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ARQUIVO OsgrafitesdoMurodeBerlimemimagensfotograficas ANPUH
ARQUIVO OsgrafitesdoMurodeBerlimemimagensfotograficas ANPUH
1. Introdução
O livro “Berliner Mauer, Die längste Leinwand der Welt”, que quer dizer em Língua
Portuguesa: “Muro de Berlim, A maior tela do mundo”, de Raimo Gareis (1998), dedica-se à
documentar os grafites feitos no Muro de Berlim no lado ocidental. O autor, ao introduzir seu
livro, explica que os grafites foram feitos gradualmente, através de um autodinamismo que se
transformou no mais interessante trabalho artístico dos anos de 1980. Afirma que este traz
todos os atributos e características desses anos radicais, dessa revolução, em que todos os
padrões dessa época passaram por novas definições. Afirma, ainda, que tudo começou com
um assobio, de forma rude e grosseira. Subitamente, apareceram no Muro sentenças e frases
espertas e picantes, de vez em quando politicamente críticas, como se retratassem todos os
aspectos e fatos berlinenses, de uma maneira artisticamente sádica. Como um milagre, as mais
interessantes imagens apareceram no setor em que o Muro dividia o Kreuzberg, uma das
partes centrais de Berlim, desaparecendo e aparecendo em novas formas. Talvez, uma das
mais interessantes afirmações feitas pelo autor, seja a de que o Muro ganhou vida com os
grafites e perdeu cada vez mais a sua monótona aparência.
Quanto a esta arte, o grafite, que rendeu ao Muro o título de “maior tela do mundo”,
Lazzarin (2007) destaca que é uma linguagem artística contemporânea e que se insere na
dinâmica das culturas urbanas sendo, ao mesmo tempo, movimento artístico, social, e uma
forma de inscrição urbana. Suas origens remetem ao movimento de contracultura, iniciado na
década de 1960, que desde o início esteve ligado à contestação política e a movimentos de
afirmação identitária. O autor propõe que o grafite surge primeiramente na Europa, como
forma de manifestação política do movimento estudantil francês, cujas ideias teriam se
espalhado, chegando à América, onde teria sofrido influência dos movimentos hippie e punk
nas décadas de 70 e 80.
De acordo com Canclini (2006), o grafite está entre as linguagens que representam as
principais forças que atuam na cidade. Pode-se dizer que é uma forma de expressar
sentimentos, posições políticas e ideológicas. Segundo Possa (2011), ele cumpre papel social
como meio de divulgação de protesto ou de embelezamento nos diversos ambientes em que se 5
apresenta.
Com relação aos locais escolhidos para sofrer tais intervenções artísticas, Possa (2011)
enfatiza que eles passam a ser particularizados pelas obras e seus artistas, tornam-se, assim,
ponto de referência local, ao mesmo tempo estético, contendo traços históricos e sociais. Isto
porque, ainda segundo a autora, a escolha tanto do local como da temática abordada pode ou
não modificar a percepção quanto ao ambiente inicial. Nesse sentido, os grafites na "Cortina
de Ferro" particularizaram determinados locais e inclusive passaram a servir de referência. De
acordo com Ramos (2007), o Muro de Berlim é um dos espaços mais polêmicos quando se
fala em grafites na contemporaneidade, dizendo que do lado Leste, o muro totalmente branco
só mostrava cor nos incidentes de sangue; do lado Oeste, só a partir de 1985/86 - 15 anos
depois - o muro passou a mostrar cores das mais diversas manifestações, desde apelos ao seu
fim até sua sustentação. Após este período, o Muro recebeu intervenções de berlinenses e de
pessoas de diferentes lugares do mundo, de todas as classes sociais, incluindo artistas,
ativistas ou turistas, que dividiram o espaço do muro numa pacífica competição criativa.
Assim,
Porém, houve certa "perseguição" aos grafiteiros. Ramos (2007) traz o exemplo de
um cidadão que traçou uma linha branca por quilômetros do muro, como numa performance
minimalista, e que foi interceptado por um guarda. O cidadão foi levado a julgamento e ficou
preso por seis meses acusado de dano ao patrimônio público.
