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REPUBLICA DE ANGOLA ‘TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ACORDAON.* 467 /2017 PROCESO N.* 541-B/2017 (Processo de Fiscalizapio Abstracta Sucessiva) Em nome do Povo, acordam, em Conferéncia, no Plenério do Tribunal Constitucional: I. RELATORIO ‘A Ordem dos Advogados de Angola (doravante OAA), com a legitimidade aque the €conferida pela alineaf) do n.° 2 do artigo 230.° da Constituicao da Repiibica de Angola (CRA), no artigo 18.° da Lei n° 2/08, de 17 de Junho, Lei Organica do Tribunal Constitucional (LOO), ¢ na alinea 1) do artigo 27.9 da Lei n 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), apresentou a0 ‘Tribunal Constitucional um pedido de apreciagio da constitucionalidade do artigo 3.% alinea b) do m.°1 do artigo 4°; n.°5 do artigo 7.8; n° 4 do artigo 8°; artigo 12.°; n2* 2 do artigo 11. artigos 13.°; 154; 20. 26.° 0 32 32.° 0 382; n.°3 do artigo 39°; artigos 40. 42.° todos da Lei n° 25/15, de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, tendo aduzido os seguintes fundamentos A) Quanto as obsigases intornacionais do Estado Angolano: 1. © Estado angolano esté, deste 1992, obrigado pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Politicos (PIDCP) e pelo Pacto \Y. ple a Internacional dos Dieitos Econémicos, Culturais e Sociais (PIDECS) que subscreveu e ratiicou. 2.0 n# 2 do artigo 13° da CRA estabelece que os tratados ‘nternacionais ratificados por Angola vigoram na ordem juridica fangolana enquanto vincularem intemacionalmente 0 Estado angolano. O artigo 26.° da CRA dispoe, igualmente, que os preceitos consttucionais e legais relativos a ditetos fundamentais devem ser interpretad>s de harmonia com os tratados intemacionais relativos a ‘esses direitos ratificados pela Repiblica de Angola 3, Neste sentido a formblagio adoptada no artigo 3° da Lei n° 25/15, de 18 de Seembro, viola as obrigagdes intemacionais do estado Angolano, nomeadamente as previstas no artigo 9° do Pacto Intemacional dos Direitos Civis e Politicos, que prevé que 0 detido tem de ser apresentado diante de um juiz ov outro funciondrio autorizado por Iei a exercer 0 poder judicial. Por esta razio, pode conciuirse que o n.° 3 do artigo 9.° do Pacto, que vincula o Estado ‘Angolan, no é compativel com as oppbes feitas no artigo 3.° da Lei 25/15. B) Quanto ao modelo Processual Penal da Constituig30 Angolana: 1. A Constivgso da Repiblica de Angola tem normas muito claras sobre 0 modelo procestual penal angolano, que manifesta uma clara ‘pedo poica do texto consitcional por um sistema processual penal | de maiz cusatiria M 2, Na verdade, em termos estruturais,€ nid a separago entre a fungao asibuida 10s julzes no processo penal e a fungio atrbuida a0 “Ministhio Pblico, Dito de outro modo, os poderes de cada uma das rmagistraturas estio perfetamente dofinidos e balizados na Constituicto. 3. Os Magisvados Judiciais, nos termos do que dispde artigo 174.° da CRA, dirimem confitos de interesses, quer pibicos quer privados, asseguram a defesa dos direitos e inteesss legalmente proteidos, |“ farantem 2 defesa do contaditrio e do acusatério e reprimem as V) ‘violagées da legalidade democritica. E, nos termos da alinea £) WKS artigo 186° da CRA. durante a fase de insrucdo preparatéria divigida pelo Ministéxio Pablico fiscalizam, ainda, as garantias fundamentais os cidadios. 4. Por sua vez, compete aos Magistrados do Ministerio Pablo’ promover 0 processo penal, para o que dirige a fase da instrucao reparatria do processo, ¢exercer a acgdo penal, deduzindo acusacio Contra 0 arguido com vista a introducdo do processo na fase judicial. 5, Esta divisio funcional entre as tarefas do Ministério PUblico © as tarefas do juiz comesponde ao modelo processual penal da ‘modemidade, Ela esti perfeitamente em linha com o modelo rocessual penal que se afirmou nos anos setenta do século passado na ‘Alemanha e nos anos oitenta na Italia e também em Portugal, com a entrada em vigor dos novos Cédigos de Processo Penal italiano e pportugués, tendo sido agora adoptado, ainda que de jure condendo, pela ‘propria unio europeia no Corpus luris 6. 