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Gonçalves Dias Por casos de guerra caiu prisioneiro

Nas mãos dos Timbiras: — no extenso terreiro


Canção do exílio Assola-se o teto, que o teve em prisão;
(Coimbra, julho de 1843) Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Minha terra tem palmeiras, Cuidosos se incumbem do vaso das cores,
Onde canta o Sabiá; Dos vários aprestos da honrosa função.
As aves, que aqui gorjeiam, Acerva-se a lenha da vasta fogueira,
Não gorjeiam como lá. Entesa-se a corda de embira ligeira,
Nosso céu tem mais estrelas, Adorna-se a maça com penas gentis:
Nossas várzeas têm mais flores, A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Nossos bosques têm mais vida, Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
Nossa vida mais amores. Garboso nas plumas de vário matiz.
Em cismar, sozinho, à noite, Entanto as mulheres com leda trigança,
Mais prazer encontro eu lá; Afeitas ao rito da bárbara usança,
Minha terra tem palmeiras, O índio já querem cativo acabar:
Onde canta o Sabiá. A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
Minha terra tem primores, Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
Que tais não encontro eu cá; Sombreia-lhe a fronte gentil canitar.
Em cismar — sozinho, à noite — II
Mais prazer encontro eu lá; Em fundos vasos d’alvacenta argila ferve o
Minha terra tem palmeiras, cauim;
Onde canta o Sabiá. Enchem-se as copas, o prazer começa, reina o
Não permita Deus que eu morra, festim.
Sem que eu volte para lá; O prisioneiro, cuja morte anseiam, sentado está,
Sem que desfrute os primores O prisioneiro, que outro sol no ocaso jamais
Que não encontro por cá; verá!
Sem qu’inda aviste as palmeiras, A dura corda, que lhe enlaça o colo, mostra-lhe
Onde canta o Sabiá. o fim
I-Juca Pirama Da vida escura, que será mais breve do que o
I festim!
No meio das tabas de amenos verdores, Contudo os olhos d’ignóbil pranto secos estão;
Cercadas de troncos — cobertos de flores, Mudos os lábios não descerram queixas do
Alteiam-se os tetos d’altiva nação; coração.
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, Mas um martírio, que encobrir não pode, em
Temíveis na guerra, que em densas coortes rugas faz
Assombram das matas a imensa extensão. A mentirosa placidez do rosto na fronte audaz!
São rudos, severos, sedentos de glória, Que tens, guerreiro? Que temor te assalta no
Já prélios incitam, já cantam vitória, passo horrendo?
Já meigos atendem à voz do cantor: Honra das tabas que nascer te viram, folga
São todos Timbiras, guerreiros valentes! morrendo.
Seu nome lá voa na boca das gentes, Folga morrendo; porque além dos Andes revive
Condão de prodígios, de glória e terror! o forte,
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio, Que soube ufano contrastar os medos da fria
As armas quebrando, lançando-as ao rio, morte.
O incenso aspiraram dos seus maracás: Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva, lá
Medrosos das guerras que os fortes acendem, murcha e pende:
Custosos tributos ignavos lá rendem, Somente ao tronco, que devassa os ares, o raio
Aos duros guerreiros sujeitos na paz. ofende!
No centro da taba se estende um terreiro, Que foi? Tupã mandou que ele caísse, como
Onde ora se aduna o concílio guerreiro viveu;
Da tribo senhora, das tribos servis: E o caçador que o avistou prostrado esmoreceu!
Os velhos sentados praticam d’outrora, Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes revive
E os moços inquietos, que a festa enamora, o forte,
Derramam-se em torno dum índio infeliz. Que soube ufano contrastar os medos da fria
Quem é? — ninguém sabe: seu nome é ignoto, morte.
Sua tribo não diz: — de um povo remoto III
Descende por certo — dum povo gentil; Em larga roda de novéis guerreiros
Assim lá na Grécia ao escravo insulano Ledo caminha o festival Timbira,
Tornavam distinto do vil muçulmano A quem do sacrifício cabe as honras.
As linhas corretas do nobre perfil. Na fronte o canitar sacode em ondas,