O trabalho dessas pessoas e o colorido que os grafites trouxeram ao Muro certamente
modificaram, em certo sentido, positivamente a sua aparência. Por outro lado, a sua presença
física, bem como tudo que ele representava, ainda se fazia evidente. A expressão “terror
colorido” exprime bem essa situação. Os desenhos e frases fazem parte da resistência ao
Muro. Como se viu anteriormente, são o reflexo do sentimento dos berlinenses e dos que
visitaram Berlim. Cores fortes, algumas figuras e algumas frases agressivas, talvez, expressem
o “terror” vivido por aqueles que conviveram ou se depararam com o Muro, ao mesmo tempo
em que o colorido que o impregnam, de certo modo, tornam sua presença esteticamente mais 6
aprazível. O que se vai debater por meio das fotografias que se seguem.
Na fotografia 2, o Muro parece uma tela. É uma obra de arte a céu aberto. As plantas,
que aparecem no inferior da fotografia, se misturam com o grafite, aparentando serem parte
integrante da intervenção artística. Podem nos fazer recordar da passagem do tempo, do ciclo
de vida que não se encerra, apesar da inércia do Muro.
Nota-se uma mistura de cores e várias formas abstratas, sobrepostas ou interligadas. A
cor cinza do Muro somente é vista no tubo que fica na sua extremidade superior. A
“desordem” desses desenhos parece representar a situação caótica vivida pelos berlinenses.
Sobre o Muro estão várias pombas, que o usam como poleiro. O que se encontra
retratado, na verdade, é um grande contraste, já que as pombas simbolizam liberdade e paz e o
Muro simboliza justamente a falta de ambas. Há uma discrepância entre esses dois elementos
da fotografia. Talvez, tenha sido essa a intenção de Gareis.
Se os berlinenses tivessem asas, talvez nem mesmo pousariam no Muro, mas voariam
de um lado a outro da cidade, livres, como antes da sua construção. As pombas têm o
privilégio de observar os dois lados da cidade e escolher o melhor lugar para elas. Os
berlinenses, naquele momento, se encontravam confinados, como “pássaros em gaiolas”.
Fotografia 3 – Leveza e tristeza
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A fotografia 3 retrata mais um dos grafites do Muro. Em torno do grafite, foi feita uma
espécie de moldura, nas cores amarela e vermelha, que a fotografia não conseguiu captar
totalmente. O grafite é dividido ao meio pelo que parece ser uma corda, de cor azul,
separando os elementos em dois lados. De um lado do desenho (à direita), duas pessoas estão
dançando, nuas, parecendo flutuar, ao que tudo indica trata-se de um casal. Próximo a eles,
foram feitos vários outros desenhos, os quais não se consegue identificar nitidamente. Nesse
lado, prevalecem as chamadas cores quentes, como o vermelho, o amarelo e o laranja. Do
lado oposto, vê-se também desenhadas duas pessoas, porém estão com as cabeças baixas,
parecendo estarem tristes. Uma delas diz “venha”, através de um balão com a palavra Komm,
que quer dizer exatamente isso. Ao lado delas, também foram feitos desenhos, os quais
também não apresentam uma forma nítida, possivelmente sejam estilizados. Prevalecem,
desta vez, as chamadas cores frias, como o azul e o verde, que trazem consigo um ar de
tristeza. O autor ou autores do grafite talvez desejassem expressar a própria divisão
estabelecida em Berlim.
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Entre duas colunas gregas, vê-se um grande felino, mostrando sua língua e que possui
sete cabeças. É um monstro de garras e dentes afiados. Sua cabeça é amarela e seu corpo foi
pintado de forma que imitasse fogo. Esse grafite, que pode ser visto por meio da fotografia 5,
talvez, expresse todo o medo do Muro, já que tentar ultrapassá-lo era um grande risco de vida.
Ao fundo da imagem parece haver um vitral, pelo qual pode-se ver luzes, como
estrelas reluzentes. O chão é vermelho com sinais pretos, também parecendo representar
ardência. O próprio Muro, então, passa ser um monstro, à espera de suas vítimas. As garras do
monstro são os fios de arame, os obstáculos, os guardas armados, enfim, garras tão afiadas
como as do felino do grafite.
