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esfera criminal. Até porque não houve a mais mínima alteração, no ordenamento
jurídico constitucional e infraconstitucional, permanecendo incólume a exegese
sistemática, já defendida, por parte de tantos autores, que escreveram, sobre o
tema, segundo os quais refulge a nulidade dos inquéritos presididos, diretamente,
pelo Ministério Público.
Tanto assim que, mesmo após a rejeição da PEC-37, continua, em
trâmite, no STF, a ADI 3309, de relatoria do Ministro Ricardo Levandovski,
aforada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol-Brasil),
conjurando o art. 8º,4 da Lei Orgânica do Ministério Público da União e a Re-
solução 77/2004, aprovada, recentemente, pelo Conselho Superior do Ministério
Público Federal, para regulamentar os procedimentos de investigação criminal
dos procuradores da República, em todo o país.
Enfatize-se que a atuação do Ministério Público, ainda que seja, meramente,
subsidiária ou secundária, não se poderá excogitar de legitimidade ministerial,
por isso que a sua atribuição, delimitada, constitucionalmente, na fase pré-
-processual, adstringe-se, pura e tão-somente, à requisição de instauração de
inquérito policial e de diligências investigatórias à polícia judiciária.
Em hipóteses assemelhadas, o oferecimento de denúncia, com escoras,
meramente, em elementos, colhidos, em investigação ministerial, pode, eventu-
361
almente, inquinar todos os atos procedimentais de mácula irremissível, a qual,
todavia, merece temperamentos, só e somente, quando a denúncia vier esta-
deada, também, em outras peças informativas, tais como, prova documental,
ou pericial, suficientes e bastantes para consubstanciar o lastro probatório mínimo.
4
LC 75 - Art. 8o Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
I- notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada;
II- requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
III- requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização
de atividades específicas;
IV- requisitar informações e documentos a entidades privadas;
V- realizar inspeções e diligências investigatórias;
VI- ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade
do domicílio;
VII- expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;
VIII- ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;
IX- requisitar o auxílio de força policial.
§1o O membro do Ministério Público será civil e criminalmente responsável pelo uso indevido das informações e documentos
que requisitar; a ação penal, na hipótese, poderá ser proposta também pelo ofendido, subsidiariamente, na forma da lei processual
penal.
§ 2o Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência
do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.
§ 3o A falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a
responsabilidade de quem lhe der causa.
§ 4o As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário
o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal
Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática
de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério
Público a quem essa atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora e local em que puderem
ser ouvidas, se for o caso.
§ 5o As requisições do Ministério Público serão feitas fixando-se prazo razoável de até dez dias úteis para atendimento, prorrogável
mediante solicitação justificada.

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3 CONSIDERAÇÕES EM DERREDOR DA PRESIDÊNCIA DIRETA DE


INQUÉRITOS POLICIAIS PELO PARQUET, À LUZ DO ART. 129, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

O art. 129, VI, da CF, ao atribuir ao Ministério Público poderes para “expedir
notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando
informações e documentos para instruí-los”, o faz, com referência aos inquéritos
civis públicos e outros, também, de natureza administrativa, não abrangendo,
contudo, o inquérito penal, cuja presidência não incumbe ao órgão ministerial.
Realce-se, ainda, que a exegese que melhor calha ao texto legal, estam-
pado no art. 129, da Lei Maior, é aquela, em consonância com a qual não se pode
inteligir, nem com o auxílio de “lupas aplanáticas”, autorização, outorgada pelo
constituinte de 1988 ao Ministério Público, para substituir-se à polícia judiciária,
em sua função de investigar crimes.
O constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em lição prestantíssima
à espécie fulcral, pontua:
[...] Ora, se a Constituição dá ao Ministério Público o po-
362 der de requisitar a instauração de inquérito policial é porque
obviamente não lhe dá o poder de realizar a investigação
criminal que se faz por meio de tal inquérito. Se o Ministério
Público pudesse realizar tal inquérito, para que autorizá-lo a
requisitar a sua instauração?’
[...]
É falaciosa, por outro lado, a tese do Ministério Público
- constituindo forma dissimulada de burlar o texto consti-
tucional - pretender iniciar investigação através de inquérito
civil, para, ao final da apuração, dar ao conteúdo investigado
conotação penal e, com base nele, oferecer denúncia. Não
existe nada no texto constitucional que autorize o Ministério
Público a instaurar e presidir investigação criminal, ao
5
contrário das pretensões do Parquet.