0 Corpus ris" & um projecto de Cédigo Penal e Processual Penal da ‘Unio Europeia para as incriminagves relacionadas com a protecyio dos bens jutiicos da Unido. 7, Portanto, ¢ Consttuigdo angolana esté perfeitamente em linha com feste modéo processual penal da modemidade, que tem enormes ‘vantagens zriticas. Desde logo, grande eficiéncia na investigacio. O “Ministério Pablico desenvolve um trabalho coordenado, hierarquizado fe ficiente, sobretudo se houver uma polica hierdrquica ou funcionalmente subordinada a essa magistratura, Este modelo garante cficincia na investigacio e, 20 mesmo tempo, garante a defesa dos direitos lberdades e garantias asseguradas pela presenga e actuasao de ‘um juiz independentee imparcial, em todos os momentos em que seja rnevessério decidir um conflito’ de interesses e garantir direitos fundamentas. ©) Quanto as inconsttucionalidades: 1. A Lei n? 25/15, de 18 de Setembro, levanta problemas sérios, Jerivados designadamente da opcko que fez de enregar novamente 0 dominio das detengSes, do primeiro interogatrio do arguido deido, da valdagio da detengto e da aplicagio de medidas de coucefo a0 Ministtrio Plo, Bex, digamos, fo condutor desta Lei que nem or isto se mostra sempre lgica ecoerete com a oppdo que tomo. 2, Na verdade, depois de, 20 artepio do actual quadro consitucional, ‘mpenhar 9’ Ministério Pablco na priica pouco ortodoxa dagueles actos process, estbelece no artigo 23." da mesma Lei que a¢ medidas de coacyio aplicadas (pelo Minstério Paco) dever, no Ministério Piblico, conforme resulta do artigo 29. da CRA. A actual lei das medidas cautelares permite hoje a intervengio do ju. 24. Esse entendimento decorre inclusivamente da juisprudéncia Constante co Tribunal Supremo, como resulta do recente Acérdto do Processo n. 164/2016, de 22 de Dezembro. 25.Do ponto de vista do direito comparado, vale anotar que, nos processos Fenais europeus, é transversal a fungSo do juiz como garante das lberdades ¢ como protector dos direitos individuis 26. Esse “uz das Tiherdades” tem como fines svalizar © garantir a legalidade da investigario, da obtencio de provas e aplicar medidas cocrcitivas. Nesse sentido, a Requerida entende que, ainda que we fenha sido consagrado em Angola a figura do “juiz de instrugto”, ficou previsto na Constituicdo ~ e deve ser densificado ao nivel ay 2 cordiniria - a existéncia, intervengio ¢ competéncia de um “juiz na Instrugao” que controle a pratica de actos que sejam susceptiveis de fer direitos, Uberdades e garantias 27. Quanto acs preceitos que a Requerente soicita a apreciacto do juizo 4e conformidade com a CRA sto agrupadas as actividades instrutrias| fem quatio pos: a) Medidas de investigagao lara sensu para a recolha de factos € rows; ) Medidas de investigagio intrusivas como buscas, revistas apreensies; ©) Medidas de coacgio fisca nto restrtivas de liberdade ou de ¢garantia patrimonial; 4) Medidas de coaccio fisicarestrtivas da liberdade. 28, Quanto as normas inseridas no gropo da alinea a), no hi dévidas da sua conformidade. 29, No que dix espeito as normas que se agrupam nas alineas b), ¢) €d), atentos a0 preceito constitucional que resulta da alinea f) do artigo 186, conugado com as demais normas das garantias processuais constantes da Constitugao, deve considerar-se que nenhuma das ‘normas arguidas ¢ inconsttucional 30.0 preceito constitucional em andlise utiliza a expressfo “fiscalizagdo”. S6 se pode fiscalizar algo que jé acontecew, Assim, 0 juia “na instrupo” deve intevir a posterior para fiscalizar,o que é um acto que consiste em averiguar da conformidade, controlar ou conferir se determinada actvidade estd de acordo com os parimetros de admissbilifade procedimental, legal e, em titima instincia ~ se bem que a mais garantistica e de efeito mais intenso ~ 0 quid (0 acto, a ‘medida decretada pelo Ministério Péblico) processual em causa. 