Considerações finais
As palavras de Ramos (2007) são importantes para este estudo. O autor diz que
mesmo com a destruição física do Muro, em 9 de novembro de 1989, permanecem as imagens
dos grafites registrados em fotografias, as quais permanecem como testemunho do que chama
de “história da vergonha ocidental”. Salienta que as imagens e frases contidas nestas
intervenções artísticas, fossem elas de apelo a liberdade limitada pelo muro, ou até mesmo de
sua sustentação, são, atualmente, parte do patrimônio artístico de alguns museus de arte e
contribuíram para transformar o Muro em um ícone da arte.
Deste modo, percebe-se através da análise das imagens fotográficas que os grafites, ao
mesmo tempo em que se consolidaram naquele espaço geográfico e histórico, como uma nova
forma de arte, também cumpriram o papel de pacífico protesto e de vazão ao sentimento de
opressão e estranheza causado pela existência do Muro. Também reafirma-se o papel
importante da fotografia enquanto registro, pois como já se viu, é por meio destas que os
grafites sobrevivem.
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As fotografias apresentadas retratam emoções. De um lado figuram a face sombria e
de outro uma avalanche de cores quentes, marcantes, talvez até "gritantes". Apresentam
contrastes de luz e sombras. Enfim, os grafites do Muro de Berlim são intervenções artísticas
em ambientes coletivos que expressaram sentimentos, carregaram também a contestação a
uma configuração política, econômica e social existente. Pode-se dizer que os grafiteiros
remodelam a cidade dando a ela um "caráter de comunicação compartilhada, de recepção de
novos significados, tensões e mudanças" (RAMOS, 2007, p. 1269). Assim, o Muro tornou-se
um espaço de opinião, contestação, de arte, enfim, tornou-se um espaço de comunicação.
Enquanto espaço de comunicação, tornou-se, também, um espaço híbrido. Neste
sentido, Canclini (2006) destaca que o grafite é um gênero constitucionalmente híbrido e
aponta que são "lugares de intersecção entre o visual e o literário, o culto e o popular,
aproximam o artesanal da produção industrial e da circulação massiva" (CANCLINI, 2006, p.
336). Para ele as intervenções artísticas fazem referência ao modo de vida e pensamento de
um grupo que não dispõe de circuitos comerciais ou políticos para se expressar. O Muro, lado
ocidental, constituiu-se na maior tela do mundo, conclui-se aqui, justamente porque além de
ser suporte era, em muitos casos, a própria inspiração para aqueles que o coloriam.
O título de uma das mais famosas obras do historiador Peter Burke "Testemunha
ocular: história e imagem" evidencia que podem as imagens comunicar o passado. Por isso e
porque vivemos numa “civilização da imagem”, como afirma Boris Kossoy (2001, p. 134), é
que acredita-se na importância deste estudo que tem fotografias e imagens como fonte. Ainda
sobre isto, Paiva afirma que “nunca estivemos tão dependentes da imagem como linguagem e
ferramenta imprescindível de comunicação entre as pessoas” (2004, p. 102). Assim, para o
professor e pesquisador da História, é indispensável vincular a produção historiográfica a essa
característica da sociedade na atualidade.
Referências
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.
4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
GADDIS, Jonh Lewis. História da Guerra Fria. Traduzido por Gleuber Vieira. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2006. Tradução de The Cold War. 13
GAREIS. Raimo. Berliner Mauer – Die längste Leinwand der Welt. Printed in Germany:
Krone, 1998.
KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 2ª ed. revista. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
LAZZARIN, Luís Fernando. Grafite e o Ensino da Arte. Revista Educação & Realidade.
Porto Alegre: UFRGS. jan/jun 2007. p. 59-74.
PAIVA, Eduardo França. História e Imagens. 2ªed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
POSSA, Andréa Christine. O grafite e as sua trajetória da rua para a instituição cultural.
Dissertação de mestrado. Novo Hamburgo: FEEVALE, 2011. 126 p.
RAMOS, Celia Maria Antonacci. Grafite & pichação: por uma nova epistemologia da
cidade e da arte. 16º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes
Plásticas (anpap). Florianópolis, 2007.
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