Em derredor da matéria, o Supremo Tribunal Federal, nos anos mais distantes


do passado, já decidiu, ipsis verbis:
[...] Na forma da lei processual, o Ministério Público pode re-
quisitar a abertura de inquérito policial (art. 5°, II do CPP), e a
realização de diligências a serem efetuadas pela autoridade
policial (art. 13,11). Pode, também, requisitar esclarecimen-
tos e documentos complementares, ou novos elementos de
convicção, de quaisquer autoridades ou funcionários (art. 47).

5
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. A Inconstitucionalidade dos Poderes
Investigatórios do Ministério Público. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, ano 15, n. 66, p. 245,.
maio/jun. 2007.

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Compete-lhe, ainda, acompanhar atos investigatórios junto aos


órgãos policiais (Lei Complementar 40/1981, art. 15, III) e até
exercer função de polícia judiciária na ausência do delegado
de polícia (art. 15, V, da LC). Tanto, porém, não importa intervir
nos atos de inquérito e muito menos dirigi-lo, quando tem a
6
presidi-lo a autoridade policial competente [...].
[...] Não compete ao Procurador da República, na forma do
disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, assumir
a direção das investigações, substituindo-se à autoridade
policial, dado que, tirante a hipótese inscrita no inciso III do art.
129 da Constituição Federal [promover o inquérito civil e a ação
civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do
meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos], não
lhe compete assumir a direção das investigações tendentes à
7
apuração de infrações penais (CF, art. 144, §§ l° e 4°).

No particular, o professor Cezar Roberto Bitencourt destrama a vexata


quaestio, ao interpretar o art. 129, da CF:
A leitura do art. 129 da CF/88 permite constatar, de plano,
que não foi previsto o poder de investigar infrações penais,
diretamente, entre as atribuições conferidas ao Ministério 363
Público. Extrair interpretação em sentido contrário do rol
contido no dispositivo constitucional referido seria legislar
sobre matéria que o constituinte deliberadamente não o fez.
Aliás, a um órgão público não é assegurado fazer o que não
está proibido (princípio da compatibilidade), mas tão-somente
lhe é autorizado realizar o que está expressamente permitido
(princípio da legalidade); e a tanto não se pode chegar pela
via da interpretação, usando-se de argumento a fortiori, es-
pecialmente quando há previsão expressa da atribuição a
outro órgão estatal, como ocorre na hipótese, em que essa
atividade está destinada à Polícia Judiciária.
Não se poderia conceber que o legislador constituinte
assegurasse expressamente o poder de o Ministério Pú-
blico requisitar diligências investigatórias e instauração de
inquérito policial, e, inadvertidamente, deixasse de constar
o poder de investigar diretamente as infrações penais. À
evidência, trata-se de decisão consciente do constituinte,
que não desejou contemplar o Parquet com essa atribuição,
preferindo conferi-la à Polícia judiciária, minuciosamente,
como fez no art. 144 da CF/88.
Ademais, fazendo-se uma pequena retrospectiva sobre a

6
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso de Habeas Corpus 66.176-9/SC, de Relatoria do Ministro Carlos Madeira,
julgamento 26.04.1988.
7
______. Recurso Extraordinário 205.473-9/AL, a Segunda Turma, pelo voto do Ministro Carlos Velloso, julgamento
15.12.1988.

