por ordem alfabética do último apelido do A. ou, no caso de AA.
espanhóis, do penúltimo apelido;
A jurisprudência é citada pela indicação abreviada do nome do tribunal,
da data do ac. e do seu relator;
O texto foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Abreviaturas

A. Autor
AA. Autores
ac. Acórdão
acs. Acórdãos
al. Alínea
art. Artigo
arts. Artigos
BMJ Boletim Ministério da Justiça
CC Código Civil
cfr. Confrontar
CJ Colectânea de Jurisprudência
CPC Código de Processo Civil
CP Código Penal
CPI Código da Propriedade Industrial
CPub Código da Publicidade
CPP Código de Processo Penal
CRP Constituição da República Portuguesa
EMJ Estatuto dos Magistrados Judiciais
ICANN Internet Corporation for Assigned Names and Numbers
n. Nota de pé de página
nn. Notas de pé de página
p. Página
pp. Páginas
TC Tribunal Constitucional
TRC Tribunal da Relação de Coimbra
TRE Tribunal da Relação de Évora
TRG Tribunal da Relação de Guimarães
TRL Tribunal da Relação de Lisboa
TRP Tribunal da Relação do Porto
ss. Seguintes
STJ Supremo Tribunal de Justiça
v. Vide
Vol. Volume

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

1 – Introdução

O problema da distribuição do ónus da prova continua a ser um assunto muito


confuso e desordenado, em que faltam critérios claros. Cremos mesmo que
esta é uma questão em que, por vezes, nós, os juristas, falamos do que sabe-
mos mas não sabemos bem do que falamos1. Falamos do que sabemos ao
utilizarmos os critérios legalmente previstos, e a respetiva fundamentação
doutrinal, para a distribuição deste ónus de forma mais ou menos acrítica,
tendo em vista justificar uma decisão que se considera justa ou apenas jus-
tificar uma decisão, por injusta que seja. Não sabemos bem do que falamos
porque frequentemente não nos preocupamos em questionar e avaliar aque-
les critérios à luz dos valores e dos princípios envolvidos, procurando obter
uma visão mais abrangente do problema e, eventualmente, conseguir chegar
a uma decisão mais adequada às circunstâncias de cada caso.
Este trabalho constitui, assim, uma tentativa de encarar o problema da
distribuição do ónus da prova sob a perspetiva dos valores a ela associados,
procurando questionar o que tem sido dito a este respeito e, essencialmente,
propor, no âmbito do ordenamento jurídico vigente, um critério alternativo
de repartição do onus probandi que possa ser mais apropriado, aproveitando a
experiência de outros ordenamentos neste domínio. Esforçar-nos-emos, por-
tanto, por responder justificadamente à seguinte pergunta: «De que forma é
possível repartir o ónus da prova de forma mais equitativa?».
Não é nosso objetivo abordar todas as questões suscitadas pela figura do
ónus da prova, centrando-se o objeto deste trabalho na questão da sua dis-
tribuição. Sempre que se explorarem outros assuntos será essa abordagem
instrumental relativamente àquele objeto. Além disso, teremos sempre por
base, na nossa análise, o regime processual-civil atualmente vigente e todos
os exemplos avançados são relativos a matérias de direito privado2.

1
Confirma-se aqui, portanto, a provocação deixada por Christian Atias, Épistémologie,
p. 29: «Pour les juristes aussi, la question se pose: savent-ils de quoi ils parlent ou parlent-ils de ce qu’ils
savent?».
2
Com isto não pretendemos, à partida, excluir que as conclusões deste trabalho se apliquem
a matérias de direito público. Apenas não tratamos desse assunto.

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Desejamos, no fundo, deixar aqui um contributo para que as decisões


judiciais baseadas no pressuposto, bastante comum, de haver dúvida sobre a
ocorrência dos factos possam ser orientadas por razões de Justiça material.

2 – O problema do ónus da prova e da sua distribuição

2.1 – O fundamento de um ónus da prova

A pandectística ou jurisprudência dos conceitos, escola de pensamento jurídico


originária da Alemanha do século XIX, foi profundamente marcante não
só na produção doutrinária e legislativa da época, mas também em toda a
dogmática jurídica que se lhe seguiu, sendo que, ainda hoje, se fazem sentir
os ensinamentos daquela escola de pensamento3. Um desses ensinamentos
implica que o ordenamento jurídico seja visto como um sistema completo,
no sentido em que a regulação jurídico-normativa deveria abranger qualquer
realidade que devesse ser juridicamente regulada. Esta ideia tornou-se exe-
quível, face à inevitável impossibilidade de regular todos os casos juridica-
mente relevantes, através do entendimento de que o Direito constituía um
conjunto de conceitos ou ideias juridicamente tuteladas, manifestadas em
soluções normativas concretas, que, ao contrário dos preceitos legais, teriam
a potencialidade de abrangerem a totalidade dos casos juridicamente rele-
vantes. Assim, a título de exemplo, mesmo que certa norma se aplicasse lite-
ralmente apenas ao caso A, a solução nela consagrada poderia ser estendida
ao caso B, que não era expressamente previsto em qualquer norma, se neste
também se verificassem as razões justificativas da aplicação da solução nor-
mativa ao caso A. É, portanto, por exemplo com base em argumentos de simi-
litude ou de maioria de razão que o Direito assumia uma força expansiva que
lhe conferiu a capacidade de ser um sistema completo4.
Uma das implicações daquela completude consiste na chamada proibição
do non liquet, ou seja, a proibição de o julgador nada decidir em resultado de,
supostamente, não existir Direito aplicável ao caso sub judice. Esta imposição
é válida não apenas para os casos em que não existe uma norma legal que se

3
A propósito desta escola de pensamento cfr. Hespanha, Cultura Jurídica, pp. 391 e ss.,
Kaufmann, Filosofia, pp. 42 e ss. e Wieacker, História do Direito, pp. 397 e ss..
4
Cfr. Hespanha, O Caleidoscópio, pp. 700 e ss..

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

aplique claramente aos factos, mas também para os casos em que a ocorrên-
cia dos factos não é clara, pelo que, também nestes, será possível encontrar
o respectivo enquadramento legal. Surgiu então a necessidade de, partindo
dos conceitos que o Direito já consagrava, determinar qual o Direito aplicá-
vel às situações de incerteza factual, respeitando-se, deste modo, a obrigato-
riedade de decidir.
Foi assim que, neste contexto, surgiu a chamada teoria das normas, for-
mulada pelo jurista alemão Leo Rosenberg5. Segundo a referida teoria, era
necessário, em primeiro lugar, atentar nas normas cuja aplicação está em
causa e determinar a quem beneficiam essas normas: se àquele que pretende
exercer um direito subjetivo, caso em que teremos uma «norma de base», se
ao outro que pretende obstar ao exercício desse direito pelo primeiro, caso
em que teremos uma «contranorma». As «normas de base» contêm, portanto,
os factos constitutivos do direito que atribuem, enquanto que as «contranor-
mas» contêm os factos extintivos, impeditivos e modificativos relativamente
ao direito atribuído pela respectiva norma «norma de base»6.
Identificadas as normas que favorecem quem deseja exercer o direito e as
que favorecem quem visa obstar a esse exercício, que correspondem àquelas
que beneficiam (exceptuando as ações de simples apreciação negativa) o autor
e o réu, respectivamente, haverá de reconhecer quais os factos que constam
da previsão de cada uma dessas normas. Chegados a este ponto, Rosenberg
faz o seguinte raciocínio: se certa norma favorece determinada pessoa e se
essa norma prevê a ocorrência de alguns factos, deverá ser essa pessoa a ter
de provar os factos previstos nessa norma. Deste modo, a verificação dos ele-
mentos das previsões das normas constituem pressupostos da sua aplicação,
não podendo o juiz aplicá-las não só quando considere demonstrada a não
ocorrência desses elementos, mas também quando não considere demons-
trada a sua ocorrência, ou seja, quando haja incerteza relativamente à sua veri-

5
Este A. formulou aquela teoria na obra Die Beweislast, editada pela primeira vez em 1900
e cuja última edição data de 1952; existe também uma tradução argentina datada de 1956,
cuja segunda edição data de 2002, sendo esta a obra que citaremos em todas as referencias
futuras a Rosenberg. Quanto ao entendimento deste A. como um positivista-legalista veja-se
v.g. Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 58 e 149, n. 126.
6
Para uma boa panorâmica do surgimento e do funcionamento da teoria das normas v. Pedro
Múrias, Por uma distribuição, pp. 43 e ss..

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

ficação. Por conseguinte, atribui-se o ónus da prova dos factos previstos nas
várias normas partindo de conceitos já estabelecidos (ainda que não tenham
sido previamente identificados de forma clara) no ordenamento jurídico: o
de normas atribuidoras de direitos («normas de base») e o de normas oposi-
tivas aos direitos («contranormas»).

De tudo o que se disse, podemos concluir que foi no âmbito do legalismo,


nomeadamente na sua vertente conceitualista, que surgiu a necessidade de
decidir na incerteza tal como a conhecemos hoje7, atribuindo a certa parte o
ónus da prova de determinados factos e, dentro da mesma escola de pensa-
mento, surgiu também a forma de suprir essa necessidade com a construção
doutrinária da teoria das normas.
Contudo, atualmente, a necessidade de decidir na incerteza, apesar de se
manter, ganhou novos contornos, sendo esta novidade compreensível dado
que o legalismo já não é uma doutrina dominante na cultura jurídica contem-
porânea8. De facto, no âmbito do nosso ordenamento jurídico atual, aquela
obrigação de decidir mesmo em caso de dúvida pode encontrar-se consa-
grada em várias disposições legais, embora nem sempre essa consagração seja
igualmente explícita. Assim, baseando-nos no elenco avançado por Lynce de

7
Com efeito, o legalismo surgiu no seguimento das revoluções liberais do século XIX (em-
bora tivesse aproveitado as contribuições culturais do chamado jusracionalismo setecentista:
cfr. Hespanha, Cultura Jurídica, pp. 376 e ss.), as quais se seguiram à idade média, período
em que a prova tarifada (cuja origem remonta ao direito germânico) era a regra e nesta não
se coloca o problema de haver dúvida em relação à ocorrência dos factos (cfr. n. 22), pelo
que não havia necessidade de estabelecer qualquer género de critério de decisão na dúvida,
não existindo qualquer ónus da prova. Foi, portanto, com o advento das revoluções liberais
e, nomeadamente, com o surgimento do tribunal de júri (manifestação no âmbito do poder
judicial da necessidade de democratização que emergia na época) e a consequente necessidade
de abolir a prova tarifada (visto que os jurados desconheciam as suas regras) que surgiu a
livre apreciação da prova e a dúvida na sua apreciação (a este respeito veja-se Álvaro Paúl,
Sana Crítica, pp. 6 e ss. e Alberto Bovino, A Atividade Probatória, pp. 74 e ss.). Assim, dado
o entendimento que o direito era um sistema normativo completo, que se explica no texto,
surgiu o conceito de ónus da prova como critério de decisão na dúvida.
8
Para um panorama das razões do desvanecimento do legalismo e das escolas de pensamento
jurídico que se lhe seguiram cfr. Hespanha, Cultura Jurídica, pp. 402 e ss., e Wieacker, Histó-
ria do Direito, pp. 654 e ss.. Para uma crítica concisa e imaginativa aos dogmas do positivismo
veja-se Pedro Múrias, O Direito no Pacífico Sul.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

Faria9, podemos enumerar como normas que consagram explicitamente que


a incerteza não pode implicar a não decisão por parte do julgador o art. 8.º,
n.º1 do CC, o art. 2.º, n.º1 do CPC, o art. 3.º, n.º2 do EMJ, o art. 369.º do CP
(crime de denegação de justiça) e todas as normas legais que regulem a dis-
tribuição do ónus da prova prevendo expressamente a sua inversão. Prevendo
o mesmo aspeto de forma menos explícita, podemos apontar o art. 202.º, n.º2
da CRP que, ao referir que a função jurisdicional de administração da justiça
envolve, entre outras dimensões, a incumbência de os tribunais dirimirem «...
os conflitos de interesses públicos e privados» sem admitir quaisquer exceções,
encerra a consequência de que esse encargo dos tribunais subsista mesmo
quando se verifique incerteza relativamente aos factos discutidos em juízo10 /11.

2.2 – O conceito de ónus da prova

2.2.1 – Ónus objectivo e ónus subjetivo

Vista a justificação da existência de um ónus da prova, vejamos agora em que


consiste este conceito.
De uma forma geral, têm sido apontadas duas aceções distintas para o
ónus da prova. Deste modo, no seu sentido subjetivo (também designado de
ónus de produção de prova), o onus probandi consiste no encargo de a parte
onerada (e apenas esta) provar a ocorrência de determinado facto para que a
decisão lhe seja favorável, pelo que a eventual prova apresentada pela parte
contrária (parte privilegiada) que demonstre o mesmo facto (que lhe é des-
favorável) é irrelevante. Esta aceção pressupõe, portanto, que qualquer pro-
dução de prova por iniciativa oficiosa do juiz não seja admitida.
Por outro lado, no seu sentido objectivo, o ónus da prova é apenas um cri-
tério de decisão na incerteza, não existindo propriamente um encargo de
que certa parte demonstre a ocorrência dos factos para que a decisão lhe seja

9
V. Lynce de Faria, A Inversão, p.15.
10
Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição, Tomo III, pp. 18 e ss.. e Gomes Cano-
tilho e Vital Moreira, Constituição, Vol. II, pp. 509 e ss..
11
Para um aprofundado panorama da necessidade de decidir na incerteza e da decisão de ónus
da prova já não sob uma perspetiva fechada no discurso jurídico mas centrada no respectivo
fundamento lógico e axiológico, veja-se Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 60 e ss..

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

necessariamente favorável. Efetivamente, esta acepção tem subjacente que a


prova dos acontecimentos de que depende a favorabilidade da decisão para
certa parte pode ser feita por esta, pela contrária ou mesmo por iniciativa ofi-
ciosa do juiz. Por isso, a designação de ónus é imprópria, pois designa ape-
nas o encargo de produzir a prova de modo a evitar o risco de ocorrer (e não
a efetiva ocorrência de) uma decisão desfavorável, ou seja, o risco (de resto,
elevado) de não produção de prova porque da atividade probatória da parte
contrária ou do juiz não resultou a prova dos factos que beneficiam a outra
parte. Como tal, neste sentido de «ónus» da prova não será correto falar em
partes mas antes em versões12 dos factos oneradas e privilegiadas. Em suma:
o ónus da prova objectivo consiste na prescrição de que a incerteza relativa
à ocorrência de certo facto deve ser decidida como se13 a respectiva versão
privilegiada tivesse ocorrido, ou seja, contra14 a parte beneficiada pela ver-
são onerada.
No enquadramento processual-civil português, não é dada qualquer rele-
vância ao ónus da prova subjetivo, essencialmente devido ao facto de que nele
se encontra consagrado o chamado princípio da aquisição processual15 (art.
413.º do CPC), segundo o qual, em termos gerais, é irrelevante, para efei-
tos da formação da convicção do juiz, que a atividade probatória seja levada
a cabo por qualquer uma das partes ou mesmo oficiosamente (cfr. art. 411.º
do CPC): em qualquer caso pode o juiz apreciar as provas apresentadas para
considerar provados ou não provados os factos alegados por qualquer uma

12
Efetivamente, para cada facto existem, em abstrato, duas versões: a de que ocorreu e a de
que não ocorreu. A determinação de qual delas é a onerada e a privilegiada é feita de acordo
com a distribuição do ónus da prova.
13
Cfr. n. 11.
14
Esta expressão deve ser entendida do seguinte modo: se A tem o ónus da prova de que X
ocorreu (sendo esta a versão onerada dos factos) e se for incerto que X tenha ocorrido, deve
o juiz decidir como se X não tivesse ocorrido (sendo esta a versão privilegiada dos factos);
se A tem o ónus da prova de que Y não ocorreu (versão onerada) e se for incerto que Y tenha
ocorrido, deve o juiz decidir como se Y tivesse ocorrido (versão privilegiada). Com efeito, no
primeiro caso, X é um facto cuja ocorrência aproveita a A e, no segundo, Y é um facto cuja
ocorrência prejudica A, sendo estes os sentidos em que se pode dizer que existe risco relativo
à não produção de prova de X ou de Y.
15
Acerca deste princípio, cfr. Freitas, Machado, Pinto, Código de Processo, Volume 2.º,
pp. 431 e ss., Castro Mendes, Do Conceito, p. 167, Montalvão Machado e Paulo Pimenta,
O Novo Processo, p. 33 e João Baptista, Processo Civil, p. 428.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

das partes16. Como tal, será apenas na sua acepção objectiva que nos iremos
referir ao ónus da prova.
Contudo, não obstante a relevância da distinção, ela não deve ser exage-
rada. De facto, a parte a quem aproveita a versão onerada terá um forte estí-
mulo para produzir a prova dessa versão, pelo que, na prática, será muito
frequentemente essa parte, caso seja capaz de o fazer, a provar aquela versão
factual17: a este de estímulo à produção de prova poderemos chamar de efeito
à distância do ónus da prova, por oposição ao seu efeito mais «próximo» de
determinação da parte que suporta o risco de ser alvo de uma decisão des-
favorável em caso de dúvida. Por este motivo, não será ainda completamente
desadequado falar também em partes oneradas ao invés de, apenas, versões
oneradas. Por estas razões, usaremos ambas as expressões ao longo deste tra-
balho.

2.2.2 – Ónus da prova e medida da prova

2.2.2.1 – Preliminares

Ainda relativamente àquele conceito, tendo em vista uma melhor delimitação


do mesmo, iremos distingui-lo de outro com o qual está intimamente ligado:
o de medida da prova.
Do que dissemos anteriormente, resulta já que a incerteza do julgador
perante a ocorrência de certo facto é um pressuposto da decisão baseada nas
regras relativas à distribuição do ónus da prova. No entanto, para uma melhor
compreensão desta afirmação, torna-se necessário encontrar algum critério
que permita identificar em que casos estará o juiz numa situação de incer-

16
Apesar da irrelevância do sujeito processual que produz a prova, já não será sempre ir-
relevante a parte que alega os factos que delimitam o objecto da prova: a não indiferença
relativamente a este aspeto surgirá sempre que a lei substantiva restrinja a certas pessoas a
invocação de certos direitos ou de formas de obstar ao exercício de direitos com os corres-
pondentes factos constitutivos. Este aspeto encontra-se ressalvado no artg. 413.º, in fine do
CPC. Assim, o princípio da aquisição processual é restrito à produção de prova, funcionando
após o objecto desta ter sido delimitado pelas alegações de factos das partes.
17
Neste sentido, v. Oliveira Yoshikawa, Considerações sobre a teoria dinâmica, pp. 120-1.
Reconhecendo este efeito da atribuição do ónus da prova v. ac. do STJ de 05/10/2005 (Fer-
nandes Magalhães).

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

teza tal que, para decidir, deva recorrer às regras da distribuição do ónus da
prova. Para encontrar esse critério devemos focarmo-nos na apreciação que o
juiz faz das provas que tem ao seu dispor e procurar analisar o resultado dessa
apreciação, ou seja, o convencimento com que o juiz ficou da ocorrência ou
não ocorrência dos factos cujas provas visam demonstrar. Essa convicção só
muito raramente será absoluta, no sentido em que o juiz, na maior parte das
vezes, não terá a certeza absoluta de que certo facto ocorreu ou não. Portanto,
será razoável graduar essa (in)certeza18. Para tal, imaginemos que os referi-
dos casos raros em que o juiz está absolutamente convicto de que certo facto
ocorreu ou não ocorreu correspondem, respectivamente, aos pontos extre-
mos de 0% e de 100% de uma linha que meça o grau de convicção do juiz
(a que também poderemos chamar a medida da prova), correspondendo todos
os outros pontos intermédios às várias graduações que possam caracterizar a
sua convicção. Nessa linha, o ponto intermédio, correspondente a uma con-

18
A graduação da convicção do juiz (medida da prova) relativamente à ocorrência de certo
facto é uma atitude comum na doutrina e na jurisprudência dos ordenamentos de common
law, que tem por base uma (aparentemente) diferente concepção de medida da prova em
comparação com a compreensão do mesmo conceito que é típica nos ordenamentos de civil
law. Com efeito, nos primeiros, é comum haver uma abordagem mais objectiva da medida da
prova, centrada na probabilidade de ocorrência de um certo facto, tendo em conta as provas
apreciadas pelo juiz. Nos segundos, é frequente uma perspectiva mais subjetiva do mesmo
conceito, focada na chamada livre e íntima convicção do julgador relativamente à ocorrência
dos factos. Em relação a esta questão, com referências legais, doutrinais e jurisprudenciais
que atestam aquela divergência, cfr. Brinkmann, The Synthesis, pp. 876 e ss. e Christoph
Engel, Preponderance of the Evidence, pp. 4 e ss.. No entanto, este desacordo revela posições
que, em vez de contrárias, são complementares e, em conjunto, revelam uma imagem mais
completa da mesma realidade. Com efeito, a determinação da probabilidade de ocorrência
de certo facto só poderá acontecer no âmbito da apreciação judicial das provas que, não
devendo ser arbitrária, não pode deixar de conter uma grande dose de subjetividade. Neste
sentido, apontando como justificação para aquela aparente divergência o sistema de decisão
dos factos através de júri, que é a regra nos ordenamentos de common law e a exceção nos de
civil law, Brinkmann, The Synthesis, pp. 881 e ss.. No entanto, adotámos no texto a abordagem
da graduação da prova dado que, ao ser mais centrada no resultado da apreciação probatória,
julgamos ser mais sugestiva para a fixação e para a exposição dos níveis mínimos de convicção
necessários para dar certo facto como provado (cfr. próximos parágrafos do texto), não se
limitando a uma referência praticamente vazia ao modo (livre) de apreciação da prova. De
referir que os Princípios UNIDROIT de Processo Civil Transnacional acolhem a perspetiva
da graduação da prova (cfr. ponto 21.2 dos referidos Princípios). Contudo, existem também
AA. que pensam não ser possível graduar a (in)certeza resultante da apreciação da prova, tais
como Castro Mendes, Do Conceito, pp. 318 e ss. e Carratta, Funzione dimostrativa, pp. 91 e ss..

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

vicção de 50%, implica um grau de convicção absolutamente intermédio em


que a certeza de que o facto ocorreu é igual à certeza de que esse mesmo facto
não ocorreu. Chamar-lhe-emos o ponto de ignorância. Será desse ponto que
o juiz, antes de iniciar a apreciação da prova, irá partir, dado que nessa altura
ignora a efetiva ocorrência dos factos alegados pelas partes. No entanto, pode
acontecer que, após ter apreciado as provas apresentadas, o juiz continue nesse
ponto, porque a prova a que teve acesso não foi suficiente para o convencer
da ocorrência ou não ocorrência do facto probando.
Será pois apenas no caso de o julgador, após ter apreciado a prova, con-
tinuar no ponto de ignorância, que deverá aplicar as regras que atribuem o
ónus da prova a certa parte, decidindo em conformidade com elas19.

Do que se acabou de afirmar, resulta, a contrario sensu, o seguinte: sempre


que o juiz se convença, ainda que minimamente, de que certo facto ocorreu
ou não ocorreu, não deverá já decidir com base nas regras que repartem o
ónus. Mas a partir de que grau de convencimento (ou de que medida da prova)
deverá o julgador decidir-se pela ocorrência ou não ocorrência do facto de
que se convenceu? E como deverá ele avaliar o grau de convencimento a que
chegou após ter apreciado a prova20?
A resposta a estas perguntas implica que abordemos a forma como o juiz
deve apreciar as provas, bem como o elenco das várias medidas da prova que
podem ser consideradas como suficientes para que o juiz, após tê-las apre-
ciado, considere provado certo facto. É o que faremos.

2.2.2.2 – A apreciação da prova

Apesar de não existir, no âmbito do processo civil, uma disposição exata-


mente equivalente ao art. 127.º do CPP, a doutrina21 é unânime em considerar

19
Note-se que as provas a que o juiz teve acesso podem não resultar apenas da atividade
probatória levada a cabo pelas partes, mas também da realização de diligências probatórias por
iniciativa do juiz (art. 411.º do CPC, que consagra o princípio do inquisitório), relativamente
às quais é devida, não só pelas partes mas também por terceiros, a necessária colaboração
para a descoberta da verdade dos factos em causa (arts. 7.º e 417.º do CPC).
20
A respeito destas interrogações cfr. Castro Mendes, Do Conceito, pp. 317 e ss..
21
V. n. 30. Note-se, contudo, que o atual CPC consagra, no art. 607.º, n.º5, a propósito da
fundamentação da sentença, a prescrição de que o juiz deve analisar «criticamente as provas»

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

(embora não referindo aquele preceito do CPP) que o conteúdo do mesmo


se aplica ao processo civil: exceptuando os casos em que a lei dispõe diferen-
temente (que no processo civil correspondem aos casos de prova tarifada22),
o juiz deve apreciar as provas dentro da sua livre convicção23, mas sempre de
acordo com as regras da experiência24.
Sem prejuízo da circunstância de que o conceito de regras da experiência
só pode ser efetivamente concretizado perante cada caso concreto, tal não nos
impede, contudo, de tentar avançar uma definição genérica deste conceito que
poderá ser útil aquando do seu preenchimento casuístico. Assim, em função
dos factos que são diretamente apurados através da prova que foi produzida e
apreciada, a que a doutrina tem designado de factos instrumentais25, poderá

e extrair «dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Assim, este preceito contém já uma referência às regras da experiência bem como ao caráter
indireto da atividade probatória, que adiante se explica no texto.
22
É importante esclarecer que, como o ónus da prova só se torna relevante nos casos de
dúvida, só poderá ocorrer uma decisão baseada na distribuição do ónus nos casos em que
essa dúvida seja relevante, ou seja, naqueles em que os meios de prova estão sujeitos à livre
apreciação pelo julgador (cfr., entre outros, os arts. 357.º, n.º2, 358.º, n.os3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º,
n.º1, in fine, 389.º, 391.º, ou 396.º, todos do CC). Pelo contrário, sempre que o valor probatório
de um meio de prova esteja fixado na lei (prova tarifada) e se verifiquem as condições para a
sua aplicação ao meio de prova que seja apresentado (pense-se, por exemplo, que um docu-
mento particular que contenha declarações de vontade das quais decorra a celebração de um
contrato, relativamente às quais não tenha sido feita prova do contrário, tem força probatória
plena, tal como decorre dos arts. 347.º e 376.º, n.º1 do CC), então o facto demonstrado por
esse meio tem de ser dado como provado pelo juiz, pelo que a sua livre apreciação, e eventual
dúvida, acerca da ocorrência do facto será irrelevante, não havendo lugar a uma decisão de
ónus da prova. Acerca deste assunto veja-se, por exemplo, Lebre de Freitas, A Ação, pp. 213-4.
23
Em relação à livre apreciação da prova, esta encontra-se genericamente prevista no
art. 607.º, n.º5 do CPC. Além disso, o CPC reitera a sujeição à livre apreciação nalguns casos
concretos: 417.º, n.º2, 455.º e 489.º.
24
Para uma definição doutrinal do conceito de regras da experiência v., entre outros, Jauer-
nig, Direito Processual, p. 269 e Pires de Sousa, Prova por Presunção, pp. 75 e ss..
25
Dentro da categoria dos factos instrumentais podem-se distinguir os factos acessórios e
os probatórios. Os primeiros consistem em factos que demonstram a ocorrência dos factos
principais, enquanto que os segundos atestam a verosimilhança daquela demonstração. Por
exemplo: a declaração de uma testemunha (facto acessório) que atesta que ocorreu certo facto
principal torna-se verosímil pelo facto de ela ser coerente em si ou quando confrontada com
as declarações de outras testemunhas (facto probatório). A propósito destes conceitos v., por
exemplo, Lebre de Freitas, Introdução, pp. 172 e ss., Castro Mendes, Do Conceito, pp. 178 e
ss.. Assim, sendo os factos principais necessariamente factos passados (efetivamente, mesmo
quando está em causa a obtenção, em juízo, de um efeito que pressuponha uma projeção fu-

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ser possível inferir26 outros factos, os chamados factos principais da causa27,


que se apresentam como sendo os que mais provavelmente teriam ocorrido
naquelas circunstâncias. Aquela inferência processa-se do seguinte modo: o
juiz, ao ser confrontado com factos probatórios e com factos acessórios28, irá
utilizar conhecimentos da experiência de vida, da lógica, da regularidade ou
normalidade29 dos acontecimentos, que têm sido designados por regras da

tura, tal como ocorre, por exemplo, na atribuição de indemnização em forma de renda, essa
projeção tem sempre de ser baseada em acontecimentos passados, que constituem os factos
probandos), pensamos que o julgador apenas poderá, no âmbito do processo, ter acesso aos
factos instrumentais que demonstrem a ocorrência dos principais, nunca podendo aceder a
estes diretamente. Não concordamos pois com Lebre de Freitas, Introdução, pp. 173, n. 51
que admite a possibilidade de o juiz aceder diretamente a factos principais e que aponta como
exemplo de um facto principal que pode ser objecto de prova direta (e ao qual, portanto, o
juiz pode aceder diretamente) a verificação, por inspeção judicial, de que certo prédio urbano
seria menor do que o acordado para efeito de anular, por erro, a promessa de compra e venda
do mesmo: na verdade, pensamos que o facto principal numa ação em que se peça a anulação
de um contrato por erro, além daquele de que decorra a essencialidade do elemento sobre
que incide o erro, é o facto de que decorre a divergência entre a vontade real e a declarada,
sendo que esse facto terá de consistir nalguma circunstância que implique que o declarante
formou a sua vontade declarada de forma não correspondente com a realidade (por exemplo
porque visitou o prédio em fase de obras, o que fez com que não se apercebesse devidamente
do seu tamanho), circunstância essa que será necessariamente pertencente ao passado e a que
o juiz não poderá aceder diretamente, não sendo possível provar aquela divergência apenas
pela constatação do tamanho do prédio. Com efeito, tal como se explica adiante no texto,
julgamos que toda a prova é indireta, embora em diferentes graus.
26
Não concordamos pois com os AA. (cfr., entre outros, Varela, Bezerra, Nora, Manu-
al de processo, p. 500 e Lebre de Freitas, Introdução, p. 173, Rui Rangel, O ónus da prova,
p. 226) que consideram estar em causa um raciocínio dedutivo, dado que pensamos estarem
envolvidos neste processo apenas raciocínios do tipo indutivo e abdutivo, pelas razões que
apontamos na n. 33.
27
A alegação e prova dos factos principais é essencial à procedência das pretensões formu-
ladas pelo autor (integrando, neste caso, a causa de pedir) ou das exceções aduzidas pelo réu
(art. 5.º, n.º1 do CPC), sendo que aqueles constam, respetivamente, das previsões das «normas
de base» e das «contranormas». No primeiro caso, estão em causa factos constitutivos e, no
segundo, factos impeditivos ou extintivos do direito do autor (cfr. ponto 2.3). Assim, tal como
se prenuncia no texto, consideramos que as provas apenas podem veicular factos probatórios
e nunca factos principais, consideração essa que se explica mais adiante.
28
Cfr. n. 25.
29
Apesar de alguns AA. defenderem que a normalidade pode, em certas situações, ser utilizada
como um critério de distribuição do ónus da prova (cfr. n. 61), pensamos que esta deve ser conside-
rada como um elemento relevante apenas no âmbito da apreciação da prova. Com efeito, julgamos
que a normalidade ou anormalidade é um fator que revela a maior ou menor probabilidade de

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experiência30, para que, atendendo aos factos acessórios que aprecia no caso
concreto, lhe seja possível inferir os factos principais com base nos factos
probatórios. Por exemplo: perante o facto de que a testemunha estava num
local muito próximo do acontecimento em causa (facto probatório provado,
por exemplo, através de uma fotografia), dado que o depoimento da testemu-
nha indica a ocorrência do facto principal (facto acessório), é uma regra da
experiência, que resulta da normalidade das coisas, que quem se encontra
perto dos acontecimentos tem uma melhor percepção deles, pelo que será
adequado, à partida, inferir do depoimento da testemunha o facto principal.
Aquela operação de inferência pode também ser encarada como uma pre-
sunção que se baseia no elevado grau de verosimilhança, em virtude das regras
da experiência, entre os factos demonstrados pelas provas (factos instrumen-
tais) e os factos inferidos a partir daqueles (factos principais). Efetivamente,
as presunções que a lei consagra em várias normas do nosso ordenamento são
justificadas pela elevada probabilidade de, demonstrado o facto base da pre-
sunção, o facto presumido ter ocorrido também31. No âmbito da apreciação da

ocorrência de certo facto, devendo, assim, ser levado em conta no âmbito da medida da prova
de modo a que se possa decidir pela demonstração ou não demonstração dos factos. Como tal,
este fator não deve relevar na determinação da parte que deve correr o risco da não verificação
daqueles, tanto que julgamos que esta questão deve ser resolvida com base em elementos de
diferente natureza, nomeadamente a facilidade relativa de produzir a prova (cfr. ponto 3).
30
Refira-se que relativamente ao conceito de regras da experiência, apesar de a sua inde-
terminação em abstrato implicar um inevitável grau de subjetividade no seu preenchimento
casuístico, não se trata de um conceito que deva poder ser discricionariamente preenchido.
De facto, ultrapassado o entendimento discricionário da apreciação da prova (que vigorou
no período imediatamente posterior às revoluções liberais novecentistas (cfr. n. 7) e que se
pode encontrar, por exemplo, em José Dias Ferreira, Novíssima Reforma, p. 262, ao afirmar
que o julgador podia decidir «com as provas, sem as provas e contra as provas, visto que o
elemento determinativo da sua decisão é unicamente a sua consciência»), a apreciação da
prova segundo as regras da experiência deve ser feita sempre em termos lógicos e razoáveis,
de acordo os factos acessórios e probatórios que as provas sugerem e nunca «contra» elas.
Com efeito, o cumprimento desta prescrição é sindicável em sede de recurso de apelação,
tal como decorre do n.º1 do art. 662.º do CPC. Esta questão é, atualmente, alvo de consenso
doutrinal: cfr., entre outros, Castro Mendes, Do Conceito, pp. 177 e ss., Aroso Linhares,
Regras de Experiência e liberdade objectiva, pp. 70 e ss., Teixeira de Sousa, As partes, pp. 236 e
ss. e A livre apreciação da prova, pp. 115 e ss. e Lebre de Freitas, Introdução, pp. 196-7.
31
V., neste sentido, Lebre de Freitas, A Ação, pp. 207-8, Jaime Cordero, Lógica y Sana
Crítica, p. 148 e Fernando Gil, Neutralidade do Facto, p. 10. No ponto 5.2 retomaremos esta
questão, analisando alguns exemplos.

