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OS GRAFITES DO MURO DE BERLIM EM IMAGENS FOTOGRÁFICAS –

TESTEMUNHOS DE UMA HISTÓRIA

CLÁUDIA GISELE MASIERO


COLÉGIO SANTA CATARINA
claudiamasiero@feevale.br

JANICE ROBERTA SCHRÖDER


PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ
janicerobertas@hotmail.com

1. Introdução

O Muro que, de 1961 a 1989, dividiu a cidade de Berlim, na Alemanha, permanece


historicamente como um símbolo da disputa pelo poder entre comunistas e capitalistas
durante a Guerra Fria e, também, como um dos símbolos das atrocidades que marcaram o 1
século XX. Neste contexto e, sobretudo, por ter sido inserido abruptamente no cotidiano dos
berlinenses, o Muro foi palco de muitos acontecimentos e consequentemente cenário para a
produção de inúmeras imagens. Dentre elas as que são fontes deste estudo e que retratam-no
em sua última década de existência. São, na verdade, fotografias, retiradas do livro “Berliner
Mauer, Die längste Leinwand der Welt” (1998), que quer dizer em Língua Portuguesa: “Muro
de Berlim: A maior tela do mundo”, do fotógrafo alemão Raimo Gareis. Esta obra contém
inúmeras fotografias, de diferentes partes e ângulos, mostrando diferentes grafites. Destas,
escolheu-se apenas cinco, as quais julgou-se que melhor representam a sua diversidade.
Assim, o objetivo principal deste estudo é pesquisar e analisar tais fotografias que retratam os
grafites do Muro de Berlim, que se espalharam por suas paredes de concreto no lado
ocidental, especialmente nos anos de 1980, compreendendo-as assim, como fonte
historiográfica. Interessa primeiramente considerar a fotografia como perpetuação da
memória e posteriormente os grafites como testemunhos de uma época.
A história destas imagens está, é claro, atrelada a este fato histórico, que é o Muro. Os
motivos que levaram a sua construção e o mantiveram erguido por longos vinte e oito anos
não são facilmente explicáveis. Primeiramente, para entender o processo, é preciso considerar
que após o fim da Segunda Guerra Mundial, os países capitalistas França, Estados Unidos e
Reino Unido, ficaram com o oeste da Alemanha e a União Soviética, socialista, com o leste.
Berlim, mesmo estando situada ao leste, território soviético e, mesmo tendo sido tomada pelos
soviéticos, esses tiveram que ceder o lado ocidental da cidade, para ser dividido entre os
outros três aliados, uma vez que ainda era a cidade mais importante do país. Assim, a partir de
8 de maio de 1945, Berlim viu-se administrada e dividida em quatro setores: o americano, o
britânico e o francês, constituindo o lado oeste, e o russo, lado leste. A dualidade de poder em
Berlim refletia a bipolaridade de poder que o mundo vivia naquele momento. A Europa
Ocidental estava sob influência dos Estados Unidos e a Europa Oriental, sob a influência da
União Soviética, formando, assim, dois blocos geopolíticos antagônicos, separados por uma
linha, denominada Cortina de Ferro. A Alemanha, justamente, ficava no centro desse conflito,
cujo período de vigência ficou conhecido como Guerra Fria.
A cidade se dividia, então, volta-se a dizer, em duas. Ao leste Berlim Oriental,
soviética e comunista; ao oeste, Berlim Ocidental, capitalista. Com o passar do tempo, as
diferenças entre esses dois setores da cidade se acentuaram, como era de se esperar pela 2
diferença entre os regimes, considerando as questões políticas e econômicas. Berlim
Ocidental era um “pedaço” do mundo capitalista dentro da Alemanha Oriental (República
Democrática Alemã) de regime socialista. Muitos cidadãos orientais passaram a migrar,
primeiramente, para Berlim Ocidental e muitos, então, se dirigiam à Alemanha Ocidental
(República Federal da Alemanha). Com isso, a RDA e Berlim Oriental perdiam seus
melhores profissionais e muitos de seus serviços ficavam prejudicados, como, por exemplo,
atendimentos nas áreas da saúde e da educação. Em outras situações, igualmente
problemáticas, alguns berlinenses permaneciam com suas residências em Berlim Oriental,
mas iam trabalhar em Berlim Ocidental. Assim, ficavam com o “melhor dos dois mundos”, ou
seja, com os salários mais elevados obtidos no mundo capitalista e o menor custo de vida
proporcionado pelo mundo socialista. A situação de Berlim Ocidental estava ficando
insustentável devido ao êxodo de sua população.
Diante da ineficácia de várias tentativas para solucionar o problema de Berlim, uma
reunião com os países do pacto de Varsóvia foi convocada às pressas e, nos primeiros dias de
agosto de 1961, o líder soviético Khruschev, então, apoia o projeto da RDA de construir um
muro para separar Berlim Ocidental da Oriental e do restante da Alemanha Oriental.
‘O muro era coisa odiosa’, reconheceu Kruschev, mas ‘o que poderia eu fazer? Mais
de 30 mil pessoas, para falar a verdade as melhores e mais qualificadas da RDA,
tinham deixado o país em julho. [...]. A economia da Alemanha Oriental entraria em
colapso se não fizéssemos alguma coisa para evitar a fuga em massa. [...]. De modo
que o muro era a única opção que restava.’ (GADDIS, 2006, p. 110).