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elaboração da norma constitucional citada, constata-se que


as propostas de introdução de texto específico versando
sobre a condução de investigação criminal pelo Ministério
Público foram todas rejeitadas. Em outros termos, trata-se
de uma firme, refletida, sensata e deliberada opção da As-
sembléia Nacional Constituinte de 1988 de não atribuir
8
poderes investigatórios criminais ao Ministério Público.

Nessa cadência, o Ministro Nelson Jobim, na condição de então parlamen-


tar constituinte originário, bem testemunhou os debates travados, na Assembléia
Nacional de 1988, quando da elaboração das normas constitucionais, versando
outorga, ou não, de atribuição ao Parquet de realizar investigação criminal. A pro-
pósito do tema, sublinhou o insigne Ministro haver o poder constituinte de 1988
rejeitado as emendas 424, 945, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266 e 30.513, que preten-
diam conceder ao Ministério Público a supervisão, avocação e o acompanhamento
da investigação criminal. Destarte, enfatiza o Ministro haver sido a função de
9
Polícia Judiciária reservada, tão-somente, à Polícia Civil.
José Afonso da Silva, constitucionalista de escol e com o peso de quem
foi assessor na Constituinte, faz um retrospecto de toda a tramitação histórica
364 da matéria, sob análise, nos entremeios da Comissão de Sistematização, no,
então, Congresso Constituinte, asseverando, ipsis verbis:
Pois bem, o texto desse anteprojeto (arts. 43 a 46), apro-
vado pela subcomissão em 25.05.1987, já continha,
em essência, tudo que veio a ser contemplado na
Constituição, na qual não há uma palavra que atribua
ao Ministério Público a função investigatória direta. Lá
estava, como função privativa, “promover a ação penal
pública” e “promover inquérito para instruir ação civil
pública”, como estava também, sem exclusividade (art.
I, a e b), “o poder de requisitar atos investigatórios cri-
minais, podendo efetuar correição na Polícia Judiciária,
sem prejuízo da permanente correção judicial” (art. 45,
II, e); essa correição foi convertida, depois, em controle
externo da atividade policial. Ora, se o Ministério Público
estava interessado na investigação criminal direta, seria
de esperar que constasse desse anteprojeto algo nesse
sentido, já que o relator era um constituinte afinado com
a instituição. As únicas disposições aproximadas a isso
vieram no Anteprojeto da Comissão da Organização dos
Poderes e Sistema de Governo (junho de 1987), de que
foi relator o Constituinte Egídio Ferreira Lima. O art. 137, V,

8
BITENCOURT, Cezar Roberto. A Inconstitucionalidade dos Poderes Investigatórios do Ministério Público. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 15, n. 66, p. 244-246, maio/jun. 2007.
9
Apud VIEIRA, Luís Guilherme. O Ministério Público e a Investigação Criminal. Revista de Estudos Criminais, Porto.
Alegre: Notadez, ano 4, n. 15, p. 30, 2004.

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incluía entre as funções institucionais do Ministério Público,


além da competência para “requisitar atos investigatórios”,
também “exercer a supervisão da investigação criminal”,
assim como a faculdade de “promover ou requisitar a
autoridade competente a instauração de inquéritos ne-
cessários às ações públicas que lhe incumbem, podendo
avocá-los para suprir omissões [...] “Isso se manteve no
Projeto de Constituição (Comissão de Sistematização, ju-
lho de 1987, art. 233, § 3°). Já no Primeiro Substitutivo do
Relator Bernardo Cabral (Comissão de Sistematização,
agosto de 1987), essas normas sofreram alguma trans-
formação importante, excluindo-se a possibilidade de
“promover [...] a instauração de inquéritos necessários
às ações públicas”, bem como se eliminou a possibilidade
de “avocá-los para suprir omissões”. Ou seja, suprimiu aqui-
lo que o Ministério Público hoje ainda pretende: o poder
de investigação subsidiário. [...] . Não há uma palavra em
favor da possibilidade de o Ministério Público proceder a
investigação direta. [...] . Percorram-se os incisos em que o
art. 129 define as funções institucionais do Ministério Público
e lá não se encontrará nada que autorize os membros da
Instituição a proceder a investigação criminal diretamente. O
365
que havia sobre isso foi rejeitado, como ficou demonstrado
na construção da instituição durante o processo constituinte
e não há como restabelecer por via de interpretação o que
foi rejeitado.10