1
O enduape na cinta se embalança, Sem lar, sem abrigo
Na destra mão sopesa a ivirapeme, Caiu junto a mi!
Orgulhoso e pujante. — Ao menor passo Com plácido rosto,
Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra, Sereno e composto,
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme, O acerbo desgosto
Como que por feitiço não sabido Comigo sofri.
Encantadas ali as almas grandes Meu pai a meu lado
Dos vencidos Tapuias, inda chorem Já cego e quebrado,
Serem glória e brasão d'imigos feros. De penas ralado,
“Eis-me aqui, diz ao índio prisioneiro; Firmava-se em mi:
“Pois que fraco, e sem tribo, e sem família, Nós ambos, mesquinhos,
“As nossas matas devassaste ousado, Por ínvios caminhos,
“Morrerás morte vil da mão de um forte.” Cobertos d’espinhos
Vem a terreiro o mísero contrário; Chegamos aqui!
Do colo à cinta a muçurana desce: O velho no entanto
“Dize-nos quem és, teus feitos canta, Sofrendo já tanto
“Ou se mais te apraz, defende-te.” Começa De fome e quebranto,
O índio, que ao redor derrama os olhos, Só qu’ria morrer!
Com triste voz que os ânimos comove. Não mais me contenho,
IV Nas matas me embrenho,
Meu canto de morte, Das frechas que tenho
Guerreiros, ouvi: Me quero valer.
Sou filho das selvas, Então, forasteiro,
Nas selvas cresci; Caí prisioneiro
Guerreiros, descendo De um troço guerreiro
Da tribo Tupi. Com que me encontrei:
Da tribo pujante, O cru dessossego
Que agora anda errante Do pai fraco e cego,
Por fado inconstante, Enquanto não chego,
Guerreiros, nasci; Qual seja — dizei!
Sou bravo, sou forte, Eu era o seu guia
Sou filho do Norte; Na noite sombria,
Meu canto de morte, A só alegria
Guerreiros, ouvi. Que Deus lhe deixou:
Já vi cruas brigas, Em mim se apoiava,
De tribos imigas, Em mim se firmava,
E as duras fadigas Em mim descansava,
Da guerra provei; Que filho lhe sou.
Nas ondas mendaces Ao velho coitado
Senti pelas faces De penas ralado,
Os silvos fugaces Já cego e quebrado,
Dos ventos que amei. Que resta? - Morrer.
Andei longes terras, Enquanto descreve
Lidei cruas guerras, O giro tão breve
Vaguei pelas serras Da vida que teve,
Dos vis Aimorés; Deixa-me viver!
Vi lutas de bravos,
Vi fortes — escravos! Não vil, não ignavo,
De estranhos ignavos Mas forte, mas bravo,
Calcados aos pés. Serei vosso escravo:
E os campos talados, Aqui virei ter.
E os arcos quebrados, Guerreiros, não coro
E os piagas coitados Do pranto que choro;
Já sem maracás; Se a vida deploro,
E os meigos cantores, Também sei morrer.
Servindo a senhores,
Que vinham traidores, Casimiro de Abreu
Com mostras de paz
Aos golpes do imigo Meus Oito Anos
Meu último amigo,