531. Na pondesacdo dos valores em causa no processo penal, ¢ atentos & ‘marcha do processo, importa equilibrar, por um lado, as necessidades de legalidade que o Ministério Péblico persegue com, por outro lado, dlivetos e gurantias fundamentais dos arguidos. 32, Entende-se, assim, que as normas citadas estio conformes com a Consttwisso, quando interpretadas como medidas que cabe a0 Ministério Pibtico praticar durante a fase de instrucio ¢, Contrariamente, nfo devendo serem interpretadas no sentide de impor ‘medidas aos arguidos com efeitos de caso julgado ou mesmo com efeitos imediatos sem a intervencxo do juiz, caso este seja solictado pelo arguido ou seu epresentante legal, o advogado. ‘Termina pedindo ao Tribunal que considere a nio desconformidade das normas da Lei n° 25/19, de 18 de Setembro, com as normas e principivs consttucionais. (© procesto foi a vista do Ministério Public. Cothidos os visteslegas, cumpre agora, apreciar, para decidir IL COMPETENCIA DO TRIBUNAL Nos termos da ainen a) do n° 2 do artigo 180.°(competéncias do Txibunal Consttucional) e do a* 1 do artigo 230° da CRA (Fsclizapio da Consitucionalidade), “> Tribunal Constituconal apreia ¢ delara com foga cbrgeiria geal. incontiucionaidade de qualquer norma e demais actos do Bxado" Por sua ves, & Lei n 2/08, de 17 de Junho, Lei Organica do Tibunal Consttucional, dsp na anes a) do seu artigo 16° (competéncas do Tiibunal Constincional, com a redacgio dada pelo artigo 2.° da Lei n* 24/10, de 3 de Dezembro) que compete ao Tibunal Constituional “apciar «a constitcionalidede das ei, decrees presidenciais, das msolures, des trotades, das convenes, cones itermaiontsrifeudos,e de quaisquer normas, nos temmos reigos ma alineae) do n.*2 do artigo 180.*da CRA”. hl © diploma ca continconliade srr a nei toma fon de (PF Wapblnado aa Sed Dik a Rep 3, 18 Soe {15,2 ip do digs nm linen do argo 16 Ga ies) 30 tig 14° edaatinea don 2d argo 166% ods da CRA, peo ove temo Tabara Contains congenca pr apecat sue Conrado cn Cons IIL. LEGITIMIDADE ‘Ao abrigo do n.” 2 do artigo 230.° da CRA, conjugado com a alinea d) do artigo 27.° da Lei n.° 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional, podem requerer a declaracto de inconsttucionalidade abstractasucessiva as seguintes entidades: 4) o Presidente da Repiblica; ) 1/10 dos Deputados em efectividade de fungées; ©) 0s Grupos Parlamentares; 4) 0 Procurador-Geral da Repibica; ©) 0 Provedor de Justiga; 1) a Ordem dos Advogados de Angola, Esti, assim, a OAA habilitada, nos termos da Consttuigio e da lei, a apresentar 20 Taibunal Constitucional 0 pedido de fisalizagio abstracta sucessiva da consitucionalidade do presente diploma, IV. OBJECTO DO RECURSO Conforme o pedido formulado pela Requerente, apreciara este Tribunal se: 4) A formelagio adoprada no artigo 3.° da Lei n 25/15, viola as ‘obrigagtes intemacionais do Estado Angolano, nomeadamente as previstas no n.°3 do artigo 9.° do Pacto Internacional dos Dieitos Civise Politicos; b) Os artigos 3°; 4, m1, alinea b); 7°, n° 5; 10.% 11%, m2 2; 128% 138; 15%; 2025 26. 0 302; 32° 34° 362% 37.% 40.° e 42.° da Lei n° 25/15 de 18 de Setembro, estio em conformidade com a Consttuigao. \. APRECIANDO- A partida importa esclarecer que esti fora do Ambito da apreciagio do presente Acérdio a questio da direoei0 da instrucdo preparatéria pois a (CRA na aliena f) do seu artigo 186° atribui tal competencia ao Ministerio Pablic. [Nessa medida esti afastada liminarmente a hipétese da criaeao em Angola da figura de juizes de instrucdo e de tribunais de instrusio criminal. ‘A questio de fundo colocada pela Requerente e que adiante se apreciaré ‘esume-se a sabe: se no quadro da Consttuicio de 2010 a competéncia para ‘ordenar prises durante a instrugto preparatoria € do Ministério Publico, ‘como ora sucede ou deve ser de um juz. 4. Quanto a eventual violagao do PIDCP Quanto a alegada violagio do n.° 3 artigo 9.