Luís Guilherme Vieira, a seu turno, chega mesmo a fazer uma breve inter-
pretação histórica, trazendo a informação de que, no Brasil, as tentativas de incluir,
dentre as atribuições ministeriais, a de realizar as investigações preparatórias
da ação penal, foram frustradas:
Em várias ocasiões tentou-se modificar esse regime, mas as
propostas foram rejeitadas. Isso foi o que aconteceu quando,
em 1935, se procurou instituir juizados de instrução, proposta
apresentada pelo então Ministro da Justiça, Vicente Ráo. O
mesmo se passou, em várias ocasiões, quando se tentou
conferir atribuições investigatórias ao Parquet; propostas
nessa linha foram rejeitadas na elaboração da Constituição
de 1988, nas discussões que deram origem à lei comple-
mentar relativa ao Ministério Público, em 1993, e também
nos debates que envolveram as propostas de emendas
constitucionais discutidas em 1995 e 1999. Especificamente
nas discussões da assembléia constituinte, o texto aprovado

10
SILVA José Afonso da. O Ministério Público pode realizar e/ou presidir investigação criminal? Revista Brasileira de
Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 12, n. 49, p. 371-373, jul./ago. 2004.

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pretendia exatamente manter as investigações criminais como


atribuição exclusiva da polícia judiciária.
Tanto é assim que se encontra hoje no Congresso Nacional
a Proposta de Emenda Constitucional n. 197, apresentada
em setembro de 2003, cujo propósito é “dar nova redação ao
inciso VIII do art. 129 da Constituição da República que dis-
põe sobre as funções institucionais do Ministério Público”, o
qual, então, passaria a ter a seguinte redação: [Cabe ao MP]
promover investigações, requisitar diligências investigatórias
e a instauração de inquérito policial, indicados os funda-
11
mentos jurídicos de suas manifestações processuais.

Nessa senda intelectiva, eis excerto de julgado, catado, alhures, no


12
figurino dos acórdãos:
[...] Inquérito penal não é juízo de instrução. Não temos esse
tipo de procedimento em nosso ordenamento jurídico. Sua
criação foi negada em dois momentos de voto no parlamen-
to. Não será por exegese que vá se outorgar ao Ministério
Público aquilo que não foi dado [...]
366
Curialíssimo, portanto, que, se fosse vontade do legislador brasileiro, ao
Ministério Público já teria sido outorgada, de forma explícita, a antedita atribuição,
seja com exclusividade, seja concorrentemente com a polícia.
13
Afinando-se pela mesmíssima clave, Guilherme de Souza Nucci diz
ser inviável que o promotor de justiça, titular da ação penal, possa assumir a
postura de órgão investigatório, substituindo a polícia judiciária e produzindo
inquéritos. Fosse assim, a Constituição Federal teria sido clara, ao estabelecer as
funções da polícia – federal e civil – para investigar e servir de órgão auxiliar do
Poder Judiciário, na atribuição de apurar a ocorrência e a autoria de crimes
e contravenções penais (art. 144). Ao Ministério Público, teria sido reservada a
titularidade da ação penal, ou seja, a exclusividade, no seu ajuizamento, salvo o
excepcional caso reservado à vítima, quando a ação penal não fosse intentada no
prazo legal (art. 5°, LIX, CF). O autor explicita, ainda, que o art. 129, inciso III, da
Constituição Federal, previu a possibilidade de o promotor elaborar inquérito civil,
jamais, inquérito policial. Entretanto, para aparelhar convenientemente o órgão
acusatório oficial do Estado, teria sido atribuído ao Ministério Público o poder
de expedir notificações, nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos (o que ocorreria no inquérito civil ou
em algum processo administrativo que apure infração funcional de membro ou
funcionário da instituição, por exemplo), a possibilidade de exercer o controle