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prova, ocorre a mesma relação de verosimilhança entre dois factos, mas essa
relação terá de ser aferida pelo julgador em função das características do caso
concreto e das regras da experiência que se lhe devam aplicar32, permitindo
que o julgador se convença da verdade dos factos presumidos (ou inferidos:
os factos principais) a partir dos factos base da presunção (ou factos a partir
dos quais se processa a inferência33: os factos instrumentais), sendo estes os

32
Cfr., afirmando esta equivalência de «procedimentos», Castro Mendes, Do Conceito,
pp. 179 e ss..
33
Esta inferência envolve, pensamos, raciocínios do tipo abdutivo, na passagem do facto
base para o facto presumido, e do tipo indutivo, na formulação das regras de experiência
que permitem essa passagem. Com efeito, na lógica abdutiva procura-se uma explicação
possível e provável para um certo facto, sendo esse o tipo de raciocínio que se aplica quando
se realizam inferências com base em regras de experiência. Por exemplo: se considerarmos
(regra da experiência) que se X foi alvo de agressões físicas, então terá marcas no corpo, a
constatação de que X tem marcas no corpo (facto base da presunção) poderá levar-nos a
considerar que X foi alvo de agressões físicas. Note-se, contudo, que, considerando este si-
logismo individualmente, ele sofre da falácia da afirmação do consequente, dado que não se
afirma que a única razão para que se tenham marcas no corpo é o facto de se ter sido vítima
de agressões físicas. Com efeito, este argumento é formalmente inválido, mas tal ocorre por
uma razão que não o impede de produzir uma inferência que possa ser levada em conta pelo
julgador, pois essa invalidade só implica que a conclusão não é necessariamente correta, não
a impedindo de ser verdadeira, como ocorrerá, por exemplo, se for corroborada por outras
provas, distintas daquelas que demonstraram o facto base da presunção, ou se se demons-
trar, em função das circunstâncias do caso, que aquela conclusão constitui uma explicação
altamente provável e verosímil para o facto de que X tem marcas no corpo. Por outro lado,
num momento logicamente anterior àquele raciocínio abdutivo, a formulação das regras
de experiência implica um raciocínio indutivo. Com efeito, na lógica indutiva, afirma-se a
verdade de certo facto mais genérico como sendo provável em função da verdade de certas
constatações particulares repetidas. Por exemplo: se considerarmos que, em todos os casos
observados por X (imaginando que X é o julgador), sempre que alguém foi alvo de agressões
físicas ficou com as respectivas marcas no corpo, então X irá, em princípio, decidir de acordo
com essa regra da experiência, a menos que se demonstre que essa regra não se aplica ao caso
concreto. Com efeito, a inaplicabilidade das regras da experiência ao caso concreto pode ser
feita contrariando o raciocínio abdutivo ou o raciocínio indutivo envolvidos no processo de
apreciação da prova. Assim, se perante a regra «quem foi agredido, ficou com marcas no cor-
po» se afirmar o consequente (X tem marcas no corpo, logo foi agredido), a inaplicabilidade
da regra terá de ser feita com provas que demonstrem que, no caso em análise, as marcas no
corpo se deveram a outra razão que não uma agressão, contrariando-se, assim, o raciocínio
abdutivo. Se, pelo contrário, perante aquela mesma regra se negar o consequente (X não tem
marcas no corpo, logo não foi agredido), a inaplicabilidade da regra terá de ser feita com pro-
vas que demonstrem que a agressão em causa pode não ter deixado marcas, contrariando-se,
deste modo, o raciocínio indutivo. No entanto, mesmo nestes casos em que, eventualmente,

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que as provas apresentadas diretamente sugerem. Com efeito, a sistemática


do Código Civil apresenta-nos mesmo a presunção (arts. 349.º a 351.º) como
se esta fosse um meio de prova. Na verdade, não o sendo no mesmo sentido
dos demais, a presunção é, no âmbito da apreciação da prova, uma operação
necessária sempre que o julgador aprecia livremente as provas apresentadas.
Assim, julgamos ser nisto que consistem as presunções judiciais a que se refe-
rem os arts. 349.º e 351.º do CC34. De facto, ao ser o julgador confrontado com
os factos instrumentais, será sempre (exceptuando os casos de prova tarifada,
nos termos da n. 22) necessário partir deles para poder, eventualmente, con-
siderar demonstrados os factos principais.
No entanto, é comum que a doutrina35, ao referir-se a este assunto, distinga
entre a prova direta e a prova indireta ou indiciária, a primeira revelando ime-
diatamente os factos principais e a segunda revelando os factos instrumentais
(sendo esta prova direta no que toca a esses factos) que, através das regras de
inferência, permitem concluir pela ocorrência ou não ocorrência dos princi-
pais, sendo que apenas no segundo caso seria necessário recorrer às presun-
ções judiciais. Discordamos, no entanto, desta opinião. De facto, o raciocínio
presuntivo que se tem de empreender ao recorrer às regras da experiência
está presente em todas as provas, mesmo nas provas (supostamente) diretas.
Com efeito, o julgador, ao ser confrontado com as provas de certo facto,
está, na verdade, a assistir a marcas ou sinais desse facto passado ou de parte

se venha a decidir em sentido contrário àquele para que a regra de experiência apontava, con-
sideramos que não se está a decidir contra as regras da experiência, mas antes de acordo com
outras regras de experiência que se demonstram mais adequadas ao caso, tal como ocorrerá
se, por exemplo, em resultado de uma perícia, no primeiro caso, se comprovar que as marcas
do corpo se deveram a uma alergia na pele ou, no segundo, que a agressão apenas causou
danos no interior do corpo. Em relação à questão da chamada lógica não monotónica ou não
dedutiva ( fuzzy logic), na qual estes problemas se inserem, veja-se Jaime Cordero, Lógica y
Sana Crítica, pp. 146 e ss.. Relativamente à lógica indutiva no âmbito da apreciação da prova
veja-se Jonathan Cohen, The Probable and the Provable. Para uma abordagem profunda do
tema da lógica abdutiva no campo específico da apreciação da prova criminal mas em termos
transponíveis para o âmbito da produção e apreciação da prova em processo civil, veja-se A.
Ciampolini e P. Torroni, Using Abductive Logic, pp. 251 a 275. Para uma abordagem completa
a todos os modos de inferência v. Kaufmann, Filosofia, pp. 111 e ss..
34
Cfr. n. 42.
35
Cfr. Lebre de Freitas, Introdução, pp. 172 e ss., Varela, Bezerra, Nora, Manual de pro-
cesso, p. 442, Castro Mendes, Do Conceito, pp. 176 e ss.. No âmbito do processo penal, veja-se
Germano Marques da Silva, Curso de Processo, Vol. II, p. 114.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

dele. Essas manifestações correspondem, por exemplo, às declarações das tes-


temunhas ou àquelas que constem de documentos, aos resultados das perícias
ou aos dados que se apuraram na inspeção judicial36. Porém, em nenhum des-
tes casos está o julgador imediatamente confrontado com os factos principais
mas apenas diante de marcas ou sinais que esses factos deixaram em pessoas
ou em coisas. Por isso, é sempre necessário realizar um juízo de inferência,
nos termos acima descritos, no sentido de avaliar até que ponto é fiável acre-
ditar que as manifestações dos factos a que o julgador tem acesso realmente
manifestam a ocorrência, ou a não ocorrência, dos factos principais. Como
tal, é essencial, por exemplo, ao ouvir uma testemunha, averiguar se ela tem
algum motivo para mentir ou tentar encontrar no seu discurso relutâncias
ou contradições que indiquem que o que ela relata pode não corresponder à
verdade, dado que, segundo as regras da experiência, é isso que aquelas carac-
terísticas do discurso prenunciam37.
No entanto, muito frequentemente, é necessário algo mais. Com efeito,
depois de (e no caso de) se estabelecer que as informações colhidas através da
apreciação das provas de acordo com as regras da experiência são verosímeis,
pode acontecer que o facto revelado pelas provas não seja um facto principal
mas antes outro facto instrumental. Estaremos, portanto, perante provas que
exigem a formulação de um novo juízo de inferência para aferir se do novo
facto instrumental revelado por essas provas se pode razoavelmente presumir
um facto principal. Efetivamente, a apreciação deste tipo de provas envolve a
realização de dois juízos de inferência, sendo que esta diferença justifica uma
maior cautela na sua apreciação38. Por tudo isto, julgamos ser correto afirmar

36
V. n. 25.
37
Para um reconhecimento da importância das regras da experiência neste âmbito da apre-
ciação da prova, veja-se, no âmbito do processo penal, o ac. do STJ de 20/04/2006 (Rodrigues
da Costa), relativo ao chamado «caso Joana».
38
Assim, tomando como exemplo uma prova testemunhal indireta, no primeiro juízo de
inferência, os factos presumidos serão aqueles que a testemunha relata e, num segundo juí-
zo, os factos presumidos serão os que se podem inferir dos factos relatados. Assim, os factos
presumidos serão verosímeis devido, no primeiro caso, (por exemplo) à forma convincente
como a testemunha falou e, no segundo, (por exemplo) devido à inexistência de qualquer outra
explicação credível para a ocorrência dos factos (diretamente) relatados pela testemunha.

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que, embora em diferentes graus, toda a prova é indireta39 e que em toda40 a


atividade de livre apreciação da prova41 é necessário recorrer ao mecanismo
das presunções judiciais42/44.

39
Refira-se incidentalmente que a circunstância de que toda a prova é, no sentido abordado
no texto, indireta fez com que, noutras jurisdições, se tivessem, especialmente para os casos
em que o facto que se visa provar é demonstrado de forma especialmente clara, cunhado
expressões especialmente sugestivas para designar essa clareza, mesmo em situações em
que o caráter indireto da prova é manifesto. Assim, é frequentemente utilizada na doutrina
e jurisprudência norte-americana a expressão res ipsa loquitor (literalmente, a coisa fala por si
mesma), na francesa a expressão faute virtuelle (culpa virtual) e na alemã a expressão anscheins-
beweis (prova prima facie; note-se que esta expressão também é utilizada nos ordenamentos da
common law mas com um sentido distinto) para designar, por exemplo, a necessidade de se dar
como provada a negligência nos casos em que a prova dos restantes requisitos da responsabi-
lidade civil, nomeadamente o facto, o dano e o nexo de causalidade (naturalístico) permita
inferir, de acordo com as regras da experiência, que o agente atuou de forma negligente, pois o
dano não poderia normalmente ter acontecido sem que o agente tivesse agido daquela forma.
Neste sentido, Álvaro Yerga, Regulación de la carga, p. 10, embora enquadrando o A., a nosso
ver de forma errada, este problema no âmbito da distribuição do ónus da prova e não, como
julgamos ser correto, no campo da apreciação da prova, pelas razões que se avançaram na n. 29.
40
Discordamos pois de AA. como Manuel de Andrade e Antunes Varela (em colab.),
Noções, p. 215, Varela, Bezerra, Nora, Manual de processo, p. 442, Lebre de Freitas,
A Ação, pp. 202-3 e 223 e Introdução, pp. 151 e 173 quando referem que as presunções judiciais
só operam se a prova em causa for indireta. Naturalmente, não poderíamos partilhar desta
posição, na medida em que defendemos que toda a prova é indireta.
41
Cfr. n. 22.
42
Esta afirmação implica uma enorme abrangência das presunções judiciais, a qual é, aparen-
temente, incompatível com a restrição a que se refere o art. 351.º do CC. Com efeito, se toda
a prova é indireta e se, por isso, no âmbito da livre apreciação da prova (cfr. n. 22), é sempre
necessário recorrer ao mecanismo das presunções judiciais, então tal significaria que toda
a prova sujeita à livre apreciação só seria admitida «nos casos e termos em que é admitida a
prova testemunhal». Como tal, esta restrição teria como consequência que todas as provas que
estivessem sujeitas à livre apreciação teriam, por força da restrição do art. 351.º, as mesmas
limitações da prova testemunhal, sem que tal constasse (diretamente) do respectivo regime
legal. No entanto, não pensamos que esta conclusão seja correta. De facto, a admissibilidade
da prova testemunhal está regulada nos arts. 392.º e ss. do CC de forma bastante restritiva
(veja-se, entre outros, Lebre de Freitas, A Ação, pp. 279 e ss. para uma completa descrição
dos casos de inadmissibilidade da prova testemunhal previstos nos arts. 392.º e ss. do CC),
fruto, de acordo com a doutrina que sobre isto se pronunciou (cfr. Pereira Rodrigues,
A Prova, p. 143, Teixeira de Sousa, As partes, p. 255, Varela, Bezerra, Nora, Manual de
processo, pp. 615-6), da maior falibilidade e susceptibilidade de manipulação das declarações
das testemunhas, que, por isso, não deveriam ser levadas em conta na prova dos factos que
também sejam demonstrado por outros meios de prova alegadamente mais fiáveis. Sem que-
rermos por em causa esse aspeto da prova testemunhal, não podemos aceitar como boas as

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restrições à sua admissibilidade que o CC prescreve. Efetivamente, em qualquer operação


de apreciação da prova é especialmente importante levar em conta as circunstâncias do caso
concreto de forma a que se possa proceder a uma correta apreciação, tendo em conta as regras
da experiência que seja pertinente aplicar no caso. Ora, a prescrição da inadmissibilidade
deste meio de prova nos casos elencados no CC, ainda que motivada pela falibilidade da prova
testemunhal ou mesmo por outro tipo de razões, em abstrato, válidas (como seja a necessi-
dade de a prova ser feita através da apresentação do documento de que depende a validade
formal do negócio cuja prova está em causa: cfr. art. 393.º, n.º1 do CC) pode originar, pelo seu
carácter demasiado genérico e pouco casuístico, algumas situações claramente iníquas. Por
exemplo: imaginemos que num contrato cuja validade dependa de forma escrita, o documento
do qual consta esse acordo ficara guardado num edifício destruído por um incêndio de causa
natural. Em face do incumprimento do contrato por uma das partes (que, por hipótese, nega
a sua celebração), a parte contrária aciona judicialmente a outra para o cumprimento, tendo,
para isso, de alegar a celebração do acordo e de a provar. Ora, por força do art. 393.º do CC
não é permitida a prova testemunhal relativamente ao negócio com forma escrita legalmente
exigida, pelo que, no caso em análise, não se poderia recorrer ao testemunho como meio de
prova, sendo que, nesse caso, não se mostrariam adequados para demonstrar a celebração do
negócio quaisquer outros meios de prova: o documento estava destruído, a prova pericial não
seria adequada dado que o incêndio destruíra todos os vestígios do documento e a prova por
inspeção apenas demonstraria a ocorrência do incêndio e não o facto de que o documento
existia e fora destruído (repare-se que, neste caso, nem mesmo o recurso ao extinto processo
especial de reforma de documentos, previsto nos arts. 1069.º e ss. da anterior redação do CPC,
garantiria que se conseguisse ultrapassar esta dificuldade visto que, em caso de dissidência dos
interessados na reforma, o litígio seguia, no regime processual anterior, conforme o valor, os
termos do processo ordinário ou sumário no qual se aplicava exatamente a mesma limitação
à prova testemunhal). A mesma situação de impossibilidade prática de produzir a prova po-
deria colocar-se, exatamente nos mesmos termos, no que toca à demonstração de convenção
contrária ou adicional ao conteúdo de documento autêntico ou particular (art. 394.º, n.º1 do
CC) e dos factos extintivos da obrigação (art. 395.º do CC) cujos documentos de que constem
a convenção ou a extinção tenham também sido destruídos. Como tal, pensamos que situações
como estas revelam que as restrições à prova testemunhal previstas no CC constituem uma
violação do direito constitucional à produção de prova, faculdade do direito fundamental ao
julgamento segundo um processo equitativo (art. 20.º, n.º4 da CRP), que melhor se aborda-
rá no ponto 4.6. Por esta razão julgamos que não devem ser aplicadas as restrições à prova
testemunhal anteriormente referidas dado que estas restringem de forma inadmissível um
direito fundamental (com efeito, as referidas razões que apontam para a maior falibilidade
da prova testemunhal deverão ser tidas em conta de acordo com as circunstâncias de cada
caso, no âmbito da livre apreciação da prova), pelo que o referido problema das restrições da
prova testemunhal se aplicarem, por via do entendimento alargado das presunções judiciais,
a todos os outros meios de prova fica ultrapassado pelo facto de que a remissão do art. 351.º
do CC remeter, afinal, para disposições que julgamos não deverem ser aplicadas. Por fim,
quanto à restrição prevista no n.º3 do art. 393.º do CC relativamente à inadmissibilidade de
prova testemunhal de facto provado através de um meio com força probatória plena, também
é aplicável o que anteriormente se disse acerca da violação do direito à prova. No entanto,

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Vista a forma como o julgador deve apreciar as provas, vejamos agora quais
as medidas da prova que podem ser consideradas para que o julgador consi-
dere provados os factos principais, no seguimento da sua apreciação dos fac-
tos instrumentais.43
Com efeito, a doutrina anglo-americana44 tem avançado três diferentes
medidas da prova que, pensamos nós, se podem aplicar ao ordenamento por-
tuguês, em termos que adiante explicaremos. Por agora, vejamos quais são e
como podem ser definidas essas medidas.
A medida da prova mais exigente é a chamada prova para lá de toda a
dúvida razoável (proof beyond any reasonable doubt). Neste caso, estaremos
perante uma prova para lá de toda a dúvida razoável quando o facto princi-
pal presumido corresponder à única explicação concebível, em termos sensa-
tos, para o facto instrumental, base da presunção. Portanto, nesta medida da
prova, para que o julgador possa decidir com base em certo facto presumido,
é necessário que, de acordo com as provas apresentadas e apreciadas, não res-
tem quaisquer dúvidas razoáveis relativamente à ocorrência desse facto. Serão
dúvidas razoáveis outros factos que se possam presumir a partir dos factos
base e que apresentem igual ou maior probabilidade de ocorrência,45 sendo
esta aferida de acordo com as regras da experiência. Como tal, esta medida
da prova não deixa de se verificar se se puderem conjecturar como possíveis
dúvidas irrazoáveis, ou seja, hipóteses alternativas que apresentem uma pro-
babilidade de ocorrência muitíssimo baixa, sempre de acordo com aquelas
regras. Assim, este tipo de medida da prova implica uma elevada certeza rela-

como apenas no âmbito da livre apreciação da prova se torna necessário, segundo o nosso
entendimento, recorrer às presunções judiciais, o problema que enunciámos no início desta
n. não se coloca neste caso.
43
Praticamente no mesmo sentido cfr. Pires de Sousa, Prova por presunção, pp. 23 e ss., visto
que afirma que «com exceção da inspecção judicial, podemos afirmar que toda e qualquer
prova é sempre nalguma medida indirecta». Não concordamos, portanto, com a referida
exceção, pelas razões que avançamos na n. 25.
44
Cfr. Christoph Engel, Preponderance of the Evidence, p. 4; Katie Atkinson e Trevor
Bench-Capon, Argumentation and Standards, pp. 107-8 e Bryan Garner (coord.), Black’s Law
Dictionary, pp. 596, 1220, 1293 e 1294.
45
Assim, não julgamos que esta medida da prova imponha que não se possam configurar
quaisquer explicações alternativas para o facto base da presunção, mas apenas que esses
outros factos explicativos se apresentem como menos prováveis do que o facto presumido
inicialmente considerado. Neste sentido veja-se o ac. do TRC de 27/10/2010 (Jorge Dias).

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tivamente à ocorrência dos factos principais para que o juiz deva decidir com
base na ocorrência dos mesmos. Indicativamente, poder-se-ia dizer que esse
grau de certeza teria de ser superior a 90%46.
Por outro lado, a medida da prova menos exigente é a chamada prova pre-
ponderante. Nesta, para que se decida com base em certo facto presumido,
basta que as provas indiquem que a probabilidade de esse facto ter ocorrido é
maior do que a probabilidade desse mesmo facto não ter ocorrido. Por outras
palavras, a demonstração da verdade de um facto nesta medida da prova exige
apenas que o julgador se convença da sua ocorrência com uma probabilidade
superior a 50% (exclusive47).
Por fim, situada entre as duas medidas anteriores, aparece-nos a prova clara
e convincente. A forma mais correta de definir esta medida é pela negativa:
um facto será claro e convincente se tiver uma probabilidade maior do que
a medida da prova preponderante, mas menor do que a da prova para lá da
dúvida razoável, admitindo ainda que se coloquem algumas hipóteses alter-
nativas, que se afigurem como possíveis, à ocorrência do facto principal. No
entanto, essas hipóteses, apesar de até poderem ser razoáveis, terão de ser
menos prováveis, em função das circunstâncias do caso, do que a ocorrência
do facto principal, sendo esta a conjetura mais verosímil. Com efeitos mera-
mente indicativos, podemos apontar para a uma necessidade de certeza na
ordem dos 75% para que se verifique esta medida da prova.
Resta referir que a cada grau de certeza necessário para a comprovação
judicial da ocorrência de certo facto corresponde um grau de valor comple-
mentar que visa a demonstração da não ocorrência do facto cuja medida da
prova está em causa48. Deste modo, se certo facto tiver de ser provado com
uma certeza para lá de toda a dúvida razoável (certeza superior a, por exemplo,
90%), então para a prova de que esse facto não ocorreu bastará que se afigure

46
Veja-se David Hamer, Probabilistic Standards of Proof, pp. 85-6, onde são indicados outras
percentagens de graus de certeza elevada, que também têm sido considerados, nomeada-
mente, no âmbito do processo penal, dado que é nesta sede que esta medida da prova se
deve aplicar, tal como se explica adiante no texto. Deste modo, o valor de 90% é meramente
indicativo um elevado grau de certeza.
47
Com efeito, se o julgador se convencer que a probabilidade de certo facto ter ocorrido for
de 50%, então encontramo-nos no ponto de ignorância, a que já fizemos referência e em que
o julgador deve decidir contra a parte onerada com a prova.
48
Neste sentido David Hamer, Probabilistic Standards of Proof, pp. 96 e ss..

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verosímil uma só dúvida razoável, que implique um mínimo de certeza (desde


que superior a 10%) de que o facto em causa não ocorreu. Do mesmo modo, a
exigência de uma prova clara e convincente (que implique uma certeza supe-
rior a, por exemplo, 75%), acarreta a circunstância de que a demonstração da
não ocorrência do facto em causa possa ser feita de forma relativamente pouco
consistente (com uma certeza superior a 25%). Por fim, se para a prova de um
facto bastar uma prova preponderante (certeza necessariamente superior a
50%) a prova da não ocorrência do mesmo implicará a mesma certeza exigida
para a sua ocorrência, visto que, neste caso, ao contrário dos dois anteriores,
em que a prova da ocorrência é mais exigente do que a da não ocorrência, a
medida da prova situa-se num ponto equidistante da certeza absoluta da veri-
ficação (100%) e da não verificação (0%) do facto em causa.

Estas distinções e definições das várias medidas da prova permitem obter


uma maior objectividade na operação de apreciação da prova. Efetivamente, o
conceito de regras da experiência, apesar de conferir já alguma objectividade
àquela operação, ainda deixa ao julgador uma grande margem de discricio-
nariedade na apreciação da prova, sendo essa margem reduzida se o julgador
souber antecipadamente que só pode decidir com base em certo facto se este
estiver demonstrado com um certo grau de certeza. Na verdade, podendo o
julgador orientar-se com marcas ou níveis de prova que estejam definidos a
priori e podendo avaliar se estes se encontram presentes nas provas que tem
de apreciar, tal faz com que o julgador possua referências identificáveis ao
longo da apreciação da prova que contrariam o subjetivismo da operação49,
sem, naturalmente, o eliminar.

2.2.2.3 – A medida da prova

Consequentemente, após o julgador ter determinado qual a medida da prova


preenchida pelas provas em análise, deverá verificar se essa medida é suficiente
para decidir com base nos factos que as provas sugerem.

49
No sentido de que as medidas da prova ajudam o julgador a conseguir afastar-se das suas
pré-compreensões e contribuem para uma maior objectividade na apreciação da prova, veja-se
Christoph Engel, Preponderance of the Evidence, pp. 5 e ss. e 20 e ss..

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No entanto, qual deve ser a medida da prova suficiente para que um juiz
considere provado um facto principal através dos factos instrumentais que
as provas revelam em cada caso?
Responder a esta pergunta implica definir um critério que se mostre ade-
quado à correta fixação da medida da prova, tendo em conta os valores que
estão em jogo. Assim, de acordo com a doutrina que se tem pronunciado acerca
deste assunto50, pensamos ser correto afirmar que esse critério seja a diferença
entre a gravidade de uma decisão condenatória e de uma decisão absolutória.
Com efeito, se uma condenação implicar uma forte restrição dos direitos
fundamentais da pessoa visada, restrição essa que se apresenta como sendo
muito mais grave do que a situação resultante da decisão de absolvição, então
justifica-se que a medida da prova seja elevada como forma de minimizar a
probabilidade de a decisão de condenação ser baseada em factos que não
correspondem à realidade, uma vez que quanto mais elevada for a medida da
prova, maior será a probabilidade dos factos cuja prova está a ser apreciada
terem efetivamente ocorrido, no caso de o julgador os considerar provados.
É este o panorama que se verifica no âmbito do processo penal51 em que a
condenação de alguém num ilícito criminal implica a mais forte restrição
que o ordenamento jurídico pode aplicar a uma pessoa. Por isso é tão impor-
tante, neste âmbito, elevar a medida da prova para uma prova para lá de toda
a dúvida razoável, sendo a demonstração da ocorrência dos factos muito mais
exigente do que a sua não ocorrência. É pois, esta a concretização, no que à
medida da prova diz respeito, da máxima que se tornou um lugar-comum no
processo penal moderno, de que “toda a prova por presunção deve ser admi-
tida com cautela: para efeitos legais, mais vale deixar 10 culpados por conde-
nar do que fazer um inocente sofrer” (tradução nossa), atribuída a William
Blackstone52-53.

50
Neste sentido, vide Brinkmann, The Synthesis, p. 890 e David Hamer, Probabilistic Standards
of Proof, pp. 74 e ss. e 81 e ss..
51
V. anexo.
52
William Blackstone, Commentaries on the Laws, p. 352.
53
Será importante referir que a doutrina processual penal tem abordado a necessidade de
uma maior exigência na atividade de apreciação probatória não através da referência a uma
elevada medida da prova, mas antes através do chamado in dubio pro reo. No entanto, julgamos
que ambas as abordagens são equivalentes no que toca ao seu conteúdo, sendo que a primeira
enfatiza mais o facto de só ser possível dar como provados os factos sobre os quais não reste

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Pelo contrário, se uma decisão condenatória for igualmente grave quando


comparada com a decisão absolutória correspondente54, não há razão para
exigir uma elevada medida da prova dado que, qualquer que seja o sentido
da decisão, esta será igualmente desfavorável para algum dos intervenientes.
Neste caso, a medida da prova mais apropriada será a prova preponderante,
que implica uma igual exigência probatória quer para a prova dos factos em
análise (condenação) quer para a prova de que esses factos não ocorreram
(absolvição). Além disso, esta medida da prova apresenta a vantagem de a
decisão tomada com base nela assentar na factualidade que mais provavel-
mente corresponde à realidade. Efetivamente, enquanto a prova para lá de
toda a dúvida razoável minimiza a probabilidade de os factos que sirvam de
base a uma decisão condenatória não terem acontecido (por força de uma
prova muito mais exigente para a ocorrência dos factos de que dependa a
decisão condenatória em relação à prova da sua não ocorrência, tal como se
explicou na n. 53), a prova preponderante maximiza a probabilidade de a
factualidade que serviu de base à decisão (seja ela condenatória ou absolutó-
ria) corresponder à realidade, visto que basta que o julgador se convença de
que o facto demonstrado pelas provas tenha uma probabilidade maior de ter
ocorrido do que de não ter.
Com efeito, pensamos que fora do âmbito processual-penal, mais espe-
cificamente na maioria55 das matérias de direito privado, é a prova prepon-

qualquer dúvida razoável, enquanto que a segunda coloca a tónica na circunstância de que
um facto sobre o qual se coloquem dúvidas razoáveis não deve ser dado como provado, por
força do in dubio pro reo. A compreensão deste aspeto tornar-se-á mais clara através da primeira
figura constante do anexo. Com efeito, da figura resulta que o in dubio pro reo implica que o
julgador não deva considerar provado um facto ainda que lhe pareça mais provável que o
mesmo tenha ocorrido do que não tenha (certeza superior a 50% mas inferior a 90%). Deste
modo, dificulta-se muito a prova da ocorrência do facto (é necessária uma certeza superior
a 90%) e facilita-se também muito a prova da sua não ocorrência (na medida complementar
de 10% de certeza necessária para a prova), estimulando a certeza da ocorrência dos factos
provados, ainda que à custa da consideração como não provados de factos que provavelmente
ocorreram. A propósito do in dubio pro reo, v., entre muitos outros, Rui Patrício, O Princípio
da Presunção, pp. 25 e ss. e Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis, pp. 9 e ss..
54
Naturalmente, não se coloca a questão de uma decisão condenatória ser menos grave
para a pessoa visada por ela do que uma decisão absolutória, pois esta ser-lhe-á sempre mais
favorável do que aquela.
55
Efetivamente, existem alguns casos que, embora se reportem ao âmbito do direito privado,
exigem que a prova dos factos processualmente relevantes seja feita tendo em conta uma

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medida da prova mais exigente, nomeadamente a prova clara e convincente. Entre estes casos
incluem-se os processos de jurisdição voluntária (cfr., entre outros, arts. 986.º e ss. do CPC e
o Decreto-lei 314/78 de 27 de Outubro relativo à Organização Tutelar de Menores), em que
um processo judicial é utilizado não como forma de dirimir um litígio entre duas partes, mas
antes para exercer uma função administrativa de regulação do exercício de direitos do foro
privado (cfr., por exemplo, Lebre de Freitas, Introdução, pp. 62 e 63) que, pela importância
e necessidade de avaliar com cuidado os interesses envolvidos na atribuição destes direitos,
interesses esses envolvem sempre a análise da situação de um terceiro que se encontre num
estado de especial vulnerabilidade (v.g. o interesse do menor ou do incapaz nos casos de
suprimento de consentimento, de interdição ou regulação do poder paternal), foi atribuída
aos tribunais judiciais e não a uma entidade administrativa. Como tal, estas características
dos processos de jurisdição voluntária fazem com que a não concessão do direito em causa
(que corresponderá, por exemplo, à recusa do suprimento) tenha uma gravidade (no que à
restrição do exercício de direitos privados diz respeito) claramente superior do que a sua
atribuição (que consistirá, no mesmo exemplo, na outorga do suprimento), pelo que, nestes
casos, tal como acontece no direito penal, se justifica que se minimize a probabilidade da
não verificação dos factos que fundamentem a decisão não atributiva do direito. No entanto,
dado que as consequências dessa não atribuição não são tão graves como as consequências da
condenação num ilícito penal, pensamos que nos processos de jurisdição voluntária se mostra
mais adequada a medida clara e convincente do que a medida, mais exigente, da prova para
lá de toda a dúvida razoável. De resto, esta maior «tutela probatória» dos casos de jurisdição
voluntária está bem patente na circunstância, aliás partilhada com o processo penal, de que
neles vigora o princípio do inquisitório do campo da alegação dos factos (v. 986.º, n.º2 do CPC).
Outro exemplo em que deve ser exigida a medida clara e convincente (que, embora envolva
uma matéria tradicionalmente considerada como de direito privado, não se circunscreve estri-
tamente a este âmbito) verifica-se aquando da prova necessária para demonstrar o uso efetivo
de uma marca quando o respetivo titular é confrontado, perante a entidade administrativa
competente ou perante o tribunal, com uma pretensão de caducidade por falta de uso sério
desse direito de propriedade industrial (cfr. arts. 269.º e 270.º do CPI). Com efeito, também
neste caso está em causa um interesse de um «terceiro» relativamente ao titular da marca e ao
eventual interessado em obter a declaração de caducidade: o interesse geral da comunidade
em poder utilizar um sinal que, apesar de registado a favor de uma pessoa, não é utilizado
por esta, pelo que não lhe deverá ser conferido o direito de o utilizar em exclusivo na sua
atividade comercial. Assim, também neste caso é justificada a existência de uma medida mais
exigente do que a prova preponderante (veja-se, neste sentido, a orientação dada pelo Instituto
de Harmonização do Mercado Interno no seu Manual of Trade Mark Practice, secção C, parte
6, p. 8 e, em especial, a parte 5, p. 27, disponível em http://oami.europa.eu/ows/rw/pages/CTM/
/legalReferences/guidelines/OHIMManual.en.do; veja-se, também no mesmo sentido, as decisões
do Tribunal Geral da União Europeia, processos T-356/02 [§33] e T382/08 [§40]). Refira-se,
por fim, que estes são apenas alguns dos casos, em que julgamos ser adequada a medida clara
e convincente, não tendo esta enumeração qualquer pretensão de exaustividade. Para outro
elenco diferente (embora em parte coincidente com alguns dos casos enumerados) de casos
em que deve ser aplicada esta medida da prova v. Pires de Sousa, Prova por presunção, p. 157.

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derante56 a medida mais adequada57. De facto, as pretensões que podem ser


deduzidas judicialmente no âmbito daquelas matérias têm, na maioria dos
casos, repercussões patrimoniais em que a resolução do litígio consiste na
determinação da parte que as suportará, sendo que a gravidade de, numa
decisão condenatória, ser o réu a suportá-las ou de, numa decisão absolutória,
ser o autor a fazê-lo é, em princípio, igualmente intensa para cada um. Assim,
não há necessidade de minimizar a probabilidade de a decisão condenatória
ser errada, devendo ser favorecida a chamada verdade material58. Além disso,
neste âmbito, dado que não existe a necessidade de dificultar a prova dos fac-
tos conducentes à condenação (factos constitutivos do direito do autor ou
factos de que resulte a não ocorrência dos factos impeditivos, modificativos
ou extintivos daquele direito) em comparação com os que levam à absolvição
(factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor ou fac-
tos de que resulte a não ocorrência dos factos constitutivos daquele direito),
deverá também prevalecer o valor da igualdade de posições das partes no que
toca a influenciar o convencimento do juiz relativamente a ambos os tipos de
factos (princípio da equidade entre as partes, na sua vertente de contraditó-
rio, consagrado no art. 4.º do CPC) em relação à necessidade de assegurar a

56
V. anexo.
57
No mesmo sentido, veja-se Brinkmann, The Synthesis, pp. 889 e 890 e Pires de Sousa,
Prova por presunção, p. 157. Aparentemente neste sentido, cfr. Lebre de Freitas, Introdução,
p. 200. Em sentido contrário, afirmando expressamente que mesmo em processo civil deve
ser exigida maior certeza para condenar do que para absolver, ver Castro Mendes, Do Con-
ceito, pp. 326-7. Já no que toca à jurisprudência as alusões à medida da prova têm sido muito
raras. No entanto, aproveitamos aqui as referências feitas em Pires de Sousa, Prova por pre-
sunção, p. 156 a dois acórdãos do TRE datados de 21/06/2011 (João Gomes de Sousa) e de
06/12/2011 (António João Latas) que se à «preponderância da prova» e à «probabilidade
prevalecente» como medidas da prova aplicáveis no processo civil. A estes arestos podemos
acrescentar, dentro da mesma linha, os seguintes: TRL: 21/11/2007 e 20/05/2009 (Carlos
Almeida); TRC: 03/06/2012 (Teles Pereira); em sentido contrário, defendendo nesta sede
uma medida mais elevada v. TRP: 14/02/2013 (Aristides Rodrigues de Almeida). Refira-se
ainda que, do disposto no art. 341.º do CC não se pode retirar qualquer conclusão quanto à
medida da prova, visto que este preceito se limita a dispor que as provas visam demonstrar
a realidade dos factos, não atendendo à realidade (que referimos no ponto 2.2.2.3) de que só
muitíssimo raramente o julgador terá a certeza absoluta de que certo facto ocorreu ou não
e de que na decisão sobre a ocorrência ou não ocorrência de um facto está sempre envolvida
alguma incerteza.
58
Este conceito será abordado no ponto 4.2.

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verdade da base factual apenas da decisão condenatória, a qual, como vimos,


implica desequilíbrio no esforço probatório59.

Assim sendo, se, de acordo com a forma de apreciar a prova que abor-
dámos, o juiz não conseguir convencer-se da ocorrência ou não ocorrência
dos factos, mesmo que com uma medida apenas preponderante (a qual, por
ser, como vimos, a aplicável à maioria das questões de direito privado, reduz
a frequência dos casos em que o juiz não consegue determinar a ocorrên-
cia dos factos, sem, naturalmente, eliminar as situações de dúvida60), então
estará no ponto de ignorância e deverá decidir segundo a distribuição do
ónus da prova. É este, portanto, o âmbito em que deve ocorrer a decisão de
ónus da prova.