° do Pacto Internacional dos Direitos Civis ¢ Politicos fundamenta a Requerente que 2 formulacio ye R a We =f adoptada no artigo 3° da Lei n° 25/15 viola as obrigacOes internacionais do Estado Angolane, nomeadamente a8 previstas no n." 3 do artigo ¥.° do PIDCP, que prevé que o detido tem de ser apresentado diante do juiz ou ‘outro fncionario autorizado por lei a exercer 0 poder judicial. Para compreenstio da questio susctada pela Requerente, importa analisar 0 {que ver disposto no n.” 3 do artigo 9. do PIDCP, que dispbe que “qualquer _pesoa press ou encacerada em visude de infracyo penal deveré ser conduzida, som demon, presengadojuiz ou de cara autoridade habiltada por le a execer funges Jiudicais ¢ terd 0 dieto de ser julgada em prazo vaznével ou de ser posta om iberdade..” ‘Se nos ativermos ao contetido do disposto na norma supra citada, depreende- se que 0 legislador internacional nfo pretendeu atrbuir a competéncia exclusiva ao Juizpara a audio do arguido. So assim se justifica a referéncia nna norma a “outraautoridade hablitada por lei a exercerfunptesjudicias", isto 6, a exigincia feta & unicamente de que tais actos sejam praticados por utoridades juicais. [Neste sentido, o legislador deixou ao caitério de cada Estado membro a prerrogativa de definir interramente, para além do juiz, quais as outras autoridades que deverdo exercerfungbes judiciaise praticar as competéncias 08 actos previstos no n° 3 do artigo 9.° em referencia, © Estado angolano, no cumprimento das suas obrigapbes intemnacionais € em respeito ao preceituado no n.” 3 do artigo 9.° do PIDCP, determinow, na“ sua Consttuigéo, quais so os Grgios habilitados a exercer as fungdes judiciais, Neste sentido definiu no Capitulo TV, relativo ao “Poder Judicial", vias secqes dente as quais a Sec¢lo II, referente ao Ministerio Piblico, cenquanto autoridade judicidria com competéncia para promover o processo penal © a exeser a accdo penal, mos termos da lei, the confere designadamente 0 poder de “diriir a fase preparatiria dos processes penis, som _prjuzo da ialsaio das garantas endamentais dos cidadios, por Magistrado ‘util, nos termes da lei, conforme o previsto na alinea f) do axtigo 186° da CRA # entendimento deste Tribunal que a formulagio adoptada no artigo 3.° da Lei n° 25/15 nao viola as obrigagoes internacionals do Estado Angolano, ‘nomeadamente as prevstas no m.° 3 do artigo 9.° do PIDCP. 2. Sobre a eventual inconstitucionalidade do.n.*2 do artigo 11.° A Requerente propbe ainda a declaracio da inconstiucionalidade do n.° 2 do artigo 11.? da Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, sustentando para o efeito que o facto de © magistrado do Ministério Publico ppoder proibir a comunicacio do arguido com “certas pessoas”, & passvel de provocar a extensio da. proibiclo ao contacto do arguido com o seu Advogado, [Nao se retira dest texto legal, qualquer prerrogativa do Ministéio Pablico de impedir o contacto entre 0 arguido e o seu advogado, seja antes ou depois do primeiro intexogatério. O mandatirio legal é, precisamente, a tnica pessoa com quem ¢ permitido o contacto antes do primeiro interrogatério, © ‘momento mais delicado da fase da instrugao preparatbria, © que o legislaior pretendeu acautelar com aquela expresso “certas pessoas” € evitir 0 contacto com as pessoas que possam influir negativamente na instructo do processo. A interpretago que a Requerente receia que possa vir a ser feta, nfo é sequer de admitirem face das disposigbes imperativas constantes das alineas ©), ©), € 9) do artigo 63." da CRA que garantem a relaclo das pessoas privadas de lberdade com o seu advogado. 3. Sobre a eveatalinconsiteconalidae don. 3 do artigo 36 do do atigo 39 Agi sind Reqoerente a inmnsituconadae do n° 3 do agp 36° 1.