11
VIEIRA, Luís Guilherme. O Ministério Público e a Investigação Criminal. Revista de Estudos Criminais, Porto
Alegre: Notadez, ano 4, n. 15, p. 35-36, 2004.
12
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma, Recurso Extraordinário 233.072-4/RJ, julgamento 18.05.1999.
.
13
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 3 ed. São Paulo: RT, 2004. p. 73-74.

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externo da atividade policial (o que não significaria a substituição da presidência


da investigação, conferida ao delegado de carreira), o poder de requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial (o que demonstraria não ter
atribuição para instaurar o inquérito e, sim, para requisitar a sua formação pelo
órgão competente).
Enfim, ainda na trilha de excelência do raciocínio de Guilherme de Souza
Nucci,14 ao Ministério Público caberia requisitar a instauração da investigação pela
polícia judiciária, controlar todo o desenvolvimento da persecução investigatória,
requisitar diligências e, ao final, formar sua opinião, optando por denunciar, ou
não, eventual pessoa, indigitada, como autora. Mas, rediga-se, não lhe seria,
constitucionalmente, assegurado produzir, sozinho, a investigação, denunciando
quem considerasse autor de infração penal, excluindo, integralmente, a polícia
judiciária e, consequentemente, a fiscalização salutar do juiz. O sistema proces-
sual penal teria sido elaborado para apresentar-se equilibrado e harmônico,
não devendo existir qualquer instituição superpoderosa. A permissão para o
Ministério Público produzir, de per si, investigação criminal, isolado de qualquer
fiscalização, sem a participação do indiciado, quebraria a harmônica e garantista
investigação de uma infração penal.
Noutro passo, sobreleve-se que a pretendida concentração de poderes
367
colocaria, em cheque, a possibilidade de o membro do Ministério Público lograr
manter-se imparcial, quando da oportunidade de decidir pelo oferecimento,
ou não, da denúncia. Seria demasiado ingênuo pensar que, após investigar, o
parquet viesse a considerar insubsistente para deflagrar a ação penal o fruto de
seu próprio trabalho.
Além disso, como adverte Geraldo Prado, com esplendorosa lucidez,
admitir a possibilidade de o MP promover verdadeiro vasculho indiscreto,
nos elementos indiciários, traduziria vero vilipêndio ao princípio da presunção
de não-culpabilidade, ante a dificuldade de distinguir “quando, em verdade,
o Ministério Público estará investigando, pesquisando a verdade, quando ele,
parte acusadora, estará atuando estrategicamente para sagrar-se vencedor nas
múltiplas formas contemporâneas de adjudicação da responsabilidade penal do
15
imputado”.
Vale enfatizar-se que a própria legislação infraconstitucional não cede
espaço para interpretação outra, a ponto de autorizar a presidência direta de
inquéritos policiais pelo parquet. Basta se leia a letra legalitária do art. 257, do
CPP, assim enunciado:
Art. 257. Ao Ministério Público cabe:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida
neste Código; e
II – fiscalizar a execução da lei.

14
Ibidem, p. 73-74.
15
PRADO, Geraldo. A investigação criminal e a PEC 37. Boletim IBCCrim, ano 21, n. 248, jul. 2013.

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Tanto assim que, em comentários ao predito artigo 257, dilucida, percu-