2.3 – A distribuição do ónus da prova

A questão da distribuição do ónus da prova está, de forma genérica, pre-


vista no art. 342.º do CC. Deste modo, dos n.os 1 e 2 daquele preceito
decorre a adopção da teoria das normas 61 , a que fizemos referência

59
É importante, neste momento, explicitar que o conceito de medida da prova não se
confunde com a quantidade de prova que é necessária para criar no julgador a convicção
da ocorrência de certo facto. Com efeito, julgamos que a quantidade de meios de prova ne-
cessários para que se atinja a medida da prova suficiente para determinar que certo facto se
encontra provado é, naturalmente, variável em função dos contornos de cada caso concreto
(cfr., neste sentido, Brinkmann, The Synthesis, p. 890; já Castro Mendes, Do Conceito, pp.
317 e ss. não distingue entre a medida da prova, a que chama de «quantum» da prova, e a
quantidade da prova). Assim, a quantidade de prova variará tendo em conta a «qualidade»
de cada meio de prova, ou seja, a «força» com que cada meio consegue convencer o julgador,
nomeadamente porque o facto instrumental que demonstra não é compatível com qualquer
explicação alternativa (em face de outros meios de prova) à ocorrência do facto principal,
caso em que a quantidade de prova pode ser mínima ou porque o facto instrumental que o
meio de prova veicula pode ser explicado de várias outras formas que não através da veri-
ficação do facto principal, caso em que poderão ser necessários vários meios de prova que
corroborem a ocorrência de um mesmo facto principal. Como tal, se a quantidade de prova
varia em função de cada caso, a medida da prova é fixada à partida segundo os critérios
enunciados anteriormente no texto.
60
No mesmo sentido, Lima Rego, Decisões em ambiente de incerteza, ponto 4.
61
Para uma descrição histórica completa do surgimento da teoria das normas no di-
reito português cfr. Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 115 e ss.. Este A. considera
(p. 129) que, por razões históricas, o referido preceito legal não consagra exatamente a

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teoria das normas, devendo entender-se que no nosso ordenamento vigora um modelo hí-
brido ou autónomo de distribuição do ónus, agregador de elementos da teoria das normas
e de características próprias, admitindo contudo, num momento posterior (p. 134), que a
nomenclatura de classificação dos factos usada no art. 342.º «só guarda algum sentido em
moldes rosenberguianos ou aparentados», pelo que (aparentemente) acaba por concluir
que a teoria em causa se encontra consagrada no nosso ordenamento. Também no sentido
de que a teoria das normas é a única forma de entender a distribuição do onus probandi
no nosso ordenamento, v. Manuel de Andrade e Antunes Varela (em colab.), Noções,
pp. 200-1, Anselmo de Castro, Direito processual civil, pp. 345 a 365, Varela, Bezerra,
Nora, Manual de processo, pp. 454-7, Teixeira de Sousa, As partes, pp. 217 a 228, França
Gouveia, A Prova, pp. 334-5. Diferentemente, defendendo que a teoria das normas é apenas
um (embora seja o mais indicado) dos vários critérios legalmente possíveis para distinguir
entre factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos, v. Lynce de Faria,
A inversão, pp. 29 e ss.. Por outro lado, alguns AA. admitem, por vezes em conjugação com o
critério da teoria das normas, critérios diferentes de distribuição do ónus, nomeadamente
a utilização do critério da normalidade (segundo o qual a parte onerada é aquela a quem
aproveita a versão do facto de ocorrência excepcional, sendo a privilegiada aquela a quem
aproveita a versão de ocorrência normal) para a qualificação de certo facto como constitutivo
ou como impeditivo, dado que este é, tal como se refere mais adiante no texto, o caso em
que maiores dificuldades surgem na distribuição do ónus segundo a teoria em causa. Entre
os AA. que partilham desta ideia podemos referir Vaz Serra, Provas, pp. 126 e ss., Lebre
de Freitas, A Ação, p. 118, Freitas, Machado, Pinto, Código de Processo, Volume 2.º, p. 317,
Lobo Xavier, Justa causa de despedimento, pp. 50 e ss. e Pinto Oliveira, Estudos sobre o Não
Cumprimento, pp. 126 e ss.. Além disso, alguns AA. defendem ainda a distribuição do ónus
com base em critérios baseados no regime legal aplicável a certa situação, nomeadamente
nas situações em que o direito material procura defender ou privilegiar certa situação ou
certa parte na relação jurídica, atribuindo o ónus à parte contrária ou à parte que pretende
constituir a situação contrária. É o que acontece, por exemplo, com Manuel de Andrade,
Algumas questões, pp. 39 e ss. que, apesar de, em regra, propor a teria das normas como base
da distribuição, afirma, por exemplo, que a prova dos factos de que decorre a violação matri-
monial cabe à parte que apresenta o pedido de divórcio, em consequência do favor matrimonii
que se retira do regime legal aplicável ao casamento. Pela nossa parte, julgamos que a teoria
das normas é a única explicação que, até agora, conseguiu atribuir algum conteúdo às várias
classificações dos factos que constam do art. 342.º, n.os 1 e 2 do CC. Com efeito, critérios al-
ternativos de distribuição do onus probandi, como o critério da normalidade ou outro baseado
no regime legal de direito material, implicam que se considere que essa distribuição seja
o resultado da aplicação de um critério que em nada se relaciona com o efeito constitutivo
ou impeditivo de certo facto, pelo que este não será constitutivo ou impeditivo porque dele
depende o surgimento de certo direito ou o impedimento ao seu exercício, mas antes em
função da sua normalidade/excepcionalidade ou do sentido das normas de direito material
aplicáveis. Nas expressivas palavras de Pedro Múrias, Por uma distribuição, p. 134, critérios
diferentes do da teoria da normas implicariam que «O art. 342.º seria um preceito vazio
porque «impeditivos» deixaria de ser critério, passando a conclusão. (...) Já não se trataria
de interpretar o art. 342.º, mas sim de ultrapassá-lo».

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supra62, como regra geral de distribuição do ónus da prova (n.os 1 e 2 do


art. 342.º do CC). Iremos agora analisar melhor esta regra63.
Dissemos atrás que a identificação de uma «norma de base» e de uma
«contranorma» devia ser feita, grosso modo, tendo em conta que as primeiras
atribuem direitos e que as segundas retiram-nos. No entanto, o A. da teoria
das normas defendeu que a identificação de que certa norma atribui ou retira
direitos deve ser feita levando em consideração não apenas aquele efeito atri-
butivo ou ablativo, mas também (e mesmo essencialmente) a forma como as
normas estão expressas nos preceitos legais64. No entanto, este aspecto, con-
siderado essencial na teoria das normas, não é o único critério de distribui-
ção do ónus da prova que aquela teoria postula.
De facto, esta teoria começa por estabelecer o «ciclo de vida» dos direitos:
constituem-se, modificam-se e extinguem-se. Cada uma das etapas da sua
«vida» é determinada por normas: as que atribuem direitos são aquelas que
fazem depender da ocorrência de certos factos o surgimento dos direitos65,
pelo que o ónus da prova desses factos constitutivos cabe ao autor (ou réu
reconvinte), pois tem interesse em se fazer valer deles; as que extinguem os
direitos são aquelas que cominam a ocorrência de factos posteriores aos fac-
tos constitutivos com a extinção completa do direito criado por estes66, pelo
que o ónus da prova dos factos extintivos caberá ao réu (ou autor reconvido), o

62
V. ponto 2.1.
63
Refira-se que, embora esta teoria tenha sido criada como um critério de distribuição do
ónus da prova, ela nem sempre determina essa distribuição, sendo que tal acontece sempre
que exista alguma disposição legal que prescreva uma distribuição específica para um caso
concreto. É o que acontece com as normas dos arts. 343.º, 344.º e 345.º do CC. Relativamente
a estas, dado que não apresentam dificuldades de interpretação e de aplicação, não as iremos
abordar. No entanto, a teoria das normas determina, sem exceção, a distribuição do ónus da
alegação (art. 5.º, n.º1 do CPC).
64
V. Rosenberg, La Carga de la Prueba, pp. 149 e ss.. Veja-se ainda, entre outros, Pedro Mú-
rias, Por uma distribuição, pp. 43 e ss. e Lynce de Faria, A inversão, pp. 29 e ss..
65
Como exemplos de normas atributivas de direitos podemos apontar todas as que esta-
belecem a responsabilidade civil por um dano de outrem, nomeadamente as constantes dos
arts. 483.º, 489.º, 491.º (primeira parte), 492.º, 493.º, 500.º, n.os 1 e 2, 501.º, 502.º, 503.º, n.os 1
e 3 (primeira parte), todos do CC, entre muitas outras. Acerca das normas constitutivas, cfr.
Rosenberg, La Carga de la Prueba, pp. 124 e ss..
66
Como exemplos de normas extintivas de direitos podemos enumerar todas aquelas que
prescrevem causas de extinção das obrigações, nomeadamente as constantes dos arts. 309.º
e ss., 762.º, n.º1, 837.º, 841.º, n.º1, 847.º, n.º1, 857.º, 863.º, n.º1, 868.º, todos do CC.

294

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

qual estará interessado em se fazer valer destes; as que modificam os direitos


são aquelas que, perante a ocorrência de factos posteriores aos constitutivos,
alteram, em sentido extintivo ou construtivo, o conteúdo do direito ante-
riormente constituído, pelo que este tipo de factos devem ser tratados como
se fossem extintivos ou constitutivos, consoante o sentido da modificação67.
Com efeito, a distinção entre factos constitutivos, modificativos e extintivos
não levanta problemas, assentando basicamente na identificação dos efeitos
(constitutivos, modificativos ou extintivos) que as normas atribuem aos fac-
tos (critério funcional), com o auxílio da necessária posterioridade temporal
dos factos modificativos e extintivos relativamente aos constitutivos (crité-
rio temporal)68.

67
Como exemplos deste tipo de normas podemos apontar as constantes dos arts. 847.º, n.º2
(modificação de sentido extintivo); 406.º, n.º1, 2ª parte e 437.º, n.º1 (modificação de sentido
constitutivo ou extintivo, consoante, respetivamente, o sentido da alteração negocial acordada
pelas partes ou determinada em resultado de alteração das circunstâncias), todos do CC. A
respeito dos factos modificativos será importante esclarecer que o entendimento acabado
de enunciar que lhes atribui a possibilidade de serem equiparados a factos constitutivos ou
extintivos não é unânime na doutrina. Efetivamente, em Rosenberg, La Carga de la Prueba,
p. 147 podemos encontrar o entendimento de que os factos modificativos têm sempre um
sentido extintivo dos direitos constituídos, o qual é partilhado por vários AA. portugueses
como Vaz Serra, Provas, p. 123, n. 89, Varela, Bezerra, Nora, Manual de processo, pp. 452
e ss., Teixeira de Sousa, As Partes, pp. 221 e ss. ou Lynce de Faria, A Inversão, p. 39. No
sentido de que os factos modificativos podem ter um efeito tanto extintivo como constitutivo
v. Manuel de Andrade e Antunes Varela (em colab.), Noções, p. 202, Castro Mendes,
Direito Processual, Vol. II, p. 671 e Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 127-8, n. 367. Deste
modo, em face da posição que partilhamos, torna-se necessário esclarecer como podemos
defender que os factos modificativos podem ter também um efeito constitutivo quando a letra
do art. 342.º, n.º2 do CC é clara em estabelecer que a prova deste tipo de factos cabe ao réu
(ou autor reconvido), pelo que, aparentemente, exclui a possibilidade de serem tratados como
constitutivos. Como tal, pensamos que sempre que estejamos face a um facto modificativo
que implique uma modificação do direito em sentido constitutivo (v. exemplos acima) deve
esse facto ser enquadrado na norma relativa aos factos constitutivos (art. 342.º, n.º1 do CC),
pelo que o conceito que propomos de factos modificativos não corresponde com o conceito
legal com o mesmo nome, sendo o primeiro mais abrangente do que o segundo.
68
Com efeito, julgamos que este critério temporal é apenas auxiliar na distinção entre os
tipos de factos referidos no texto, não podendo ser apontado como um critério orientador
da distribuição do ónus da prova em geral. Em sentido contrário, apresentando o critério
temporal como um dos vários critérios que poderia ser equacionado para a distribuição do
ónus, embora reconhecendo as referidas limitações, ver Lynce de Faria, A Inversão, p. 27.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

No entanto, no próprio momento da «conceção» dos direitos pode acon-


tecer que a ocorrência de certos factos impeça que a verificação dos factos
constitutivos resulte na atribuição do direito constante da estatuição da norma
em cuja previsão estes se encontram consagrados. Aqueles factos são os cha-
mados factos impeditivos que se encontram também previstos no art. 342.º,
n.º2 do CC, e a qualificação de certo facto como constitutivo ou impeditivo
não é fácil nem clara69.
É neste âmbito que a teoria das normas assume a sua feição mais carac-
terística, a qual lhe valeu também o nome de teoria das frases. Com efeito, o
legalismo de Rosenberg resultou na consideração de que a distinção entre
factos constitutivos e impeditivos, segundo aquela teoria, assenta na forma
como as normas estão redigidas, nomeadamente na distinção entre os factos
que a redação da norma associa diretamente à atribuição do direito, através
de expressões como «desde que», «apenas se», «aquele que (…) responde/é
responsável/fica obrigado a...» ou outras de conteúdo equivalente e aqueles
em que a redação sugere uma ideia de impedimento ao exercício do direito,
sendo estes precedidos de expressões como «a não ser que», «isto não vale
se», «excepto se», «salvo se», «este preceito não se aplica quando»70 ou outras
de conteúdo igual71. Assim, os primeiros serão constitutivos e os segundos
impeditivos.

69
Esta dificuldade foi admitida pelo próprio Rosenberg, La Carga de la Prueba, p. 149.
70
Cfr. Rosenberg, La Carga de la Prueba, pp. 154 e ss. e Pedro Múrias, Por uma distribuição,
p. 135.
71
Efetivamente, por vezes a forma como a redação das normas apresenta os factos determina
a respetiva qualificação sem que tal aconteça com as locuções referidas no texto. Como exem-
plo atentemos no art. 220.º do CC: «A declaração negocial que careça da forma legalmente
prescrita é nula». Assim, a redação da norma atribui à falta de forma um efeito impeditivo da
eficácia da declaração, apresentando a não verificação da forma exigida como versão onerada.
Diferente seria se a redação da mesma norma fosse: «A declaração negocial que apresente a
forma legalmente prevista é válida», caso em que a forma exigida seria um facto constitutivo da
eficácia da declaração negocial. Por isso, as expressões aludidas no texto são apenas orientações
(que, tal como se explica adiante no texto, podem até ser enganadoras) para a determinação da
forma como a redação das normas apresenta os factos, sendo que essa determinação depende
sempre da correta interpretação da norma. Este aspeto foi claramente referido por Rosen-
berg, La Carga de la Prueba, pp. 151 e ss., ao referir que a «relação entre a norma constitutiva
e impeditiva se reduz à relação entre regra e exceção» (tradução nossa), sendo que nas normas
constitutivas constam os factos que, em regra, determinam a atribuição do direito em causa
e nas impeditivas constam os que, excecionalmente, impedem que, apesar da ocorrência dos

296

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Como exemplo da relevância da redação na distribuição do ónus da prova,


atentemos no art. 509.º, n.º1 do CC: «Aquele que tiver a direção efetiva de
instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás,
e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que
derive da condução ou entrega da eletricidade ou do gás, como pelos danos
resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta esti-
ver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de con-
servação» (sublinhado nosso).
Desta redação resulta que são constitutivos os factos apresentados no iní-
cio da norma e impeditivos os que aparecem após a expressão «excepto se»
(não poderiam ser extintivos também porque são contemporâneos, e não pos-
teriores, dos factos constitutivos, tal como resulta expressamente da locução
«ao tempo do acidente»)72.

factos constitutivos, o direito seja atribuído. A identificação da regra e da exceção deverá ser
feita, segundo aquele A, através da interpretação das normas, em que a forma como estas
estão redigidas tem um papel crucial. Exatamente no mesmo sentido, v. Lebre de Freitas,
A Ação, p. 118, que considera ainda (indo, neste aspeto, além do paradigma rosenberguiano
da teoria das normas) que, caso a interpretação das normas não permita identificar a regra e
a exceção, estas deverão ser fixadas segundo as regras da experiência que permitem, assim,
reconhecer se a versão do facto alegada é de ocorrência normal (caso em que caberá à outra
parte o ónus da prova da versão contrária) ou excecional (caso em que o ónus da prova cabe
à parte que o alega). Pela nossa parte, discordamos deste entendimento visto que, de acordo
com o que se afirmou no ponto anterior do texto (cfr., em especial, a n. 29), os aspetos relativos
à normalidade dos factos devem influir apenas no âmbito da apreciação da prova e não no da
repartição do ónus da prova.
72
Alguns AA. que têm tratado a questão da distribuição do ónus da prova (cfr., entre ou-
tros, Vaz Serra, Provas, pp. 155 e ss. e Teixeira de Sousa, As Partes, pp. 224 e ss.) abordam
frequentemente, quando confrontados com o critério da teoria das normas, o problema de
que este critério baseado na estrutura linguística das normas não leva em conta a eventual
dificuldade de produção de prova pela parte onerada, dado que na forma de redação das nor-
mas raramente se terá considerado o efeito da distribuição do onus probandi. Em relação a este
problema (que ainda será retomado) devemos, para já, referir que, embora ocorra com muita
frequência, existem também casos, bastante raros, em que a redação das normas parece ter
levado em conta a distribuição do ónus que dela decorre. Como exemplo podemos apontar
os arts. 827.º, 828.º, e 829.º, n.º1 do CC. Assim, enquanto que nos primeiros dois preceitos
legais, os quais se aplicam a obrigações de facto positivo, o incumprimento da obrigação não
consta das respectivas previsões normativas como condição para exigir o cumprimento, no art.
829.º, n.º1 do CC, aplicável às obrigações de facto negativo, o incumprimento é expressamente
referido na respetiva previsão: «Se o devedor estiver obrigado a não praticar algum facto e
vier a praticá-lo» (sublinhado nosso). Como tal, esta diferença na redação destas normas tem

297

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

No entanto, este critério da redação normativa não permite distinguir em


todos os casos se certo facto é constitutivo ou impeditivo, podendo mesmo,
além de insuficiente, ser enganador.
A insuficiência daquele critério é bem patente na comparação de casos
em que, em virtude de um pedido diferente, o mesmo facto pode ser corre-
tamente qualificado tanto como constitutivo assim como impeditivo. Como
exemplos desta particularidade podem apontar-se as ações de cumprimento
contratual em que o réu se defende excepcionando alguma causa de nuli-
dade ou de anulabilidade do negócio, que consiste num facto impeditivo dos
efeitos do negócio, e as ações cujo pedido visa a própria declaração de nuli-
dade ou a anulação do negócio, em que a mesma causa de invalidade consiste
agora num facto constitutivo do direito à anulação ou à declaração de nuli-
dade. Neste tipo de casos, pensa-se nada haver de incorreto com a diferente
qualificação do mesmo facto em resultado de um diferente pedido73, apenas

subjacente a consideração de que a prova da ocorrência de um facto é mais fácil do que a da


não ocorrência (a nossa opinião sobre este assunto será abordada no ponto 3.2.3), pelo que,
no primeiro caso, como o incumprimento se traduz na não realização do facto da prestação,
este não é constitutivo do direito ao cumprimento, tendo antes de ser o réu a alegar e provar
a realização da prestação que é, portanto, numa ação que vise o cumprimento, facto extinti-
vo. Já no caso do art. 829.º, n.º1 do CC o incumprimento da obrigação é facto constitutivo do
direito ao cumprimento porque se traduz, pelo contrário, na realização do ato que o devedor
se obrigou a não executar, cabendo a sua prova ao autor.
73
Esta diferente qualificação do mesmo facto só se poderá tornar problemática se, na mes-
ma ação se cumularem pedidos em função dos quais o mesmo facto seja, para efeito de um
pedido, qualificado como extintivo e, para efeito do outro, qualificado como constitutivo,
sendo que este problema só ocorre perante a dúvida de qualificação entre dois tipos de factos
normalmente identificáveis sem dificuldade: os constitutivos e os extintivos. Por exemplo:
numa ação em que o pedido de cumprimento do contrato seja cumulado com o de indem-
nização pelos danos que a mora no cumprimento causaram ao autor, o cumprimento, para
efeito do primeiro pedido, é facto extintivo do direito a obter o cumprimento, enquanto que
o mesmo facto, para efeito do segundo, é facto constitutivo do direito a obter a indemnização.
Assim, neste caso, como deveria o juiz decidir se considerasse haver dúvida relativamente à
ocorrência do cumprimento? Pensa-se que, na lógica do art. 342.º do CC, o enquadramento
correto deste caso passa por qualificá-lo como um caso de dúvida para efeito do n.º3 daquele
preceito, visto que existe, de facto, dúvida em relação à qualificação de um facto no âmbito
da ação em causa, pelo que o cumprimento deverá ser considerado constitutivo em ambos os
pedidos (o que não significa necessariamente que consideremos que seja o autor a suportar
o ónus da prova, dado que, no ponto 3, defenderemos um critério alternativo de distribuição
do ónus da prova). Deve-se referir que a qualificação do cumprimento como constitutivo no
âmbito do pedido de indemnização por incumprimento contratual não é pacífica na doutrina

298

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

se devendo salientar que esta circunstância demonstra que a forma como as


normas se encontram redigidas, só por si, não é suficiente para distinguir os
factos constitutivos dos impeditivos, sendo necessário, para uma correta qua-
lificação, a prévia identificação do pedido da ação em que os factos sejam (ou
venham a ser) alegados74.
Além do tipo de casos que se acabou de comentar, a insuficiência da teo-
ria das normas é ainda revelada sempre que a decisão relativa à procedência
ou improcedência de certo pedido assenta em critérios que não envolvam
um enunciado normativo explícito. Em relação a este aspecto, pensa-se que
o elenco de situações apresentadas por Pedro Múrias75 é bem demonstra-
tivo do problema em causa, pelo que iremos seguir este A. de perto no que
aos exemplos diz respeito. Assim, Pedro Múrias apresenta quatro tipos de
casos em que a teoria das normas não é suficiente para determinar a distribui-
ção do ónus devido à referida falta de enunciado textual: os casos de lacuna
rebeldes à analogia legis, as situações de interpretação extensiva ou restritiva,
as decisões de equidade e as ações de declaração da existência ou inexistên-
cia de um facto.
No primeiro tipo de casos, a regulação do caso omisso far-se-á, necessaria-
mente, não através da aplicação analógica de normas, mas através do recurso
a princípios jurídicos, os quais, por definição, não possuem uma tradução
textual única, podendo ser formulados de várias formas. No segundo tipo,
embora o ponto de partida seja um enunciado legal, a que se pode aplicar a
teoria das normas nos termos acima descritos, a fixação do sentido da norma
realmente desejado pelo legislador implica a formulação de uma nova norma
cujo conteúdo até pode ser fixo, mas o modo como este se traduz num enun-

(cfr. a favor Lynce de Faria, A Inversão, pp. 74 e ss., e, contra, Galvão Telles, Direito das
Obrigações, pp. 333 e ss., e Pinto Oliveira, Estudos sobre o Não Cumprimento, pp. 126 e ss.).
74
Devido a esta circunstância, o processo de averiguação da distribuição do ónus da prova
só poderá ocorrer perante um certo pedido cuja determinação terá de preceder logicamente
a qualificação do facto como constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo. Realmente,
cada facto só poderá ser constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que
se quer fazer valer com o pedido. Neste sentido, veja-se Antunes Varela, Pires de Lima e
Henrique Mesquita (em colab.), Código Civil, Vol. I, pp. 305-6, Lynce de Faria, A Inversão,
p. 32 e Micheli, L’onere, p. 392.
75
Por uma distribuição, pp. 92 e ss..

299

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

ciado textual é variável, tendo esta variabilidade implicações no âmbito da


distribuição do ónus da prova76.
No terceiro tipo de casos, o afastamento relativamente a um enunciado
textual fixo é evidente, em virtude de a equidade ser, por definição, um cri-
tério de decisão que, por levar em conta os particularismos do caso concreto,
não é compatível com a generalidade e a abstração normalmente associadas às
nomas. Assim, também nos casos de decisão por equidade, e mesmo reconhe-
cendo que nestes casos a distribuição do ónus, enquanto questão-de-direito,
pode (e deve) também ela ser decidida por equidade, um critério de distri-
buição baseado na forma como o texto dos critérios de decisão material está
redigido não oferece ao julgador por equidade critério algum para determi-
nar a distribuição do ónus.
No quarto tipo de casos, também a falta de qualquer apoio na redação tex-
tual é manifesto. Efetivamente, dado que todo o nosso direito material está
pensado de forma a estabelecer as circunstâncias em que se atribuem ou se
retiram direitos, sendo a necessidade de averiguação factual, na perspectiva
do direito material, instrumental relativamente à atribuição ou à retirada de
direitos, o reconhecimento processual (art. 4.º, n.º 2, al. a)) da possibilidade
de ser diretamente pedida em juízo a averiguação da ocorrência ou não ocor-
rência de certo facto, causa, no que à distribuição do ónus diz respeito, a difi-
culdade de não ser possível atentar ao enunciado de quaisquer normas para
aferir aquela distribuição.
Além destes quatro tipos de casos, o referido A. acrescenta ainda77 que a
mesma insuficiência da teoria que temos vindo a discutir se manifesta sem-
pre que subjacente à decisão que o julgador tem de tomar está o recurso a
tópicos do discurso jurídico que, em vez de resultarem das normas que são
aplicáveis ao caso, são o resultado da construção histórica que a doutrina e a
jurisprudência têm realizado a propósito da necessidade de resolver as ques-
tões que se colocam na apreciação jurídica dos vários casos. Como exemplos

76
Nas sugestivas palavras de Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 94-5, a propósito da
interpretação restritiva, refere aquele A. que «Um grupo de casos ou de soluções é destacado
do sentido juridicamente relevante do enunciado legal. É afastado «em silêncio», não há pala-
vras fixas para o expressar. Tanto pode ter-se entendido que o texto só fazia sentido (jurídico)
sem aquela sua secção, quanto que fazia pleno sentido excepto se a integrasse».
77
Por uma distribuição, p. 143.

300

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

desta realidade apresenta Pedro Múrias78, entre outros, as várias hipóteses


de concretização do abuso de direito, como o venire contra factum proprium ou
o tu quoque, assim como a figura da garantia bancária autónoma79.
Resulta assim, que em todos estes tipos de casos, a teoria das normas não
consegue dar uma resposta para a distribuição do ónus, pelo que, neles, a iden-
tificação dos factos constitutivos, impeditivos e extintivos não pode ser feita
através daquela teoria. Assim sendo, como consideramos que os n.os 1 e 2 do
art. 342.º do CC consagram a dita teoria80, entendemos que também81 estes
casos devem ser considerados como de dúvida para efeito do n.º 3 do mesmo
preceito, pelo que se devem sempre tomar como constitutivos82.

Vistas as insuficiências da teoria das normas, vejamos agora como esta


teoria pode apresentar um critério enganador para a distribuição do ónus.
Vimos já que a presença de alguns tipos de expressões na redação das nor-
mas indicia a qualificação dos factos que se seguem a essas expressões como
constitutivos (caso da expressão «desde que») ou como impeditivos (caso da
expressão «salvo se»).
No entanto, essa afirmação não poderá ser considerada como totalmente
correta, dado que a utilização daquelas expressões tanto pode ser feita no
seguimento da atribuição de um direito, caso em que as referidas locuções
permitem qualificar corretamente os factos, como na sequência de uma reda-
ção normativa que restrinja a atribuição do direito em causa, caso em que
tais expressões não fornecem uma indicação correta para essa qualificação.
De facto, a título de exemplo, numa ação cujo pedido seja de indemnização
baseada em responsabilidade civil delitual (art. 483.º, n.º1 do CC), a inimputa-
78
Por uma distribuição, p. 147.
79
A estes exemplos poderemos ainda acrescentar, na mesma linha, o de justa causa de despe-
dimento em que, tal como bem notou Lobo Xavier, Justa causa de despedimento, pp. 46 e ss., a
utilização de uma cláusula geral como a de justa causa não se coaduna com a aplicação da teoria
das normas, visto não ser possível determinar quais os factos constitutivos ou impeditivos
da mesma, nomeadamente porque a lei não refere especificadamente (nem poderia fazê-lo)
todos os factos de que pode resultar a ocorrência de justa causa ou a sua não verificação.
80
Cfr. n. 61.
81
Cfr. n. 73.
82
No entanto, o facto de entendermos que nestes tipos de casos os factos probandos se
devem considerar como constitutivos, não significa que defendamos que a sua prova caiba
necessariamente ao autor, pelas razões que apontamos no ponto 5.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

bilidade do lesante constitui um facto impeditivo do direito à indemnização.


No entanto, a norma do art. 488.º do CC que consagra esse facto impeditivo
prescreve uma exceção à eficácia impeditiva da inimputabilidade através da
expressão «salvo se», a qual, como vimos, supostamente indicia a consagração
de um facto impeditivo. Efetivamente, aquela norma estabelece a irresponsa-
bilização dos inimputáveis «salvo se o agente se colocou culposamente nesse
estado, sendo este transitório». Ora um facto que excepciona a eficácia de um
facto impeditivo, ainda que precedido da expressão «salvo se», não deverá
ser qualificado também como impeditivo mas antes como um facto constitu-
tivo cujos efeitos só se manifestarão caso o facto impeditivo, cuja eficácia ele
excepciona, seja provado83. Por isso, no exemplo que avançámos, alegando o
réu, na contestação, que é inimputável, poderá o autor, na audiência prévia
ou, não havendo lugar a ela, na final (art. 3.º, n.º 4 do CPC), alegar (e provar)
que o réu «se colocou culposamente nesse estado» e que o mesmo foi transi-
tório, assim se protegendo na eventualidade de a inimputabilidade vir a ser
considerada como provada.
Destas considerações podemos concluir que, para determinar a distribui-
ção do ónus da prova através do texto das normas, mais importante do que
atentar nas expressões específicas que os enunciados normativos apresen-
tem, será a interpretação dos mesmos de modo a verificar se eles apresentam
certo facto como constitutivo do direito em causa (determinado em função
do pedido da ação) ou como impeditivo do mesmo84. Contudo, tal como se
viu, se esta análise não puder ser feita ou se dela não resultar uma conclu-
são clara, julgamos que se deverá aplicar a prescrição estabelecida no n.º3 do
art. 342.º do CC.

Com tudo o que se acabou de referir, procurou-se apresentar o nosso


entendimento em relação ao modo como julgamos estar distribuído o ónus
da prova de acordo com o art. 342.º do CC, que tem sido o preceito-base
usado pela jurisprudência para aferir a repartição do ónus da prova85. Mas

83
Esta qualificação já seria diferente se o pedido visasse antes a declaração de inimputa-
bilidade do agente, caso em que a expressão «salvo se» já anunciaria um facto impeditivo.
84
Cfr. n. 71.
85
Neste sentido, v., entre muitos outros, os ss. acs.: STJ: 23/09/2001 (Lucas Coelho),
06/07/2006 (Oliveira Barros), 26/04/2012 (Silva Gonçalves); TRP: 19/03/2007 (Mar-

302

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

seja qual for o entendimento que se adopte em relação a esta matéria, para o
efeito da ideia que procuraremos defender neste trabalho, é essencial notar
uma característica comum a qualquer critério de distribuição do ónus da
prova que tem sido considerado: o facto de essa distribuição ser feita sempre
de acordo com critérios prévios e fixos para cada direito que se queira exercer
em juízo, não sendo levadas em conta quaisquer características de cada pro-
cesso em concreto (com exceção da pretensão que nele se queira fazer valer).
A esta forma de distribuir o ónus podemos chamar a distribuição estática do
ónus da prova86.

3 – A distribuição dinâmica do ónus da prova

3.1 – A dificuldade de provar enquanto problema relevante na distribui-


ção do ónus da prova

A forma de distribuição do onus probandi que acabou de se enunciar, não leva


em conta, as consequências dessa repartição, apenas encontrando alguma
explicação nos ensinamentos da pandectística alemã a que fizemos referên-
cia. Isto ocorre porque, na maioria dos casos87, a formulação dos enunciados
legais é motivada por preocupações estéticas na redação ou com a necessi-
dade de tornar as normas mais facilmente compreensíveis, raramente sendo
possível encontrar nela a preocupação com o seu efeito distributivo do onus
probandi88. Consequentemente, em várias situações, o ónus da prova resulta
atribuído a uma parte para quem é manifestamente difícil, ou mesmo pra-
ticamente impossível, demonstrar a ocorrência da versão onerada do facto.

ques Pereira), 14/07/2010 (Henrique Antunes); TRL: 10/03/2011 (Henrique Antunes),


12/02/2004 (Olindo Geraldes); TRC: 03/05/2011 (Moreira do Carmo), 15/05/2007 (Vir-
gílio Mateus).
86
Afirmando exatamente o mesmo, embora a propósito do art. 333.º do Código de Processo
Civil Brasileiro que consagra precisamente as mesmas regras de distribuição do ónus da
prova que o art. 342.º, n.os1 e 2 do CC, v. Oliveira Yoshikawa, Considerações sobre a teoria
dinâmica, p. 123.
87
Cfr. n. 72.
88
Neste sentido, Pedro Múrias, Por uma distribuição, p. 132 e Lynce de Faria, A Inversão, p. 31.

303

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

Para fazer face a este problema, alguns AA.89 têm avançado uma solução
que se situa no âmbito da livre apreciação da prova. Por isso, sugerem que o
julgador tenha em conta, no momento de apreciar as provas, que o onerado
estava numa posição particularmente difícil para conseguir demonstrar os
acontecimentos, devendo ser menos exigente na altura de considerar prova-
dos os factos principais, em comparação com o que aconteceria se tal dificul-
dade não se verificasse.
Tal opinião não é por nós partilhada, devido, essencialmente, a dois tipos
de motivos: um aplicável a título principal e outro a título subsidiário.
O primeiro consiste na circunstância de que nas regras de experiência que
devem orientar a apreciação das provas, julgamos não ser possível incluir a
eventual dificuldade que a parte onerada teve em recolhê-las. Efetivamente,
se essa parte conseguir, apesar dos obstáculos, apresentar algumas provas,
estas devem ser apreciadas como quaisquer outras, tendo em conta os conhe-
cimentos da experiência de vida, da lógica, da regularidade ou normalidade
dos acontecimentos, critérios que indicam objetivamente a credibilidade das
provas. Como tal, a título de exemplo, caso certa testemunha apresente inco-
erências no seu discurso, internas ou em comparação com outros meios de
prova verosímeis, o julgador deve desvalorizar o respetivo depoimento, ape-
sar da dificuldade probatória.
Além disso, será muito provável que, se certa parte se deparar com difi-
culdades probatórias, não consiga apresentar quaisquer provas para demons-
trar a versão factual com que está onerada. E, neste caso, não existirão provas
para apreciar, pelo que, também por este motivo, de nada serviria a menor
exigência no que respeita à apreciação das provas.
Depois, mesmo que se entenda que a dificuldade em produzir a prova deva
aligeirar a exigência do julgador com vista à consideração dos factos como
provados, não podemos partilhar da opinião de que esse aligeiramento fosse
correto, pelo menos no âmbito do direito privado. Isto porque, tal como se
referiu supra90, a medida da prova exigível neste âmbito é já a menos exigente

89
Neste sentido se pronunciaram, especialmente no que toca à dificuldade de provar a
ocorrência de factos negativos, Rosenberg, La Carga de la Prueba, p. 378, Vaz Serra, Provas,
p. 139, Manuel de Andrade e Antunes Varela (em colab.), Noções, p. 203, Teixeira de
Sousa, Sobre o ónus, p. 141.
90
V. ponto 2.2.2.3.

304

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

que se pode conceber, ou seja, a prova preponderante. Esta não pode, portanto,
ser aligeirada sob pena de se estar a considerar como provado um facto que,
pelo contrário, se deveria tomar como não provado, por insuficiência proba-
tória91, visto que a medida da prova exigida seria inferior a 50%.
Por ambas as razões, não consideramos ser correta a referida forma de
tentar resolver o problema acima enunciado. De facto, pensamos ser mais
adequado que as dificuldades probatórias sejam tidas em conta na situação
em que, após e apesar de o julgador ter apreciado as provas, não se logrou
demonstrar os factos, encontrando-se a convicção daquele no ponto de igno-
rância. Assim, é no âmbito da distribuição do ónus da prova que a dificuldade
de provar deve ser tida em conta, podendo aqui ser encontrada uma solução
eficiente para aquele problema, que passamos a expor.

3.2 – A solução da distribuição dinâmica do ónus da prova

3.2.1 – Preliminares

Tentando pensar a questão da distribuição do ónus da prova de forma sim-


ples e justa, livre de quaisquer pré-compreensões, uma resposta surge como
sendo a mais óbvia: deve suportar este ónus a parte que, em relação à contrá-
ria, puder provar com maior facilidade a versão do facto que lhe aproveita,
sempre que a sua identificação for possível92. Deste modo, estimula-se a parte
com maior facilidade probatória a apresentar as provas de que dispõe, elimi-
nando a possibilidade dessa parte aligeirar o seu esforço probatório (visto já
não ter o onus probandi a seu favor) e maximizando a probabilidade de haver
uma prova efetiva em relação ao factum probando, tirando partido do efeito à
distância do ónus da prova. Além disso, sai também favorecida a justiça da
decisão, dado que a oneração da parte com maior facilidade relativa de pro-
duzir a prova promove um maior equilíbrio entre as partes no âmbito proba-
tório: por um lado, facilita-se que a parte com maior dificuldade relativa em
produzir a prova possa também conseguir que a versão factual que a favorece
possa ser considerada na sentença, por via da decisão de ónus da prova; por

91
Cfr. n. 56.
92
Cfr. n. 103.

305

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

outro, impõe-se que a parte contrária tenha que provar efetivamente a versão
factual que lhe é favorável para que ela possa ser considerada na decisão93.
Não estamos sozinhos nesta consideração. Efetivamente, têm alguns AA.
adotado esta forma de reagir ao problema da dificuldade de provar certo facto.
Surge assim o critério da distribuição dinâmica do ónus da prova, que procura
tornar relevante, no campo da repartição deste ónus, a dificuldade relativa de
produzir a prova de cada uma das partes, atribuindo, precisamente, sempre
que possível, o onus probandi94 à parte com maior facilidade relativa95 de produ-
zir a prova. Por esta via se opera uma flexibilização das regras legais de distri-
buição do ónus, tornando-as mais adaptáveis aos contornos do caso concreto.
A distribuição dinâmica do ónus da prova é uma ideia que julgamos ter
estado latente, há já vários anos, na doutrina que se tem pronunciado acerca
deste assunto96 e em decisões de tribunais que, de forma mais ou menos fun-
damentada, não aplicaram de forma estrita as regras legalmente estabele-
cidas para a distribuição do ónus da prova, baseadas na teoria das normas97.