O principal objetivo do muro era mesmo impedir a migração de cidadãos de Berlim


Oriental para o outro setor. Além disso, o governo da RDA também queria evitar o contato
dos cidadãos de Berlim Oriental e, consequentemente, de toda RDA com o mundo capitalista.
Em 13 de agosto de 1961, iniciou-se sua construção. Berlim Ocidental foi cercada por paredes
de concreto, o muro tinha aproximadamente 160 km. Quando se fala na divisão de uma
cidade, pode-se presumir que, incluído nesse processo, está a separação de famílias, amigos,
amores, enfim, pessoas são afastadas. No caso dos berlineses, muitos lutaram por uma
reaproximação, em alguns casos, houve reencontros que ocorreram somente após a queda do
Muro, em 9 de novembro de 1989. Outros tantos morreram ao tentar atravessá-lo.
A história do chamado Muro de Berlim foi amplamente registrada em imagens. Crê-se,
que esse fato se deve principalmente ao seu caráter extraordinário, sua brutalidade e também
pela curiosidade que despertava. Atualmente resta apenas um trecho de 1.3km que figura
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como museu, chamado East Side Gallery. Desta forma, tais imagens assumem hoje a função
de testemunhas deste fato histórico e são sua memória materializada, ou seja, documentos
pelos quais este se desvenda.
As fotografias que são fontes de análise deste estudo, às quais já se referiu, cumprem
este papel. Pode-se dizer que duplamente, pois retratam o Muro e os grafites nele feitos,
constituindo-se em uma simples, mas interessante sobreposição de imagens. Primeiramente,
estes arquivos são vistos como elementos fotográficos e, posteriormente, será considerada a
sua ambivalência de trazer em si outra arte: a do grafite. Será feita a análise iconográfica e
iconológica das imagens, correspondendo iconografia à descrição das mesmas e iconologia
como a interpretação, o “além do aparente”, como lembrado por Boris Kossoy (2001).
Monteiro (2006) escreve que as imagens são ambíguas e passíveis de muitas interpretações e
que, por este motivo, é necessário um aprendizado desse código e uma cuidadosa discussão
teórico-metodológica que nos permita utilizá-lo na pesquisa histórica.
Se, durante épocas passadas, como coloca Kossoy (2007), a imagem, em especial a
fotografia, sempre se viu tradicionalmente relegada à condição de ‘ilustração’ dos textos e
‘apêndice’ da história, atualmente esta é, inegavelmente, uma fonte de pesquisa.
As fontes fotográficas são uma possibilidade de investigação e descoberta que
promete frutos na medida em que se tenta sistematizar suas informações, estabelecer
metodologias adequadas de pesquisa e análise para a decifração de seus conteúdos e,
por consequência, da realidade que as originou (KOSSOY, 2001, p. 32).