°3 do artigo 39° em virtue da alinea b) do artigo 61." da CRA tex previsto wre 2 possildade deserem insuscepveis de lberdade provséria otros cimes,\ para além dos crimes de genocidio e crimes contra a humanidade, O ‘Também aqui foi uma questo de opo legislativa do legislador constitute f tal deveuse 20 facto do fendmeno criminal ser dindmico, nio se \_/ ‘compadecendo om a complexidade exigida para uma. revisio | constitucional Ww Settee a ee een eae ee aa eer ne eo eles eee eee pes ress ‘Nio pode vingar a pretensto da Requerente,além do acima dito, pelo facto {da propria Consttucdo na alinea b) do seu artigo 61.” ambuir a0 legislador ‘ordindrio competéncia para qualificar como insusceptiveis de liberdade provisbria outros tipos legais de crimes, além do genocidio ¢ dos crimes contra a humanidade. E foi o que este fe. Face aos argumentos supra referenciados, conclui este Tribunal que as rnormas, cuja veriicaglo da conformidade se suscitou, nfo violam o disposto ma CRA. 4, Sobre a eventual inconstitucionalidade do artigo 3.° ¢ dos demais com le relacionados A primeia vista pode parecer que 0 legslador consiuinte remete para 0 legislador ordindtio a definirao de quem éaentidade competente, refrida na alinea k) do artigo 63° da CRA, a quem atrbuiu a competéncia para confirmar ou nao &prisio ¢ que, por esse facto, no a concedeu, de modo expreso e inequivoco, ao Magstrado Judicial [No pode o Tribunal Constitucional deixar de reafirmar a competéncia do ‘Ministéio PAblico para promover o processo penal e exercer a acr4o penal, alinea c) do artigo 186° da CRA. Promover significa, propor, procedes, indicia, acusar e intervir em efesa da comunidade. Jé o exercicio da acio ‘penal tem, na suaesséncia, a direceo da instruco preparatéria. ‘A Constituigio de 2010 trouxe nto s6 uma extensa e significativa carta de direitos fundamentais em geral e, especificamente de direitos, liberdades e ‘garantias fundamentais, como consagrou, de forma mais clara e expressa, as fara dos ange don psn, Ea maga permit ogo as [TS ve Leis n.° 4-D/80, 18-A/92 e das normas do Cédigo do Processo Penal de 1929 e legislacdo avulsa,relativas a: detenciio, medidas de coacrio pessoal, ‘medidas de garantia patrimonial e imunidades. Em substituigdo entrou em vigor a Lei n. 25/15, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, que voltou a atribuir ao Ministério Péblico poderes para fazer 0 primeiro interrogatério do arguido detido, conforme se 18 na alinea a) do n.°1 do artigo 13°, validar a detengio, aplicar a0 detido medidas restritivas da liberdade (prsdo preventiva ou outra, conforme 0 caso, m1 do artigo 15.) ¢ resttuir 0 detido a liberdade, caso considere no estarem reunidos os pressupostos pare a detencio, alinea b) do artigo 15.° Contudo, no espirto 4a Constitugio a funcio de prender ou solar, nio pode ser de quem é parte is & WA artigo 4.°, no n.°1 do artigo 12.° e, por interpretagao da 2.* parte do n.° 2 do Qe no processo, Daqui a necessidade de um juiz de garantias, tal como previsto na alinea ) do artigo 186." da CRA. ‘A justificagio dessa necessidade decome da conjugacao dos artigos 2.° € 186°, da natureza do sistema/modelo processual penal adoptado no n.” 2 do artigo 174.° todos da CRA e ainda da verficacto, da eficacia ou ineficdcia do sistema constitucional de garantias da CRA, relativamente as convengdes {ntemacionais de que Angola ¢ parte. ‘No novo quadro consttucional de 2010, olepislador consttuinte introduziu nnormas que permitem “abandonar” ou afastar as caracteristicas do modelo processual penal do tipo inquisitio, tendo optado pelo modelo processual penal de matrz acusatéra, intepretagio que decorte da letura das normas dos artigos 174. « 186.° da CRA, como acima referidos. ‘Com efeito, estatelece 0 n.° 2 do artigo 174.° que, “no exerccio da fungao Jurisdicional, compete aos tribunais dirimir confit de interesses pblicos (ow privados, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, bem como os principios do acusatério © do contraditério © reprimir as violag%es da legalidade democritica”. Por sua vez, na alinea f) do artigo 186.