93
Estas são as vantagens que, genericamente, pensamos que apresenta esta consideração
no modo como é distribuído o ónus da prova. No ponto 4 iremos analisar melhor a sua com-
patibilidade com os princípios processuais aplicáveis.
94
Dado que no âmbito do ónus da alegação não se coloca o problema da dificuldade, neste
caso, de alegar os factos, a teoria das normas continua a ser o único critério para aferir a re-
partição deste ónus, em nada influindo a distribuição dinâmica do ónus da prova no encargo
de alegar os factos.
95
Esta relatividade é aferida entre as partes: deverá suportar o ónus de provar um facto
a parte que com mais facilidade puder provar a versão desse facto que lhe é favorável, em
relação à parte contrária, que, portanto, terá maior dificuldade em provar a versão contrária.
96
A título de exemplo cfr. Vaz Serra, Provas, p. 121 (cfr. n. 234), Teixeira de Sousa, As partes,
pp. 222-3 e 227-8, Lynce de Faria, A Inversão, p. 37, n. 120. Veja-se também a forma sugestiva
como Jeremy Bentham, no seu escrito Introductory view of the rationale of evidence, pp. 136-7,
responde à pergunta «Sobre quem deve recair o ónus da prova?»: «Esta questão apresenta
infinitas dificuldades num sistema processual técnico. Num sistema de justiça honesta e
simples, orientado por um procedimento natural, é muito fácil de responder. O ónus da prova
deve ser imposto, tendo em conta cada caso concreto, à parte que possa proceder à prova com
menos inconvenientes, dilações ou gastos. (…). Contudo, – dir-se-á – é a parte que inicia o
processo, que formula a alegação, que deve provar a verdade da mesma. Este aforismo, que
se explica a si próprio, é, aparentemente, muito plausível. Mas, por muito plausível que seja,
a experiência tem demonstrado que quanto mais se tem querido segui-lo, mais ele se afastou
do fim que visava e maiores têm sido os inconvenientes, as dilações e os gastos. Numa palavra,
aquele aforismo serviu mais para criar dificuldades do que para as resolver» (tradução nossa).
97
V. n. 234.

306

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

No entanto, enquanto doutrina sedimentada, surgiu na Argentina, ficando


o seu nome e a sua primeira sistematização doutrinal a deverem-se a Jorge
W. Peyrano, num escrito publicado originariamente em 198198. Atualmente,
a doutrina da distribuição dinâmica é muito difundida naquele país, onde,
apesar de a adesão à mesma não ser unânime99, é claramente maioritária100.
Além disso, a sua difusão alastrou mesmo para outros ordenamentos em que
tem, com aquele ou outros nomes, vindo a ser adotada101.
Face ao exposto e tal como já se referiu, a noção que constitui a base do
funcionamento da distribuição dinâmica do ónus da prova é a da facilidade
em produzir a prova. Começaremos, portanto, por ver como deve esta noção
ser concretizada.

3.2.2 – A facilidade relativa de produzir a prova

O que acabámos de afirmar pressupõe a existência e a identificabilidade de


casos em que exista um desequilíbrio entre as capacidades probatórias de
cada parte, para que se atribua o ónus à parte que apresente a maior facili-
dade probatória. Reconhecendo embora que nem sempre esse desequilíbrio
se verifica102, caso em que a alternativa da distribuição dinâmica do ónus da
prova não será aplicável103, a verdade é que esses casos serão de ocorrência
relativamente rara, visto que na maioria dos casos, será possível determi-
nar algum desequilíbrio nas faculdades probatórias das partes, ainda que
mínimo. Como tal, a aplicação desta forma de repartição do ónus da prova
pressupõe que se concretize a cláusula geral da maior facilidade relativa de
produzir a prova.
Assim, aquela cláusula geral, como qualquer outra, é caracterizada por
uma grande generalidade, contrapondo-se, portanto, à enumeração casuís-
tica da distribuição do onus probandi, a qual seria impraticável neste âmbito

98
Referimo-nos ao texto Lineamientos de las cargas probatorias «dinámicas», pp. 13 e ss..
A propósito das implicações que a publicação deste escrito teve cfr. Abraham Vargas, Cargas
probatorias dinámicas. Sus perfiles, p. 10.
99
V. Maximiliano Grande, Cargas probatórias pp. 2 e ss..
100
V. Inés White, Cargas probatorias dinámicas, p. 68.
101
Cfr. ponto 3.4.
102
Para alguns exemplos dessa situação v. Pedro Múrias, Por uma distribuição, pp. 133-4.
103
Cfr. ponto 3.3.2.

307

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

pois o problema de que tratamos surge em todos os processos em relação a


todos os factos principais constantes das previsões normativas. Acrescen-
tando à generalidade, a referida cláusula geral é largamente indeterminada104,
sendo que a sua aplicação terá de ser aferida segundo as circunstâncias do
caso concreto, pois a enorme variedade de situações que pode dar azo à
ocorrência de maior facilidade de produzir a prova por uma parte em rela-
ção à contrária não é susceptível de ser formulada por conceitos ou critérios
determinados.
Porém, tal não nos deve impedir de avançar alguns exemplos de casos em
que se justifica a aplicação da distribuição dinâmica do ónus da prova, por
forma a melhor expor esta ideia, sendo que os exemplos que serão avançados
têm as características de, por um lado, neles se verificar desigualdade nas
capacidades de produção de prova das partes e, por outro, de a repartição do
ónus da prova segundo o critério consagrado no art. 342.º do CC ser neles
distinta daquela que resulta da aplicação da distribuição dinâmica.
Adotaremos pois, para o efeito, uma classificação (não exaustiva, nem
quanto às classes nem quanto aos exemplos nelas qualificados) em três tipos
de situações que permitem mais claramente identificar as circunstâncias que
podem determinar a existência de desigualdade na capacidade de produção de
prova entre as partes: a proximidade e o controlo dos factos, os conhecimentos
técnicos e o exercício de uma atividade enquanto profissional e o acesso aos
meios de prova. Refira-se, por fim, que alguns dos exemplos a referir podem
ser qualificados em mais do que uma classe, em virtude de apresentarem um
grau de desigualdade especialmente forte.

3.2.2.1 – A proximidade e o controlo dos factos

Os casos em que com maior nitidez se verifica uma clara proximidade e con-
trolo dos factos da parte a quem aproveita a versão privilegiada em relação
à parte contrária (onerada com a prova) são algumas situações de ressarci-
mento de danos resultantes do incumprimento das chamadas obrigações de
meios, nomeadamente no que diz respeito à prova dos requisitos da ilicitude

104
Para uma distinção clara entre as noções de conceito indeterminado e de cláusula geral,
bem como dos vários tipos desta última, v. Engish, Introdução ao Pensamento, pp. 228 e ss..

308

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

(incumprimento), da culpa105 e do nexo de causalidade. Nestes casos, portanto,


a distribuição dinâmica aconselha a inversão do ónus da prova.
Assim, no âmbito da classificação das obrigações como sendo de meios
ou de resultado, adotando o entendimento de Pedro Múrias e Lurdes
Pereira106, ambas as obrigações se caracterizam pela referência a um resul-
tado, sendo que, nas de meios, a obrigação consiste na tentativa adequada de
causar esse resultado, enquanto que nas de resultado consiste na efetiva pro-
dução do mesmo, em consequência do comportamento do devedor. Conse-
quentemente, é natural que, nas primeiras, pressupondo que houve alguma
tentativa, a demonstração de que esta foi culposamente107 inadequada à pro-

105
Relativamente aos requisitos da ilicitude e da culpa, a já habitualmente difícil tarefa da
sua distinção e identificação perante os factos é ainda mais complicada sempre que esteja
em causa o incumprimento de uma obrigação de meios, dado que, nestes casos, a prova da
inadequação do comportamento do devedor para causar o resultado equivale, à partida, à
demonstração da falta de zelo ou diligência da conduta do devedor, visto que a demonstração
do incumprimento não assenta apenas na verificação da não ocorrência de um resultado mas
também na valoração do comportamento do devedor. Neste sentido, v. Carneiro da Frada,
Uma «Terceira Via», p. 29; a este respeito cfr. André dias Pereira, O Consentimento, pp. 426-
7, n. 962 e Ana Prata, Responsabilidade Civil, pp. 346 e ss.. Em consequência deste aspeto,
aplicaremos a estes dois requisitos a mesma solução em relação ao que no texto seguidamente
se afirma a propósito do ónus da prova nas ações de responsabilidade civil por atos médicos.
106
Obrigações de meios, pp. 999 e ss..
107
A doutrina não é unânime em considerar, se numa ação de responsabilidade civil em que
se discuta o incumprimento de uma obrigação de meios, se deve entender-se como sendo
aplicável a presunção de culpa genericamente prevista para a responsabilidade contratual (art.
799.º, n.º 1 do CC). A propósito desta divergência doutrinal, no sentido de que a presunção
de culpa não de aplica às obrigações de meios, v. Manuel Nunes, O Ónus da Prova, pp. 46 e
ss., Pedro Múrias e Lurdes Pereira, Obrigações de meios, pp. 1012 e ss., Ribeiro de Faria,
Da prova na responsabilidade civil médica, pp. 177 e ss., João Álvaro Dias, Procriação Assistida,
pp. 221 e ss. e Teixeira de Sousa, Sobre o Ónus da Prova, pp. 136 e ss. Em sentido contrário, v.
Sinde Monteiro, Acidente na auto-estrada, p. 93, n. 156, Figueiredo Dias e Sinde Monteiro,
Responsabilidade Médica, pp. 45 e ss., Álvaro Rodrigues, Reflexões em torno da responsabilidade,
pp. 208 e ss. e André dias Pereira, O Consentimento, pp. 425-6. Esta opinião é também par-
tilhada por alguma da jurisprudência que tem abordado este assunto e de que são exemplos
os ss. acs.: STJ: 17/12/2002 (Afonso Melo), 22/05/2003 (Neves Ribeiro), 18/09/2007 (Alves
Velho), 27/11/2007 (Rui Maurício), 04/03/2008 (Fonseca Ramos), 15/10/2009 (Rodrigues
dos Santos), 01/07/2010 (Serra Baptista), 22/09/2011 (Bettencourt de Faria); especial-
mente claro em relação a esta questão v. ac. do TRL de 15/12/2011 (Pedro Martins). Assim,
tal como se explica infra, no ponto 5.2, julgamos que as presunções são motivadas por uma
razão de verossimilhança entre o facto base da presunção (neste caso, o incumprimento que
causa o dano) e o facto presumido (neste caso, a culpa). Deste modo, pela nossa parte, como

309

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

dução do resultado e de que existe um nexo de causalidade (naturalístico e


adequado108) entre aquela inadequação e a produção do dano, é claramente
mais difícil do que a prova dos mesmos elementos nas obrigações de resultado,
nas quais o incumprimento consiste na própria não verificação do resultado
e é essa situação a (supostamente) determinar a ocorrência do dano.
De facto, foram casos de incumprimento de obrigações de meios que pri-
meiro suscitaram a necessidade de repensar a distribuição do ónus da prova
através da distribuição dinâmica, nomeadamente com o exemplo mais suges-
tivo deste tipo de obrigações: a prestação de serviços médicos.
Com efeito, na prestação destes serviços, em particular quando estejam
em causa intervenções médicas passíveis de causar danos graves (nomeada-
mente as intervenções cirúrgicas), surgem dificuldades probatórias no que
respeita à demonstração da ilicitude, culpa e nexo de causalidade motivadas
pelo afastamento e pela ausência de controlo que o paciente, enquanto parte
onerada com a prova, tem sobre o facto danoso. Pelo contrário, será o médico
que estará mais próximo e que assumirá o controlo sob a intervenção, por
vezes mesmo de forma absoluta, sem qualquer possibilidade de o paciente
poder sequer presenciá-la, nomeadamente nos casos em que esteja aneste-
siado. Além disso, o médico tem obviamente acesso a conhecimentos técni-
cos diretamente relativos ao facto danoso de que o paciente, à partida, não

o dano que estiver em causa só raramente será causado por uma tentativa inadequada para
produzir certo resultado, sendo muito mais provável que esse dano seja causado pela própria
ausência desse resultado, não julgamos existir, à partida, nenhuma relação de verossimilhança
que justifique a presunção de culpa neste âmbito das obrigações de meios.
108
Tal como bem apontou Ana Prata, Responsabilidade Civil, pp. 347 e ss., a distinção entre
o juízo de culpa e a aferição do nexo de causalidade adequada está longe de ser óbvia. Pela
nossa parte, efetivamente, os elementos confundem-se, pois a averiguação de se certo sujeito
poderia, em concreto, ter considerado as consequências danosas da sua atuação ou omissão
é uma parte da análise da eventual falta de cuidado ou de diligência que se pode atribuir à
atuação do sujeito. Como tal, mais correto seria se se entendesse exclusivamente o nexo de
causalidade na sua feição naturalística e se incluísse a previsibilidade dos danos no âmbito do
juízo de culpa, sendo esta questão especialmente relevante quando os danos se apresentassem
particularmente inesperados para a atuação que (naturalísticamente) os causou. Assim, esta
consideração tem, no que à distribuição dinâmica do onus probandi diz respeito, as suas con-
sequências. Com efeito, a referida indistinção entre aqueles elementos implica que não só a
prova da culpa como também a do nexo de causalidade adequada seja mais difícil de realizar
se estiver em causa o incumprimento de uma obrigação meios do que uma de resultado.

310

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

dispõe109. Por isso, de acordo com o critério da distribuição dinâmica do onus


probandi, este deverá, no que diz respeito à prova da não verificação daqueles
elementos, caber ao réu-médico. Realmente, tendo este presenciado e con-
trolado a intervenção e conhecendo melhor os procedimentos e os possíveis
resultados da mesma, estará naturalmente em melhores condições de apresen-
tar provas que sejam coerentes e persuasivas de que, por exemplo, respeitou
as leges artis aplicáveis ao caso (não verificação da culpa nem da ilicitude) e/ou
de que os danos verificados não eram de todo previsíveis ou que se ficaram a
dever a uma causa diferente da intervenção médica (não verificação do nexo
de causalidade). Deste modo, a maior facilidade probatória do médico não é
afetada por ele ficar onerado com a prova de um facto negativo, pois poderá
demonstrar a não-culpa/ilicitude ou a não-causalidade através da prova de
algum facto positivo que tenha maior facilidade em demonstrar (por exem-
plo, a prova do cumprimento de todas as boas práticas aplicáveis ao caso)110.
De facto, apesar de não partilharmos da opinião de que os factos negativos
sejam necessariamente mais difíceis de provar do que os positivos, pelas razões
que explicaremos infra111, neste exemplo, o médico terá maior facilidade em
demonstrar o facto positivo com que passa a estar onerado, não simplesmente
porque é um facto positivo mas antes porque se trata de um facto relativa-
mente ao qual ele tem, efetivamente, maior facilidade probatória.

109
Apesar de na exposição que fazemos no texto termos optado por diferenciar os elementos
relativos à proximidade e controlo dos factos e os relativos aos conhecimentos técnicos e
exercício de uma atividade enquanto profissional (cfr. ponto 3.2.2.2), neste exemplo da res-
ponsabilidade civil por atos médicos ambos os elementos se reúnem, justificando-se assim,
de forma ainda mais intensa, a aplicação da distribuição dinâmica do onus probandi.
110
Refira-se que a atribuição do ónus da prova dos elementos da responsabilidade civil referi-
dos no texto ao médico tem sido apontada como a solução, de iure condendo, mais apropriada às
circunstâncias do caso por AA. como Manuel Nunes, O Ónus da Prova, pp. 61 e ss., sendo esta
também a solução consagrada na proposta de Diretiva sobre a responsabilidade do prestador
de serviços, elaborada pelo Concelho de Ministros da União Europeia (COM/90/482FINAL –
SYN 308). No que diz respeito aos AA. que se referem especificamente à teoria da distribuição
dinâmica do onus probandi, também estes são, naturalmente, muito explícitos na utilização
desta teoria para atribuir ao médico o ónus da prova no exemplo em análise. A este propósito
cfr. Edgar Baracat, Estado Actual, pp. 307 e ss., Juan Vallejos, Cargas Probatórias Dinâmicas,
pp. 455 e ss. e Silvina Marques, La Carga de la Prueba, pp. 479 e ss..
111
V. ponto 3.2.3, em especial a n. 127.

311

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

Além dos danos causados em resultado de atos médicos, vários outros


casos se podem enumerar em que, da mesma forma, a distribuição dinâmica
do ónus da prova aconselha que se atribua este ónus a uma parte distinta
daquela que o suporta de acordo com a distribuição decorrente do art. 342.º
do CC112, também porque esta parte não é a que se encontra mais próxima
ou que possui o controlo efetivo do facto cuja demonstração está em causa.
Enunciados de forma breve e, novamente, sem preocupação de exaustividade,
podemos enumerar os seguintes:
A atribuição ao demandado, parte no negócio (razão da maior proximi-
dade e do controlo do facto), do ónus da prova de que este não fora simulado,
em ação judicial em que um terceiro vise a declaração de nulidade de negó-
cio simulado113;
A imputação à parte que se prevalece do regime aplicável à pessoa coletiva
do onus probandi de que não se verificaram os requisitos da desconsideração da
personalidade coletiva, nomeadamente a consciência e a intencionalidade do
abuso daquela (bem mais próximos da parte que se prevalece deste regime),
sempre que esta não decorra de uma prescrição legal concreta114;

112
Note-se que, em todos os exemplos a que fazemos referência no texto, a teoria da dis-
tribuição dinâmica do ónus da prova determina apenas que, em comparação com o critério
distributivo deste ónus que consta do art. 342.º n.os1 e 2 do CC, haja inversão do onus probandi
relativamente àqueles factos principais em que se verifique que a parte onerada segundo
aquele preceito do CC não seja a que apresente maior facilidade probatória. Ora, tal nem
sempre se verificará relativamente a todos os factos principais cuja prova é relevante nos
exemplos que avançamos. Concretizemos com o exemplo da responsabilidade civil por atos
médicos: a prova da inexistência de culpa ou de ilicitude ou de que o dano não se ficou a
dever à intervenção médica, por ser comparativamente mais fácil ao médico do que a versão
contrária seria ao paciente, cabe, segundo a distribuição dinâmica, ao médico, verificando-se,
a este respeito, uma inversão da distribuição deste ónus que resultaria do art. 342.º n.os1 e 2
do CC; já a prova da verificação do facto e do dano, visto ser mais fácil ao paciente do que a
versão inversa seria ao médico (critério da proximidade e controlo dos factos), cabe, segundo
a ideia de que tratamos, ao paciente, mantendo-se aqui o resultado distributivo decorrente
do referido preceito legal.
113
Neste sentido cfr. Edgar Baracat, Estado Actual, pp. 315 e ss..
114
De facto, nos casos em que a lei prevê a desconsideração da personalidade coletiva para
efeitos determinados (cfr., por exemplo, os arts. 84.º, n.º1 e 270.º-F, n.º4 do CSC) não se exige,
à partida, a prova de requisitos com elevada dificuldade probatória. Pelo contrário, sempre
que a superação da personalidade coletiva assente em prescrições legais mais genéricas,
como ocorre com o abuso de direito, surgirão dificuldades probatórias a que a distribuição

312

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Em ação que vise a impugnação pauliana de ato oneroso, a atribuição do


ónus da prova da não verificação de má fé ao devedor, visto ser este a partici-
par nesse ato (art. 612.º, n.º1 do CC);
Numa ação que vise o cancelamento ou a transferência de um nome de
domínio .pt na internet, atribuir ao demandado (titular do domínio) o ónus
da prova da existência de direitos ou interesses legítimos na utilização do
nome e de que o domínio não fora registado nem utilizado de má-fé (cfr. art.
43.º, n.º2, als. b) e c) e § único do Regulamento de Registo de Domínios .PT,
com depósito legal n.º 340473/12)115;
Em qualquer ação judicial em que seja relevante determinar a ocorrência
de um ato de concorrência desleal ou publicidade ilícita, onerar o demandado
com o ónus da prova da veracidade das suas declarações publicitárias ou de
efeito concorrencial, visto que estará muito mais próximo dos elementos que
permitem atestar essa veracidade116;
Em ação judicial proposta por um terceiro beneficiário de um contrato de
seguro contra o segurador (parte do contrato, mais próxima do mesmo), atri-
buir a este o onus probandi da inexistência ou ineficácia do contrato de seguro117.

3.2.2.2 – Os conhecimentos técnicos e o exercício de uma atividade


enquanto profissional

Outro tipo de fundamento que pode explicar a maior facilidade relativa de


produzir a prova é o acesso aos conhecimentos técnicos relevantes na demons-
tração de algum elemento cuja prova seja relevante.

dinâmica procura atender. No mesmo sentido v. Carlos Pastor, Cargas Probatórias Dinâmicas,
pp. 419 e ss..
115
Neste mesmo sentido, v. Carlos Carbone, Cargas Probatorias, p. 223. Cfr., a este respeito, o
ponto 4 da Política para a Resolução Uniforme de Litígios sobre Nome de Domínio, aprovada
pela ICANN (disponível em http://www.icann.org/pt/help/dndr/udrp/policy), em cuja redação se
baseou o art. 43.º do Regulamento referido no texto.
116
Refira-se que a repartição do onus probandi que a distribuição dinâmica aconselha nestes
dois casos é a que se encontra expressamente consagrada no ordenamento jurídico espanhol,
nomeadamente no art. 217.º, n.º4 da LEC. Entre nós existem também algumas normas que
apontam no mesmo sentido (cfr., por exemplo, o art. 16.º, n.º 5 do Código da Publicidade,
relativo à publicidade comparativa), mas, em regra, continua a caber ao autor o ónus da prova
da falsidade das declarações do demandado (cfr. arts. 317.º, n.º1 e 318.º do CPI e 10.º do CPub).
117
Neste sentido cfr. Héctor E. Leguisamón, La Necesaria Madurez, p. 123.

313

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

Este fator de facilidade probatória surge frequentemente, embora não


necessariamente, associado ao exercício de uma atividade profissional, visto
que sendo uma parte um profissional, este deverá ter um acesso mais fácil,
rápido e completo aos respetivos conhecimentos técnicos e ao modo correto
de proceder nessa atividade, o que poderá colocá-lo numa posição de vanta-
gem probatória118.
Assim, ser-lhe-á mais fácil, por exemplo, provar que o modo como proce-
deu era conforme com as boas práticas da respetiva profissão, sempre que for
demandado pelo ressarcimento de um dano que poderá ter sido originado
pela sua atuação. Vejamos alguns exemplos:
Um eletricista que seja demandado pelos danos decorrentes de um incên-
dio que o autor alega ser o resultado de uma má instalação elétrica, ou de um
canalizador a quem sejam pedidas responsabilidades por uma inundação que
o autor apesenta como sendo o resultado de uma errada reparação na cana-
lização realizada pelo réu. Em ambos os casos o profissional estará, em prin-
cípio, em melhores condições de demonstrar a licitude da sua ação do que o
autor em provar a ilicitude da atuação da parte contrária.
Novamente recorrendo aos exemplos das obrigações de meios, onerar a
agência de avaliação do risco de crédito119 com a prova de que não atuou com
culpa nem ilicitude e de que não se verificou o nexo de causalidade adequada120
em ação em que esta seja demandada pela entidade avaliada ou por terceiros

118
Referindo, relativamente ao direito alemão, que os casos de alegada violação grave de uma
obrigação profissional justificam a inversão do ónus da prova, v. Jauernig, Direito Processual,
p. 278.
119
Consideramos que as obrigações das agências de avaliação do risco de crédito são, em
regra, de meios, por deverem consistir na tentativa adequada de avaliar corretamente a pos-
sibilidade de incumprimento de certa empresa ou país, não devendo ser qualificadas como de
resultado, pois a avaliação do efetivo incumprimento da entidade avaliada está dependente de
fatores que, em muitos casos, serão imprevisíveis. Neste sentido e defendendo a aplicação da
distribuição dinâmica do ónus da prova a este caso, v. Carlos Carbone, Cargas Probatórias,
pp. 224-5.
120
Entendemos que a prova do nexo de causalidade adequada deve caber ao demandado
pelas razões que avançámos na n. 108. Contudo, ao contrário do que afirmámos e do que
ocorre no âmbito da responsabilidade por atos médicos, aqui não se verificam dificuldades
no âmbito da prova do nexo de causalidade naturalístico, pelo que a sua prova deve continuar
a caber ao autor.

314

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

destinatários da informação, por alegadamente não ter efetuado uma dili-


gente e objectiva análise do risco, provocando à autora danos;
Em ação judicial, na qual o comprador pretenda que o tribunal reconheça
que o preço devido pela compra de um bem, determinado segundo os critérios
do art. 883.º, n.º1, primeira parte, do CC é inferior ao cobrado pelo vendedor
(profissional), este deverá suportar o ónus da prova de que o preço devido,
segundo aqueles critérios, não é aquele que o autor afirma ser.

Refira-se, em relação aos dois primeiros exemplos apontados, que podem


também apresentar outros fatores reveladores da maior facilidade probató-
ria de uma das partes, nomeadamente o fator da proximidade e controlo dos
factos.

3.2.2.3 – O acesso aos meios de prova

Por fim, o último aspeto que analisaremos como sendo relevante na distribui-
ção dinâmica do ónus da prova é a capacidade das partes poderem aceder aos
meios de prova relevantes para a demonstração dos factos da causa, devendo
aquele ónus ser atribuído à parte que, com maior facilidade relativa, conse-
guir aceder aos mesmos. Neste ponto, ao contrário do que fizemos com os dois
anteriores, não iremos avançar exemplos de casos concretos, pois a questão
do acesso aos meios de prova é um problema que se pode colocar em pratica-
mente qualquer tipo de caso. De facto, dado que a única forma de demonstrar
certo facto em juízo é através de meios de prova, a verdade é que os exemplos
que avançámos anteriormente poderão também ser integrados neste fator
de facilidade probatória121. No entanto, optámos pela sua autonomização em
virtude de ser possível existirem casos em que a maior facilidade relativa de
produzir a prova não se deva a nenhum dos outros fatores, mas antes, sim-

121
Apesar de tal coincidência poder ocorrer, a autonomização dos outros fatores não perde
relevância, dado que eles permitirão sempre ajudar a aferir qual das partes tem mais fácil
acesso aos meios de prova. De todo o modo, a referida coincidência também pode não ocorrer
dado que, por exemplo, a maior facilidade probatória se pode ficar a dever à maior capacidade
de uma das partes (em função de algum dos outros critérios) expor os factos de forma mais
coerente e convincente, ficando a sua maior facilidade probatória a dever-se a essa melhor
capacidade de convencer o julgador pela exposição factual e não pelo acesso mais facilitado
aos meios de prova.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

plesmente, a um acesso mais facilitado aos meios de prova de uma parte em


relação à contrária, motivado por quaisquer outras razões.

Além disso, refira-se que este constitui o único fator de dificuldade pro-
batória que o legislador reconheceu de forma genérica e a que atribuiu um
regime efetivamente dirigido à proteção da parte com maior dificuldade rela-
tiva de produzir a prova e à descoberta da verdade, que consta essencialmente
dos arts. 344.º, n.º2 do CC e 417.º, n.º2 do CPC.
Na verdade, decorre da conjugação daqueles dois preceitos legais, entre
outras, a prescrição de que, caso uma parte tenha acesso exclusivo ou facili-
tado a um meio de prova, pode a parte contrária requerer ao juiz (ou pode este
fazê-lo oficiosamente) que ordene àquela a apresentação desse meio122. Caso
a parte a quem a ordem se dirige se recuse a cumpri-la, existem duas conse-
quências: primeiramente, o juiz deverá levar em conta essa recusa no âmbito
da livre apreciação da prova, como um fator contributivo para a demonstra-
ção da versão do facto desfavorável à parte incumpridora (art. 417.º, n.º2 do
CPC)123; depois, caso o incumprimento da ordem implique a impossibili-
dade de a parte contrária (onerada com a prova) provar a versão do facto que
a favorece, então o ónus da prova é invertido, passando a ser suportado pela
parte incumpridora.
Sem deixar de louvar esta solução legal, por demonstrar a preocupação do
legislador com a dificuldade de prova, não podemos também deixar de subli-
nhar que o referido regime legal não é o mais adequado. Com efeito, dado que
os mecanismos nele previstos para solucionar aquela dificuldade (implicação
ao nível da apreciação da prova e inversão do ónus da prova) assentam sempre
na circunstância de a parte com acesso mais facilitado desobedecer à ordem
do juiz, existe um incentivo forte para o cumprimento dessa ordem. Assim,
como a parte a quem a ordem se dirige é aquela que tem acesso facilitado ou
exclusivo aos meios de prova, estará ao alcance desta alterar os mesmos de

122
Tal pode traduzir-se, por exemplo, na junção de um documento, na disponibilização do
acesso a certo local para permitir que se efetue uma inspeção judicial ou na indicação da
identidade de uma testemunha para que esta possa ser ouvida em audiência.
123
Entendemos que esta é uma má solução legal, dado que defendemos que a dificuldade
de produzir a prova não é um elemento que deva corretamente ser utilizado na operação de
apreciação da prova, pelas razões que avançámos no ponto 3.1.

316

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

modo a que os factos por eles demonstrados não contribuam para a prova da
versão desfavorável a esta parte124. Deste modo, a parte com maior facilidade
probatória encontra uma vantagem adicional em adulterar o conteúdo dos
meios de prova: não ter a seu cargo o onus probandi, sendo que a demonstra-
ção dessa adulteração pode ser (embora nem sempre o seja) muito difícil.
Com efeito, a solução típica da distribuição dinâmica do ónus da prova,
que passaria por atribuir, de forma incondicional, este ónus à parte com maior
facilidade em produzir a prova, porque esta possuiu um acesso mais facili-
tado aos meios de prova, evitaria os problemas apontados, no sentido em que
não existiria um incentivo adicional à adulteração dos meios de prova visto
que esta parte estaria, de qualquer modo, onerada com a prova. Esta seria,
portanto, a solução que estaria completamente conforme com a distribuição
dinâmica do ónus da prova e que pensamos ser preferível.

3.2.3 – A versão factual negativa e a (in)definição factual

A doutrina portuguesa e alguma estrangeira, ao abordarem a questão da difi-


culdade de prova com que se depara certa parte em resultado, essencialmente,
do critério estabelecido no art. 342.º do CC, fá-lo, quase sempre, recorrendo
aos casos em que essa parte suporta o ónus de provar uma versão negativa
dos factos125. Além disso, nalguns casos, a jurisprudência tem mesmo enten-
dido que, caso a repartição do onus probandi de acordo com o referido preceito
resulte na oneração de uma versão factual negativa, dever-se-á inverte-lo, one-
rando a versão factual positiva, com fundamento na dificuldade de prova da
negativa126. Como tal, deve colocar-se a questão de saber se a versão factual
negativa pode ser corretamente encarada como outro dos fatores que, para
aplicar a distribuição dinâmica do ónus da prova, revelam a maior facilidade

124
Pense-se, por exemplo, na falsificação de documentos ou na alteração do local em que se
irá realizar a inspeção judicial.
125
Neste sentido se pronunciaram, entre nós, Vaz Serra, Provas, p. 139, Varela, Bezerra,
Nora, Manual de Processo, p. 459, Teixeira de Sousa, Sobre o ónus, p. 140. No mesmo sentido,
na doutrina estrangeira, v. Verheyden-Jeanmart, Droit de la preuve, pp. 55-6 e Rosenberg,
La Carga de la Prueba, p. 378.
126
V., entre outros, os ss. acs.: STJ, 19/01/1984, in BMJ, n.º333, p. 369, STJ, 17/02/1983, in BMJ,
n.º 324, p. 584; TRP, 09/10/1979, in CJ, ano IV, p. 1276 e TRP 18/05/1978 in CJ, ano III, p. 847.

317

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

da prova de uma das partes em relação à contrária, nomeadamente da parte


a quem aproveita a versão factual positiva relativamente à outra parte.
A resposta à questão avançada deverá, pensamos nós, ser negativa.
Para fundamentarmos o nosso entendimento sobre esta questão, vejamos
primeiramente em que consistem as alegações factuais definidas e indefi-
nidas. Assim, certo facto pode ser perfeitamente localizado no tempo e no
espaço, por exemplo: no dia Z às Y horas no local X, L comprou uma maçã.
Esta consiste numa alegação de um facto perfeitamente definido. Pelo con-
trário, determinado facto pode também ser impossível de localizar em certo
ponto do tempo e do espaço, por exemplo: L comprou uma maçã todos os
dias da sua vida. Trata-se da alegação de um facto perfeitamente indefinido.
Entre um e outro extremos podem existir vários graus intermédios de (in)
definição factual, de que pode ser exemplo a seguinte alegação: entre o mês
X e o mês Y, no local Z ou no local W, L comprou uma maçã.
A facilidade com que se produz a prova de um facto alegado pode variar
com grau da sua definição. Quanto mais indefinido for, mais difícil poderá
ser prová-lo, visto que será maior a quantidade de factos definidos que se têm
de demonstrar, com toda a certeza, para provar o facto. Com efeito, a prova
de um facto completamente indefinido implica a prova de um número muito
elevado (que pode, em certos casos, ser infinito) de factos definidos para a sua
perfeita demonstração. Por exemplo: para provar que L comprou uma maçã
todos os dias da sua vida será necessário apresentar provas de que L com-
prou uma maçã em certo momento de cada dia, em determinado local para
cada dia. O número de factos definidos necessários para provar com toda a
certeza diminuirá com a diminuição da indefinição da factualidade alegada
até chegar ao ponto em que apenas um facto definido é necessário para pro-
var o facto alegado, caso em que ambos correspondem. Assim, para provar
que L comprou uma maçã no dia Z às Y horas no local X, basta um facto defi-
nido: esse facto. Refira-se ainda que, no âmbito dos processos judiciais, pra-
ticamente não existem factos completamente indefinidos, sendo muito mais
frequentes as alegações de factos definidos ou com um certo (por vezes ele-
vado) grau de indefinição127.

127
Novamente recorrendo ao exemplo da responsabilidade médica, a prova da inexistência
de culpa ou de ilicitude em processo judicial, cujo ônus da prova a distribuição dinâmica

318

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Isto suposto, a afirmação, corrente na doutrina e na jurisprudência, de que


a prova de factos negativos é particularmente difícil é o resultado da circuns-
tância de que os exemplos utilizados para demonstrar (e, provavelmente, para
construir mentalmente) aquela afirmação correspondem a factos negativos
indefinidos ou relativamente indefinidos. Contudo, a real causa dessa dificul-
dade de prova, não é o carácter negativo da alegação factual, mas antes o seu
carácter indefinido128. Realmente, o referido exemplo de um facto perfeita-
mente indefinido (L comprou uma maçã todos os dias da sua vida), o qual é
positivo, ao ser formulado como negativo (L nunca comprou uma maçã na sua
vida), implica as mesmas dificuldades de prova do que a sua versão positiva:
a necessidade de demonstrar que, em cada dia, L não comprou uma maçã.
A referida confusão relativamente à causa da dificuldade da prova, julgamos
nós, tem ficado a dever-se à circunstância, aparentemente de cariz linguístico,
de que a formulação de alegações factuais negativas indefinidas ou relativa-
mente indefinidas é mais fácil do que as afirmativas, em face de expressões
como «nunca», «jamais» ou «nenhuma vez».
Como tal, a existir aqui algum factor relevante de facilidade probatória
que se possa equacionar como sendo aplicável no funcionamento da distri-
buição dinâmica em processos judiciais será a indefinição da alegação fac-
tual e não a circunstância de esta ser negativa. Com efeito, perante um facto
perfeitamente indefinido ou caracterizado por um certo grau de indefinição,
a prova da versão factual contrária àquela que foi alegada poderá ser mais
fácil. Isto porque se uma alegação factual é indefinida, no sentido em que
se refere a um estado de continuidade no tempo e/ou no espaço, bastará a
prova de um único facto definido que contrarie esse estado de continuidade
para demonstrar a versão factual contrária. Vejamos um exemplo de um facto
perfeitamente indefinido em que, embora irrelevante no âmbito, que nos
interessa, dos processos judiciais, se torna bem visível este fenómeno: se L

aconselha estar a cargo do médico, corresponde sempre a um facto (negativo) definido visto
que o que se discute é sempre o cumprimento das boas práticas durante uma certa inter-
venção médica, definida no tempo e no espaço. No sentido de que este facto corresponde
a um facto negativo indefinido, com o qual não podemos concordar, v. João Álvaro Dias,
Procriação Assistida, p. 225.
128
Neste sentido, v. Steven Hales, You can proove a negative, p. 110, Verheyden-Jeanmart,
Droit de la preuve, p. 53 e Lynce de Faria, A Inversão, p. 64.