2
Oh! souvenirs! printemps! aurores! Da aurora da minha vida,
V. HUGO. Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Oh! que saudades que tenho — Que amor, que sonhos, que flores,
Da aurora da minha vida, Naquelas tardes fagueiras
Da minha infância querida À sombra das bananeiras,
Que os anos não trazem mais! Debaixo dos laranjais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras Lisboa, 1857
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais! Álvares de Azevedo
Como são belos os dias Lembrança de Morrer
Do despontar da existência! Não mais!
— Respira a alma inocência Oh! Nunca mais!
Como perfumes a flor; SHELLEY
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
Quando em meu peitto rebentar-se a fibra
O mundo — um sonho dourado,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
A vida — um hino d'amor!
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria, E nem desfolhem na matéria impura
Naquele ingênuo folgar! A flor do vale que adormece ao vento:
O céu bordado d'estrelas, Não quero que uma nota de alegria
A terra de aromas cheia, Se cale por meu triste passamento.
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar! Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
Oh! dias da minha infância! ? Como as horas de um longo pesadelo
Oh! meu céu de primavera! Que se desfaz o dobre de um sineiro;
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã! Como o desterro de minh'alma errante,
Em vez das mágoas de agora, Onde o fogo insensato consumia:
Eu tinha nessas delícias Só levo uma saudade ? é desse tempos
De minha mãe as carícias Que amorosa ilusão embelecia.
E beijos de minha irmã!
Só levo uma saudade ? é dessas sombras
Livre filho das montanhas, Que eu sentia velar nas noites minhas...
Eu ia bem satisfeito, De ti, ó minha mãe, pobre coitada
Da camisa aberto o peito, Que por minha tristeza te definhas!
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras, De meu pai... de meus únicos amigos,
Atrás das asas ligeiras Poucos ? bem poucos ? e que não zombavam
Das borboletas azuis! Quando em noite de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas, Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Trepava a tirar as mangas, Se um suspiro nos seios treme ainda
Brincava à beira do mar; É pela virgem que sonhei... que nunca
Rezava às Ave-Marias, Aos lábios me encostou a face linda!
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo Só tu à mocidade sonhadora
E despertava a cantar! Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
.............................. De na vida gozar de teus amores.

Oh! que saudades que tenho

3
Beijarei a verdade santa e nua, Mas eis que no passar pelo sobrado,
Verei cristalizar-se o sonho amigo... Onde habita nas lojas minha bela,
Ó minha virgem dos errantes sonhos, Por ver-me tão lodoso ela irritada
Filha do céu, eu vou amar contigo! Bateu-me sobre as ventas a janela...
O cavalo ignorante de namoros
Descansem o meu leito solitário Entre dentes, tomou a bofetada,
Na floresta dos homens esquecida, Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo
À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Com pernas para o ar, sobre a calçada...
Foi poeta? sonhou? e amou na vida? Dei ao diabo os namoros. Escovado
Meu chapéu que sofrera no pagode,
Sombras do vale, noites da montanha Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.
Que minh'alma cantou e amava tanto,
Circunstância agravante. A calça inglesa
Protegei o meu corpo abandonado,
Rasgou-se no cair, de meio a meio,
E no silêncio derramai-lhe canto!
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!...
Mas quando preludia ave d'aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos... Castro Alves
Deixai-me a lua prantear-me a lousa!
VI
Namoro a Cavalo Existe um povo que a bandeira empresta
Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
Que rege minha vida malfadada, E deixa-a transformar-se nessa festa
Pôs lá no fim da rua do Catete Em manto impuro de bacante fria!...
A minha Dulcinéia namorada. Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Alugo (três mil-réis) por uma tarde Que impudente na gávea tripudia?
Um cavalo de trote (que esparrela!) Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Só para erguer meus olhos suspirando Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
À minha namorada na janela... Auriverde pendão de minha terra,
Todo o meu ordenado vai-se em flores Que a brisa do Brasil beija e balança,
E em lindas folhas de papel bordado, Estandarte que a luz do sol encerra
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso, E as promessas divinas da esperança...
Algum verso bonito... mas furtado... Tu que, da liberdade após a guerra,
Morro pela menina, junto dela Foste hasteado dos heróis na lança
Nem ouso suspirar de acanhamento... Antes te houvessem roto na batalha,
Se ela quisesse eu acabava a história Que servires a um povo de mortalha!...
Como toda a Comédia- em casamento... Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Ontem tinha chovido... Que desgraça! Extingue nesta hora o brigue imundo
Eu ia a trote inglês ardendo em chama, O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Mas lá vai senão quando uma carroça Como um íris no pélago profundo!
Minhas roupas tafues encheu de lama... Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Eu não desanimei! Se Dom Quixote Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
No Rossinante erguendo a larga espada Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Nunca voltou de medo, eu, mais valente, Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Fui mesmo sujo ver a namorada...

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