*, 0 Ministério Pablico recebe competéncia para “dirigir a fase preparatéria dos processos penais, sem prejuizo da fscalizagdo das garantias fundamentais dos cidados por Magistrados Judicias, nos termos da lei”. Da interpretagdo conjugada dessas normas constitucionais, pode concluir-se que 0 legislador optou por um sistema processual penal de caiz acusatria, \ Na nova mattis constitucional, o legislador estabeleceu uma divisio funcional clara e equlibrada dos poderes do Ministétio Pablico e do Juiz. Ou seja, a0 Magistredo do Ministério Pablico atribuin a fungio de dirigit a instrugto preparatria do processo e a0 Magistrado Judicial, no exercicio da sua fungio jurisdicional, a tarefa ndo s6 de defender os direitos nas fases subsequentes mas também a de assegurar as liberdades dos cidaddos na fase Preparatétia do processo. Ao afirmarse que 0 processo penal no ¢ um processo de partes, ou 0 € apenas em sentido formal (Grandio Ramos, As Garantias do Argo e a Lei das Medias Cautlares, in Juris Penal e Processo Penal V. I, FDUCA, p. 139) quer-se dizer que, na busca da verdade material, © Ministério Publico nao procura apenas provas para a condenaglo do arguido, pois pode também procurar meios para o absolver. Nests termos sua fungio, come acima referdo, tem natureza objectiva (de defesa da legalidade) e, entende-se ser esta a esséncia do acusatério, expressa pelo wi XS ye y Wa lego coseonal de 2010, ja ae él an. do noo pots de vie, 1D melhor se “harmoniza” com o principio democritico expresso no artigo 2° da CRA. Pelas razSes expastas, considerase que 0 legslador da Lei n.? 25/15, a0 atribuir a0 Ministtio Péblico poderes para proceder a0 primeiro interrogatério do arguido detido, validar as detengdes e aplicar aos detidos ‘medidas restritives da liberdade contraria 08 principios da divisto tripartida de poderes (eft. 0 artigo 105.° da CRA) onde se inclui a especifica divistio centre a fungi do Ministésio Pablico no processo penal e a do Juiz (Magistrado JudisiaD (cf. 0 artigo 186. e 174.%, bem como o principio da jutisdigio, nos teimos definidos no n. 2 do artigo 174.° da CRA, ‘Com efeitoe, segundo Grando Ramos, (1 Jiri, pp. 142,143)“ a jurisigao ‘consiste no poder de udgar, que cabe exclusivamente a um dos tés poderes do Estado, o judicial, B os juizes nfo “julgam” s6 no julgamento a final, “julgam” em tocas as fases do processo, Julgam sempre que tiver de ser decidido um confito de intereses, Trata-se do poder de compor ltigios ou confitos de interesses, através de decisdes susceptveis de serem impugnadas, ‘mediante recurso para tribunais superioes (meio ordinério de impugnasio). © 2 do artigo 174° da CRA 6, a este respeito, inequivoco. Como consequéncia do prinjpio da jursdipio, entende a doutrina que 0s actos jutisdicionais ~ actos proprios de juiz- praticados por quem 0 nio é e nto dispoe, por conseguinte, do poder de julgar,ficam feridos de um vicio a que se chama inexist’ncia juridica (vej-se, no dieito portugués FERNANDO GONCALVES ¢ MANUEL JOAO ALVES, in A Prisdo Prevent ¢ as Restantes Modidasde Coasi, 136)" fox ran omen an orc nina) do ago 63 da CRA elas determin ue toda a oss pada in Wedade tem zoo ser (.) conduc Peete © Cipeekas canescens vate ne pit ere (..) €, no 1.° 2 do artigo 64.° se estabelece que (...) outra entidade pode aplicar medidas restritivas de liberdade (,..) nos casos previstos na Conaiugto con i wade que name normat © bgxder enstuconalno clara aque endade Sree, magia jal ov Se, do Minis Pibco, Todas, por iterator desis ‘seas contend (amjgait ax ps nani 288° pr Courtirse que «expen veaiade campeeat quer teleieee a6 ‘magistrado judical (interpretando no mesmo sentido, Prof. Raiil Aratijo, in Constituipio da Rewiblica Anotada, p. 377). Va Ss ar o 2 com fdaneto noe angen spr apreetads¢,pincgalent, fuss teas bet eluant Ouse 2 enon fiance eso pee Geld when alcagn dx mide tei da Head no poe ser enegoe 20 Magitado do Mitiiio ities (iggo socadeaada ama conto ta iepinde es sompltac penece so Maghonis dian acta metratoeam independente ¢ immparcial) por imperativo constitucional, resultante nao s6 da torts a alinea 40 artigo 186° met por infexpetfto dures nonmas contol, seaiameas medium a0 2° 7 do sige 3° fine garmte a todes os cdados 4 intrvensio de