319

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comprou uma maçã todos os dias da sua vida, a prova da versão factual con-
trária pode simplesmente ser feita provando o facto, completamente defi-
nido, de que, em certo dia, L não comprou uma maçã. Do mesmo modo, se
L nunca comprou uma maçã na sua vida, a prova da versão factual contrária
pode também ser feita demonstrando simplesmente o facto, perfeitamente
definido, de que L comprou uma maçã num certo dia da sua vida. Como se
vê, o factor relevante para a aferição da facilidade probatória é sempre a defi-
nição da alegação factual e nunca o facto de ela assumir a versão positiva ou
a negativa, sendo que se chegaria exatamente à mesma conclusão, embora
com um grau de diferença da dificuldade probatória menor entre a alega-
ção mais e a menos definida, no caso de o exemplo envolver alegações com
graus intermédios de (in)definição.
No entanto, também não defendemos que esta característica das alega-
ções factuais deva constituir um factor de aferição da facilidade probatória,
mediante o qual se devesse atribuir o ónus da prova à parte a quem aproveita
a versão factual (positiva ou negativa) mais definida. Na verdade, a dificuldade
inerente à demonstração de factos indefinidos, ou com certo grau de indefini-
ção, não é, na sua natureza, diferente daquela que se verifica na demonstração
de quaisquer factos, inclusivamente de certos factos completamente defini-
dos. Efetivamente, essa dificuldade tem sempre a mesma causa: a necessidade
de inferência entre um facto conhecido e um facto desconhecido. Tendo em
conta o referido a propósito da questão da medida da prova129, toda a prova
produzida no âmbito de um processo judicial é indireta, no sentido em que,
partindo dos factos a que o julgador tem acesso direto, os factos acessórios130,
se torna necessário inferir131, segundo as regras da experiência, a ocorrência
de outros factos. Estes factos poderão ser já os factos principais ou poderão
ser novamente factos acessórios a partir dos quais seja necessário efetuar um
novo juízo de inferência132. Será, em princípio, essa a situação sempre que se
pretenda demonstrar um facto com algum grau de indefinição, em virtude
da sua maior abrangência.

129
Cfr. ponto 2.2.2.2.
130
Cfr. n. 25.
131
Cfr. n. 33.
132
Cfr. n. 38.

320

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Vejamos o seguinte exemplo: para demonstrar o facto de que L nunca


comprou uma maçã, poder-se-á recorrer ao facto acessório que consiste na
afirmação de várias testemunhas no sentido de que conhecem L, que sabem
que L não gosta de maçãs e que no local onde L vive não há maçãs à venda,
sendo que se poderá inferir a verdade dos factos relatados com base, por hipó-
tese, na coerência dos relatos (facto probatório). Partindo destes novos factos
acessórios, far-se-á então um novo juízo de inferência que poderá permitir
demonstrar o facto principal de que L nunca comprou uma maçã, tendo em
conta a inexistência de uma hipótese factual verosímil que fosse compatível
com o facto de que L já tinha comprado uma maçã (facto probatório).
Ora, apesar deste tipo de prova «mais» indireta aconselhar maior cautela
na sua apreciação, a verdade é que exatamente o mesmo poderá ocorrer na
demonstração de factos menos indefinidos, e até, completamente definidos.
Vejamos: sendo necessário provar que no dia Z às Y horas no local X, L com-
prou uma maçã e dado que ninguém estava presente aquando da alegada
compra, visto que L a tinha supostamente adquirido numa máquina de dis-
tribuição automática, poder-se-á recorrer, por exemplo, a uma perícia (facto
acessório) que revele os registos de operações da máquina de distribuição
para saber o dia e a hora a que aquela maçã foi vendida (novos factos aces-
sórios), pressupondo que nada indica que os registos estejam errados e que
tenha sido outra pessoa a comprar a maçã naquele momento (factos proba-
tórios). Só nesta base será possível, portanto, efetuar um novo juízo de infe-
rência para demonstrar o facto principal de que, no dia Z às Y horas, no local
X, L comprou uma maçã, tendo em conta, por hipótese, a coincidência entre
a data alegada e a que consta dos registos, bem como a proximidade da hora
alegada e a que consta dos mesmos (factos probatórios).

Em conclusão, podemos afirmar que nem a versão, negativa ou positiva,


do facto nem o seu grau de (in)definição são factores que revelem necessaria-
mente a maior facilidade probatória de uma parte em relação à contrária, não
devendo, por isso, ser utilizados como fator de aferição da parte que benefi-
cia daquela facilidade no funcionamento da distribuição dinâmica do ónus
da prova. Com efeito, o problema em análise deve ser entendido no âmbito
da apreciação da prova, nomeadamente no entendimento do seu carácter
necessariamente indireto, em diferentes graus, e da medida necessária para

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considerar provados os factos, que, como vimos supra133, se resume à prova


preponderante. A dificuldade de produzir a prova a que a doutrina e a juris-
prudência se referem é, portanto, um problema transversal a toda a atividade
de produção de prova134/135.

3.3 – Funcionamento e âmbito da distribuição dinâmica do ónus da prova

Feita a apresentação da ideia da distribuição dinâmica e referidos alguns


exemplos, será agora oportuno aprofundar o funcionamento desta ideia, visto
que a sua compreensão fica agora facilitada. De seguida, exploraremos tam-
bém o seu âmbito de aplicação.

3.3.1 – Funcionamento

Vimos que a ideia da distribuição dinâmica consiste em atribuir o ónus da


prova à parte que pode produzir a prova da versão dos factos que lhe apro-

133
No ponto 2.2.2.3.
134
Neste sentido, v. Steven Hales, You can proove a negative, pp. 109 e ss..
135
Diga-se incidentalmente que, à luz desta conclusão (embora não exclusivamente), não nos
parece ser correta a afirmação de Vaz Serra, Provas, p. 121 de que o critério a distributivo da
teoria das normas resulta na atribuição do ónus da prova à parte com maior facilidade proba-
tória (enunciando, precisamente, o critério da distribuição dinâmica, o que não deixa de ser
significativo quanto à sua adequação). Com efeito, aquele A. refere que o critério da teoria
das normas apenas onera as partes com a prova de factos positivos, visto que tanto os factos
constitutivos como os factos impeditivos, modificativos ou extintivos são sempre positivos
e, por isso, são mais fáceis de provar do que a respetiva versão negativa, com a qual ninguém
está onerado. Ora, parece-nos ser este raciocínio errado, por duas ordens de razões. Primeiro
porque esquece que ao considerar a versão factual dos factos constitutivos, impeditivos, mo-
dificativos e extintivos está apenas a considerar a versão factual dos factos principais, sendo
que estes terão de ser demonstrados por factos instrumentais (nomeadamente, acessórios) os
quais tanto podem ser positivos como negativos. Retomemos o exemplo da prova da culpa ou
da ilicitude numa ação de responsabilidade civil por negligência na prática de atos médicos:
este facto tanto poderá ser provado (naturalmente em casos diferentes) demonstrando-se
que o médico usou um procedimento inapropriado para a intervenção (facto acessório posi-
tivo) como que o médico não desinfetou as mãos antes de a iniciar (facto acessório negativo).
Depois, o referido raciocínio também não nos parece correto porque mesmo que o facto
instrumental necessário para provar o principal seja positivo, não é necessariamente verdade
que este seja mais fácil de provar do que a versão negativa correspondente, pelas razões que
se acabam de enunciar no texto.

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

veita com maior facilidade relativa. E vimos também, embora de forma pre-
liminar, que esta ideia se justifica, essencialmente, não só pela vantagem de
não onerar a parte para quem a prova é mais difícil (igualdade material), mas
também porque a oneração dessa parte estimula a efetiva produção de prova
(verdade material).
Ora, estes fundamentos têm implicações no que toca à forma de aferir
qual das partes possui maior facilidade probatória. De facto, essa aferição
deve ser feita através do uso de critérios como aqueles que foram avança-
dos a título exemplificativo (controlo e proximidade do facto, conhecimen-
tos técnicos, acesso aos meios de prova), mas sem que seja necessário que
os mesmos originem uma efetiva maior facilidade probatória no processo
em causa. Essencial é que se determine qual a parte que, anteriormente ao
processo, nomeadamente aquando e após a ocorrência dos factos, se encon-
trava em melhores condições relativas de vir a efetuar a prova, em função de
critérios como aqueles que referimos, independentemente de essa parte ter
aproveitado a sua posição de vantagem probatória para poder efetivamente,
no momento da produção de prova, encontrar-se em melhores condições para
provar a versão factual que lhe é favorável.
Efetivamente, e apesar de não termos conhecimento de que este aspeto
tenha sido abordado pelos AA. que exploraram a ideia da distribuição dinâ-
mica, julgamos que apenas levando em conta este entendimento da facili-
dade probatória se tornará possível, por um lado, incentivar a conservação
e a posterior produção de prova no processo e, por outro lado, garantir que
a dificuldade probatória que é levada em conta na distribuição dinâmica é
motivada por factores objectivos e não pela deficiente produção de prova das
partes no decorrer do processo. Com efeito, se assim não fosse, estar-se-ia a
privilegiar, no que toca à distribuição do ónus da prova, a parte que não con-
servasse nem produzisse de forma diligente a prova, o que desincentivaria a
efetiva produção de prova e a procura da verdade.

3.3.2 – Âmbito

Vejamos agora outro aspeto fundamental à correta compreensão da distribui-


ção dinâmica do ónus da prova: o seu âmbito de aplicação. Para isso, come-

323

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

çaremos por explanar dois conceitos, avançados por Pedro Múrias136: o de


dúvida objetiva e o de dúvida subjetiva.
Tal como vimos supra137, a dúvida relativa à ocorrência dos factos é um
pressuposto da decisão de ónus da prova. No entanto, a natureza dessa dúvida
pode ser distinta em função do seu caráter «real» ou contingente: no primeiro
caso será objetiva a dúvida; no segundo, subjetiva.
Efetivamente, pode acontecer que a dúvida se apresente, no processo, como
uma certeza, no sentido em que se demonstra que é impossível, em função
do «estado actual dos conhecimentos»138, determinar a ocorrência de certo
facto, ou mesmo que as partes acordem nessa impossibilidade. Trata-se de um
tipo de dúvida mais raro, que se poderá verificar, por exemplo, a propósito
da demonstração do nexo de causalidade naturalístico139, nos casos em que a
prova deste elemento se afigure especialmente difícil. Esta é a dúvida objetiva.
Já a dúvida subjetiva é a que ocorre em função das contingências de produ-
ção de prova em determinado caso. Consiste, portanto, na dúvida que pode-
ria, em abstrato, ser evitada, mas que se verifica porque as partes (ou o juiz)
não aproveitaram devidamente as suas possibilidades de produção de prova,
seja porque não apresentaram as provas de que dispunham ou porque não
conservaram ou reuniram as provas quando tiveram oportunidade de o fazer.
Este é o tipo de dúvida mais frequente e que se pode verificar em qualquer
tipo de caso, manifestando-se no âmbito do processo e não na «realidade».
Ambos os tipos de dúvida enunciados podem constituir um pressuposto
da decisão de ónus da prova, mas o critério de distribuição deste ónus deve
variar em função de cada um.
Assim, caso a dúvida em causa seja subjetiva, estaremos perante um caso
em que a prova poderá ser efetuada, pelo que será útil e vantajoso incentivar
as partes a conservá-la e a produzi-la. E, sendo a prova possível, será muito pro-
vável (embora seja também possível que tal não aconteça) que uma das partes
tenha maior facilidade em produzi-la do que a outra, sendo igualmente útil
e vantajoso que se estimule essa parte a produzir a prova. É, portanto, neste
âmbito que a distribuição dinâmica do ónus da prova deverá ser aplicável.

136
Por uma distribuição, p. 33.
137
Cfr. ponto 2.2.
138
Pedro Múrias, Por uma distribuição, p. 31.
139
Neste sentido, v. Pedro Múrias, Por uma distribuição, p. 32, n. 48 e a bibliografia aí citada.

324

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Com efeito, neste caso, a dúvida é uma questão relevante apenas no contexto
processual, pois consiste na eventualidade de não se ter conseguido demons-
trar no processo a ocorrência de um facto que seria, em abstrato, demonstrá-
vel. Como tal, deve esta questão ser objeto de um «tratamento» processual,
sendo que, quanto a isso, se mostram apropriados os principais fundamentos
da distribuição dinâmica do ónus da prova: o estímulo à produção de prova
visa a procura da verdade material, a qual constitui, à partida, a finalidade de
toda a atividade probatória processual, enquanto que a não oneração da parte
com maior dificuldade probatória promove a igualdade material entre as par-
tes, sendo este um valor essencial à verificação de um processo equitativo140.
Dentro dos casos de dúvida subjetiva, deve colocar-se a questão de saber se a
ideia da distribuição dinâmica se deve aplicar sempre que haja um desequilí-
brio identificável na capacidade probatória das partes ou se, pressupondo tal
desequilíbrio, o seu âmbito se deve limitar ainda aos casos em que a produ-
ção de prova pela parte onerada segundo o critério decorrente do art. 342.º,
n.º1 do CC seja especialmente difícil. Os AA. que têm abordado o critério da
distribuição dinâmica defendem esta última hipótese141, apresentando este
critério como uma «válvula de segurança» que evita onerar certa parte com
uma prova particularmente difícil sempre que a parte contrária apresentar
maior facilidade probatória. Contudo, não partilhamos desta opinião. Além da
dificuldade de aferir em que casos estaremos perante uma situação de prova
particularmente exigente (que, aliás, se trata de uma objeção de natureza prá-
tica provavelmente ultrapassável), os fundamentos essenciais da distribuição
dinâmica do ónus da prova são igualmente válidos quer a parte onerada com
o critério decorrente do art. 342.º, n.º1 do CC se veja confrontada com uma
prova particularmente difícil ou com uma prova de baixa dificuldade, mas
que, naturalmente, será sempre mais difícil do que para a parte contrária.
Com efeito, atribuir o ónus da prova à parte com maior facilidade probatória
relativa, terá, em ambos os casos, o efeito de estimular a produção efetiva de
prova (verdade material) e um maior equilíbrio entre as partes no que toca
às hipóteses de fazerem valer a sua posição em juízo (igualdade material).

140
Estes dois efeitos da distribuição dinâmica do onus probandi serão abordados, respetiva-
mente, nos pontos 4.2 e 4.3. Cfr. também o ponto 4.6.
141
Neste sentido, por exemplo, Jorge Peyrano, Nuevos Lineamientos, pp. 21 e 24.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

Naturalmente que nos casos em que a parte onerada de acordo com o cri-
tério decorrente do art. 342.º, n.º1 do CC se vir confrontada com uma prova
de baixa dificuldade ela poderá, com maior probabilidade, conseguir provar
a versão factual que a favorece, pelo que não será tão necessário estimular a
produção de prova pela parte contrária (que possui maior facilidade proba-
tória), nem existirá um desequilíbrio tão acentuado nas hipóteses das par-
tes fazerem valer a sua posição em juízo. No entanto, trata-se apenas de uma
diferença de grau e não de natureza, pelo que julgamos que o tratamento de
ambos casos deverá ser o mesmo.
Já quando a dúvida em causa for objetiva, a distribuição do ónus da prova
terá de assentar num critério distinto, diferente do da distribuição dinâmica.
Realmente, sendo a dúvida objetiva, esta ultrapassa o contexto do processo
(sem prejuízo de ser nesse contexto que ela é, no que diz respeito ao ónus da
prova, relevante), ocorrendo independentemente sequer de existir um pro-
cesso judicial, visto que é impossível determinar a ocorrência do aconteci-
mento. Nestes casos não tem sentido considerar que uma parte tem maior
facilidade probatória do que a contrária: a prova é-lhes igualmente impossível.
Como tal, será inútil distribuir este ónus em função da maior facilidade pro-
batória, sendo descabido incentivar a produção de uma prova impossível de
realizar, pelo que os casos de dúvida objetiva estão fora do âmbito de aplicação
da distribuição dinâmica do ónus da prova. Como deverá, então, distribuir-se
o onus probandi? Seguindo o entendimento de Pedro Múrias142 a este res-
peito, dever-se-á ter em conta que estamos perante uma realidade (um facto):
a de que é incerto se determinado facto ocorreu ou não, relativamente à qual
é necessário aferir qual o direito aplicável. Esta realidade não é, no entanto,
subsumível (pelo menos de forma imediata) às previsões normativas, visto
que estas apenas preveem a ocorrência de factos e não os casos de incerteza
na sua ocorrência. A regulação destes casos, e (o que será o mesmo) a distri-
buição do ónus da prova sempre que a dúvida seja objetiva, deverá, portanto,
ser encarada como um problema de direito substantivo. Como tal, visando
este trabalho abordar exclusivamente a solução da distribuição dinâmica do
ónus da prova e tendo esta solução em vista resolver um problema exclusiva-
mente processual (a decisão nos casos de dúvida subjetiva), não desenvolve-

142
Por uma distribuição, p. 33.

326

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

remos o modo de distribuir este ónus nos casos de dúvida objetiva, nos quais
aquela solução é inaplicável. Efetivamente, o nosso propósito na abordagem
deste tipo de dúvida é apenas o de explicitar melhor o âmbito de aplicação
daquela solução.
Por fim, será importante repetir que julgamos serem os casos de dúvida
objetiva relativamente raros143. De facto, a prova de qualquer facto será, em
princípio, possível de realizar em certo processo judicial, pelo que será cor-
reto «presumir» a subjetividade da dúvida, apenas devendo esta ser conside-
rada objetiva se a impossibilidade de prova for efetivamente demonstrada. Em
consequência, entendemos que o critério da distribuição dinâmica do onus
probandi, aplicável nos casos de dúvida subjetiva, será adequado a boa parte
dos casos de dúvida sobre a ocorrência dos factos, sem, naturalmente, esgotar
a discussão acerca dos critérios de distribuição do ónus da prova.

3.4 – A distribuição dinâmica aplicada em diferentes ordenamentos

Vejamos agora, de forma resumida, alguns exemplos da aplicação da teoria


da distribuição dinâmica do onus probandi em quatro ordenamentos norma-
tivos distintos do português.

3.4.1 – Argentina

Referimos já144 que a teoria que temos vindo a analisar foi «batizada» e sis-
tematizada pelo A. argentino Jorge W. Peyrano no início dos anos 80 do
século passado e que tem atualmente uma ampla, ainda que não unânime,
aceitação na doutrina145 e na jurisprudência daquele país. Efetivamente, foi
no âmbito da prática judiciária que primeiramente surgiu, na Argentina, a
necessidade de flexibilizar as regras de distribuição do ónus da prova, onde,

143
Um exemplo poderá ser um caso em que não seja possível determinar se certa doença
de que padece certa pessoa fora causada por uma vacina que lhe fora administrada ou por
qualquer outra causa que também a possa ter provocado. Esta dúvida poderá ser relevante,
por exemplo, numa ação em que o doente demande o vendedor da vacina pelos danos que
esta alegadamente lhe causou.
144
Cfr. ponto 3.1.
145
Cfr. nn. 99 e 100.

327

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

já desde os anos 50 do século passado, os tribunais vinham distribuindo este


ónus de forma adaptada às circunstâncias do caso concreto. Com efeito, de
acordo com Inés White, no aresto da Corte Suprema de Justicia de la Nación,
datado de 21 de junho de 1957146 relativo a um caso de enriquecimento ilícito
de funcionários, é expressamente mencionado que é o funcionário quem se
encontra em melhores condições de provar que o seu enriquecimento é lícito
(trata-se de um exemplo que integraríamos na classe dos casos em que a dis-
tribuição dinâmica se justificaria pela proximidade e controlo do facto) rela-
tivamente à situação do Estado, que teria maiores dificuldade em provar que
o enriquecimento do primeiro é ilícito.
Posteriormente, os tribunais argentinos têm reafirmado esta prática, sendo
exemplar o acórdão da Corte Suprema de Justicia de la Nación de 10 de dezembro
de 1997 (Ana Maria Pinheiro)147. Com efeito, desta decisão, que se refere
a um caso de responsabilidade civil por danos causados durante um parto,
podemos destacar a seguinte passagem: «no tema da mala praxis médica deve
acatar-se – em princípio – o antigo aforismo processual onus probandi incum-
bit actore, assim como são aplicáveis, nesta sede, as normas da culpa subjetiva.
No entanto, como a maioria destes casos se referem a situações extremas de
muito difícil demonstração, assume uma enorme importância o conceito de
«distribuição dinâmica da prova» ou «prova partilhada», que onera quem se
encontre em melhores condições de apresentar em juízo os elementos ten-
dentes à obtenção da verdade objetiva (os médicos ou o hospital, por terem
conhecimentos técnicos e participado diretamente no facto danoso)» (tra-
dução nossa).
Esta ideia surgiu, portanto, perante a necessidade de decidir litígios par-
ticulares, só depois lhe tendo sido dado um tratamento doutrinal com uma
fundamentação mais abrangente148. No entanto, é importante salientar que,

146
Cfr. a referência que aquela A., em Cargas probatorias dinámicas, p. 71, faz ao mencionado
aresto (não conseguimos ter acesso direto ao mesmo, mas apenas ao respetivo sumário, dis-
ponível em http://www.csjn.gov.ar/jurisp/jsp/MostrarSumario?id=354292&indice=57, o qual nada
refere de relevante para o assunto que tratamos).
147
Disponível para consulta em http://www.csjn.gov.ar/cfal/fallos/cfal3/cons_ fallos.jsp.
148
Vários escritos têm sido publicados na Argentina acerca deste tema, sendo de destacar a
obra coletiva, organizada por Jorge W. Peyrano e por Inés Lépori White, Cargas Probatorias
Dinámicas, por ser uma recolha especialmente completa de tudo aquilo que a doutrina tem
analisado a este propósito, bem como pela vasta referência jurisprudencial que dela consta.

328

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

em ambos os casos, a falta de consagração legal desta teoria nunca se apre-


sentou como um impedimento para a sua aplicação, mesmo em face da exis-
tência de uma previsão legal idêntica à do art. 342.º, n.os 1 e 2 do CC (art. 377.º
§§ 1.º e 2.º do Código de Processo Civil e Comercial Argentino). De facto, a
jurisprudência e a doutrina têm-se baseado, em relação a este aspeto, na cir-
cunstância da lei não ser a única fonte de Direito149, na necessidade de asse-
gurar um processo justo e equitativo150, na procura da verdade material151, na
proibição do abuso dos direitos processuais152, entre outras justificações para
defender um critério de distribuição do ónus da prova distinto daquele que a
lei processual prevê153. Refira-se, contudo, que a consagração legal da distri-
buição dinâmica tem sido incentivada neste país, chegando mesmo a cons-
tar de algumas propostas legislativas, nomeadamente no art. 361.º, § 3.º do
Anteprojeto de Código de Processo Civil e Comercial da Cidade Autónoma
de Buenos Aires154.

3.4.2 – Brasil

No Brasil, essencialmente por influência da experiência argentina, tem igual-


mente sido abordada a solução da distribuição dinâmica do ónus da prova.
Assim, apesar de o atual Código de Processo Civil deste país, no seu art.
333.º, prescrever uma repartição do onus probandi precisamente coincidente
com a resultante do art. 342.º, n.os1 e 2 do CC, a distribuição dinâmica tem
sido crescentemente analisada pela doutrina brasileira155. Além disso, recen-
temente têm mesmo existido casos em que foi expressamente aplicada pelos

149
V. Jorge Peyrano, La Doctrina, p. 88.
150
V. Beatriz Ruzafa, Las Cargas Probatorias, pp. 374 e ss..
151
V. Carlos Carbone, Cargas Probatorias, pp. 206 e ss..
152
V. Miryam Faure, La Dinámica, pp. 328 e ss..
153
A nossa opinião acerca da aplicabilidade da distribuição dinâmica no ordenamento por-
tuguês decorre do que se refere no ponto 5.
154
A este respeito v. Héctor E. Leguisamón, La Necesaria Madurez, pp. 122-3.
155
Poderemos, a título de exemplo, apontar os seguintes escritos: Oliveira Yoshikawa,
Considerações sobre a teoria dinâmica, p. 115 e ss., Pereira Azário, Dinamicização da distribuição.
Refira-se que muitos outros existem a que não conseguimos ter acesso direto, podendo tal
ser confirmado pelas numerosas referências que constam dos aludidos escritos.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

tribunais156. Em ambos as situações, a fundamentação e os casos a que tem


sido aplicada a distribuição dinâmica mostram-se muito próximos da aborda-
gem que esta solução tem tido na Argentina, pelo que se remete para o que
se disse anteriormente sobre este assunto.
Resta referir ainda que o acolhimento que a distribuição dinâmica tem
obtido no Brasil levou a que ela constasse expressamente do art. 381.º, § 1.º
do Projeto de novo Código de Processo Civil, que transcrevemos: «Nos casos
previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impos-
sibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do
caput [que prescreve a distribuição do onus probandi de acordo com a teoria
das normas] ou à maior facilidade de obtenção da prova contrária, poderá o
juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão
fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se
desincumbir do ônus que lhe foi atribuído».

3.4.3 – Espanha

Também no ordenamento jurídico espanhol a ideia da distribuição dinâmica


está bem presente, essencialmente por influência da experiência argentina
neste domínio157. Efetivamente, tal como ocorreu na Argentina, foi também
no âmbito jurisprudencial que primeiramente surgiu esta ideia em Espanha,
existindo referências a decisões judiciais que a aplicam, datadas da década
de 80158.
No entanto, a doutrina deste país rapidamente se apercebeu das van-
tagens que esta teoria poderia implicar, pelo que alguns AA. espanhóis, já
durante a mesma década, a defendiam, nomeadamente no âmbito da mala
praxis médica159.

156
V., por exemplo, os ss. acs.: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, n.º AI 0379445-2,
(Nilson Mizuta); Tribunal de Alçada do Paraná, n.º AG 0263987-6 (Marcos de Luca Fan-
chin). Ambos se referem a casos de mala praxis médica.
157
A propósito desta influência cfr. Marcos Peyrano, La Teoria, p. 186.
158
De referir, pela sua clareza, os ss. acs. do Tribunal Supremo espanhol: 24/01/1986 (Carlos
Benayas) e 20/03/1987 (Antonio Perez).
159
Cfr., entre outros, a obra de LLamas Pombo, La responsabilidad civil del médico, publicada
em 1988.

330

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Contudo, a distribuição dinâmica do ónus da prova em Espanha tem atu-


almente a sua maior expressão na disposição legal que expressamente a con-
sagra: o art. 217.º n.º 7 da LEC160. Com efeito, com a reforma da legislação
processual-civil, que entrou em vigor no ano 2000, o legislador espanhol não
deixou passar a oportunidade e consagrou esta solução legal nos termos em
que já vinha sendo aplicada pelos tribunais e defendida pela doutrina. Reza
assim aquela norma: «Para la aplicación de lo dispuesto en los apartados anteriores
[que preveem a distribuição do onus probandi de acordo com a teoria das nor-
mas assim como as situações em que este ónus é distribuído de forma casu-
ística] de este artículo el tribunal deberá tener presente la disponibilidad y facilidad
probatoria que corresponde a cada una de las partes del litígio». A forma como está
redigida esta norma assegura não só a consagração genérica da distribuição
dinâmica, conferindo ao julgador a faculdade de nela diretamente se apoiar
para fundamentar a decisão, como também garante que esta forma de dis-
tribuição do ónus da prova não substitui o critério da teoria das normas ou
qualquer disposição legal que atribua este ónus, funcionando como um pos-
terior aperfeiçoamento daqueles critérios.
Em resultado daquela previsão legal e da anterior corrente jurisprudencial,
a doutrina espanhola aceita hoje, de forma pacífica, a distribuição dinâmica,
encarando-a como a possibilidade de imputar «as consequências desfavo-
ráveis da falta de prova (...) à parte que teria, em concreto, maior facilidade
para provar (...)»161.

160
Acerca desta norma cfr., entre outros, Marcos Peyrano, La Teoria, pp. 187 e ss..
161
Manuel Ortells Ramos, Derecho Procesal, pp. 400-1. No mesmo sentido, cfr. Va-
lentín Domíngues et al., Derecho Procesal, p. 258 e Álvaro Yerga, Regulación de la carga,
pp. 9 e ss..

331

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

3.4.4 – Alemanha

Também na Alemanha é possível encontrar, até certo ponto, a ideia da distri-


buição dinâmica, nomeadamente no âmbito da chamada teoria das esferas de
risco162_163 (Gefahrenkreistheorie).
Esta teoria é defendida por alguns AA. alemães e frequentemente aplicada
pelos tribunais germânicos. Com efeito, dado que esta concepção da distri-
buição do ónus da prova se aplica essencialmente aos casos de responsabili-
dade civil, ela implica a determinação de qual das partes está mais próxima da
zona de risco, ou seja, qual delas tem melhor acesso e conhecimento do facto
que, provavelmente, causou o dano. Será, portanto, esta parte a suportar o
ónus da prova, por ser a que se encontra em melhores condições de produzir a
prova, em face da dificuldade da parte contrária, sendo também apresentada
uma razão de prevenção da ocorrência dos danos resultante da oneração da
parte que tem o controlo do facto causador dos mesmos. Esta passa a ser, por
isso, incentivada a tomar as cautelas necessárias para os evitar. Este último
aspeto constitui uma particularidade da teoria das esferas de risco que não
tem sido referida pelos AA. que abordam a distribuição dinâmica, mas que
julgamos ser adequada.
Refira-se, contudo, que o funcionamento da teoria das esferas de risco, ao
contrário do que acontece com a distribuição dinâmica, não parte da ideia de
facilidade probatória, nem mesmo da de prevenção dos danos, para fundamen-
tar a distribuição do onus probandi, embora estes dois fatores sejam apontados
como as finalidades desta teoria. Efetivamente a identificação da parte que
detém maior conhecimento, acesso ou controlo dos factos é feita, não tendo
162
Esta teoria foi elaborada por Jürgen Prölss na obra Beweiserleichterungen im Schaden-
sersatzprozess, que remonta a 1966, tendo sido, posteriormente, utilizada com frequência na
jurisprudência alemã e discutida na doutrina daquele país. Para um panorama completo, na
doutrina portuguesa, da teoria das esferas de risco, incluindo referências aos seus defensores
e opositores bem como à jurisprudência que dela tem feito uso, v. Ribeiro de Faria, Da prova
na responsabilidade, pp. 244 e ss.. Cfr., também, Carneiro da Frada, Contrato e Deveres, pp.
197 e ss..
163
Defendendo que a teoria das esferas de risco corresponde à consagração, no ordenamento
jurídico alemão, da ideia subjacente à distribuição dinâmica do ónus da prova, v. Carlos
Carbone, Cargas Probatorias, pp. 210-1 onde também é possível encontrar um elenco bastante
completo das matérias julgadas em casos de responsabilidade civil em que os tribunais alemães
têm aplicado a teoria das esferas de risco.

332

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

em conta simplesmente as possibilidades probatórias das partes em cada caso


concreto, mas antes determinando se a causa do dano provém de uma zona
de perigo associada à atuação que uma das partes tinha a obrigação, legal ou
contratual, de exercer. Por exemplo: num caso de responsabilidade civil por
atos médicos, a localização de uma compressa deixada no local onde antes
tinha sido efetuada uma intervenção cirúrgica e que provoca graves dores ao
paciente corresponde a um dano que se situa na zona de perigo associada à
prestação contratual do médico.
Este aspeto, pensamos nós, revela que os AA. que defendem a teoria das
esferas de risco não partilham da opinião, que já164 manifestámos, de que
a distribuição do ónus da prova deve ser efetuada, em princípio, tendo em
vista objetivos de natureza processual, como a descoberta da verdade «mate-
rial», visto estar em causa uma dúvida subjetiva, defendendo antes a posição
de que os deveres de cuidado resultantes do regime de direito material (no
exemplo avançado, esses deveres decorreriam do contrato entre o médico e
o paciente, por hipótese, tendo em conta o dever de boa-fé no cumprimento
dos contratos) devem orientar a distribuição deste ónus. No entanto, pensa-
mos que esta diferente configuração não implicará, em regra, qualquer dife-
rença na distribuição ónus da prova.

Assim, genericamente, pensamos que a teoria das esferas de risco pode


ser encarada como uma forma de distribuição do ónus da prova próxima da
distribuição dinâmica uma vez que, no fundo, se procura igualmente atri-
buir o ónus à parte que dispõe de maior facilidade probatória. As diferenças
entre as duas teorias são, essencialmente, de âmbito e de funcionamento,
mas não de finalidade.
No que diz respeito ao âmbito de aplicação, a particularidade da teoria das
esferas de risco reside na circunstância de esta se restringir, grosso modo, à
questão da responsabilidade civil e, mesmo dentro desta, apenas aos casos
em que os danos ocorridos não se incluírem na esfera de risco que o ato em
causa normalmente comporta, tais como os de culpa gravíssima no âmbito da
responsabilidade médica. Todavia, não nos parece adequada esta divergência
em relação à teoria que temos vindo a comentar, cuja maior abrangência nos

164
V. ponto 3.3.2.

333

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

parece preferível. Isto porque o problema da dificuldade de produção de prova


ultrapassa o âmbito da responsabilidade civil, tal como se pode confirmar atra-
vés de alguns dos exemplos avançados supra165. Além disso, mesmo naquele
âmbito, a limitação da aplicabilidade da teoria das esferas de risco aos casos
em que o dano ultrapassa a esfera de risco que o ato normalmente comporta
também não nos parece justificada pois esta circunstância em nada se rela-
ciona com as finalidades que esta teoria visa alcançar. Retomando o exemplo
da responsabilidade médica, mesmo nos casos em que o dano se situe dentro
da esfera de risco normal do ato (mas pressupondo, naturalmente, que o dano,
ou a maior intensidade do dano, era evitável e que é alegadamente imputável
a uma atitude negligente do médico), continua a justificar-se a atribuição do
ónus da prova ao médico pois ele continua a ser quem terá maior facilidade
em provar que cumpriu todas as leges artis aplicáveis ao caso e continua a ser
útil atribuir-lhe esse ónus como forma de incentivar todos os que estejam na
mesma posição a tomar todas as precauções possíveis.
No que toca ao funcionamento, a referida circunstância de a teoria das
esferas de risco implicar a determinação de o dano se situar na esfera de risco
que a atuação de alguma das partes normalmente comporta constitui um
modelo de decisão que está longe de ser claro aquando da sua aplicação. Efe-
tivamente, poderão, por exemplo, existir casos em que seja duvidoso deter-
minar se o dano se insere na esfera de risco do autor ou do réu166. Imaginemos
a seguinte situação: A contrata B para este lhe montar a instalação elétrica
no seu imóvel, sendo que, posteriormente, vem a ocorrer um curto-circuito
do qual resultou um incêndio e vários danos para A. Em ação proposta por
A contra B aquele demanda este pelos prejuízos, alegando que o curto-cir-
cuito se deveu a um defeito da instalação elétrica. No entanto, B alega que o
curto-circuito resultou de alterações realizadas por A na instalação elétrica.
Na dúvida sobre a origem do curto-circuito (que se pode integrar no pressu-
posto da ilicitude), fica, portanto, a incógnita de saber se o dano provém da
esfera de risco associada à atuação de A, autor, ou de B, réu167.