cientemente, Guilherme de Souza Nucci:
Promoção privativa da ação penal pública: a alteração
introduzida pela Lei 11.719/2008 neste artigo, subdividindo-
-o em dois incisos, aparentemente, teria sido supérflua.
Porém, há elementos interessantes a abordar. Em primeiro
lugar, deu-se uma redação consoante ao texto constitucional
(CF: 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma
da lei). Por outro lado, especificou de qual lei trata: O Código
de Processo Penal. Cabe ao Ministério Público promover a
ação penal pública na forma prevista no Código de Processo
Penal. Não tem mais aplicação qualquer preceito que com
este conflite venha de onde vier, pois a Lei 11.719/2008 é
mais recente. Pensamos, inclusive, que tal novel preceito
sedimenta mais um dado em prol da ilegitimidade inves-
tigatória criminal autônoma do Ministério Público. Afinal,
toda a estrutura do Código de Processo Penal consagra
a investigação policial, conduzida, pois, pela autoridade
368 policial, para a colheita de provas pré-constituídas, a fim de
instruir e formar a opinio delicti. Somente após, ingressa a
denúncia do Ministério Público, exercendo a sua legitimidade
16
privativa para a propositura da demanda.

De outro ângulo de análise, deve ser realçado, a fim de evitarem-se excogi-


tações laboriosas, em derredor do inciso II, do art. 257, do CPP, que a recorrente
evocação da função de custos legis pelos membros do MP, com o intuito de defen-
der a possibilidade de presidência direta de inquérito criminal, não autoriza, nem por
via reflexa ou difusa, a investigação direta, em sede criminal, sendo inconcebível
pretender-se atribuir tão hipertrofiada elasticidade à função fiscalizatória, como se
fora verdadeira cláusula aberta, no ordenamento jurídico brasileiro.
Por oportuno, traz-se à tela da discussão antigo julgamento, mas ainda
arquétipo, de 31.01.1957, do Plenário do STF, Recurso de Habeas Corpus
34.827/AL, de relatoria do então Ministro Nelson Hungria, que dispusera, verbis:
“O Código de Processo Penal não autoriza a deslocação da competência, ou
seja a substituição da autoridade policial pela Judiciária e membro do Ministério
Público, na investigação de crime”.
Não bastasse isso tudo, colhe-se, de novo, do escólio de Cezar Roberto
17
Bitencourt, em estudo prestantíssimo à hipótese, que nem, sequer, a Lei Orgâ-
nica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625, de 12.02.1993) atribui ao órgão
ministerial o poder investigativo, havendo disciplinado, só e somente, nos arts. 25,

16
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 10. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011. p. 585.
.
17
BITENCOURT, op. cit., p. 244-246.

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IV e art. 26,1, a promoção e a instauração do inquérito civil, silenciando sobre a


possibilidade de presidência direta de qualquer investigação criminal.
Nesse evolver argumentativo, ouça-se Evaristo de Moraes Filho,18 ao refutar
o argumento sempre utilizado pelo parquet, de que a atribuição de presidir, direta-
mente, inquéritos penais estaria escorada, no art. 129, da CF, e no art. 26, da Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público. Para o autor, tanto a Lei Maior, quanto a
Lei Orgânica Nacional do Ministério Público teriam cuidado de distinguir a atuação
do parquet, na esfera civil e na penal. Assim sendo e assim o é, dessume-se do
discurso dos preditos dispositivos que, no âmbito civil, cabe ao MP a instauração
de inquérito civil e de outros procedimentos administrativos. Já na seara penal,
seria facultado ao parquet, só e somente, a requisição de diligências, a abertura
e o acompanhamento do inquérito policial.
Noutro passo, adite-se, ainda, que Cezar Roberto Bitencourt timbra em
afirmar, mais uma vez:
Para sustentar os poderes investigatórios do Ministério Públi-
co, argumenta-se que no ordenamento jurídico nacional, a
Polícia Judiciária não tem a exclusividade da investigação
criminal, na medida em que outros órgãos diversos dela
podem exercer funções investigatórias. Constata-se tais 369
circunstâncias, por exemplo, em relação às CPI e aos delitos
praticados por membros da Magistratura, que são inves-
tigados pela autoridade judiciária, bem como nos delitos
atribuídos aos membros do Parquet, que são apurados
pela própria Instituição. Outros exemplos ainda se podem
agregar, como no caso das investigações realizadas pela
Receita Federal ou pelo Banco Central, que investigam irre-
gularidades administrativas ou mesmo financeiro-tributárias,
próprias de suas atribuições; quando encontram, contudo, pos-
síveis indícios da existência de crimes, encaminham referidos
expedientes ao Ministério Público. Fácil perceber, portanto,
que tais órgãos, não têm atribuições investigatório-criminais,
principalmente acompanhados de poder coercitivo, tanto
que o surgimento de indícios da existência de crimes
determina o encaminhamento de seus expedientes ao MP,
que é o titular da ação penal.
Os exemplos acima citados, por outro lado, constituem
claras exceções à regra geral, consubstanciada no art. 144
e §§ da CF/88, e no art. 4o, caput, do CPP, que é a apuração
das infrações penais pela Polícia Judiciária. As exceções a
essa regra geral dependem, obrigatoriamente, de expressa
previsão legal, o que não se verifica no caso de poderes
investigatórios criminais atribuídos ao Ministério Público, como