atoriade judicial ane a ingen coe bes tadande ype da orecdaet pe, (arom poe ese de anogeaada cacy wn tnigp 194" Desa demonszeto conic, eevament, quo lado ccontudcal prea conga ao icin falc wage on tntdade que pudese goons itedades ov asegura a garantes tctsaonls dex denn, 2 4 ein com ena on, a0 dogmitica processual penal se atribui o nome de juiz das liberdades ou juiz da ana en ee yeocsonl foul, que ¢ timely icra Goad de we elo Mino Pblio, como esl orig 12" da Len" 25/18. Exe Jnteogatiio tem como naldae lal a “dfs” da pesoa a quem et = impr ii de um rine: Score gue eine ja) tact que depos ovat aca? E que autoridade qu intenoga tern de deci feo walls de id us wEsenaote te meee. slate tose ‘athe cits 2 te ues ei oot a or ogee vee “pba tn suet Fndamento (0 9 qv ea face aos ndicicn) pam que ea tam pono, esto © qualide de argo (eje> Processual) ¢, ainda a ser assim que se verificam, no caso concreto, os reseed opcode algunas Ss medidas de cue previa me Romeadnnent, se Mpeign de gs, de penugao du inuso 60) recon, cela eda cela 6 pets rie: Gren eds tenqlldade pec quem intoga © agus flo Pen deci Glga sa detenglo tem Tundement lel eo teunor ox pressupostos de eplicagdo de medidas que poderdo importar para 0 deta (\ (7 lama restriflo ou, mesmo, ute privayo da sua Hberdade “\A cconsequentements, dos direitos fundamentais que Ihe sto concedidos e estio tanner pel Chet” (rnd Rar nr pp. 4,10). Wf. (82 "pe _Acresce que, essa mesma entidade, autoridade judiciria, poderd ainda ter de decidir se, se verticam causas de exclusao da responsabilidade criminal do arguido ¢, como este € um sujeito processual, tem o diteito de aautonomamente participar da construsio da verdade material, negando os factos, contando a sua versio, negando a aplicacio de medidas de coaccio, para o que deve haver contraditrio. E ainda nesta fase, que o defensor do arguido pode argair nulidades (n°4 artigo 13° da Lei n° 25/15). Pergunta-se, neste sentido se, € 0 Ministério Pablico que deve julgar a arguico das nulidades e decidir das respectivas consequéncias ¢ efeitos? dditeito de defer exercido nesta fase de instugio preparatéria tal como 0 contraditrio, embora se reconhesa que deve ainda e apenas ser 0 possivel, conduz a que a autoridade judicidria que pela primeira ver interrogue formalmente 0 detido, tenha independéncia e sea dotada de tum grau suciente de imparialidade de molde a que, face aos indicios, possa julgar os pressupostos de facto e de dirito da infiacglo, autorizar a detengio e decidir seh razbes para que se apliquem medidas cautlares e quais. On, 0 Ministre Publico & imprescndivl a realizagSo da justia. Todavi, porgue & ele que dirige a fase iniial do proceso, ou sj, ele prepara a acasaelo, organiza a dlgtncas de investgagto da instraplo que promove ou oxdena, a fim de poseromente poder acuer e, nexe sentido, \ ) “ansforma-se, ele proprio, em parte acusadora (parte em sentido formal) em | >4~ confront diléctco, apts a acusario, com o acusado em que o arguide se transforma”. (Granddo Ramos, in Jus pp. 14, 145). at? tists, ge uh es peta de quali concer mn cine (“Y, ‘¢€ detido, porque o Ministério Pablico ou as autoridades da policia criminal, M ‘em caso de urgenciaordenam a sua dteno,ocome ip facto um confto de interesses ente, yorum lado, odieito a liberdade deste alguém e oatos que 4 Constiicdo the reconherae, por outo, 0 dtetopiblico do Estado deo deter e contra ce orgaizar um processo criminal e, neste contexto alicar- The medidas de coaceto de natureza processual, Ese confito que é de | natureza muito relevantes6 pode sr diimido por quem tem jarisdigio penal \I~ esse & o Juiz que ali esti na istrupto preparatria, para “fsalizar as sarantas fundamentais dos cidadtos”. [Nesta fase do processo(instruso preparatra), a intervengdo do magistrado Jel desiuee av jlgamenw de incdentes de allenasa0 mental ou 20 xeric de fngds de arama ds dros fandamentas os cidaddos 7 decidos, mas conretamente, seem ouvids pela primeira ver, a violagto do siglo da comespendéncia e comunicaptes (n° 2 do artigo 34° da CRA) as an Dbuscas ¢ apreensées em escrtérios de advogados, estagies de correios, que sito ondenadas pelo juiz (n° 2 do artigo 194.” da CRA), ou de buscas em ‘rgiios de comunicagdo social (n.