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PESSOA 1 - Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!


Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
O ano é 1820, o Brasil ainda pertence a Portugal, o rei é D. João VI. No interior do Brasil, bem
no interior, entre a caatinga e o sertão, o Senhor José Honório pintava sobre o cume de sua
porta o ano de construção da sua casa.

PESSOA 2 – Sem maquinário nem marceneiro especializado, os negros escravos lixavam a


madeira, desenhavam seus detalhes, carregavam as pedras da calçada nas costas e o estalar
dos açoites chegavam a distância.

PESSOA 3 - Lá na úmida senzala,


Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão...
Antes mesmo que o Senhor Bernardo Dias se escondesse nos mantos de nossa senhora do
livramento, José Honório já tinha casa, ouro e senzala, negras e sinhás nos corredores, capitão
do mato, chicote e açoite.

PESSOA 1 – o ano é 1822, A imperatriz dona Leopoldina assina a carta de independência, O


brasil deixa de ser de Portugal, D. Pedro I, dos braços da marquesa de Santos até as margens
do rio Ipiranga, grita Independência ou Morte! Na casa de Seu ZÉ honorio tem é quarto de
castigo, muro com coxo pra negro comer feito bicho, e escravo fujão.

PESSOA 2 - De um lado, uma negra escrava


Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez pra não o escutar!
Zé Honório castigou a escrava, a açoitou no quarto de castigo, ela fugiu pelo corredor, foi
morta na porta da sala, enquanto a sinhá costurava.

PESSOA 3 – São 200 anos de história, em uma casa no pé da estrada, que vc passa quase
sempre, e pouca coisa você vê, na estrada do mandacaru a casa de seu José Honório resiste,
cheia de morcegos, rachaduras, e a mercê dos vândalos que riscaram todas as suas paredes.
Uma história de dor, mas a história de luta de um povo guerreiro que atravessou o mar em um
navio negreiro e aqui tão distante veio morrer.

PESSOA 1 - Aquelas terras tão grandes,


Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar ...

"Lá todos vivem felizes,


Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro".
PESSOA 2 -
Será que preto é xingamento pra você me chamar de moreno?
Mesmo depois de abolida a escravidão, Negra é a mão
De quem faz a limpeza

PESSOA 3 - Lavando a roupa encardida, esfregando o chão


Negra é a mão
É a mão da pureza

PESSOA 1 - Negra é a vida consumida ao pé do fogão


Negra é a mão
Nos preparando a mesa

PESSOA 2 - Limpando as manchas do mundo com água e sabão


Negra é a mão
De imaculada nobreza

PESSOA 3 – Não amorene a minha história, respeita o meu povo, respeita minha carne,
restaure minhas casas, não apague o que eu fiz.

PESSOA 1 - O escravo calou a fala,


Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Pra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!
Quem são esses desgraçados?

PESSOA 2 – São os filhos do deserto,


Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...

PESSOA 3 - São os guerreiros ousados


Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem ar, sem luz, sem razão. . .

Essa rápida encenação é parte do trabalho Filhos do Deserto: Um resgate histórico, viemos
aqui hoje apresentar a toda comunidade o livro Filhos do Deserto, contando as histórias de
três casas de escravos do nosso município dentre elas a casa de Seu José Honório da estrada
do mandacaru. Esse trabalho foi premiado no desafio criativos da escola 2019 e estará
representando o Brasil na conferencia Eu Posso na Italia na próxima semana. Está disponível
gratuitamente para a leitura de todos os moradores de Rio do Antônio no site do projeto ou
na biblioteca do Centro de Educação Florindo Silveira. Venha conhecer um pouco mais dessa
história, nós precisamos nos mover para que essas casas não caiam e para que as memórias
de seus moradores jamais sejam apagadas. Obrigada!

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