18
MORAES FILHO, Evaristo. O Ministério Público e o Inquérito Policial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo: RT, ano 5, n. 19, p. 105-110, jul./set.1997.

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reconhece José Afonso da Silva, in verbis: ‘Argumenta-se


que a Constituição não deferiu à Polícia Judiciária o mono-
pólio da investigação criminal. É verdade, mas as exceções
estão expressas na própria Constituição e nenhuma delas
contempla o Ministério Público’. [...]
Por fim, o fato de ser o inquérito policial facultativo e dispen-
sável para o exercício da ação penal por parte do MP não tem
extensão que permita sustentar, a partir desse enunciado,
o reconhecimento da existência de poderes investigatórios
penais atribuídos ao órgão ministerial.
Com efeito, se o Ministério Público dispuser de elementos
probatórios suficientes, poderá propor a ação penal inde-
pendente de inquérito policial (art. 39, § 5°, do CPP). Por
isso, não raro depara-se com ações penais fundadas em
procedimentos administrativos tributários e previdenciários.
No entanto, o fato de dispensar, em situações específicas,
a obrigatoriedade do inquérito policial, não significa que, em
decorrência dessa previsão, possa o Ministério Público in-
vestigar diretamente. A dispensa de inquérito, gize-se, está
condicionada a serem oferecidos com a representação,
370 ‘elementos que o habilitem a promover a ação penal’ (art.
39, § 5°, do CPP), devendo oferecer, nesse caso, a denúncia
em quinze dias. Alguns aspectos, nesse contexto, afastam
interpretação que leve a admissão da possibilidade de
o MP investigar diretamente: primeiramente, o fato de o CPP
ter surgido em época em que se desconhecia a importância
que o Ministério Público adquiriria no final do século XX; a
dispensa do inquérito somente é autorizada se, ‘com a
representação forem oferecidos elementos que o habilitem
a promover a ação penal’, significando dizer que a falta de tais
elementos não autorizam a proposição da ação penal E mais:
nesses casos, não autorizam nem mesmo que o Ministério
Público realize diretamente diligências complementares, além
de determinar que se abstenha de investigar ele próprio.19
20
Forte, em Ada Pellegrini Grinover, vale adminicular, ainda, que “a própria
Constituição, como é sabido, atribuiu o poder de investigar a outros órgãos, como
as Comissões Parlamentares de Inquérito - CPI e os tribunais. E também é sabido
que não confere expressamente essa função ao MP, sendo oportuno lembrar
que as emendas à Constituição de 1988 que pretendiam atribuir funções inves-
tigativas penais ao Parquet foram rejeitadas, deixando portanto a salvo a estrutura
constitucional acima descrita”.

19
BITENCOURT, op. cit., p. 249-250.
20
GRINOVER, Ada Pellegrini. Investigações pelo Ministério Público. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 12, n. 15, p. 4,.
dez. 2004.

Revista Populus | Salvador | n. 1 | setembro 2015

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