Partiu-se do pressuposto de que as fotografias não são imediatamente espelhos féis do


passado, são ambíguas, portadoras de significados que muitas vezes não estão explícitos.
Conforme Burke (2004), as fotografias funcionam como testemunhas oculares de um fato,
evento ou de uma materialidade que já não existe mais; são um fragmento do passado,
desconectado do real, que “como as demais fontes deve ser submetida ao devido exame
crítico que a metodologia da história impõe aos documentos” (KOSSOY, 2007, p. 46).
Monteiro (2006) salienta que a fotografia é um recorte do real. Diz que,
primeiramente, é um corte no fluxo do tempo real, o congelamento de um instante separado
da sucessão dos acontecimentos. Em segundo lugar, ela é um fragmento escolhido pelo
fotógrafo pela seleção do tema, dos sujeitos, do entorno, do enquadramento, do sentido, da
luminosidade, da forma, etc. Em terceiro lugar, transforma o tridimensional em
bidimensional, reduz a gama das cores e simula a profundidade do campo de visão. Assim, 4
considera-se cada uma das cinco fotografias, que são analisadas neste estudo, como um corte,
um fragmento, selecionado por Raimo Gareis, do que foi o Muro de Berlim grafitado,
transformado em bidimensional, em memória visual.

2. A maior tela do mundo

O livro “Berliner Mauer, Die längste Leinwand der Welt”, que quer dizer em Língua
Portuguesa: “Muro de Berlim, A maior tela do mundo”, de Raimo Gareis (1998), dedica-se à
documentar os grafites feitos no Muro de Berlim no lado ocidental. O autor, ao introduzir seu
livro, explica que os grafites foram feitos gradualmente, através de um autodinamismo que se
transformou no mais interessante trabalho artístico dos anos de 1980. Afirma que este traz
todos os atributos e características desses anos radicais, dessa revolução, em que todos os
padrões dessa época passaram por novas definições. Afirma, ainda, que tudo começou com
um assobio, de forma rude e grosseira. Subitamente, apareceram no Muro sentenças e frases
espertas e picantes, de vez em quando politicamente críticas, como se retratassem todos os
aspectos e fatos berlinenses, de uma maneira artisticamente sádica. Como um milagre, as mais
interessantes imagens apareceram no setor em que o Muro dividia o Kreuzberg, uma das
partes centrais de Berlim, desaparecendo e aparecendo em novas formas. Talvez, uma das
mais interessantes afirmações feitas pelo autor, seja a de que o Muro ganhou vida com os
grafites e perdeu cada vez mais a sua monótona aparência.
Quanto a esta arte, o grafite, que rendeu ao Muro o título de “maior tela do mundo”,
Lazzarin (2007) destaca que é uma linguagem artística contemporânea e que se insere na
dinâmica das culturas urbanas sendo, ao mesmo tempo, movimento artístico, social, e uma
forma de inscrição urbana. Suas origens remetem ao movimento de contracultura, iniciado na
década de 1960, que desde o início esteve ligado à contestação política e a movimentos de
afirmação identitária. O autor propõe que o grafite surge primeiramente na Europa, como
forma de manifestação política do movimento estudantil francês, cujas ideias teriam se
espalhado, chegando à América, onde teria sofrido influência dos movimentos hippie e punk
nas décadas de 70 e 80.
De acordo com Canclini (2006), o grafite está entre as linguagens que representam as
principais forças que atuam na cidade. Pode-se dizer que é uma forma de expressar
sentimentos, posições políticas e ideológicas. Segundo Possa (2011), ele cumpre papel social
como meio de divulgação de protesto ou de embelezamento nos diversos ambientes em que se 5
apresenta.
Com relação aos locais escolhidos para sofrer tais intervenções artísticas, Possa (2011)
enfatiza que eles passam a ser particularizados pelas obras e seus artistas, tornam-se, assim,
ponto de referência local, ao mesmo tempo estético, contendo traços históricos e sociais. Isto
porque, ainda segundo a autora, a escolha tanto do local como da temática abordada pode ou
não modificar a percepção quanto ao ambiente inicial. Nesse sentido, os grafites na "Cortina
de Ferro" particularizaram determinados locais e inclusive passaram a servir de referência. De
acordo com Ramos (2007), o Muro de Berlim é um dos espaços mais polêmicos quando se
fala em grafites na contemporaneidade, dizendo que do lado Leste, o muro totalmente branco
só mostrava cor nos incidentes de sangue; do lado Oeste, só a partir de 1985/86 - 15 anos
depois - o muro passou a mostrar cores das mais diversas manifestações, desde apelos ao seu
fim até sua sustentação. Após este período, o Muro recebeu intervenções de berlinenses e de
pessoas de diferentes lugares do mundo, de todas as classes sociais, incluindo artistas,
ativistas ou turistas, que dividiram o espaço do muro numa pacífica competição criativa.
Assim,

não só imagens e frases à moda do tradicional spray grafite fizeram a história do


muro. Muitas colagens, mosaicos e desenhos a lápis, carvão ou pastel anunciavam a
diversidade imaginativa dos autores das grafitagens. Pintando, desenhando,
escrevendo ou fotografando, as pessoas se apoderavam do muro, transformando um
espaço de segregação em espaço de comunicação e de patrimônio (RAMOS, 2007,
p. 1264).

