Você está na página 1de 7

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 350.593 - SP (2016/0057058-9)


RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
IMPETRANTE : DIOGO DE PAULA PAPEL E OUTRO
ADVOGADO : DIOGO DE PAULA PAPEL E OUTRO(S) - SP345748
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
PACIENTE : JOSIANE APARECIDA ALVES (PRESO)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:

JOSIANE APARECIDA ALVES, paciente neste habeas


corpus, estaria sofrendo coação ilegal em decorrência de acórdão proferido
pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento à
Apelação Criminal n. 0001209-20.2010.8.26.0142.

Consta dos autos que a paciente foi condenada à pena de 8 anos


de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa, pela prática dos crimes
previstos nos arts. 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei n. 11.343/2006. Os
autos dão conta da apreensão de 12,0 g de crack.

Os impetrantes sustentam a ocorrência de constrangimento


ilegal, ao argumento de que não há como subsistir a condenação quanto ao
delito de associação para o tráfico de drogas, porque não ficou comprovada a
estabilidade e a permanência do grupo criminoso. Ponderam que "a reunião
esporádica para a prática de tráfico de drogas não configura, por si só, o delito
de associação para o mesmo fim" (fl. 7).

Requerem, liminarmente e no mérito, seja a paciente absolvida


em relação ao delito de associação para o narcotráfico.

A liminar foi indeferida e, diante da suficiente instrução dos


autos, foi dispensada a solicitação de informações à autoridade apontada como
coatora.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não


conhecimento do habeas corpus.

Documento: 73431138 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 7


Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 350.593 - SP (2016/0057058-9)
EMENTA

HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE


DROGAS. ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA
MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N.
11.343/2006. CONSECTÁRIOS. REGIME MAIS BRANDO E
SUBSTITUIÇÃO. CORRÉU. SITUAÇÃO
FÁTICO-PROCESSUAL IDÊNTICA. ORDEM CONCEDIDA,
COM EXTENSÃO AO CORRÉU.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal firmou o entendimento
de que, para a subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 35 da
Lei n. 11.343/2006, é necessária a demonstração concreta da
estabilidade e da permanência da associação criminosa. Isso porque,
se assim não fosse, estaria evidenciado mero concurso de agentes
para a prática do crime de tráfico de drogas.
2. As instâncias ordinárias, ao concluírem pela condenação da
paciente em relação ao crime previsto no art. 35 da Lei n.
11.343/2006, em nenhum momento fizeram referência ao vínculo
associativo estável e permanente porventura existente entra ela e o
corréu; proclamaram a condenação com base em meras conjecturas
acerca de uma societas sceleris, de maneira que se mostra inviável a
manutenção da condenação pelo tipo penal descrito no art. 35 da Lei
n. 11.343/2006.
3. Afastado o vínculo associativo entre os acusados, deve – como
consectário da absolvição em relação ao crime de associação para o
tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006) – ser concedido
habeas corpus, de ofício, para aplicar a minorante prevista no § 4º do
art. 33 da Lei n. 11.343/2006.
4. Como consequência da redução da reprimenda, deve ser
determinada a sua substituição por restritiva de direitos e efetivado o
ajuste no regime de cumprimento de pena – deve ser fixado o modo
inicial aberto, haja vista que a sanção ficou estabelecida em patamar
inferior a 4 anos, a paciente era tecnicamente primária ao tempo do
delito, a quantidade de drogas apreendidas não foi tão elevada e todas
as circunstâncias judiciais lhe foram tidas como favoráveis (tanto que
a sua pena-base ficou no mínimo legal).
5. Uma vez que o corréu se encontra em situação fático-processual
idêntica à da paciente, devem ser-lhe estendidos os efeitos deste
acórdão, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal.
Documento: 73431138 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 2 de 7
Superior Tribunal de Justiça
6. Ordem concedida para absolver a paciente em relação ao delito
previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006. Habeas corpus concedido,
de ofício, para: reconhecer a incidência da minorante prevista no § 4º
do art. 33 da Lei n. 11.343/2006; aplicá-la no patamar de 2/3 e, por
conseguinte, reduzir a reprimenda da paciente para 1 ano e 8 meses
de reclusão e pagamento de 166 dias-multa; fixar o regime aberto e
determinar a substituição da pena por duas restritivas de direitos, a
serem escolhidas pelo Juízo das Execuções Criminais. Extensão, de
ofício, ao corréu.

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

O Juiz sentenciante, ao concluir pela condenação da paciente em


relação ao crime de associação para o tráfico de drogas, salientou que, "porque
os réus JOSIANE e CRISTIANO faziam desta atividade um negócio, resta
demonstrado que existia um ajuste prévio entre eles, com estabilidade
(inclusive com divisão de tarefas, a droga era fornecida pelo acusado
CRISTIANO que, por isso, ficava com maior porção do lucro auferido, e a
acusada JOSIANE era responsável por colocar o entorpecente em circulação,
vendendo aos usuários), é que é procedente a acusação quanto à associação
criminosa" (fl. 22).