° 3 do artigo 2° da Lei n.° 2/14 de 10 de Fevereiro), ‘Com esta compreensio fundada na interpretaglo dos principios que emanam da Constituigio para caracterizar o sistema processual penal angolano, entende o Tribunal Consttucional ser parcialmente inconstitucional a norma do n.* 1 do artigo 3.° da Lei das Medidas Cautelares, na parte em que atibui 420 Ministrio Piblico competéncia para ordenar medidas restitivas da liberdade,a sabe, a prisio preventiva e a pris domiciiia. ‘As necessidades proprias da dindmica e da celeridade da. instrusio Preparatoriajustiicam que as demais medidas de coaceo possam continvat 4 ser aplicadas pelo Ministerio Pblico e ser fiscalizadas posteriormente pelo {iz de garantias como jd prevsto no n. I do artigo 3° da Lei n° 25/15, 5. Os efeitos da inconstitucionalidade declarada ‘A declaragio de inconstitucionalidade do n.° 1 do artigo 3° tem como normal consequéncia a sua invalidade a partir da entrada em vigor da respectiva Lei (18 de Setembro de 2015), como se prevé no n.° I do artigo 231.° da CRA, sem prejuizo da ressalva dos casos julgados (n.° 3 do mesmo artigo). Tal eftito significa que a partir da presente data de declaragdo dessa {nconstitucionalidade, nenhuma ordem resttiva da libetdade pode ser proferida por qualquer magistrado do Ministrio Pablico. ‘A.ser assim poderiam advir consequeéncias graves para a seguranga juridica e 4 ordem piblica na medida em que nko existem de facto, em fungées disponiveis, o ninero suficiente de magistrados judiciais para poderem, a nivel de todo o pais, atender as necessdades minimas de presenca de um juiz de garantia junto dos 6rgios responsiveis pela instrucio preparatiria, Seguramente a marcha processual ficaria muito afectada e, quigé, paralisada Dispde a Constituigdo no n.° 4 do seu artigo 231.° que em situages como péblico, 0 Tribunal Consttucional pode limitar os efeitos normais da ‘nconstitucionalidade. Igual disposisao consta do n.° 5 do artigo 30.° da Lei 1° 3/08, de 17 de Junho, Lei du Processo Constitucional Com este fundamento entende o Tribunal Constitucional, que, transitoriamente e até que as competentes autoridades providenciem, com a ‘urgincia requeride, a admissio e colocagio de juizes de garantia junto dos SY nae SW esta, quando esti em causa a seguranga juridica e um excepcional interesse SF 9 > ‘ix | e oo Grglos de instrugio preparatiria, devem 0s magistados do Ministésio Poblico continuar a ordenar as supramencionadas medidas restivas da liberdade que poderdo ser, posteriormente, fiscalizadas pelos actuas juizes de ‘urno previstos na ei CONCLUINDO smi ilo Eee pao ——— ah e os demais artigos com ele relacionados (alinea b) do artigo 4.°, artigo *, n.° 4 do artigo 8.°, artigo 12.°, 13.°, 15.°, 20.°, n.° 3 do artigo 34.°, 36°, 37.°, e n.° 2 do artigo 42.") na parte em que da competéncia a0 eee eee a «crea nla dea eid eminiatns eed 1 = 5. Cimento derodsi dee exum a dtatav (W~ inconstitucionalidade e as competentes autoridades devem adoptar as eee Seon ee DECIDINDO Le x WwW estes emo Ya 4-Dar porimtnte decal ee cico, Aeclaeauto icochcon a yl do ach e “ea anh H emi avionadin < alimalineaciouades tna pate gue abaibui co ipinisteer Public A lity? trek print a pana onddanen, a ie proveutva Bu Vong in den ‘ail muna twa war fn Ns dix Ureshitencae 444 ccrive Me un hasistn- AD qudiGiah vr CA , Iz de Ganomhion pucfervelo idea fae ait AI! da COA a Prvtelan a aplicacse dr tfethn da wubidade p Aunt, divlanacia de Talons Be te TT gnc etalon eet ead tran te uaa Ae qu rferidn wt ne icky v9 Whonena Coviter Sem css nos temo day 15 da Lein* 5/08 de 1 de Jno = Lei do Processo: Notifique ‘Tribunal Consttucional, em Luanda, aos 15 de Novembro de 2017. 0 UiZES CONSELHERROS 1), yy A

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