Porém, houve certa "perseguição" aos grafiteiros. Ramos (2007) traz o exemplo de
um cidadão que traçou uma linha branca por quilômetros do muro, como numa performance
minimalista, e que foi interceptado por um guarda. O cidadão foi levado a julgamento e ficou
preso por seis meses acusado de dano ao patrimônio público.
O trabalho dessas pessoas e o colorido que os grafites trouxeram ao Muro certamente
modificaram, em certo sentido, positivamente a sua aparência. Por outro lado, a sua presença
física, bem como tudo que ele representava, ainda se fazia evidente. A expressão “terror
colorido” exprime bem essa situação. Os desenhos e frases fazem parte da resistência ao
Muro. Como se viu anteriormente, são o reflexo do sentimento dos berlinenses e dos que
visitaram Berlim. Cores fortes, algumas figuras e algumas frases agressivas, talvez, expressem
o “terror” vivido por aqueles que conviveram ou se depararam com o Muro, ao mesmo tempo
em que o colorido que o impregnam, de certo modo, tornam sua presença esteticamente mais 6
aprazível. O que se vai debater por meio das fotografias que se seguem.

Fotografia 1 – Muro de Berlim transversal

No centro, em diagonal, a fotografia 1 retrata o Muro e foi tirada de um ponto elevado.


Na parte inferior, o lado que pertencia a Berlim Ocidental grafitado. Sobre ele, no canto
direito, a sombra do que parece ser uma grande árvore, a qual obstrui uma pequena parte da
visão dos grafites. Na superior, a parede que ficava para Berlim Oriental. Entre essas duas
paredes, um corredor constantemente monitorado, vê-se a torre de vigilância destacada,
obstáculos anti-veículos e postes de iluminação. Ao fundo alguns prédios.
No canto esquerdo vê-se a seguinte inscrição: Big Skull Science, em português,
“grande crânio da ciência”. Tal inscrição pode estar se referindo, talvez, à grande ameaça à
liberdade que era materializada pelo muro, como se fosse a morte da razão, uma vez que a
divisão abrupta de uma cidade era inadmissível em pleno século XX. O outro grafite, à
direita, que se pode ver por completo, traz um desenho abstrato. As cores vibrantes dos
grafites, chamam atenção num primeiro momento, mas ao olhar a imagem com mais cuidado,
é o próprio Muro que se sobressai. Constiui-se assim, um paradoxo, de um lado a alegria do
colorido dos grafites e, de outro, a brutalidade da construção.
Gareis (1998) diz que o Muro foi chamado de “a maior tela do mundo” pelos artistas
que vieram do mundo todo para grafitá-lo. Pode-se ter uma pequena noção da extensão das 7
intervenções artísticas e como se estendiam ao longo do percurso. Para além disso, e antes que
se passe a apresentar as demais imagens, é preciso dizer que a interpretação das fotografias e
dos grafites, parte iconológica, é subjetiva, não sendo a interpretação trazida por este estudo, a
única possível. Burke (2004) afirma que as imagens são o melhor guia para entender o poder
de representações visuais nas vidas religiosa e política de culturas passadas, mas, também,
alerta para o fato de que elas são testemunhas mudas e que é difícil traduzir em palavras seu
sentimento.
Fotografia 2 – Pássaros sobre o Muro
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Na fotografia 2, o Muro parece uma tela. É uma obra de arte a céu aberto. As plantas,
que aparecem no inferior da fotografia, se misturam com o grafite, aparentando serem parte
integrante da intervenção artística. Podem nos fazer recordar da passagem do tempo, do ciclo
de vida que não se encerra, apesar da inércia do Muro.
Nota-se uma mistura de cores e várias formas abstratas, sobrepostas ou interligadas. A
cor cinza do Muro somente é vista no tubo que fica na sua extremidade superior. A
“desordem” desses desenhos parece representar a situação caótica vivida pelos berlinenses.
Sobre o Muro estão várias pombas, que o usam como poleiro. O que se encontra
retratado, na verdade, é um grande contraste, já que as pombas simbolizam liberdade e paz e o
Muro simboliza justamente a falta de ambas. Há uma discrepância entre esses dois elementos
da fotografia. Talvez, tenha sido essa a intenção de Gareis.
Se os berlinenses tivessem asas, talvez nem mesmo pousariam no Muro, mas voariam
de um lado a outro da cidade, livres, como antes da sua construção. As pombas têm o
privilégio de observar os dois lados da cidade e escolher o melhor lugar para elas. Os
berlinenses, naquele momento, se encontravam confinados, como “pássaros em gaiolas”.
Fotografia 3 – Leveza e tristeza
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A fotografia 3 retrata mais um dos grafites do Muro. Em torno do grafite, foi feita uma
espécie de moldura, nas cores amarela e vermelha, que a fotografia não conseguiu captar
totalmente. O grafite é dividido ao meio pelo que parece ser uma corda, de cor azul,
separando os elementos em dois lados. De um lado do desenho (à direita), duas pessoas estão
dançando, nuas, parecendo flutuar, ao que tudo indica trata-se de um casal. Próximo a eles,
foram feitos vários outros desenhos, os quais não se consegue identificar nitidamente. Nesse
lado, prevalecem as chamadas cores quentes, como o vermelho, o amarelo e o laranja. Do
lado oposto, vê-se também desenhadas duas pessoas, porém estão com as cabeças baixas,
parecendo estarem tristes. Uma delas diz “venha”, através de um balão com a palavra Komm,
que quer dizer exatamente isso. Ao lado delas, também foram feitos desenhos, os quais
também não apresentam uma forma nítida, possivelmente sejam estilizados. Prevalecem,
desta vez, as chamadas cores frias, como o azul e o verde, que trazem consigo um ar de
tristeza. O autor ou autores do grafite talvez desejassem expressar a própria divisão
estabelecida em Berlim.
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Fotografia 4 – Grafite expressionista