A Corte estadual, por sua vez, ao manter a condenação da


acusada pela prática do crime descrito no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, assim
fundamentou (fl. 32):

De rigor, pois, a condenação, inferindo-se dos autos a existência de


verdadeiro empreendimento criminoso, destinado ao execrável
comércio e à sua difusão, com nítida divisão de tarefas entre os
corréus Josiane e Cristiano, ele a fornecer as drogas, ela a revendê-las,
a ele sendo reservada a maior parte do lucro, a ela cabendo a menos
relevante das partes, por conta de colocar em circulação as
substâncias malsãs por ele fornecidas; em absoluto entrosados, dando
conta, a acusada, ao ensejo de seu depoimento, na fase administrativa,
dos detalhes da empreitada criminosa; no que atine ao acusado
Valdecir, não restam dúvidas de que transportava droga destinada à
mercancia ilícita.

Documento: 73431138 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 3 de 7


Superior Tribunal de Justiça

Para melhor análise da questão sub examine, transcrevo, por


oportuno, o disposto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, in verbis:

Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar,


reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33,
caput e § 1º, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700
(setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre


quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36
desta Lei.

Considerando a expressão utilizada pelo legislador, de que a


associação entre duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente
ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34, da Lei
de Drogas, a jurisprudência deste Superior Tribunal firmou o entendimento de
que, para a subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 35 da Lei n.
11.343/2006, é necessária a demonstração concreta da estabilidade e da
permanência da associação criminosa.

A propósito, confira-se o seguinte julgado: HC n. 220.231/RJ,


Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 18/4/2016.

Assim, para a caracterização do delito previsto no art. 35 da Lei


de Drogas, é necessário que o animus associativo seja efetivamente provado.
Isso porque, se assim não fosse, estaria evidenciado mero concurso de agentes
para a prática do crime de tráfico de drogas.

No caso, verifico que as instâncias ordinárias, ao concluírem


pela condenação da paciente em relação ao crime previsto no art. 35 da Lei n.
11.343/2006, em nenhum momento fizeram referência ao vínculo associativo
estável e permanente porventura existente entre ela e o corréu; proclamaram a
condenação com base em meras conjecturas acerca de uma societas sceleris,
de maneira que tenho como inviável a manutenção da condenação pelo tipo
penal descrito no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, que, conforme mencionado,
não comporta associação meramente eventual.

Aliás, veja-se que o Juiz sentenciante fez menção, tão somente,


à estabilidade do vínculo associativo, deixando, no entanto, de apontar
elementos concretos que, de fato, evidenciassem a permanência da
Documento: 73431138 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 4 de 7
Superior Tribunal de Justiça
associação.

Ainda, a Corte estadual fez alusão, basicamente, à divisão de


tarefas existente entre a paciente e o corréu Cristiano – a ele, competia fornecer
as drogas; à paciente, revendê-las (fl. 32) –, circunstância que, a toda
evidência, não pode levar à conclusão, por si só, de que os acusados estariam
associados de forma estável e permanente para o cometimento do tráfico de
drogas, motivo pelo qual considero que, na verdade, a associação entre eles
com a intenção de viabilizar o tráfico de drogas não passou de simples
coautoria do delito previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006.

Por essas razões, justamente porque constatada a associação


eventual para a prática do crime de tráfico de drogas, deve ser concedido o
habeas corpus para absolver a paciente em relação ao crime descrito no art.
35 da Lei n. 11.343/2006.

Em caso semelhante, este Superior Tribunal também decidiu


pela absolvição em relação ao delito previsto no art. 35 da Lei de Drogas:

[...]
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal firmou o entendimento de
que, para a subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 35 da Lei n.
11.343/2006, é imprescindível a demonstração concreta da
estabilidade e da permanência da associação criminosa (HC
270.837/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA
TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 30/03/2015).
2. In casu, ao condenar a paciente pelo delito do artigo 35 da Lei n.
11.343/2006, o aresto guerreado não declinou fundamentação idônea
acerca da existência de vínculo associativo estável e permanente,
restando evidenciado, apenas, prévio ajuste entre os agentes para a
venda de drogas, o que denota a prática da figura típica do delito de
tráfico de entorpecentes em coautoria.
3. Superado o óbice erigido pelo Tribunal para negar à paciente a
aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33,
§4º, da Lei 11.343/06, de rigor o restabelecimento da sentença
condenatória nesse sentido, que fez incidir a redutora na fração de 1/2,
ressaltando a variedade e quantidade de droga apreendida.
[...]
7. Habeas corpus concedido para afastar a condenação por
associação para o tráfico e, superado o óbice para aplicação do
privilégio, restabelecer a pena imposta na sentença condenatória,

Documento: 73431138 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 7


Superior Tribunal de Justiça
fixando, de ofício, o regime inicial aberto para início do desconto da
pena.
(HC n. 391.325/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura,
6ª T., DJe 25/5/2017).