165
Cfr. ponto 3.2.2.
166
Para uma descrição desta e de outras criticas que têm sido apontadas à teoria das esferas
de risco v. Ribeiro de Faria, Da prova na responsabilidade, pp. 255 e ss..
167
Refira-se que, segundo o critério da distribuição dinâmica do ónus da prova, este deveria
caber ao réu, dado que este exerceu a atuação no âmbito da sua atividade profissional, pelo

334

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Por isso, julgamos preferível o funcionamento da distribuição dinâmica,


o qual, ao atribuir diretamente o ónus da prova à parte com maior facilidade
relativa em produzir a prova, evita os referidos óbices da teoria das esferas de
risco e simplifica o modelo de decisão na distribuição do onus probandi. Ade-
mais, todos os casos em que a teoria das esferas de risco regula a distribuição
do ónus da prova são também regulados, no mesmo sentido, pela distribuição
dinâmica, nomeadamente em função do referido critério da proximidade e
controlo dos factos, pelo que o âmbito de aplicação daquela se encontra con-
tido no de esta, sendo este mais abrangente.

4 – A distribuição dinâmica do ónus da prova e os princípios processu-


ais fundamentais.

4.1 – Preliminares

Procuraremos agora analisar os termos da conformidade entre a distribui-


ção do ónus da prova resultante da teoria que propomos com os relevantes
princípios processuais, tendo em conta a consagração constitucional de que
dispõem alguns desses princípios. Com isto, procuraremos essencialmente
explicitar os valores que estão em causa na forma de distribuição do onus pro-
bandi que defendemos e, sempre que alguns deles sejam conflituantes, funda-
mentar uma posição relativamente a quais deles deverão prevalecer. Com esta
análise valorativa tencionamos, também, revelar os fundamentos da solução
que temos vindo a abordar.

4.2 – Procura da verdade «material» e cooperação

No âmbito processual-civil avançaram alguns AA.168 com a distinção entre


a chamada verdade «material» e a verdade «formal». A primeira referir-se-ia

que, tendo em conta todos os factos relevantes no processo, terá sempre maior facilidade em
demonstrar que a instalação elétrica estava devidamente montada.
168
Aquela distinção pode ser encontrada, entre outros, em Manuel de Andrade e Antu-
nes Varela (em colab.), Noções, p. 374 ou Castro Mendes, Do Conceito, pp. 384 e ss.. Este
último refere os AA. a quem se deve, alegadamente, a formulação da distinção a que não
conseguimos ter acesso direto.

335

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

aos factos tal qual eles realmente ocorreram. A segunda consistiria no con-
junto de factos que lograram ser apreendidos no processo, segundo as regras
aplicáveis à produção, valoração e apreciação da prova, sendo este um meca-
nismo de construção de uma «realidade jurídica», que seria a única relevante
no processo: quod non est in actis, non est in mundo.
Aquela distinção, referem vários AA., está hoje ultrapassada, essencial-
mente argumentando que a verdade factual, entendida como a represen-
tação intelectual da realidade, só pode ser uma, não admitindo quaisquer
variações169. Sem se discordar desta afirmação, não podemos porém deixar
de constatar que a factualidade sobre que incidem as decisões judiciais, a
verdade «formal», poderá não corresponder à factualidade que efetivamente
se verificou. De facto, a obtenção de provas não pode ser feita a todo o custo,
visto que o valor de averiguar o sucedido pode, em certas circunstâncias, ter
de ceder perante outros valores, nomeadamente o respeito pela integridade
física e moral das pessoas, pela salvaguarda da sua vida privada ou pelos deve-
res de sigilo profissional ou segredo de Estado, entre outros. É, portanto, nesta
ótica que se justifica o disposto no n.º3 do art. 417.º do CPC.
No entanto, consideramos que a salvaguarda daqueles valores é a única
razão que deve justificar, em abstrato (ou seja, desconsiderando as dificulda-
des probatórias que possam surgir em concreto), a discrepância entre as cha-
madas verdade «material» e «formal», não podendo essa discrepância ficar a
dever-se simplesmente à falta de diligência ou de colaboração dos sujeitos
processuais na alegação dos factos e na sua prova. É, assim, com esse objetivo,
que deve ser entendido o sentido do princípio da cooperação.
De facto, este princípio, na sua vertente material170 que aqui abordamos,
tem essencialmente em vista promover que a verdade «formal» se aproxime
o mais possível da «material», de modo a que a decisão judicial possa assentar
sobre uma base factual tão verdadeira quanto possível171, sempre dentro dos
limites impostos pelo n.º3 do art. 417.º do CPC. Assim, podemos identificar

169
Assim, Lebre de Freitas, Introdução, p. 156 (em especial a n. 5) e A Confissão, pp. 628 (em
especial a n. 26) e 629 e Castro Mendes, Do Conceito, pp. 401 e ss..
170
Adotamos aqui a distinção entre cooperação material e formal seguida por Lebre de
Freitas em Introdução, pp. 185 e ss..
171
Neste sentido, Euler Moura Jansen, A verdade formal (http://www.conjur.com.br/2008-
-jun-05/verdade_ formal_real_relacionamento_harmonico).

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

três possíveis manifestações do princípio da cooperação: 1) o dever genérico


das partes, do juiz e de terceiros cooperarem e facilitarem a descoberta da
verdade, decorrente, de forma genérica, dos arts. 7.º, n.os1, 3 e 4 e 417.º, n.os1 e
2 do CPC e, particularmente, de alguns preceitos deste código (arts. 429.º a
431.º, 452.º, n.º1, 482.º, n.º1 e 490.º, n.º1); 2) os poderes do juiz no âmbito da
instrução do processo (princípio do inquisitório) consagrado genericamente
no art. 411.º do CPC e, em particular, em várias outras disposições do mesmo
código (arts. 436.º, n.º1, 452.º, n.º1, 467.º, n.º1, 490.º, n.º1, 516.º, n.º4, 526.º, n.º1
e 590.º, n.º2, al. c) do CPC); 3) a possibilidade de o juiz convidar os sujeitos
processuais a esclarecer quaisquer aspetos relevantes para a decisão da causa,
previsto com maior abrangência no art. 7.º, n.º2 do CPC e, especificamente
no que toca ao dever172 de tal convite ser dirigido às partes, no art. 590.º, n.º2,
al. b) e n.os3 e 4 do CPC174.

172
Apesar de, em face da atual redação dos n.os3 e 4 do art. 590.º do CPC, não subsistirem
dúvidas relativamente à natureza vinculada destas duas situações de convite ao aperfeiçoa-
mento, tal não ocorria em face da anterior redação do CPC, nomeadamente do disposto na
anterior redação dos n.os 2 e 3 do art. 508.º do CPC. Eis o que escrevemos à luz do anterior
enquadramento jurídico: «embora no que toca ao despacho dirigido a convidar as partes a
suprir as irregularidades que os seus articulados apresentem (art. 508.º, n.º2 do CPC) não
existam dúvidas sobre a natureza vinculada da sua emissão, já no que diz respeito ao despa-
cho que visa o aperfeiçoamento dos articulados (art. 508.º, n.º3 do CPC) a jurisprudência e a
doutrina encontram-se divididas em relação àquele esse aspeto. Defendendo a sua natureza
não vinculada temos, entre outros, os seguintes acs.: STJ: 17/2/05 (Silva Salazar), 21/1/06
(Sebastião Póvoas); TRC: 29/5/01 (Nuno Carreira). No mesmo sentido se posicionam os
seguintes AA.: Freitas, Machado, Pinto, Código de Processo, Vol. 2.º, p. 384 e Montalvão
Machado, O Dispositivo, p. 255. Diferentemente, advogando no sentido de que se trata de
um despacho vinculado temos, entre outros, os seguintes acs.: TRL: 26/2/07 (Luísa Geral-
des); TRP: 18/9/2003 (Pinto de Almeida), 5/7/06 (Deolinda Varão); TRE: 22/3/07 (João
Marques). Na mesma linha podemos encontrar os ss. AA.: Abrantes Geraldes, Temas da
Reforma, II, p. 79, Lopes do Rego, Comentários ao Código, p. 433 e Paulo Pimenta, A Fase do
Saneamento, pp. 194 e ss.. A tomada de decisão nesta querela torna-se necessária para deter-
minar se o não proferimento do despacho dirigido ao aperfeiçoamento dos articulados gera
uma nulidade processual arguível nos termos do art. 201.º do CPC. Pela nossa parte, pensa-
mos que a comparação da redação dos n.os2 e 3 do preceito legal em análise («convidará», no
primeiro, e «pode (...) convidar», no segundo), que tem sido utilizada como argumento em
favor da tese da não vinculatividade, não permite chegar a essa conclusão visto que, por um
lado, a formulação utilizada no n.º3 não exclui o entendimento de que quando o proferimento
do despacho de aperfeiçoamento se justificar ele não deva obrigatoriamente ser proferido
e, por outro, visto ser o elemento literal inconclusivo, o teleológico sugere-nos que a tese da
vinculatividade será a mais adequada: prevendo a lei processual a existência de um despacho

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

Tudo isto suposto, de que forma se poderá relacionar a distribuição dinâ-


mica do ónus da prova com o princípio da cooperação? Tal como já fomos
referindo sumariamente, uma das vantagens essenciais desta forma de distri-
buir o ónus probandi consiste precisamente no mesmo aspecto que constitui
a finalidade do princípio da cooperação material: o estímulo ao apuramento
da verdade «material». Vejamos agora melhor de que forma isso se processa.
A distribuição dinâmica do ónus da prova tem o efeito de aumentar a pro-
babilidade de as decisões judiciais assentarem numa base factual verdadeira.
Este efeito pode ser provocado de duas formas diferentes.173
Primeiro, ao onerar-se a parte com maior facilidade relativa de produzir a
prova, cria-se nesta um estímulo maior para uma efetiva produção de prova,
por comparação com a situação em que a parte com maior dificuldade relativa
tem suportar o ónus. Neste caso, a parte contrária apenas terá vantagem em se
esforçar na produção de prova para diminuir o risco de a primeira conseguir
demonstrar a versão factual que a favorece. Já se se atribuir o ónus à parte com
maior facilidade probatória, dado que a demonstração das versões factuais
com que ela está onerada é essencial para que essa parte venha a obter uma
decisão favorável, não podendo esta resultar de uma decisão de ónus da prova,
ela terá todo o interesse em se esforçar na prova dessas versões. É essencial-

de aperfeiçoamento nos termos em que o fez no preceito em análise, delimitando os casos


em que o mesmo deve ter lugar (sempre que os articulados apresentem insuficiências ou im-
precisões) tal terá ocorrido por se ter querido restringir o princípio do dispositivo em favor
da promoção de valores como a verdade material, a economia processual, o contraditório e
a igualdade material [cfr. n. seguinte]. Ora essas finalidades não ficam asseguradas a não ser
que o despacho em causa seja de natureza vinculada».
173
Refira-se que, embora o convite do juiz às partes para estas aperfeiçoarem os seus articu-
lados seja aqui referido como uma manifestação do princípio da cooperação, que promove a
verdade material (dado que o juiz deverá convidar as partes a, por exemplo, concretizarem
melhor os factos alegados ou a alegarem outros), este convite tem também outras finali-
dades, pelo que pode também ser entendido como uma manifestação de outros princípios
processuais, nomeadamente da economia processual (otimizando a utilização do processo
de modo a evitar a improcedência de uma ação ou de uma exceção que ficaria a dever-se à
deficiente alegação factual das partes, facilmente evitável), do contraditório (na sua vertente
da proibição de decisões-surpresa, visto que o juiz tem o dever de esclarecer, previamente à
sua decisão, o seu entendimento quanto à necessidade de alegar determinados factos, a qual
poderá ser relevante para o enquadramento jurídico que ele julga melhor se adequar à decisão:
v. Jauernig, Direito Processual, p. 143) e da igualdade material. O convite ao aperfeiçoamento,
enquanto manifestação deste último princípio, será abordado no ponto 4.3.

338

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

mente por este modo que a distribuição dinâmica do ónus da prova se apre-
senta, portanto, como uma solução que incentiva a cooperação das partes no
sentido de colaborarem com o tribunal (que podemos incluir na primeira das
referidas três manifestações do princípio da cooperação) para que a decisão
que este venha a proferir seja baseada em factos que, realmente, ocorreram.
Depois, mesmo que nenhuma das partes consiga demonstrar as versões
factuais que as favorecem e a decisão relativa à matéria de facto seja uma deci-
são de ónus da prova, a probabilidade de essa decisão ser também coincidente
com a verdade «material» será mais elevada. Com efeito, se nada se conse-
guir provar, continuando o julgador no ponto de ignorância, a decisão será
tomada como se a versão factual que aproveita à parte com maior facilidade
probatória não tivesse ocorrido. Ora, esta será, efetivamente, a situação fac-
tual de ocorrência mais provável, caso contrário a parte onerada com a prova,
por ser a que tem maior facilidade probatória, conseguiria tê-la demonstrado.
Assim, apesar de este efeito não promover propriamente a cooperação entre
as partes, contribui para uma mais frequente coincidência entre a verdade
«material» e a «formal», sendo esta a razão de ser do princípio do cooperação.

Por tudo isto, não se nega a existência de uma diferença entre a chamada
verdade «material» e «formal», mas reconhece-se a necessidade de uma coin-
cidência entre as duas tão frequente quanto possível, sendo o princípio da coo-
peração uma manifestação clara dessa necessidade. A distribuição dinâmica
do ónus probandi constitui, na nossa ótica, outro meio de fomentar os valores
da cooperação e da procura da verdade dos factos no processo174.

4.3 – Igualdade

Uma das decorrências do processo equitativo a que se refere o art. 20.º, n.º4
da CRP diz respeito à necessidade de se garantir a igualdade entre as par-
tes175. Com efeito, o princípio da igualdade encontra-se genericamente pre-
visto no art. 13.º da CRP, sendo atualmente entendido não apenas numa

174
Neste mesmo sentido v. María Airasca, Reflexiones Sobre, p. 142 e Beatriz Ruzafa, Las
Cargas, pp. 374 e ss..
175
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, Vol. I, pp. 415 e ss. e Lopes do Rego,
O Direito fundamental, pp. 744 e ss..

339

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

aceção formal de igualdade perante a lei de todos os cidadãos, mas também


material, a qual visa a garantia efetiva de uma igualdade de oportunidades
que impõe a disponibilização de condições prévias para assegurar o real
acesso aos direitos conferidos pela lei aos cidadãos. Esta última perspetiva
deste princípio acrescenta (sem substituir) à igualdade como generalidade
(aceção formal), a necessidade de tratamento igual do que é igual e dife-
rente do que é diferente176.
Uma das várias implicações do princípio da igualdade manifesta-se no
plano processual. Por um lado, tal ocorre através da necessidade de garantir
o igual (universal) acesso aos tribunais, seja para a proposição de ações, seja
para a sua contradição (igualdade formal), devendo as partes estar sujeitas aos
mesmos «poderes, direitos, ónus e deveres»177. Por outro lado, a manifestação
da igualdade neste âmbito faz-se através da imposição, que impende sobre o
legislador e sobre o juiz, de facultar a ambas as partes as mesmas condições
para, na medida do possível178, poderem fazer valer a sua posição em juízo
(igualdade substancial). Tudo isto é consensual na doutrina, mas, no que toca
à definição das concretas implicações que a aceção substancial deste princí-
pio pode ter, verificam-se profundas divergências. Julgamos que esta falta de
consensualidade é provocada pela interpretação do adjetivo «substancial»
presente no art. 4.º do CPC, disposição que consagra genericamente o prin-
cípio da igualdade das partes no processo.
Assim, Lebre de Freitas entende que a igualdade entre as partes deve
ser configurada como uma igualdade não simplesmente formal porque não
é possível assegurar uma igualdade formal absoluta entre as partes, devendo
ser assegurado um «jogo de compensações gerador do equilíbrio global do
processo quando a desigualdade objectiva intrínseca de certas posições

176
A este respeito, cfr., entre muitos outros, Reis Novais, Os princípios constitucionais, pp. 101 e
ss., Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição, Tomo I, pp. 442 e ss. e Gomes Canotilho
e Vital Moreira, Constituição, Vol. I, pp. 341 e ss..
177
Teixeira de Sousa, Estudos, p. 42. No mesmo sentido, v. Lebre de Freitas, Introdução,
pp. 124-5.
178
Por vezes, existem casos em que a desigualdade entre as posições de autor e réu é ine-
vitável. Por exemplo: a posição do autor ao poder escolher arbitrariamente o momento da
proposição da ação é necessariamente mais vantajosa do que a do réu que terá de respeitar
prazos apertados para a sua defesa.

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à


outra»179. Este entendimento implica, tal como Lebre de Freitas expressa-
mente confirma, que não se deve ver consagrado no art. 4.º (art. 3.º-A no ante-
rior CPC) um papel assistencial do juiz que auxilie uma das partes no caso
de esta exercer de forma deficiente os seus direitos e faculdades processuais,
excepto nos casos em que a lei processual impõe esse auxílio. No mesmo sen-
tido se pronuncia Abrantes Geraldes180.
Por outro lado, para AA. como Lopes do Rego181, Teixeira de Sousa182 ou
Pereira Batista183 a igualdade das partes deve ser vista, precisamente, como
uma igualdade que não se limita a assegurar os mesmos direitos e faculdades
processuais a ambas as partes (igualdade formal), mas que também impõe
que o juiz auxilie uma das partes no exercício dos seus direitos e faculdades
no processo no caso de esse exercício não ter sido o mais apropriado (igual-
dade material). Contudo, poder-se-á colocar a questão de saber se este enten-
dimento não poderá colidir com o princípio da imparcialidade do tribunal,
decorrente do consagrado no art. 203.º da CRP e também da exigência de um
processo equitativo. A resposta deverá, pensamos, ser negativa. Desde que o
juiz esteja vinculado a auxiliar cada uma das partes sempre que tal se revele
necessário não estará o juiz a agir de forma parcial, dado que estaria obri-
gado a auxiliar qualquer das partes (ou mesmo ambas) sempre que alguma
delas necessite desse auxílio. Neste sentido, refere Teixeira de Sousa que
«no contexto do princípio da igualdade, imparcialidade não é sinónimo de
neutralidade: a imparcialidade impõe que o juiz auxilie do mesmo modo qual-
quer das partes necessitadas (…); a neutralidade determina a passividade do
juiz perante a desigualdade substancial das partes»184.
Com efeito, aderimos a este último entendimento da aceção material do
princípio da igualdade no âmbito processual. Na realidade, apenas por esta
via se poderá cumprir verdadeiramente o sentido do art. 4.º do CPC, pois

179
Cfr. Lebre de Freitas, Introdução, p. 137 e Freitas, Machado, Pinto, Código de Processo,
Volume 1.º, p. 10.
180
Temas da Reforma, p. 112.
181
O direito fundamental, pp. 748 e ss..
182
Estudos, p. 44.
183
Reforma do Processo, p. 48 e ss..
184
Teixeira de Sousa, Estudos, p. 45.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

só assim se garante que a parte mais necessitada seja auxiliada no exercício


dos seus direitos e faculdades no processo, evitando-se desequilíbrios nesse
exercício entre as partes que as colocariam perante condições injustamente
desequilibradas para fazer valer os respetivos interesses, mesmo nos casos em
que a lei processual não preveja especificamente essa ajuda pois será precisa-
mente nesses casos que aquele preceito genérico terá utilidade. Sublinhe-se,
contudo, que a atitude assistencialista que entendemos ser correta é apenas
aquela que auxilia as partes com o objetivo de as colocar em condições iguais
para fazer valer a respetiva posição, e não aquela que, sob o pretexto de auxi-
liar a parte mais fraca, a coloca numa posição mais vantajosa para obter uma
sentença favorável, caso em que existiria realmente um tratamento inadmis-
sivelmente desigual das partes.
Pense-se, por exemplo, no caso do convite do juiz às partes para o aper-
feiçoamento dos articulados (art. 590.º, n.º2, al. b) e n.os3 e 4185 do CPC), que
consiste numa concretização do princípio da igualdade material. Este convite
evita, até certo ponto, que a decisão que vier a ser proferida não seja determi-
nada por factores como a deficiente alegação dos factos ou a não apresenta-
ção de um documento essencial. Efetivamente, se assim não fosse, a sentença
não incidiria sobre o real litígio que divide as partes (assentando antes em
aspetos como a deficiente alegação da matéria de facto no processo) podendo
originar desnecessariamente uma nova ação (em que, no mesmo exemplo, se
melhorasse a alegação dos factos) e não se cumprindo verdadeiramente a fun-
ção jurisdicional: «dirimir os conflitos de interesses públicos e privados» (art.
202.º, n.º2 da CRP)186. Aspetos como estes demonstram, portanto, as vanta-
gens que, neste exemplo, podem resultar de tratar de forma desigual o que é
desigual, conferindo à parte a quem se dirige o convite a possibilidade de, em

185
Pronunciando-se a favor da compatibilidade desta norma com os princípios da igualdade
das partes e da imparcialidade do tribunal, v. o ac. do TC n.º517/2000.
186
Refira-se que a opinião que manifestamos no texto pressupõe um certo entendimento
dos valores que estão em causa no processo civil, nomeadamente o de que a circunstância de
que se está a lidar com um litígio privado não deve nunca servir de pretexto para que o juiz
não dirija o processo de forma ativa, intervindo sempre que necessário para resolver de forma
eficaz e real o litígio. Partilhando deste entendimento, v. França Gouveia, Os poderes do juiz,
pp. 47 e ss.. Com um entendimento completamente contrário, v. Correia de Mendonça,
Vírus Autoritário, pp. 67 e ss..

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

igualdade de condições com a outra parte (cujos articulados, por hipótese187,


não sofriam das mesmas deficiências), poder obter uma decisão favorável. Já
se o juiz, num convite ao aperfeiçoamento dirigido a uma das partes, a con-
vidasse a, por exemplo, reformular os seus articulados de modo a impugnar
factos alegados pela parte contrária, estaria a trata-las de forma (inadmissivel-
mente) desigual, pois a primeira disporia de condições mais vantajosas para
fazer valer a sua posição, visto não estar a ser sujeita ao ónus de impugnação
(art. 574.º do CPC)188.
Assim, também no plano probatório podem, como temos vindo a referir,
existir desequilíbrios entre as partes, nomeadamente no que toca ao exer-
cício do seu direito de produção de prova. Com efeito, dando como certa a
igualdade formal das partes na produção de prova, visto que a lei processual
concede a ambas as partes exatamente as mesmas possibilidades de lançarem
mão dos mesmos meios de prova e do momento em que são apresentados,
poderá certa parte ter melhores condições do que a contrária para provar a
versão do facto que lhe aproveita, em função dos fatores anteriormente refe-
ridos189. Essa vantagem probatória significa, portanto, que a parte que dela
goza se encontra em melhores condições para, em última instância, conse-
guir obter uma decisão favorável, o que configura um cenário de desigual-
dade material entre as partes.
Isto suposto, a distribuição dinâmica do ónus da prova mostra-se con-
forme com o valor da igualdade material das partes no processo, equilibrando
a possibilidade de as partes com distintas capacidades probatórias consegui-
rem obter uma decisão favorável, no que diz respeito à factualidade em que
assenta a decisão. Realmente, se, por um lado, a parte com maior facilidade
187
Julgamos que a possibilidade de o convite ao aperfeiçoamento ser dirigido a ambas as
partes não é razão para deixar de o encarar genericamente como (também) uma possível
manifestação do princípio da igualdade entre as partes. É verdade que este convite justifica-
-se não apenas por uma questão de igualdade mas também pela necessidade de assegurar a
cooperação entre as partes e o tribunal, sendo que, efetivamente, esta última finalidade será a
única relevante no caso de o convite ser dirigido a ambas as partes. No entanto, nos casos em
que tal não ocorra, pensamos que este mecanismo pode contribuir seriamente para assegurar
que ambas as partes possam, em igualdade de condições, conseguir obter uma decisão favo-
rável. Neste sentido, Teixeira de Sousa, Estudos, p. 44; contra Freitas, Machado, Pinto,
Código de Processo, Volume 1.º, p. 11.
188
Partilhando desta opinião v. Montalvão Machado, O Dispositivo, p. 258.
189
Cfr. ponto 3.2.2.

343

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

em provar tem, por essa razão, melhores condições para conseguir obter uma
decisão que a favoreça, por outro, visto que suporta o ónus da prova, ela tem
também de efetivamente provar a versão dos factos que a favorecem para obter
aquela decisão. A possibilidade de a parte contrária obter uma decisão favo-
rável ocorrerá, portanto, caso a outra parte não consiga demonstrar a versão
factual com que estava onerada, possibilidade essa que não existe se o ónus
da prova não for atribuído à parte beneficiada com maior facilidade proba-
tória190. Nesse caso, a parte com maior dificuldade em provar a versão factual
que lhe é favorável ficaria, de facto, em piores condições para obter uma sen-
tença favorável do que a parte contrária.

4.4 – Celeridade e economia processual

Várias normas do ordenamento jurídico-processual português revelam a pre-


ocupação de economizar e rentabilizar os atos processuais191, podendo, em
reconhecimento desta tendência, falar-se da existência de um princípio de
economia processual192. Esta preocupação visa, entre outros, o objetivo de
promover, na medida do possível, a celeridade de andamento dos processos
em cumprimento da exigência constitucional de obtenção de uma decisão
judicial em prazo razoável (art. 20.º, n.º4 da CRP)193.
A mesma tendência poderá ser encontrada na distribuição dinâmica do
ónus da prova. Efetivamente, ao ser atribuído este ónus à parte com maior
facilidade em provar, promove-se a efetiva produção de prova por essa parte,
aumentando-se a probabilidade de que a demonstração dos factos ocorra de

190
Apresentando a ideia de igualdade e de equilíbrio entre as partes como um dos funda-
mentos da distribuição dinâmica do ónus da prova, v. Inés White, Cargas probatorias, p. 69 e
Abraham Vargas, Cargas probatorias dinámicas. Sus perfiles, p. 42 e ss..
191
Refiram-se, entre outras, as normas do CPC que permitem o litisconsórcio (arts. 32.º e
ss.), a cumulação de pedidos (arts. 555.º e 36.º) e o pedido subsidiário (arts. 554.º e 39.º), a
reconvenção (art. 266.º), a adequação formal (art. 547.º), a gestão processual (art. 6.º) ou a
que proíbe a prática de atos inúteis ou desnecessariamente complexos (arts. 130.º e 131.º).
192
Acerca deste princípio, cfr. Manuel de Andrade e Antunes Varela (em colab.), No-
ções, pp. 387-8, Lebre de Freitas, Introdução, pp. 203 e ss. e Francisco Almeida, Direito
Processual, pp. 264 e ss..
193
Encarando o princípio da economia processual como um corolário do direito a obter uma
decisão judicial em prazo razoável v. Remédio Marques, Acção Declarativa, p. 212.

344

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

forma mais rápida, simples e barata194. A forma de distribuição do onus pro-


bandi poderá, portanto, ser encarada como uma solução que promove os valo-
res da economia e da celeridade processual.

4.5 – Segurança jurídica

Embora a CRP não se refira expressamente à garantia de previsibilidade e de


estabilidade das decisões dos operadores das várias áreas de atuação estatal
(legislador, administração e poder judicial), é pacífico o entendimento de que
o valor da segurança jurídica (o chamado princípio da proteção da confiança)
nessa atuação decorre da consagração constitucional (art. 2.º da CRP) do nosso
Estado como um Estado de Direito195. Efetivamente, a necessidade que neste
tipo de Estado existe de assegurar que o exercício dos poderes públicos não
seja arbitrário mas antes consistente e atento às legítimas expectativas dos
cidadãos reflete-se em vários aspetos do exercício desses poderes, tais como o
respeito pelas situações dos cidadãos que revelem investimento na confiança
da manutenção de certo enquadramento legal aquando de alterações legis-
lativas (em especial as de efeito retroativo ou retrospetivo), a transparência
e publicidade daquele exercício ou a determinabilidade e a clareza das nor-
mas e dos critérios de decisão com que os poderes públicos regulam o com-
portamento dos cidadãos. É precisamente a conformidade com este último
aspeto que se poderá questionar na distribuição dinâmica do ónus da prova.
Com efeito, tal como se referiu supra196, a distribuição dinâmica do onus
probandi enquanto fórmula de decisão, consiste numa cláusula geral indeter-
minada. A sua aplicação envolve, portanto, um juízo de valor197 do julgador

194
Referindo as mesmas vantagens, v. Lynce de Faria, A Inversão, p. 62.
195
Neste sentido, Reis Novais, Os princípios constitucionais, pp. 261 e ss..
196
V. ponto 3.2.2.
197
Refira-se que este juízo de valor não implica que esta decisão do julgador deva ser conside-
rada como discricionária. De facto, a subjetividade da análise de qual das partes se encontra em
melhores condições para produzir a prova não significa que essa análise seja completamente
deixada ao prudente arbítrio do julgador (art. 152.º, n.º4 do CPC) visto que, adotando-se a
distribuição dinâmica do ónus da prova, não está no âmbito da liberdade do juiz escolher se
distribui este ónus de acordo com esse critério ou não, estando realmente vinculado a adotá-lo
caso os respetivos pressupostos de aplicação, nomeadamente a possibilidade de identificar
a parte com maior facilidade probatória, se verifiquem. Trata-se, portanto, de uma decisão
que, neste aspeto, é análoga, por exemplo, à de inquirição de testemunha não oferecida pelas

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

na determinação da existência de um desequilíbrio nas capacidades proba-


tórias e de qual das partes dispõe de maior facilidade relativa de produzir a
prova. Assim, a distribuição do ónus da prova apenas poderia ser conhecida,
com toda a segurança, no decorrer do processo198, e não numa fase prévia ao
mesmo. Este aspeto afeta necessariamente a previsibilidade do critério de
decisão na dúvida, restando saber, portanto, se esta circunstância viola, em
termos inadmissíveis, o princípio da proteção da confiança. Para tal, analisa-
remos a admissibilidade desta restrição ao direito à previsibilidade dos crité-
rios de decisão dos órgãos jurisdicionais de acordo com as condições previstas
no art. 18.º, n.º2 da CRP199, nomeadamente no que toca à proporcionalidade
dessa restrição.
De acordo com a doutrina200 que se tem pronunciado sobre este assunto, a
aplicação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso pro-
cessa-se através da análise dos subprincípios em que se desdobra o sentido
do primeiro. São eles: o princípio da idoneidade, da necessidade ou do meio
menos restritivo e da proporcionalidade em sentido restrito. Vejamos então
quais os resultados da sua aplicação à distribuição dinâmica do ónus da prova.
Comecemos por verificar se a forma de distribuição do onus probandi é idó-
nea para atingir os fins que se propõe alcançar. Ora, visto que estes corres-
pondem, no fundo, aos princípios e valores que temos vindo a abordar neste
ponto 4, a nossa opinião em relação a este aspeto vai, claramente, em sentido
positivo, pelos motivos que temos vindo a referir.
No que diz respeito a saber se a distribuição dinâmica do ónus da prova
constitui o meio menos restritivo que se pode conceber para alcançar aqueles

partes (art. 526.º do CPC), a qual deve também ser tomada caso os seus pressupostos («co-
nhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa») se verifiquem. Sobre este
assunto, v., entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos, pp. 68 e ss., Freitas, Machado,
Pinto, Código de Processo, Volume 1.º, pp. 296 e ss. e Teixeira de Sousa, Estudos, pp. 380 e ss..
198
A decisão do julgador acerca da distribuição do ónus deverá, pensamos, ser anunciada às
partes na audiência prévia, tal como se explicará no ponto 5.4.
199
Tratamos a analise desta restrição a um direito fundamental segundo o procedimento
aplicável às restrições a estes direitos operadas por normas legais pois entendemos, pelos
motivos que indicaremos no ponto 5, que a distribuição dinâmica do ónus da prova é, de
facto, a forma de atribuição deste ónus que o nosso ordenamento jurídico, à partida, consagra.
200
Veja-se, entre muitos outros, Reis novais, Os princípios constitucionais, pp. 161 e ss., Jorge
Miranda e Rui Medeiros, Constituição, Tomo I, pp. 372 e ss., Gomes Canotilho e Vital
Moreira, Constituição, Vol. I, pp. 392 e ss..

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

objetivos, estaremos já perante um juízo que implica uma análise que ainda
não foi feita. Assim, caso seja possível, num juízo comparativo, encontrar um
outro modo de distribuir o ónus da prova que permita, com a mesma idonei-
dade ou com uma melhor relação entre a idoneidade e a restritividade dos
seus efeitos, atingir os mesmos fins com maior previsibilidade da sua aplica-
ção (menor restritividade do valor da segurança jurídica) então a distribui-
ção dinâmica do ónus da prova seria uma solução violadora do princípio da
segurança jurídica. No entanto, não se afigura que tal forma de distribuir
este ónus exista.
Realmente, a tarefa de distribuir o ónus da prova incide, como também já
se referiu, sobre todos os factos principais que se mostrem relevantes para a
procedência da pretensão do autor ou réu reconvinte ou das exceções aduzidas
pelo réu ou autor reconvido. Como tal, resulta impraticável a configuração de
uma distribuição perfeitamente casuística em que, para cada facto principal,
estivesse normativamente prevista a respetiva distribuição do ónus da prova.
A ser possível, esta solução constituiria a mais segura que se poderia conce-
ber e que poderia perfeitamente ter na sua base a preocupação de atribuir o
ónus à parte com maior facilidade relativa de provar, com todas as vantagens
que temos vindo a elencar, mas, por não o ser, não a deveremos considerar.
Restará, portanto, um tipo de distribuição de alcance mais ou menos gené-
rico, ainda que esta possa conviver com casos em que ela seja casuisticamente
atribuída mas que não poderão consistir numa solução completa para uma
alternativa mais favorável à distribuição dinâmica do ónus da prova. Como tal,
torna-se óbvio analisar a solução, já abordada201, da distribuição resultante da
teoria das normas. No entanto, como também resulta do que já se afirmou,
a teoria das normas baseia-se essencialmente na forma como estão enuncia-
das e como podem ser interpretadas as formulações normativas na lei, sendo
que, salvo raras exceções202, a elaboração dessa formulação não teve sequer em
conta as consequências distributivas do onus probandi que dela decorreriam.
Por isso, a teoria das normas não permite genéricamente alcançar nenhum
dos objetivos que a distribuição dinâmica tem em vista, visto ser «estática»
relativamente às características que, no caso concreto, podem sugerir certa

201
V. ponto 2.3.
202
Cfr. n. 72.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

distribuição, as quais, como se referiu, são concretizações da ideia de facili-


dade probatória relativa das partes. Além disso, a teoria das normas, embora
dotada de alguma previsibilidade na sua aplicação, está muito longe de a
garantir totalmente, tal como revelam as insuficiências e dificuldades apon-
tadas supra203.
Não se nos afiguram, por tudo isto, alternativas praticáveis que apresen-
tem um «saldo» mais favorável entre a restritividade dos seus efeitos provo-
cada pela insegurança associada a elas e a sua idoneidade para atingir os fins
que abordamos neste ponto 4, em comparação com a distribuição dinâmica
do ónus da prova.
Resta agora averiguar a chamada proporcionalidade em sentido estrito
da limitação ao valor constitucional da segurança jurídica, analisando se esta
apresenta mais vantagens do que desvantagens, implicando este último passo
um exame mais subjetivo. Assim, dever-se-á assinalar que esta forma de dis-
tribuição do onus probandi apresenta todas as vantagens inerentes à sua con-
formidade com os princípios que temos vindo a analisar. A sua desvantagem
assenta, naturalmente, na restrição ao valor da segurança jurídica que esta-
mos analisando. Por isso, além do facto de que, num juízo meramente quanti-
tativo, serem mais as vantagens do que as desvantagens, será essencialmente
relevante sublinhar que a restrição à segurança jurídica, na sua acepção de
previsibilidade dos critérios de decisão, não é total. Isto porque o modo de
decidir na dúvida é determinado por referência à cláusula da facilidade pro-
batória que, embora indeterminada à partida, terá uma aplicabilidade tão
mais previsível quanto maior for o grau de densificação dessa cláusula, para
o que podem contribuir as classes de casos avançadas anteriormente204, por
criarem referências relativamente seguras de características indicadoras da
maior facilidade probatória de uma das partes.
Por fim, poderá ainda ser útil a referência à clássica discussão entre os
valores que, numa relação de compromisso, se pode considerar serem visados
pelo Direito: a segurança e a justiça205. Com efeito, sem querermos indagar
os vários sentidos que podem ser atribuídos àqueles conceitos, adotando o

203
Cfr. ponto 2.3.
204
V. ponto 3.2.2.
205
A relevância desta discussão no âmbito da distribuição dinâmica pode ser encontrada em
Edgar Baracat, Estado Actual, pp. 282 e ss..