A figura pintada no Muro, que se pode ver através da fotografia 4, se assemelha à


Guernica, uma famosa obra de Pablo Picasso, que exprime o horror da Segunda Guerra
Mundial. A figura humana, pintada com contornos vermelhos, aparenta, também, estar
horrorizada. É uma figura expressionista, dotada de significados. Embora não exista na
realidade, a figura tem significação.
O peito da figura aparentemente está aberto, dele saem pequenas bolas, que parecem
ser, ao mesmo tempo, olhos. Sua cabeça está erguida e sua boca está entreaberta. É como se
não pudesse controlar as emoções e essas lhe saltassem do peito, ganhando o mundo. Como
essa figura está grafitada no Muro que dividiu toda uma cidade e deixou os ânimos exaltados,
provocando os mais diferentes sentimentos em relação a ele, passa então a ter ainda mais
significação. Podem, talvez, exprimir os sentimentos encarcerados nos berlinenses que pouco
podiam fazer na luta por sua liberdade de ir vir dentro de sua própria cidade.

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Fotografia 5 – O grande felino

Entre duas colunas gregas, vê-se um grande felino, mostrando sua língua e que possui
sete cabeças. É um monstro de garras e dentes afiados. Sua cabeça é amarela e seu corpo foi
pintado de forma que imitasse fogo. Esse grafite, que pode ser visto por meio da fotografia 5,
talvez, expresse todo o medo do Muro, já que tentar ultrapassá-lo era um grande risco de vida.
Ao fundo da imagem parece haver um vitral, pelo qual pode-se ver luzes, como
estrelas reluzentes. O chão é vermelho com sinais pretos, também parecendo representar
ardência. O próprio Muro, então, passa ser um monstro, à espera de suas vítimas. As garras do
monstro são os fios de arame, os obstáculos, os guardas armados, enfim, garras tão afiadas
como as do felino do grafite.
Considerações finais