Ainda, constato encontrar-se o corréu Cristiano Fernando


Guilherme Pinheiro em situação fático-processual idêntica à da paciente,
porquanto, também em relação a ele, não houve demonstração concreta da
estabilidade e da permanência da associação criminosa. Assim, deve ser
concedido habeas corpus, de ofício, em seu favor, para igualmente absolvê-lo
em relação ao crime descrito no art. 35 da Lei n. 11.343/2006.

Afastado o vínculo associativo entre os acusados, tenho que,


como consectário da absolvição em relação ao crime de associação para o
tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006), também deve ser
concedido habeas corpus, de ofício, para aplicar a minorante prevista no
§ 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Isso porque o único fundamento
utilizado pelas instâncias ordinárias para negar o redutor foram as afirmações
de "estar configurada a associação criminosa entre estes acusados" e de que "a
organização criminosa não demonstra ser a diminuição recomendada no
presente caso" (fl. 23).

Assim, não subsistindo mais tal alegação e sendo possível


verificar pelos autos, de maneira inequívoca, a primariedade dos acusados ao
tempo do delito e a existência de bons antecedentes, não vejo porque não os
beneficiar com a causa especial de diminuição de pena.

Por conseguinte, deve ser realizada a nova dosimetria da pena


do crime de tráfico de drogas. Na primeira fase, a reprimenda-base de ambos
os acusados ficou estabelecida no mínimo legal, ou seja, em 5 anos de reclusão
e pagamento de 500 dias-multa. Na segunda etapa, não há nenhuma agravante
ou atenuante. Na terceira fase, diminuo a pena em 2/3, em decorrência da
minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, motivo pelo qual
fica a reprimenda dos acusados definitiva em 1 ano e 8 meses de reclusão
e pagamento de 166 dias-multa.

Apenas ressalto que, na terceira etapa, reduzi a reprimenda no


patamar de 2/3, porque, embora haja sido apreendido crack em poder dos
agentes – substância entorpecente dotada de alto poder viciante –, a quantidade
do produto não foi excessivamente elevada (12 g, peso bruto) e porque não
constam dos autos elementos que evidenciam não ser os acusados traficantes
eventuais, mas somente provas de que se associaram, sem permanência, para
Documento: 73431138 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 7
Superior Tribunal de Justiça
o tráfico de drogas.

Da mesma forma, deve ser efetivado o ajuste no regime de


cumprimento de pena: deve ser fixado o modo inicial aberto, haja vista que a
reprimenda ficou estabelecida em patamar inferior a 4 anos, a paciente era
tecnicamente primária ao tempo do delito, a quantidade de drogas apreendidas
não foi tão elevada e todas as circunstâncias judiciais lhe foram tidas como
favoráveis (tanto que a sua pena-base ficou no mínimo legal – fl. 23).

Ademais, entendo que a favorabilidade das circunstâncias


mencionadas evidencia que a substituição da pena se mostra medida
socialmente recomendável, nos termos do art. 44, III, do Código Penal, de
maneira que deve ser concedido o habeas corpus também para determinar a
substituição da reprimenda privativa de liberdade por duas restritivas de
direitos, as quais deverão ser estabelecidas pelo Juízo das Execuções
Criminais, à luz das peculiaridades do caso concreto.

À vista do exposto, concedo a ordem para absolver a paciente


em relação ao delito previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006. Ainda, de
ofício, concedo habeas corpus para: reconhecer a incidência da minorante
prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006; aplicá-la no patamar máximo
de 2/3 e, por conseguinte, reduzir a reprimenda da paciente para 1 ano e 8
meses de reclusão e pagamento de 166 dias-multa; fixar o regime aberto e
determinar a substituição da pena por duas restritivas de direitos, a serem
escolhidas pelo Juízo das Execuções Criminais.

Também de ofício, estendo, nos termos do art. 580 do Código


de Processo Penal, os efeitos deste acórdão ao corréu Cristiano Fernando
Guilherme Pinheiro, para absolvê-lo em relação ao crime previsto no art. 35
da Lei n. 11.343/2006 e, por conseguinte, reduzir a sua reprimenda para 1 ano
e 8 meses de reclusão e pagamento de 166 dias-multa, a ser cumprida no
regime inicial aberto, com substituição da pena por duas restritivas de direitos.

Documento: 73431138 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 7 de 7

Você também pode gostar