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

tradicional entendimento206 do «conflito» entre segurança e justiça, estamos


perante um exemplo em que, julgamos nós, uma decisão mais justa implica
alguma cedência do valor da segurança. Mas será esta cedência admissível?
É generalizada a afirmação de que a tensão entre estes dois valores só pode
ser resolvida perante as características de cada caso concreto, não sendo viá-
vel estabelecer um critério genérico e objetivo que permita determinar qual
deve prevalecer e qual deve ceder, ou mesmo, se tal for possível, que imponha
a cedência simultânea de ambos. No entanto, segundo Radbruch, é possível
encontrar um critério relativamente objetivo que permita, pelo menos, iden-
tificar um grupo restrito de casos em que se deve considerar que a segurança
deve prevalecer sobre a justiça: «O conflito entre a justiça e a segurança jurí-
dica deve resolver-se com prevalência do direito positivo garantido através das
leis e do poder, mesmo quando aquele seja pelo seu conteúdo injusto e inade-
quado, salvo se a contrariedade da lei positiva à justiça for de tal modo intole-
rável, que a lei, enquanto “direito injusto”, deva ceder à Justiça. É impossível
traçar uma linha nítida entre os casos de negação legal do direito e os casos
de leis ainda válidas apesar do seu conteúdo injusto. Pode, contudo, ser tra-
çada com toda a nitidez uma outra distinção: quando nem sequer se pretende
alcançar justiça, quando a igualdade, que constitui o núcleo da justiça, é cons-
cientemente negada pela regulação do direito positivo, então a lei não é ape-
nas “direito injusto”, carecendo em termos absolutos de natureza jurídica.»207.
Daqui poderemos concluir, no âmbito do assunto que nos ocupa, que uma
distribuição do ónus da prova – ainda que dotada de alguma previsibilidade,
como a que decorre do art. 342.º, n.os 1 e 2 do CC – que não promova de todo
o valor da igualdade material, nomeadamente no que diz respeito às capa-
cidades de produção de prova das partes, não deverá ser admissível, por não
levar em conta o valor da justiça: será, assim, injusto, porque desigual, onerar
a versão de um facto que aproveita a uma parte que o pode provar com mais
dificuldade do que a parte contrária pode provar a versão inversa. Simetrica-
mente, já será de admitir uma distribuição do onus probandi – ainda que rela-
tivamente desprovida de previsibilidade, como a distribuição dinâmica – que

206
Entendimento esse que pode ser encontrado, por exemplo, em Oliveira Ascensão,
O Direito, pp. 195 e ss., Kaufmann, Filosofia, pp. 284 e ss..
207
Gustav Radbruch, Gesetzliches Unrecht und übergestztliches Recht, p. 89 apud Kaufmann,
Filosofia, p. 285.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

promova o valor da igualdade material no âmbito das capacidades de produ-


ção de prova das partes208, visto ser indispensável que haja sempre alguma
finalidade de justiça nos critérios de decisão, apenas sendo admissível que
essa finalidade não se manifeste em todos os casos concretos a que se apli-
quem esses critérios (constituindo estes casos o «direito injusto» a que se
refere Radbruch). Efetivamente, a teoria das normas, consagrada no art.
342.º, n.os 1 e 2 do CC209, constitui um critério decisório completamente for-
mal, baseado na formulação e interpretação das normas, que, em si mesmo,
não visa qualquer finalidade material, sendo apenas explicável pelo contexto
histórico em que surgiu210, consistindo, nessa base, num critério arbitrário e,
sendo a arbitrariedade a forma mais evidente de desigualdade211, num critério
injusto. Pelo contrário, a distribuição dinâmica tem finalidades promotoras
de justiça óbvias, nomeadamente o contributo para que as decisões jurisdi-
cionais se baseiem em factos reais e o incentivo à igualdade de oportunida-
des das partes na produção de prova.
Por tudo isto, a restrição que a distribuição dinâmica impõe ao valor da
segurança jurídica é uma inevitabilidade, à falta de uma melhor (mais previ-
sível) alternativa admissível que promova alguma finalidade valiosa, pelo que
não se considera que esta forma de distribuir o ónus da prova viole, de forma
intolerável, aquele valor212.

208
Cfr. ponto 4.3.
209
Cfr. n. 61.
210
Cfr. ponto 3.1.
211
Com efeito, a arbitrariedade consiste na situação em que a diferenciação de tratamento
não se apresenta fundamentada por qualquer fundamento compatível com algum valor digno
de proteção, nomeadamente de algum valor com consagração constitucional. Naturalmente
que o alcance do princípio da igualdade vai além disto, mas é claro que esta é a sua dimensão
mais essencial e consensual. A este respeito cfr., entre outros, Reis Novais, Os princípios
constitucionais, pp. 111 e ss., Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição, Tomo I, pp. 224 e
ss., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, Vol. I, pp. 339 e ss..
212
Em sentido aparentemente contrário, referindo que uma forma de distribuição do ónus
da prova que leve em conta as características do caso concreto seria inadmissivelmente vio-
ladora do valor a segurança jurídica, Lynce de Faria, A Inversão, p. 65. Não surpreende que
a mesma opinião possa ser encontrada em Rosenberg, La Carga de la Prueba, pp. 84-5, visto
ser este A. aquele a quem é atribuída a formulação da teoria das normas.

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

4.6 – Processo equitativo

A CRP consagra explicitamente, no seu art. 20.º, n.º4, o direito dos cidadãos
a que qualquer decisão resultante de causa em que intervenham seja obtida
mediante processo equitativo. Vejamos agora quais as consequências que este
direito fundamental pode ter no campo da distribuição do ónus da prova.
Da epígrafe do art. 20.º da CRP consta a referência à «tutela jurisdicional
efetiva». Esta expressão transmite a ideia de que os cidadãos devem poder
aceder aos tribunais para, através da ação destes, poderem ver reconhecidos
e efetivados os direitos (e os correspetivos deveres) que o Direito lhes con-
cede. Este é, pensamos nós, o objetivo que orienta boa parte do conteúdo
deste preceito, nomeadamente a universalidade do direito de acesso aos tri-
bunais (n.º1), a indispensabilidade da existência de procedimentos cautelares
(n.º5) e, também, a necessidade de as decisões judiciais serem tomadas em
prazo razoável e mediante um processo equitativo (n.º4). Com efeito, apenas
estando assegurado que o andamento dos processos judiciais respeita as exi-
gências de igualdade material de tratamento das partes, respeito pelo con-
traditório, imposição de prazos razoáveis às partes, direito à apresentação de
provas, não sujeição a ónus processuais desnecessários ou inúteis e obtenção
de uma decisão fundamentada em prazo razoável213, ou seja, apenas quando
estiver assegurado o respeito pelo processo equitativo, poderão estar reunidas
as condições para que as decisões judiciais reconheçam os direitos e deveres
que, na realidade, o Direito atribui aos cidadãos.
Assim, de entre os referidos aspetos constitutivos do processo equitativo,
destacaremos aquele que terá maior relevância para o problema que temos
vindo a tratar: o direito das partes a não serem oneradas com exigências pro-
cessuais inúteis ou desligadas de qualquer finalidade valiosa, tendo em conta
a tramitação processual em que se inserem214. Esta vertente do processo equi-

213
Adotámos, neste elenco, em termos gerais, a descrição apresentada por Gomes Canotilho
e Vital Moreira, Constituição, Vol. I, pp. 415-6 e ss. daquilo que a doutrina e a jurisprudência
têm entendido como sendo o conteúdo do direito ao processo equitativo.
214
Neste sentido se tem pronunciado repetidamente o TC, sendo disso exemplo os seguintes
acs.: 384/98 ou 275/99. Seguindo a mesma orientação v. Lopes do Rego, O Direito fundamental,
pp. 755-6 e Os princípios constitucionais, pp. 839 e ss..

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

tativo, que pode ser sugestivamente designada de favor actionis215, tem conse-
quências no que toca ao critério de distribuição do ónus da prova.
Efetivamente, o ónus da prova, mesmo que entendido na sua aceção obje-
tiva, constitui, para efeito de avaliar a sua conformidade com a exigência
constitucional de respeito pelo processo equitativo, um ónus processual que
impende sobre uma das partes, nomeadamente por força do seu efeito à dis-
tância216. Como tal, é necessário averiguar se a imposição deste ónus às partes,
nos termos em que, na prática, ele lhes é imposto, ou seja, tendo em conta a
sua distribuição, é ou não adequado em função da sua finalidade. Esta consis-
tirá na obtenção de uma decisão nos casos de dúvida mas não qualquer uma,
devendo a decisão de ónus da prova ser, como qualquer outra, fundamentada
em critérios materiais de justiça, nomeadamente tendo em conta os valores
que estiverem em jogo no caso concreto e, em especial, que se encontrarem
consagrados na CRP. Estes valores são, em nossa opinião, no âmbito, ao qual
nos restringimos, do ónus da prova enquanto critério de decisão nos casos de
dúvida subjetiva217, a procura da verdade «material» e o respeito pela igualdade
de oportunidades das partes para obterem uma decisão favorável no que diz
respeito à matéria de facto. Com efeito, sendo a prova do facto em causa pos-
sível, e sendo a dúvida em relação à sua ocorrência indesejável, a decisão de
ónus da prova deverá ser orientada no sentido de favorecer a «verdade mate-
rial», evitando, no fundo, a sua própria tomada, devendo ser desfavorável à
parte com maior facilidade de revelar essa verdade. Por outro lado, consis-
tindo o ónus da prova num ónus processual com um efeito de forte motiva-
ção da parte onerada no sentido da produção de prova (efeito à distância), a
decisão de ónus da prova pode e deve ser utilizada para equilibrar as possi-
bilidades das partes de obterem uma decisão baseada nos factos que as favo-
recem, devendo ser favorável à parte que, à partida, tem maior dificuldade de
provar as versões factuais que a beneficiam.
Isto suposto, podemos, desde já, afirmar que a atribuição do ónus da prova
resultante da aplicação de um critério de distribuição como o que está previsto
no art. 342.º, n.os 1 e 2 do CC não contribui para a existência de uma decisão

215
V. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição, Tomo I, pp. 439-40, para uma descrição
das consequências associadas ao favor actionis.
216
Cfr. ponto 2.2.1.
217
Cfr. ponto 3.3.2.

352

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

de ónus da prova que promova a realização de nenhuma daquelas finalidades.


Tal como já se referiu, a distribuição do onus probandi resultante daquele pre-
ceito e assente na teoria das normas não contribui para a existência de uma
decisão de ónus da prova que promova qualquer finalidade material, visto ser
um critério exclusivamente formal assente na forma de redação das normas,
a qual quase nunca é formulada tendo em conta as consequências distribu-
tivas deste ónus218.
Pelo contrário, a distribuição dinâmica do ónus da prova, por tudo o que
sobre ela fomos referindo neste ponto 4, assegura que a decisão de ónus da
prova, por um lado, favorece a procura da verdade «material», estimulando
a parte com maior facilidade probatória a esforçar-se na produção de prova,
e, por outro, equilibra as possibilidades de as partes obterem uma decisão
favorável, visto que essa decisão é favorável à parte com maior dificuldade
probatória.
Em suma, as finalidades, prosseguidas pela distribuição dinâmica, de pro-
moção da verdade e da igualdade de oportunidades na obtenção de uma
decisão favorável permitem atribuir sentido ao ónus da prova enquanto ónus
processual, sendo necessárias para que este não seja inútil nem desproposi-
tado. Como tal, só assim a atribuição do ónus da prova a uma das partes não
viola o processo equitativo e se torna num elemento essencial para assegurar
o objetivo deste: a tutela judicial efetiva. Efetivamente, somente quando as
decisões judiciais, incluindo aquelas que se baseiem em decisões de ónus da
prova, assentarem (entre várias outras condições, naturalmente), na medida
do possível, na verdade «material» e forem emitidas após terem sido confe-
ridas às partes iguais oportunidades para fazerem valer a sua posição no que
diz respeito aos factos em que se baseiam essas decisões, é que estarão reuni-
das as condições para poderem ser reconhecidos e efetivados judicialmente
os direitos que assistem aos cidadãos.

218
Cfr. ponto 3.1.

353

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

5 – A aplicação da distribuição dinâmica do ónus da prova no ordena-


mento jurídico português

5.1 – Preliminares

Propomo-nos, agora, explicar o modo como julgamos ser possível e desejável


entender que a solução da distribuição dinâmica do ónus da prova se encon-
tra consagrada no nosso ordenamento. Para isso, começaremos por mencio-
nar as referências legais que apontam naquele sentido. De seguida, veremos
o método de integração de lacunas pelo qual se deve considerar que a solu-
ção proposta constitui um critério legalmente consagrado de repartição do
onus probandi. Por fim, analisaremos a forma que pensamos ser mais adequada
de aplicar a distribuição dinâmica no âmbito da tramitação processual-civil.

5.2 – Referências legais da distribuição dinâmica no ordenamento jurí-


dico português

A forma de distribuir o ónus da prova consagrada no art. 342.º do CC con-


siste num critério distributivo que podemos designar de genérico, visto que
a redação daquele preceito não prevê qualquer tipo exclusivo de casos para a
sua aplicação. No entanto, vários outros preceitos legais consagram normas
distributivas do ónus da prova de carácter casuístico, no sentido em que a sua
aplicação se circunscreve a um grupo definido de casos.
Daquilo que se referiu supra219, resulta já que não existe qualquer justifi-
cação material em que o critério da teoria das normas, previsto no art. 342.º
do CC, possa encontrar a sua teleologia. Vejamos agora se se afigura possível
encontrar alguma finalidade material que justifique os vários casos de distri-
buição casuística do ónus da prova previstos na lei.
Para levar a cabo a distribuição casuística do ónus da prova, poder-se-ia
pensar que, à partida, o legislador utiliza essencialmente tanto os mecanis-
mos da presunção legal como os da chamada dispensa ou liberação do ónus
da prova. Analisemos no entanto, de forma mais cuidada cada um deles.

219
Cfr. pontos 2.1, 2.3, 3.1 e 4.5.

354

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

A presunção legal consiste numa inferência factual realizada pelo legisla-


dor entre um facto, cuja hipótese de ocorrência se assume (facto base da pre-
sunção), e outro facto cuja hipótese de ocorrência se infere da do primeiro,
segundo as regras de experiência (facto presumido)220. O CC português é
muito rico em presunções legais, pelo que poderemos nesse diploma encon-
trar, entre vários outros, os seguintes exemplos:

– 68.º, n.º3: presunção de morte caso os contornos do desaparecimento


permitam, com segurança, inferir aquela;
– 370.º, n.º1: presunção de autenticidade do documento quando este
apresentar características que não permitam duvidar dela;
– 488.º, n.º2: presunção de falta de imputabilidade nos casos em que a
baixa idade permite inferir a mesma;
– 779.º: presunção de atribuição ao devedor do benefício do prazo, visto
que a simples fixação deste permite, em princípio, a inferência de que
ele aproveita a quem tem de cumprir a obrigação221;
– 1158.º, n.º1: presunção de que o mandato é gratuito ou oneroso conso-
ante tenha por objeto atos que o mandatário pratique, respetivamente,
fora ou dentro do âmbito da sua profissão, visto que o exercício de uma
atividade profissional é, em regra, remunerado;
– 1260.º, n.º2: presunção de boa-fé da posse titulada e de má-fé da não
titulada, dado que a existência (que tem de ser demonstrada: 1259.º,
n.º2) ou não existência de título justifica a referida inferência;
– 1421.º, n.º2: presunção de comunidade das partes do prédio sujeito ao
regime de propriedade horizontal que se revelem habitualmente des-
tinadas ao uso comum dos condóminos, tais como os ascensores ou os
jardins anexos ao edifício;
– 1826.º, n.º1 e 1871.º, n.º1: presunção de paternidade em situações que per-
mitam inferir a mesma, tais como a conceção na constância do matrimó-
nio, sendo a paternidade atribuída ao marido da mãe, ou a tratamento
e reconhecimento como filho por parte do pretenso pai e pelo público.

220
V. os AA. referidos na n. 31.
221
Contra, afirmando que este se trata de um caso de dispensa ou liberação legal do ónus da
prova em que não relevam as regras da experiência, v. Lebre de Freitas, A Ação, pp. 208-9.

355

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

Deste modo, têm a doutrina222 e a jurisprudência223 entendido, em cumpri-


mento do disposto no art. 344.º, n.º1 do CC, que as presunções legais influem
na distribuição do ónus da prova, invertendo-o, essencialmente, em relação
à repartição que decorre do critério do art. 342.º do CC no que toca ao facto
presumido. Não partilhamos, contudo, deste entendimento. Com efeito, a apli-
cação das presunções legais pressupõe que já se tenha demonstrado uma base
factual indiciadora, muitas vezes até fortemente indiciadora, da verificação
de outro facto: o facto presumido. Por isso, e tendo em conta que entendemos
que a medida da prova exigível para considerar certo facto como provado é
a mais baixa possível – a prova preponderante – então em todos os casos em
que se pudessem aplicar as presunções legais (pressupondo, portanto, que
não estavam ilididas) seria não só possível como exigível que o julgador con-
siderasse o facto presumido como estando provado, por força da apreciação
das provas segundo as regras de experiência, independentemente do que a
presunção legal prescrevesse e mesmo que esta não existisse. Como tal, não
encontramos qualquer situação em que as presunções legais funcionem como
forma de distribuir o ónus da prova do facto presumido: ou elas se aplicam
porque o facto base ficou demonstrado e, nesse caso, o facto presumido fica,
desde logo, demonstrado; ou elas não se aplicam seja porque o facto base não
ficou demonstrado, caso em que a questão não se coloca, seja porque o facto
alegadamente presumido se provou não ter ocorrido (elisão da presunção),
caso em que este será dado como não provado. Em qualquer dos casos não
se verifica o pressuposto essencial da decisão de ónus da prova: a dúvida em
relação a um facto, neste caso ao facto, alegadamente, presumido. Efetiva-
mente, o disposto no art. 344.º, n.º1 do CC, a propósito das presunções legais,
afigura-se-nos impossível de aplicar.

222
V., entre outros, Lebre de Freitas, A Ação, pp. 207-8, Pais do Amaral, Direito Processual,
p. 306, Montalvão Machado, Paulo Pimenta, O Novo Processo, p. 236, Remédio Marques,
Acção Declarativa, p. 598, Lynce de Faria, A Inversão, pp. 33 e ss., Teixeira de Sousa, As Partes,
pp. 225-6, Varela, Bezerra, Nora, Manual, p. 465.
223
Cfr., a título de exemplo, o disposto nos ss. acs.: STJ: 14/12/2006 (Pinto Hespanhol),
03/02/2009 (Helder Roque), 19/05/2010 (Vasques Dinis); TRL: 29/11/2007 (Ana Paula
Boularot), 16/03/2010 (Maria José Simões); TRP: 10/10/2011 (Soares de Oliveira); TRC:
24/01/2012 (Sílvia Pires).

356

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Por isso, consideramos as presunções legais como orientações ao julgador


na apreciação da prova224 que, inclusivamente, não implicam nada de novo
relativamente à apreciação da prova que o julgador está sempre obrigado a
fazer, de acordo com as regras da experiência225. A sua existência apenas con-
fere mais previsibilidade no resultado da aplicação daquelas regras, tendo o
legislador optado por este mecanismo nos casos em que quis certificar-se de
que o regime legal associado à qualificação de alguma coisa, ação ou pessoa
em certa classe ou estado era aplicado226 (seguindo os exemplos referidos,
pense-se, para as coisas ou ações, na autenticidade de um documento, gra-
tuitidade ou onerosidade do mandato, posse de boa ou má fé, comunidade de
certas partes do prédio e, para as pessoas, na morte, inimputabilidade, bene-
fício do prazo e paternidade).
Por tudo isto, poderemos concluir que as presunções legais não consti-
tuem um critério de distribuição casuística do ónus da prova, pelo que não
poderemos avaliar se nas presunções legais existe algum critério material que
oriente a repartição do onus probandi.

Vejamos então, agora, os casos de dispensa ou liberação legal do ónus da


prova. Nestes casos, ao contrário dos anteriores, não existe uma relação de
verosimilhança factual entre um facto e outro, antes consistindo em situações
em que o legislador regula efetivamente, de forma casuística, a distribuição
do ónus da prova227. Analisemos alguns exemplos:

– art. 270.º, n.º6 do CPI: num pedido de declaração de caducidade do


direito de marca por não ter sido objeto de uso sério por prazo supe-
rior a 5 anos, «cumpre ao titular do registo (...) provar o uso da marca,
sem o que esta se presume não usada»;

224
V., em sentido muito próximo deste, Pires de Sousa, Prova por presunção, p. 92.
225
Refira-se que, pelas razões avançadas na n. 107, entendemos que, no que toca à presunção
de culpa na responsabilidade contratual (art. 799.º do CC), apenas nos casos responsabilização
civil por incumprimento de uma obrigação de resultado existe uma relação de verossimilhança
entre o facto base da presunção e o facto presumido, pelo que só nestes existirá uma presunção.
226
Neste sentido, v. Lynce de Faria, A Inversão, p. 62.
227
No mesmo sentido v. V., entre outros, Lebre de Freitas, A Ação, pp. 208-9, Pais do
Amaral, Direito Processual, p. 306, Montalvão Machado, Paulo Pimenta, O Novo Processo,
p. 236, Lynce de Faria, A Inversão, pp. 39 e ss., Varela, Bezerra, Nora, Manual, pp. 465-6.

357

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

– art. 16.º, n.º5 do CPub: numa situação de alegada publicidade compa-


rativa enganosa, deverá a entidade anunciante suportar o «ónus da
prova da veracidade» dos factos constantes desse tipo de publicidade;
– art. 5.º, n.º3 do Decreto-lei 446/85, de 25/10, na redação que lhe foi
dada pelo Decreto-lei n.º 220/95, de 31/01: «O ónus da prova da comu-
nicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem
as cláusulas contratuais gerais»;
– art. 12.º, n.º1 da Lei n.º 24/2007 de 18/07: no caso de acidente em auto-
estrada cuja causa seja imputável à concessionária, cabe a esta o ónus
da prova, em ação na qual seja demandada pela reparação dos danos
resultantes do acidente, do «cumprimento das obrigações de segu-
rança»;
– art. 140.º, n.º5 do Código do Trabalho: em ação proposta pelo trabalha-
dor contra o empregador na qual aquele pretenda que se reconheça a
existência de um contrato de trabalho sem termo por alegadamente
não se verificarem os requisitos legais de admissibilidade de contrato
de trabalho a termo resolutivo, cabe ao empregador o ónus de demons-
trar a ocorrência de algum dos factos que permita justificar a cele-
bração desse contrato e que traduza uma necessidade temporária da
empresa.

Como se pode depreender destes exemplos, nos casos de dispensa ou libe-


ração legal do ónus da prova, não se verifica uma relação de verosimilhança
entre quaisquer factos, ocorrendo apenas uma efetiva atribuição a certa parte
do ónus da prova de determinado facto, de forma expressa e casuística.
No entanto, ao atentarmos nos vários exemplos avançados, uma razão
surge como sendo a que justifica essa repartição casuística do ónus da prova,
inversa da que resultaria do art. 342.º do CC: a maior facilidade relativa que
a parte onerada tem de produzir a prova228. Vejamos cada um dos exemplos
apresentados:

228
Note-se que existem casos de natureza mista, com elementos próprios das presunções
e dos casos de dispensa ou liberação legal do ónus da prova, nos quais é possível identificar
tanto uma relação de verosimilhança entre o facto base e o facto presumido bem como a
intenção de atribuir o ónus da prova à parte com maior facilidade probatória. É o que ocorre,
por exemplo, no art. 98.º do CPI: de acordo com este preceito, no âmbito de um processo em

358

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

– o titular do direito de marca, por ser quem, em princípio, utiliza a


marca na sua atividade profissional, é quem deve ter maior facilidade
em demonstrar o uso sério da mesma (critério da proximidade e con-
trolo dos factos);
– a entidade que publicita, dado que é quem melhor conhece os bens
ou serviços publicitados que utilizou na suas declarações publicitárias
bem como os critérios que utilizou para efetuar as comparações, será
quem deve estar, portanto, em melhores condições de demonstrar a
veracidade dos factos alegados na publicidade (critério da proximi-
dade e controlo dos factos e do acesso aos conhecimentos técnicos e
exercício de uma atividade enquanto profissional);
– o contratante que elabora e submete a outrem cláusulas contratuais
gerais, por ser quem melhor as conhece e quem efetua a sua comuni-
cação ao aderente, deverá ter maior facilidade em provar a realização
da mesma bem como a sua adequação e efetividade, visto estar numa

que se discuta a violação de um direito de patente de processo de fabrico de um produto


novo, «o mesmo produto fabricado por um terceiro [relativamente ao titular da patente]
será, salvo prova em contrário, considerado como fabricado pelo processo patenteado», ou
seja, o fabrico do produto novo por um terceiro (facto base) faz presumir o uso do processo
patenteado (facto presumido), ficando demonstrada a violação do direito de patente. Assim,
por um lado, existe uma relação de verosimilhança entre o facto base e o facto presumido
pois se um produto é novo e se o seu processo produtivo está patenteado e, por isso, é de
conhecimento público, do fabrico do mesmo produto por um terceiro é verosímil inferir,
na falta de prova em contrário, a utilização do processo patenteado. Por outro lado, mesmo
não considerando nós, pelas razões apontadas no texto, que as presunções tenham qualquer
implicação na distribuição do ónus da prova, ainda assim é possível encontrar, nestes casos de
natureza mista, a intenção (não conseguida mas identificável em função do disposto no 344.º,
n.º1 do CC) do legislador atribuir o ónus da prova à parte com maior facilidade probatória
visto que o facto presumido é aquele que aproveita à parte com maior dificuldade probatória:
independentemente de o produto ser novo, é o terceiro que fabrica o mesmo produto que
tem maior facilidade de provar que não o fabrica através do processo patenteado (critério da
proximidade e controlo do facto) do que o titular da patente de provar que o terceiro utiliza
o método patenteado. Sendo este o facto presumido é também o facto com base no qual se
decidiria havendo dúvida e estando o ónus da prova atribuído à parte com maior facilidade
probatória. Por isso, embora de forma menos óbvia, é também possível neste tipo de casos de
natureza mista, a finalidade de atribuir o ónus da prova à parte com maior facilidade proba-
tória. Neste sentido, especificamente quanto ao exemplo do art. 98.º do CPI, referindo que
nele está implícita essencialmente uma preocupação de «garantir, de modo pragmático, que
quem se proponha comercializar o mesmo produto, em momento posterior, faça a prova de
que o produziu de modo inovador», v. Couto Gonçalves, Manual, p. 91.

359

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

posição que lhe permite reunir os meios de prova para tal, como, por
exemplo, a gravação da chamada onde essa informação foi (ou devia ter
sido) dada (critério da proximidade e controlo dos factos e do acesso
aos meios de prova);
– a concessionária da autoestrada, por ser a entidade a quem é exigido o
cumprimento de algumas obrigações de segurança e que as deverá por
em prática, será quem melhor posicionada estará para poder demons-
trar que as cumpriu (critério da proximidade e controlo dos factos);
– o empregador, dado que controla a gestão da empresa, é quem melhor
conhece as necessidades laborais da mesma e mais facilmente poderá
provar que a contratação do trabalhador em causa se destina à satis-
fação de uma necessidade de cariz temporário.

Assim, verificamos que a razão da distribuição casuística comum a todos


estes casos, que alguns AA.229 afirmam ser aquela que justifica a maior parte
das chamadas inversões do ónus da prova, corresponde exatamente à ideia
fundamental da distribuição dinâmica do ónus da prova. Por isso, pensamos
ser correto afirmar que, nos casos em que o legislador regulou a distribuição
deste ónus baseando-se num fundamento material, o fez através do critério
da maior facilidade probatória da parte onerada em relação à privilegiada230,
sem prejuízo de, em alguns casos, ser possível identificar adicionalmente
outro tipo de justificação para a distribuição casuística231.

229
V. Lynce de Faria, A Inversão, p. 60. Aparentemente no mesmo sentido se pronunciam
Varela, Bezerra, Nora, Manual, p. 458.
230
Exceção feita ao caso da presunção de comoriência, prevista no art. 68.º, n.º2 do CC, visto
que não entendemos que possa ser qualificada como uma presunção, dado que não existe
qualquer relação de verosimilhança entre o facto base da presunção (dúvida quanto ao mo-
mento da morte de cada pessoa) e o facto presumido (morte simultânea). Com efeito, o facto
de ambas terem falecido simultaneamente será mesmo a situação menos provável. Também
não deverá ser qualificada como um caso de dispensa ou liberação legal do ónus da prova
pois não se pode concluir que tenha sido orientada para onerar a parte com maior facilidade
probatória. Dentro da lógica das presunções legais, mais correto teria sido a consagração da
presunção de premoriência pois o facto de ter falecido primeiramente a pessoa mais velha já
apresenta uma solução, à partida, mais verosímil. Por isso, encaramos a presunção de como-
riência como um tipo singular de distribuição casuística do ónus da prova.
231
Cfr. o ponto 5.3.

360

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Os casos de dispensa ou liberação legal ou ónus da prova são, portanto,


aqueles em que, de forma mais exata, podemos reconhecer a consagração do
fundamento da distribuição dinâmica no nosso ordenamento jurídico.

No entanto, existem outras referências legais, distintas dos casos de regu-


lação casuística do ónus da prova, de onde se pode retirar a conclusão de que
o legislador adotou aquele critério.
Veja-se o art. 345.º, n.º1 do CC. Este preceito, ao prever a nulidade da con-
venção que inverta o ónus da prova quando essa inversão «torne excessiva-
mente difícil a uma das partes o exercício do direito», está a estabelecer duas
consequências. Em primeiro lugar, reconhece a possibilidade, já avançada no
art. 344.º, n.º1 do CC, de as partes disporem das regras legais de distribuição
do ónus da prova. Depois, sendo este aspeto essencial, fixa como limite dessa
disposição a circunstância de que, em virtude da convenção, certa parte passar
a ficar onerada com a demonstração de uma versão factual que faça com que
o exercício do direito que se pretende com essa demonstração seja demasia-
damente difícil. Ora, apesar da formulação abrangente do preceito em causa,
a única forma de uma disposição convencional relativa à distribuição do ónus
da prova resultar no difícil exercício do direito correspondente ocorrerá se
a parte onerada passar a ter de provar uma versão factual que só com muita
dificuldade conseguirá demonstrar232. Sem querer afirmar que este regime
legal consagra expressa e exatamente o critério da distribuição dinâmica do
ónus da prova nos termos em que o enunciámos, visto que aparentemente só
estará vedada a atribuição convencional deste ónus caso a parte onerada tenha
uma intolerável dificuldade em demonstrar a versão factual (com o problema
associado de se ter de determinar, na prática, a partir de que ponto tal acon-
tecerá), o preceito não deixa de apontar no sentido de que a facilidade pro-
batória das partes deve influenciar a repartição do onus probandi.
Recorde-se também o disposto no art. 344.º, n.º2 do CC, que já abordámos
supra233. Remetendo a nossa opinião sobre o regime legal desse preceito para
o que já se referiu, relembraremos apenas que também neste caso o legislador

232
Neste sentido se pronunciam Antunes Varela, Pires de Lima e Henrique Mesquita
(em colab.), Código Civil, Vol. I, p. 309.
233
V. ponto 3.2.2.3.

361

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

teve em conta a dificuldade probatória das partes e tornou essa dificuldade


relevante na distribuição do ónus da prova, com a particularidade de que o
mecanismo previsto neste preceito se pode aplicar em qualquer situação, não
tendo qualquer caráter casuístico234.

5.3 – A distribuição dinâmica como critério legalmente aplicável de


repartição do ónus da prova

Procuraremos demonstrar agora a razão porque entendemos ser a distri-


buição dinâmica um critério legalmente previsto e de aplicação generalista
(verificados os seus pressupostos) de repartição do ónus da prova no nosso
ordenamento jurídico. Esta consagração legal não é, naturalmente, expressa,

234
Além das referências legais apontadas, existem também algumas decisões jurisprudenciais
em que é possível encontrar exemplos nos quais a dificuldade probatória com que se confronta
a parte (inicialmente) onerada levou o decisor, a atribuir o ónus da prova à parte com maior
facilidade probatória, mas apenas quando a versão factual onerada é negativa, a qual, por
si só, não julgamos ser um indicador adequado da dificuldade probatória (cfr. ponto 3.2.3).
Disso são exemplos os acs. referidos na n. 126. Refira-se, contudo, que estes arestos justificam
o seu entendimento na afirmação feita por Vaz Serra, Provas, p. 121 de que «este critério [o
consagrado no art. 342.º do CC] faz com que o encargo da prova caiba precisamente à parte
que se encontra em melhor situação para a produzir, e, assim, constitui um estímulo para
que a prova seja produzida pela parte que mais perfeitamente pode auxiliar a descoberta da
verdade: mostra a experiência, que, em regra, quem tem a seu favor certo facto se acautela
com os meios de prova dele». Ora, apesar de, nesta passagem, Vaz Serra ter enunciado
precisamente o critério da distribuição dinâmica do ónus da prova, refere que o art. 342.º do
CC, baseado na teoria das normas, resulta na atribuição do onus probandi à parte com maior
facilidade probatória, afirmação com a qual não podemos concordar, pelas razões que se avan-
çaram na n. 135. Neste panorama, é de destacar o acórdão do TRP de 10/05/2010 (Soares de
Oliveira) que, aparentemente, aplica, por analogia, a inversão do ónus da prova, já referida
no texto, prevista para a comunicação adequada e efetiva das cláusulas contratuais gerais,
à prova da entrega do exemplar de contrato de crédito ao consumo (para efeito do disposto
no art. 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, revogado pelo Decreto-Lei n.º
133/2009, de 2 de junho que regula a mesma questão no art. 13.º, n.º1), em ambos os casos
onerando-se o financiador-predisponente por ser quem apresenta maior facilidade probatória
(para maiores desenvolvimentos a este respeito v. Jorge Carvalho e Micael Teixeira,
Crédito ao consumo, pp. 44 e ss.). Assim, esta aplicação analógica é um raciocínio que deve ser
louvado e que corresponde, embora com uma abrangência muito mais limitada, à nossa visão
do modo como se deve aplicar a distribuição dinâmica da prova no nosso ordenamento, que
se explica, de seguida, no texto.

362

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

mas, como procuraremos demonstrar, resulta da aplicação ao caso de alguns


métodos de determinação do alcance das normas e de integração de lacunas.

No ponto 3.2.2 referimos alguns exemplos em que a aplicação da distri-


buição dinâmica se justificava em função da maior facilidade probatória de
uma das partes. No ponto anterior apontámos alguns exemplos concretos
em que a lei, através da chamada dispensa ou liberação do ónus da prova, já
atribui, desde logo este ónus à parte que possui maior facilidade probatória,
além de outros casos em que o regime legal onera a parte com maior facili-
dade probatória. Isto suposto, será correta a aplicação, por analogia, da tele-
ologia subjacente a casos como os de dispensa ou liberação legal do ónus da
prova a outros casos em que exista um desequilíbrio das capacidades proba-
tórias das partes235?
Naturalmente que entre os casos em que a lei já atribui o ónus da prova à
parte com maior facilidade probatória precisamente por essa razão e os casos
em que, apesar da existência de desequilíbrio probatório, tal não acontece
(seja porque o ónus pertence à parte com maior dificuldade probatória, seja
porque pertence à parte com maior facilidade probatória porque foi essa a
distribuição que, por acaso, resultou da aplicação do critério do art. 342.º do
CC), existem semelhanças e existem diferenças. As semelhanças relevantes
para o problema em análise consistem na verificação dos fatores de maior faci-
lidade probatória de uma das partes em ambos os casos, situação esta que já
abordámos. As diferenças relevantes consistem em quaisquer particularida-
des de cada caso de que possa resultar a necessidade de uma distinta regula-
ção da distribuição do ónus da prova em cada tipo de caso, por exemplo por
razões de segurança jurídica relativamente à previsibilidade da distribuição
ou de responsabilização das partes pelos seus atos.
É o que ocorrerá, por hipótese, se se considerar que a razão que levou o
legislador a atribuir o ónus da prova da veracidade das declarações publici-
tárias ao anunciante somente no caso da publicidade comparativa (e não em

235
Ao colocarmos esta questão, estamos, desde logo, a excluir a possibilidade de considerar
a distribuição dinâmica do ónus da prova como consagrada no nosso ordenamento pelo facto
de o elenco de casos de inversão do ónus da prova previsto no art. 344.º, n.º1 do CC não ser
exaustivo. Com efeito, nada na sua redação permite retirar essa conclusão, pelo que se deve
entender que se trata de um elenco exaustivo.