As palavras de Ramos (2007) são importantes para este estudo. O autor diz que
mesmo com a destruição física do Muro, em 9 de novembro de 1989, permanecem as imagens
dos grafites registrados em fotografias, as quais permanecem como testemunho do que chama
de “história da vergonha ocidental”. Salienta que as imagens e frases contidas nestas
intervenções artísticas, fossem elas de apelo a liberdade limitada pelo muro, ou até mesmo de
sua sustentação, são, atualmente, parte do patrimônio artístico de alguns museus de arte e
contribuíram para transformar o Muro em um ícone da arte.
Deste modo, percebe-se através da análise das imagens fotográficas que os grafites, ao
mesmo tempo em que se consolidaram naquele espaço geográfico e histórico, como uma nova
forma de arte, também cumpriram o papel de pacífico protesto e de vazão ao sentimento de
opressão e estranheza causado pela existência do Muro. Também reafirma-se o papel
importante da fotografia enquanto registro, pois como já se viu, é por meio destas que os
grafites sobrevivem.
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As fotografias apresentadas retratam emoções. De um lado figuram a face sombria e
de outro uma avalanche de cores quentes, marcantes, talvez até "gritantes". Apresentam
contrastes de luz e sombras. Enfim, os grafites do Muro de Berlim são intervenções artísticas
em ambientes coletivos que expressaram sentimentos, carregaram também a contestação a
uma configuração política, econômica e social existente. Pode-se dizer que os grafiteiros
remodelam a cidade dando a ela um "caráter de comunicação compartilhada, de recepção de
novos significados, tensões e mudanças" (RAMOS, 2007, p. 1269). Assim, o Muro tornou-se
um espaço de opinião, contestação, de arte, enfim, tornou-se um espaço de comunicação.
Enquanto espaço de comunicação, tornou-se, também, um espaço híbrido. Neste
sentido, Canclini (2006) destaca que o grafite é um gênero constitucionalmente híbrido e
aponta que são "lugares de intersecção entre o visual e o literário, o culto e o popular,
aproximam o artesanal da produção industrial e da circulação massiva" (CANCLINI, 2006, p.
336). Para ele as intervenções artísticas fazem referência ao modo de vida e pensamento de
um grupo que não dispõe de circuitos comerciais ou políticos para se expressar. O Muro, lado
ocidental, constituiu-se na maior tela do mundo, conclui-se aqui, justamente porque além de
ser suporte era, em muitos casos, a própria inspiração para aqueles que o coloriam.
O título de uma das mais famosas obras do historiador Peter Burke "Testemunha
ocular: história e imagem" evidencia que podem as imagens comunicar o passado. Por isso e
porque vivemos numa “civilização da imagem”, como afirma Boris Kossoy (2001, p. 134), é
que acredita-se na importância deste estudo que tem fotografias e imagens como fonte. Ainda
sobre isto, Paiva afirma que “nunca estivemos tão dependentes da imagem como linguagem e
ferramenta imprescindível de comunicação entre as pessoas” (2004, p. 102). Assim, para o
professor e pesquisador da História, é indispensável vincular a produção historiográfica a essa
característica da sociedade na atualidade.

Referências

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Xavier dos Santos. Bauru: EDUSC, 2004.

CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.
4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

GADDIS, Jonh Lewis. História da Guerra Fria. Traduzido por Gleuber Vieira. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2006. Tradução de The Cold War. 13
GAREIS. Raimo. Berliner Mauer – Die längste Leinwand der Welt. Printed in Germany:
Krone, 1998.

GRUBER, Lilli, BORELLA, Paolo. O Muro de Berlim: Alemanha Pátria Unida.


Traduzido por Píer Luigi Cabra. São Paulo: Maltese, 1990. Tradução de Quei Giorni a
Berlino.

KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 2ª ed. revista. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

______. Os Tempos da Fotografia, O Efêmero e o Perpétuo. Cotia, São Paulo: Ateliê


Editorial. 2007.

LAZZARIN, Luís Fernando. Grafite e o Ensino da Arte. Revista Educação & Realidade.
Porto Alegre: UFRGS. jan/jun 2007. p. 59-74.

MONTEIRO, Charles. História, fotografia e cidade: reflexões teórico metodológicas sobre


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PAIVA, Eduardo França. História e Imagens. 2ªed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

POSSA, Andréa Christine. O grafite e as sua trajetória da rua para a instituição cultural.
Dissertação de mestrado. Novo Hamburgo: FEEVALE, 2011. 126 p.
RAMOS, Celia Maria Antonacci. Grafite & pichação: por uma nova epistemologia da
cidade e da arte. 16º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes
Plásticas (anpap). Florianópolis, 2007.

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