363

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

qualquer outro caso de publicidade alegadamente enganosa) se prende não


apenas com a maior facilidade probatória de quem anuncia mas, também, com
a necessidade particular de onerar e de responsabilizar aquele que recorre
àquele tipo de publicidade. Com efeito, a publicidade comparativa é especial-
mente suscetível de afetar a reputação dos bens ou serviços com que se com-
para aquele que é publicitado, sendo que, nos restantes casos de publicidade
alegadamente enganosa em que não se recorre à comparação e, por isso, não
se verificam aqueles efeitos potencialmente lesivos, deveria ser a parte con-
trária suportar o ónus da prova da falsidade das alegações publicitárias (cri-
tério do art. 342.º do CC).
As referidas semelhanças justificam o argumento de analogia, suportando
a posição de que ambas as situações devem ter o mesmo tratamento a res-
peito da distribuição do ónus da prova. As aludidas diferenças fundamen-
tam o argumento a contrario, segundo o qual se o legislador regulou de forma
casuística a distribuição do ónus da prova em alguns casos, então os restan-
tes casos devem ser submetidos ao regime-regra da distribuição do ónus da
prova, nomeadamente o constante do art. 342.º do CC.
Qual será, então, a solução correta? Na verdade, o problema enunciado
ocorre em todos os casos em que se pretenda utilizar um argumento de ana-
logia ou a contrario. Efetivamente, sempre que se pretenda utilizar um des-
ses argumentos, a utilização do outro é, também, logicamente possível, dado
que na comparação de quaisquer casos suscetíveis de apresentarem algumas
características idênticas é possível encontrar sempre algumas semelhan-
ças e algumas diferenças, não se negando a existência, nem de umas, nem
de outras, no problema em análise. Por isso, a escolha entre um argumento
de analogia e um a contrario só pode ser feita corretamente através da aná-
lise do resultado a que cada um dos argumentos conduz, optando-se pelo
que implicar uma solução valorativamente mais adequada, tendo em conta,
nomeadamente, a teleologia das normas envolvidas e a sua adequação com
os princípios jurídicos relevantes no caso. Vejamos as palavras de alguns AA.
que, nitidamente, o atestam:

– Kaufmann: «onde há uma conclusão por analogia é sempre logica-


mente possível também uma conclusão a contrario, pois todos os seres
são, naturalmente em grau diverso, não só semelhantes mas também

364

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

diferentes entre si. A diferença entre ambos, isto é, a escolha do ter-


tium comparationis, resulta dum juízo de valor»236;
– Engisch: «a escolha entre o argumento de analogia e o argumento a
contrario não pode de facto fazer-se no plano da pura lógica. A lógica
tem que combinar-se com a teleológica»237;
– Larenz: «A questão de se uma regra legal permite um argumento pela
inversa ou se, quando isso não acontece pode oferecer as bases para
um argumento de analogia – uma analogia particular ou, em conexão
com outras regras, uma analogia geral –, para um argumentum a majore
ad minus ou para reconhecer um princípio jurídico geral já não é, por
conseguinte, uma questão de lógica formal, mas de teleologia da lei e
da valoração aí expressa, quer dizer, da ratio legis»238.

É pois tendo em conta esta necessidade de atender aos valores envolvidos,


que a opção pelo argumento de analogia, baseado na semelhança dos dois tipos
de casos em análise, assente na particularidade comum de todos apresentarem
um desequilíbrio na capacidade probatória, se apresenta como mais defensá-
vel. Retomamos assim, aqui, tudo o que fomos referindo ao longo do ponto 4:
a atribuição do ónus da prova à parte que apresenta maior facilidade probató-
ria é a opção mais coerente com os valores traduzidos pelos princípios proces-
suais relevantes a este respeito: a descoberta da verdade material, a igualdade
material, o processo equitativo e a celeridade e a economia processual. Além
disso, não viola de forma inadmissível o princípio da segurança jurídica.239

236
Filosofia, p. 114.
237
Introdução ao Pensamento, p. 292.
238
Metedologia, p. 555.
239
Refira-se ainda, a respeito da adequação da distribuição dinâmica, que a necessidade de,
apesar da subjetividade da análise, o julgador se ater à cláusula geral da distribuição dinâmica
(cfr. n. 197) também significa que não estará a violar o princípio da separação de poderes visto
que apenas aplicará, analogicamente, uma solução que, como se viu, já decorre da teleologia
das normas que consagram dispensas ou liberações do ónus da prova. Além disso, a existência
de alguma subjetividade na análise do caso aquando a aplicação do critério da distribuição
dinâmica é comum a qualquer decisão baseada em cláusulas gerais, sendo estas pacificamente
aceites como modelo de decisão jurídica.

365

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

Isto suposto, vejamos agora de que modo a «descoberta» de uma lacuna


na lei pode ser feita, nalguns casos, partindo do próprio argumento de ana-
logia que se irá utilizar na sua integração.
A consideração de que existe uma lacuna na lei não deve consistir apenas
na verificação de que o caso sub judice não é subsumível em nenhuma previ-
são normativa existente. Deixando de fora desta análise os casos em que a
não regulação de certo caso foi uma opção do legislador, nos casos em que
nenhuma norma existente seja aplicável verifica-se um tipo de lacuna: a lacuna
patente. Mas, ao lado desta, existe outro tipo de lacuna: a lacuna oculta. Esta
ocorre quando é possível encontrar uma norma que, segundo a formulação
do seu enunciado, se aplica precisamente ao caso sub judice mas se verifica
que o regime legal aplicável por força dessa norma não é adequado às carac-
terísticas desse caso, tendo em conta (1) a teleologia daquela norma ou (2) a
teleologia de outras normas.
No primeiro caso, a integração da lacuna oculta é efetuada apenas por via
da redução teleológica da norma cujo enunciado é mais abrangente do que
a sua teleologia impunha (daí que não se trate apenas de interpretação res-
tritiva), visto que, após a restrição, o caso fica «automaticamente» sujeito à
regulação de outra norma ou de um princípio que se adapta melhor às carac-
terísticas do caso.
No segundo, a integração da lacuna é efectuada através de três passos.
Primeiramente, ter-se-ão de identificar as outras normas cuja teleologia se
adequa melhor às circunstâncias do caso sub judice, apesar de, tendo em conta
a sua literalidade, não se lhe aplicarem. Depois, a norma que, literalmente,
se aplica ao caso deve ser reduzida teleologicamente, visto que não contém
a regulação mais adequada às circunstâncias do caso. Por fim, aplicar-se-á,
por analogia, a ratio legis das outras normas que se mostra mais apropriada
para regular o caso. Ora, perante isto, a identificação deste subtipo de lacuna
oculta é feita, precisamente, pela constatação de que é possível invocar um
argumento de analogia entre os casos previstos noutras normas não literal-
mente aplicáveis ao caso sub judice e este caso: por analogia se descobre que o
caso não está regulado adequadamente e com ela se integra essa lacuna oculta.
Vejamos, a este respeito, as sugestivas palavras de Larenz: «A integração
de uma lacuna da lei (...) há-de ser precedida logicamente pela constatação de
que existe uma lacuna na lei. Mas, posto que esta constatação, como vimos,

366

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

exige uma valoração crítica da lei segundo a pauta da sua própria teleologia
e do preceito de tratamento igual daquilo que tem igual sentido, as consi-
derações que para o efeito hão-de fazer-se aqui conduzem já também, com
frequência, a integrar a lacuna.»240; «a restrição de uma norma pela via da
sua redução teleológica vai amiúde acompanhada da ampliação do âmbito
de aplicação de outra norma. Inversamente, a ampliação de uma norma legal
restritiva por via de analogia significa uma restrição contida na norma por ela
restringida (...). Quer dizer, neste caso analogia e redução teleológica com-
plementam-se»241.

Considerando tudo isto, entendemos que a referida analogia entre os casos


de dispensa ou liberação legal do ónus da prova e os de desequilíbrio nas
capacidades probatórias das partes aos quais se justifica aplicar a distribui-
ção dinâmica do ónus da prova permite descobrir uma lacuna oculta no pre-
ceito legal que é literalmente aplicável a estes últimos: o art. 342.º do CC.
Com efeito, a ratio legis dos casos de dispensa ou liberação legal do ónus da
prova mostra-se bem mais adequada aos casos em que existe desequilíbrio
probatório, visto que o tem em conta, atribuindo o ónus à parte com maior
facilidade probatória. Pelo contrário, tal como já se referiu, a teleologia do
art. 342.º não tem em conta quaisquer especificidades do caso, consistindo
num critério completamente formal. A lacuna oculta consiste, portanto, na
inexistência de qualquer norma legal literalmente aplicável que regule estes
casos de forma adequada às suas particularidades, revelada pela existência
de normas que regulam casos análogos atendendo às especificidades destes,
que são as mesmas das dos primeiros.
Esta lacuna deverá, portanto, ser integrada, primeiramente, por redução
teleológica242 do art. 342.º do CC de modo que este preceito não se aplique

240
Metedologia, pp. 569-70.
241
Metedologia, p. 561.
242
Refira-se que, apesar de a figura da redução teleológica não ser, em geral, admitida pela
doutrina portuguesa, a qual prefere reconduzi-la à interpretação restritiva (cfr., entre outros,
Oliveira Ascenção, O Direito, pp. 427-8, e Teixeira de Sousa, Introdução, p. 379), não é
difícil encontrar decisões judiciais que, a nosso ver de forma adequada, abertamente reco-
nhecem e aplicam um regime resultante da redução teleológica das normas em causa nessas
decisões. A título de exemplo, podemos enumerar os ss. acs.: STJ: 25/06/2008 (Carmona da
Mota), 21/12/2012 (Henriques Gaspar); TRL: 15/04/2010 (Maria Manuela Gomes); TRC:

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

aos casos em que se verifique um desequilíbrio da capacidade probatória das


partes porque não atende a esta característica que, como vimos, é essencial
na determinação de uma distribuição do ónus da prova adequada aos valo-
res que julgamos serem relevantes neste domínio. Desta forma, a aplicação
daquela disposição legal ficará restringida aos casos em que não seja possível
encontrar outro fundamento para a distribuição do ónus da prova, nomea-
damente àqueles em que, apesar de a dúvida ser subjetiva243, não se verifique
qualquer desequilíbrio na capacidade probatória das partes244.
De seguida, a teleologia dos preceitos de dispensa ou liberação legal do
ónus da prova, nomeadamente aquela que se mostra relevante para justificar
o argumento de analogia e que consiste em atribuir o ónus à parte com maior
facilidade probatória, deverá, portanto, ser analogicamente aplicada sempre
que se verifique o aludido desequilíbrio.

Contra o entendimento que acabámos de apresentar, será adequado abor-


dar a objeção que alguma doutrina, como que prevendo-o, coloca. Referem
alguns AA. que as normas que repartem casuisticamente o ónus da prova são

14/07/2010 (Teles Pereira). Com efeito, tem todo o sentido distinguir entre os casos em
que o elemento teleológico de interpretação limita o alcance da norma a um certo conjunto
de casos e essa limitação corresponde a um dos sentidos literais possíveis (interpretação
restritiva) e os casos em que a teleologia da norma (ou de outras normas análogas ao caso, tal
como ocorre na situação descrita no texto) reduz o seu âmbito de aplicação a um conjunto
de casos que não se pode delimitar a partir da letra da norma.
243
Cfr. ponto 3.3.2.
244
Em sentido próximo do entendimento que propomos, defendendo uma «interpretação
restritiva» do 342.º do CC que só se aplicará «nos casos em que, dada a incipiência da dis-
cussão valorativa do tema, a distribuição não consiga apoiar-se solidamente em argumentos
materiais», v. Pedro Múrias, Por uma distribuição, p. 155. Por aquilo que fomos referindo
no texto e na n. 242, não encontramos qualquer forma de interpretar o dito preceito que
possa originar aquele resultado interpretativo restritivo e que ainda caiba em qualquer dos
seus sentidos literais possíveis. Com efeito, nada na letra do art. 342.º do CC aponta para a
possibilidade de o preceito se aplicar apenas aos casos em que haja «incipiência da discussão
valorativa do tema» ou, como nós entendemos, aos casos em que não haja desequilíbrio na
capacidade probatória das partes. Este resultado só poderá, a nosso ver, ser corretamente
obtido por analogia com outros preceitos legais e redução teleológica, nos termos descritos,
e não por interpretação de resultado restritivo. Avançando a possibilidade de «analogia iuris»
em casos de responsabilidade civil médica para inverter o ónus da prova da culpa, mas rejei-
tando (em nossa opinião erradamente) essa possibilidade v. Ribeiro de Faria, Da prova na
responsabilidade civil médica, pp. 284-5.

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

normas excecionais relativamente à regra geral constante do art. 342.º do CC e,


como tal, a sua aplicação analógica está vedada por força do art. 11.º do CC245.
Analisemos então o disposto neste preceito legal. Nele refere-se que as
normas excecionais «não comportam aplicação analógica, mas admitem inter-
pretação extensiva». A razão de ser desta norma consiste na necessidade de o
legislador assegurar que o aplicador do direito tenha em conta que o carácter
excecional da norma implica que a respetiva ratio legis só diz respeito a um
conjunto particular de casos (ius singulare), que já se encontram consagrados
na previsão da regra excecional e aos quais não seria adequado submeter o
regime geral, não sendo, por isso, correto aplicar o regime da norma exce-
cional, analogicamente, a outros casos. Assim, a norma em causa visa apenas
vedar a aplicação analógica nos casos em que se verifique a chamada excecio-
nalidade material, ou seja, os casos em que a disposição excecional contraria
a razão da regra geral simplesmente porque esta não se adapta às caracterís-
ticas de um conjunto particular e definido de casos, sem que seja possível
encontrar aí uma ratio legis generalizável enquanto tendência ou valor funda-
mental do sistema jurídico.
Como tal, a teleologia do art. 11.º do CC não inclui os casos da chamada
excecionalidade formal em que certa disposição legal, contendo um regime
que contraria o que consta da regra geral, fá-lo tendo por base uma conside-
ração generalizável a outros casos que apresentem as mesmas características
relevantes, visto que a ratio legis dessa disposição visa a proteção de outro (ou
outros) valor fundamental. A tutela deste valor afigura-se necessária em todos
os casos que, apesar de apresentarem algumas características semelhantes
com os subsumíveis na regra geral, apresentam também outras característi-
cas diferentes que justificam um regime distinto246.
Efetivamente, caso se verifique que certo caso omisso apresente as carac-
terísticas necessárias para se poder defender um argumento de analogia com
os casos constantes da previsão de uma norma formalmente excecional, então
não encontramos qualquer razão válida para que, analogicamente, não se lhe

245
Neste sentido, v. Lynce de Faria, A Inversão, p. 66, Vaz Serra, Provas, p. 188 e Castro
Mendes, Do conceito, p. 669.
246
Apresentando esta distinção entre excecionalidade material e formal, v., entre outros,
Larenz, Metedologia, pp. 502-3, Baptista Machado, Introdução ao Direito, p. 95 e Teixeira
de Sousa, Introdução ao Direito, pp. 400-1.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

aplique o regime constante da estatuição dessa norma. A regra de que a apli-


cação analógica de disposições excecionais está vedada em todos os casos
encontra-se, portanto, formulada de forma demasiado abrangente, sendo que,
se for aplicada de forma a abranger todos os sentidos que é possível atribuir à
sua formulação, tal implicará que a decisão subsequente não seja adequada às
circunstâncias do caso. Neste sentido, atentemos nas pertinentes palavras de
Canaris: «Raramente uma norma aplicada de forma incorreta foi tão preju-
dicial como a que sugere que, em regra, as exceções não podem ser aplicadas
analogicamente; a jurisprudência tem invocado repetidamente esta regra para
se eximir à exigência de ter de formular uma decisão mais pormenorizada»247.
Por isso, afigura-se correto que, tendo em conta o elemento teleológico de
interpretação normativa (art. 9.º, n.º1 do CC), se proceda a uma interpreta-
ção do art. 11.º do CC de resultado restritivo, no sentido de que só as normas
materialmente excecionais não devem ser objeto de aplicação analógica248.
Isto suposto, serão as normas que atribuem casuisticamente o ónus da
prova, nomeadamente os casos de dispensa ou liberação legal, normas material
ou formalmente excecionais em relação à regra geral constante do art. 342.º
do CC? Tal como temos vindo a referir, a ratio legis daquelas normas consiste
na atribuição do onus probandi à parte que apresenta maior facilidade relativa
de produzir a prova, sendo que esta teleologia apresenta-se conforme com as
tendências traduzidas por vários princípios processuais essenciais249. Além
disso, o pressuposto em que assenta a aludida ratio legis, ou seja, a existência de
desequilíbrio na capacidade de produção de prova das partes, verifica-se em
vários outros casos além daquele que as normas de dispensa ou liberação legal
do ónus da prova preveem, de que é exemplo o elenco de casos que apresen-
támos a propósito dos factores de aferição de facilidade probatória250. Assim,
aquela ratio legis não se trata, portanto, de um ius singulare com um âmbito de
aplicação delimitável casuisticamente de forma exaustiva, antes consistindo
numa distinta opção legislativa que procura assegurar valores essenciais e

247
Die Feststellung von Lücken im Gesetz, p. 181, apud Henrik Holzapfel e Georg Werner,
Interpreting Exceptions, p. 101 (tradução nossa).
248
Neste sentido, Teixeira de Sousa, Introdução, p. 401.
249
Cfr. supra, ponto 4.
250
V. ponto 3.2.2.

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

generalizáveis. Como tal, estamos perante uma exceção meramente formal à


regra do art. 342.º do CC, não estando, por isso, excluída a aplicação analógica.

Em conclusão, diremos que a solução da distribuição dinâmica do ónus da


prova é um critério cuja consagração no nosso ordenamento pode ser obtida
a partir dos casos, legalmente previstos, de distribuição casuística do ónus da
prova presentes nas normas que atribuem este ónus à parte com maior faci-
lidade probatória. Assim, esta mesma solução deve, de iure constituto, ser apli-
cada, através do referido mecanismo de integração de uma lacuna oculta, aos
casos em que se verifique o pressuposto factual da distribuição dinâmica do
ónus da prova: o desequilíbrio na capacidade probatória das partes251.

5.4 – A aplicação da distribuição dinâmica do ónus da prova na tramita-


ção processual-civil

Vejamos, por fim, a inserção da decisão de atribuição do ónus da prova de


acordo com a distribuição dinâmica na tramitação processual-civil.
Visto que a distribuição dinâmica do ónus da prova não está expressamente
consagrada no nosso ordenamento jurídico, sendo a sua inclusão neste obtida
essencialmente por analogia nos termos referidos no ponto anterior, não existe
qualquer referência no atual processo civil respeitante a esta solução. Mas tal
não significa que a decisão de atribuir o ónus da prova desta forma não possa
ser inserida no regime do CPC. Vejamos como.

251
Em face desta conclusão, devemos fazer referência à intervenção oral de Maria dos
Prazeres Beleza, realizada em 29 de junho de 2012 no âmbito do Curso Luso-Brasileiro
de Direito Processual Civil, intitulada O activismo judiciário em matéria probatória e a teoria di-
nâmica da distribuição do ónus da prova (cuja transcrição escrita está disponível em https://sites.
google.com/site/ippcivil/recursos-bibliograficos/5-papers). Com efeito, nesta intervenção, além de
se fazer referência à distribuição dinâmica enquanto um dos aspetos em que se pode traduzir
a direção ativa do processo pelo juiz, tendo em vista a resolução real e eficaz do litígio (em
termos próximos dos que temos vindo a enunciar), a principal conclusão da mesma consiste
na consideração de que a distribuição dinâmica não pode ser adotada no nosso ordenamento
sem que ela esteja legalmente prevista de forma expressa. É uma conclusão com que não
podemos concordar, por tudo o que fomos referindo no texto.

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

O art. 547.º do CPC consagra o princípio da adequação formal, segundo


o qual o juiz tem o dever de «adotar a tramitação processual adequada às
especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais
ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo». Assim, não
há dúvida de que o julgador tem o poder-dever de adequar a tramitação de
cada processo, ainda que tal implique a alteração da tramitação legalmente
prevista ou algum acrescento ou supressão252 em relação a ela. Ora, sendo a
distribuição dinâmica do ónus da prova um critério de aferição da repartição
deste ónus que envolve uma análise das características do caso que não pode
deixar de ser subjetiva253, a decisão de atribuição do onus probandi segundo
este critério deverá ser entendida como uma decisão que deve ser obrigato-
riamente254 tomada pelo juiz, depois de ouvidas as partes, em obediência ao
princípio do contraditório, sempre que se verificar um desequilíbrio nas suas
capacidades probatórias. Por isso, terá o julgador de adaptar adequadamente
a tramitação processual, em obediência ao princípio da adequação formal,
de modo a que seja possível integrar nela a decisão de atribuição do ónus da
prova num momento em que o juiz tenha já conhecimento dos contornos do
litígio e assegurando-se de que ouvirá as partes antes de decidir.
Assim, partindo da atual tramitação processual prevista no CPC, o
momento que entendemos ser o mais adequado para o juiz ouvir as partes e
tomar esta decisão é o da audiência prévia255, devendo-se adaptar as diligên-
cias desta fase nesse sentido, recorrendo ao princípio da adequação formal.

252
Face à atual redação do referido preceito legal, julgamos que o dever de adequação formal
só pode ter esse conteúdo. No entanto, na anterior redação da norma correspondente a esta
que constava do anterior art. 265.º-A do CPC, a doutrina divergia quanto ao entendimento a
dar àquele preceito. Defendendo, à luz do anterior quadro legal, que o princípio da adequa-
ção formal só podia implicar a adoção pelo juiz de uma diferente ordenação formal dos atos
relativamente àquela que a lei previa para o caso sub judice, v. Pedro Brito, O novo princípio,
pp. 41 e ss.. Em sentido contrário, entendendo que o princípio da adequação formal implicava
já, entre outras, a possibilidade de o juiz praticar atos não constantes de qualquer tramitação
legalmente prevista, v. Remédio Marques, A Acção Declarativa, p. 213.
253
Cfr. supra o que referimos no início do ponto 4.5.
254
V. n. 197.
255
Entre os AA. que abordaram a solução da distribuição dinâmica do ónus da prova não é
consensual a circunstância de se o anúncio da repartição deste ónus segundo esta solução
deve ser feito aquando da audiência prévia ou apenas na sentença. Acerca desta discussão
cfr. Edgar Baracat, Estado Actual, pp. 279 e ss..

372

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

Com efeito, a correta aplicação da distribuição dinâmica do ónus da prova


implica a apreciação das provas necessárias para aferir a ocorrência dos fac-
tos de que pode resultar a verificação de algum dos fatores de facilidade pro-
batória de uma das partes, mencionados supra256. Ora, na maioria dos casos,
aqueles factos são admitidos por acordo entre as partes (art. 574.º, n.º2 do
CPC), ficando, por essa via, demonstrados desde logo. Pense-se em factos
como o de que certa parte teve o controlo sobre determinado ato ou de que
praticou esse ato no âmbito da sua atividade profissional257. Como tal, visto
que aquando da audiência prévia já podem ser determinados quais os factos
admitidos por acordo, então o julgador estará em condições de aferir qual
das partes, segundo o seu entendimento dos contornos do caso, deve supor-
tar o ónus da prova relativamente aos factos principais da causa, por ser a
que deve apresentar maior facilidade em provar a versão dos factos que lhe
aproveita. As partes deverão então ser convidadas pelo juiz a apresentar a
sua opinião acerca desta questão, podendo assim influenciar a tomada desta
decisão, respeitando-se, deste modo, o princípio do contraditório. Após ter
ouvido as partes, o juiz deve então decidir qual delas irá suportar o ónus da
prova, devendo fazer constar essa resolução do despacho saneador, sendo essa
decisão sindicável em recurso interposto deste despacho, visto que, tal como
já se afirmou258, não consideramos estar em causa uma decisão proferida no
uso legal de um poder discricionário.
Efetivamente, a audiência prévia é o primeiro momento na tramitação
processual em que é possível aferir a ocorrência dos factos determinantes
para avaliar a verificação dos factores de facilidade probatória, sendo vanta-
joso decidir a distribuição do ónus da prova segundo a distribuição dinâmica
tão cedo quanto for possível e, em especial, num momento em que ainda não

256
Cfr. o que referimos no ponto 3.2.2.
257
No caso menos provável de ser necessário apresentar ou produzir alguma prova para aferir
a ocorrência de um facto essencial na determinação da verificação de algum fator de facili-
dade probatória, então tal também deverá ocorrer na própria audiência prévia, novamente
recorrendo ao princípio da adequação formal, devendo o juiz determinar a apresentação ou a
produção de prova no despacho pré-saneador (art. 590.º do CPC). Referindo expressamente
que aquele princípio permite a modificar o conteúdo da (então chamada) audiência preliminar
no sentido de se proceder à produção de prova, nomeadamente à inquirição de testemunhas,
nessa audiência v. Pedro Brito, O novo princípio, p. 48.
258
V. n. 197.

373

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

houve produção de prova. Isto porque, em primeiro lugar, se proporciona que


as partes saibam com toda a certeza a quem cabe o ónus da prova, atenuando
o referido259 efeito de restrição ao valor da segurança jurídica que implica a
distribuição dinâmica. Depois, se a parte souber, com certeza, que será ela a
ter de suportar o ónus, então o efeito à distância de estímulo à produção de
prova será maximizado. Além disso, retomando o que se referiu a propósito
do funcionamento da distribuição dinâmica do ónus da prova260, esta forma
de distribuir o ónus não se baseia na análise da efetiva dificuldade ou facili-
dade probatória que as partes demonstraram ter no momento da apresenta-
ção ou produção de prova, mas antes na aferição da parte que, em função dos
fatores de facilidade probatória, deveria estar em melhores condições de pro-
duzir a prova. Ora essa aferição pode e deve ser feita num momento anterior
à produção de prova como a audiência prévia. Aliás, o atual CPC consagra
expressamente, no art. 591.º, n.º1, al. e), como uma das funções da audiência
prévia, a possibilidade de nela o juiz «determinar, após debate, a adequação
formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no
n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º», confirmando-se tanto a idoneidade deste
momento processual para o julgador decidir a adaptação da tramitação pro-
cessual às circunstâncias do caso como a necessidade de tal dever acontecer
«após debate», ou seja, respeitando o princípio do contraditório.
Refira-se, por fim, que como, de acordo com o disposto na atual redação
do CPC, a indicação dos meios de prova deverá ser feita aquando da apresen-
tação dos articulados (cfr. arts. 552.º, n.º2 e 572.º, al. d)), caso haja lugar à apli-
cação, na audiência prévia, do critério da distribuição dinâmica do ónus da
prova, a decisão sobre a distribuição deste ónus só terá lugar numa fase pos-
terior à indicação dos meios de prova. Ora esta circunstância pode colocar a
parte onerada numa posição difícil no que toca à organização do seu esforço
probatório. Como tal, deverá o julgador, novamente recorrendo ao princípio
da adequação formal, conferir às partes, dentro de um prazo certo, a opor-
tunidade de alterarem ou apresentarem novos meios de prova após a audiên-
cia prévia em que se decida a distribuição do ónus da prova de acordo com o
critério que temos vindo a analisar.

259
V. ponto 4.5.
260
Concretamente no ponto 3.3.1.

374

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

6 – Conclusões

Tudo isto considerado, vejamos o que de mais essencial poderemos concluir:

– a necessidade de os tribunais decidirem na dúvida surgiu no âmbito do


legalismo conceitualista do séc. XIX, no qual também surgiu a teoria
das normas; atualmente essa necessidade decorre da imposição cons-
titucional de os tribunais dirimirem os litígios;
– a decisão dos casos de dúvida é feita através do mecanismo do ónus
da prova, que pode ser encarado nas suas vertentes subjetiva e obje-
tiva; a distinção entre uma e outra, embora possível, perde alguma
relevância em função do que chamámos de efeito à distância do ónus
da prova;
– é necessário distinguir entre a atividade de apreciação da prova e o
ónus da prova;
– na livre apreciação da prova é necessário recorrer sempre ao meca-
nismo das presunções judiciais, visto que esta atividade é, embora em
diferentes graus, sempre de caráter indireto;
– a definição de graus ou medidas de prova tem a utilidade de conferir
maior objetividade à necessariamente subjetiva operação de aprecia-
ção da prova;
– na maioria das matérias de direito privado a medida da prova exigível
para considerar certo facto como demonstrado deve ser a mais baixa
possível: a prova preponderante, na qual basta que seja mais provável
que o facto tenha ocorrido, do que não tenha, para que deva ser dado
como provado;
– só se o grau de convicção do julgador relativamente a certo facto for
perfeitamente intermédio, ou seja, se a convicção de que o facto ocor-
reu tiver a mesma medida da de que não ocorreu, é que o julgador
estará no ponto de ignorância: só neste caso deverá haver uma deci-
são de ónus da prova;
– a teoria das normas é o critério genérico de distribuição do ónus da
prova expressamente consagrado no nosso ordenamento jurídico,
apresentando várias insuficiências e podendo mesmo ser enganador;

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

– além disso, a teoria das normas consiste num critério estático, no sen-
tido em que reparte o ónus da prova sem levar em consideração quais-
quer características de cada caso concreto;
– a distribuição dinâmica do ónus da prova apresenta-se como um cri-
tério alternativo à distribuição deste ónus segundo a referida teoria,
atribuindo-o à parte que apresente maior facilidade probatória rela-
tiva, sendo que a abordagem do problema da dificuldade de certa parte
provar um facto é corretamente realizada no âmbito da distribuição
do ónus da prova;
– a aplicação da distribuição dinâmica é facilitada pela enumeração de
alguns fatores de facilidade probatória que ajudam a identificar, em
cada caso concreto, qual é a parte com maior facilidade probatória;
– os fatores de facilidade probatória são, sem pretensão de exaustividade,
a proximidade e o controlo dos factos, os conhecimentos técnicos e o
exercício de uma atividade enquanto profissional e o acesso aos meios
de prova;
– a versão factual negativa e a (in)definição factual não devem ser con-
siderados fatores indicativos de facilidade probatória;
– a atribuição do ónus da prova segundo a distribuição dinâmica deve
ser feita à parte que deveria apresentar maior facilidade probatória em
função dos referidos fatores e o seu âmbito de aplicação restringe-se
aos casos de dúvida subjetiva;
– esta forma de repartir o onus probandi é originária da Argentina, sendo
atualmente utilizada em países como a Espanha ou o Brasil, existindo
na Alemanha uma forma de distribuir este ónus que, de forma dife-
rente, visa o mesmo objetivo;
– a distribuição dinâmica do ónus da prova fomenta a cooperação e a
procura da verdade, estimula a parte com maior facilidade probató-
ria a aproveitá-la, aumentando a probabilidade de prova dos factos e,
quando tal não acontece, estabelece uma decisão de ónus da prova
que é, com maior probabilidade, coincidente com a realidade;
– a distribuição dinâmica mostra-se conforme com o valor da promoção
da igualdade material das partes no processo, equilibrando a possibi-
lidade de as partes com distintas capacidades probatórias consegui-
rem obter uma decisão favorável;

376

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

– a oneração da parte com maior facilidade probatória promove a cele-


ridade e a economia processual;
– à falta de uma alternativa mais previsível que promova alguma finali-
dade valiosa, a distribuição dinâmica não viola de forma intolerável o
valor da segurança jurídica, restringindo este valor de forma propor-
cional às finalidades que visa atingir;
– as finalidades, prosseguidas pela distribuição dinâmica, de promo-
ção da verdade e de igualdade de oportunidades na obtenção de uma
decisão favorável contribuem decisivamente para uma tutela judicial
efetiva dos direitos dos cidadãos;
– no ordenamento jurídico português as presunções legais, ao contrário
dos casos de dispensa ou liberação legal do ónus da prova, não repar-
tem casuisticamente o ónus da prova;
– os casos de dispensa ou liberação legal do ónus da prova têm em vista
atribuir este ónus à parte que apresenta maior facilidade relativa na
produção de prova, pelo que se deve reconhecer neles a consagração,
no nosso ordenamento, da ideia fundamental da distribuição dinâmica;
– é correto invocar um argumento de analogia entre os casos em que
se verifica um desequilíbrio na capacidade probatória das partes e os
casos de dispensa ou liberação legal do ónus da prova;
– aquele argumento de analogia permite descobrir uma lacuna oculta
no nosso ordenamento jurídico, visto que o art. 342.º do CC não regula
de forma apropriada os casos em que há desequilíbrio na capacidade
probatória;
– a referida lacuna deve ser integrada, primeiramente, por redução tele-
ológica daquele preceito legal, tornando-o inaplicável aos casos de
desequilíbrio probatório entre as partes e, seguidamente, por analo-
gia com os casos de dispensa ou liberação legal do ónus da prova;
– em consequência, nos casos em que se verifica aquele desequilíbrio
probatório dever-se-á considerar que o ónus da prova cabe à parte que
apresenta maior facilidade probatória, pelo que é correto afirmar que
o critério da distribuição dinâmica do ónus da prova se encontra con-
sagrado no ordenamento jurídico português;
– a repartição do ónus da prova segundo este critério deve ser feita
por decisão do juiz, que, baseando-se no princípio da adequação for-

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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

mal, deverá ouvir as partes quanto a esta questão na audiência prévia,


devendo a sua decisão constar do despacho saneador.

No início desde trabalho propusemo-nos responder à seguinte pergunta:


«De que forma é possível repartir o ónus da prova de forma mais equita-
tiva?». A resposta, claro está, consistirá na atribuição deste ónus à parte com
maior facilidade de produzir a prova, nos casos em que tal se afigurar possí-
vel. Dizemo-lo essencialmente porque cremos que nenhum regime legal deve
ser determinado de forma alheia às exigências de Justiça material, traduzidas
pelos princípios jurídicos261. E dize-lo significa defender, neste trabalho, que
a decisão dos casos de dúvida factual deve ser orientada por uma distribuição
dinâmica do ónus da prova.

261
Com esta afirmação não queremos negar que seria preferível que a solução da distribuição
dinâmica do ónus da prova estivesse expressamente consagrada na nossa legislação, à seme-
lhança do que aconteceu em Espanha (cfr. ponto 3.4.3) ou do que consta da proposta do novo
Código de Processo Civil Brasileiro (cfr. ponto 3.4.2). Antes desejamos afirmar que, neste
caso, como em outros, é possível chegar a uma solução mais adequada às suas particularidades
através dos chamados «métodos de desenvolvimento judicial do direito» (a expressão é de
Larenz, Metedologia, pp. 519 e ss.), sendo que, em função da necessidade de determinar uma
solução conforme com os princípios orientadores do ordenamento jurídico, essa possibilidade
constitui um dever para quem julga.

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

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Sousa, Miguel Teixeira de – As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lisboa, Lex,
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Telles, Inocêncio Galvão – Direito das Obrigações, 7.ª Edição (reimpressão), Coimbra,
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Varela, J. M. Antunes / Bezerra, J. Miguel / Nora, Sampaio e – Manual de processo
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Peyrano (Diretor), Inés Lépori White (coord.), Buenos Aires, Rubinzal-Culzoni
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(coord.), Buenos Aires, Rubinzal-Culzoni Editores, 2008, pp. 19-24;

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POR UMA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÓNUS DA PROVA

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Lépori White (coord.), Buenos Aires, Rubinzal-Culzoni Editores, 2008, pp. 13-18;
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Hespanha (trad.), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010;
Xavier, Bernardo da Gama Lobo – «Justa causa de despedimento: conceito e ónus da
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Yoshikawa, Eduardo Henrique de Oliveira – «Considerações sobre a teoria da dis-
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MICAEL MARTINS TEIXEIRA

Anexo

Esquema das medidas da prova

Em matérias penais262:

Factonão
Facto não provado
provado porporinsuficiência
insuficiência In dubio pro reo Facto
probatória (é mais provável não
probatória (é mais provável não ter ter provado
acontecido
acontecido do que
do que ter)ter)
Ponto de ignorância (decisão de ónus da
Ponto de ignorância
prova, de acordo com a presunção de
inocência)

Em matérias de direito privado:

Facto não provado por insuficiência Facto provado (é mais provável ter
probatória (é mais provável não ter acontecido do que não ter)
acontecido do que ter)
Ponto de ignorância (decisão
de ónus da prova)
Facto provado (é mais provável ter

(decisão

262
Refira-se, contudo, que nem todas as decisões tomadas no decurso de um processo penal
implicam uma medida da prova tão elevada, dado que nem todas têm o efeito de aplicar de
forma definitiva uma sanção. É o que acontece, por exemplo, com as decisões de aplicação
de medidas de coação de menor gravidade, como o termo de identidade e residência ou a
obrigação de apresentação periódica.

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