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Caminhos da Educação:

Realidades e Perspectivas

Contato com os autores:


mlmarangon@yahoo.com.br
Henriqueta Alves da Silva
Marcio Luis Marangon
Rudinei da Rosa

Caminhos da Educação
Realidades e Perspectivas

URI
FREDERICO WESTPHALEN
2009
© Copyright - 2009 by Henriqueta Alves da Silva; Marcio Luis
Marangon; Rudinei da Rosa

S58c Silva, Henriqueta Alves da


Caminhos da educação: realidades e perspectivas.
/ Henriqueta Alves da Silva; Márcio Luis Marangon
e Rudnei da Rosa. – Frederico Westphalen: URI,
2009.

101 p.

Incluí dados biográficos

ISBN-

1. Educação – Formação professores 2. Educação Rio Grande do Sul 3.

Política educacional 4. Educação - Sociedade I. Marangon, Márcio Luis, II.

Rosa, Rudnei III. Título

Catalogação na fonte: Maria de Fátima Obelar Fernandes. CRB


– 37(816.5)
10/1527CDU
CDD – 370

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de


19/02/1998. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida
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Impresso no Brasil - Printed in Brazil


Agradecimento

Dizer que este livro somente seria possível a partir


de um ou outro nome seria ignorar que a construção de
nossos pensamentos se faz a partir de cada experiência
vivenciada no decorrer da vida. Assim, a todos que de
uma forma ou de outra fizeram e fazem parte da
construção de nossa história, muito obrigado.
De modo especial queremos agradecer aos
professores Claudionei Vicente Cassol e Celito Luft pelas
sábias palavras que contribuíram para engrandecer nossa
obra, ao Curso de Filosofia e à URI – Campus de
Frederico Westphalen pelo apoio e presença constante
nas diversas instâncias que contribuíram incisivamente na
elaboração do presente texto.
Por fim, a todos aqueles que comungarem com
estas palavras, refletindo-as em suas práticas sociais com
ações que contribuam para a construção das perspectivas
e realidades dos “Caminhos da educação”, pois...

De nada valem as ideias sem homens para pô-las em prática


(Marx).
SUMÁRIO

Prefácio ...................................................................... 09

Claudionei Vicente Cassol

Introdução ................................................................... 16

1 A CONDIÇÃO HUMANA .......................................... 21

Rudinei da Rosa

2 EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE: O ATUAL


SENTIDO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR ....................... 41

Henriqueta Alves da Silva

3 CONSTRUINDO ALTERNATIVAS ........................... 65

Marcio Luis Marangon

Posfácio ...................................................................... 101

Celito Luft
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Arte/Capa/Diagramação: André Forte e Camila De Carli
Impressão:
PREFÁCIO

1
Claudionei Vicente Cassol

A missão da educação, do educador e da


escola, na construção da cidadania, é
semelhante do jardineiro. Não pode fazer
germinar a semente. A força e a capacidade
da germinação já estão contidas na própria
semente. No entanto, o jardineiro cria
condições para que ocorra o germinar.
Aduba o canteiro, semeia, rega e protege.
Só assim terá certeza da primavera. O ato
educativo é um ato de cuidado, de
dedicação que auxilia na formação do ser ao
permitir a potencialização das capacidades
intrínsecas deste ser. Educar é autonomizar
sujeitos para que floresçam e frutifiquem na
cidadania. O jardineiro não diz que algumas
sementes têm mais condições do que as
outras. Ele compreende a essência da
natureza onde todas apresentam condições
de florir a seu modo. Quem faz a segregação
é o especialista, o técnico, que vê os
resultados apenas porque entende tudo a
partir da potencialidade produtiva,
diferentemente do jardineiro que vê a
gratidão da vida e a beleza do cuidado. O
jardineiro não age deste modo por impulsão
sentimentalista ou por ser desprovido de
racionalidade, mas porque consciente da
essencialidade de sua ação histórica como
construtora da próxima primavera. Uma
atitude de crença na potencialidade de cada
semente em formar com as outras uma bela
estação (CASSOL, 2007).

1
Professor, URI – Campus de Frederico Westphalen- RS.
A educação enquanto compromisso social carrega
a incumbência política como condição de sua validade e
legitimidade comunitária. É na dimensão da politicidade
que se encontra a esperança e a profundidade filosófica
do fazer educativo. A complexidade que envolve a
educação remete Estado, Educador e Educadora,
Estudante e Comunidade à construção de vínculos
intersubjetivos, força indispensável na qualificação dos
processos, validação do educar enquanto ato com
implicâncias públicas, direito da cidadania e dever das
instituições. Não somente econômico, mas cultural e ético.
Colocar a educação nesses termos seria ousadia ou
utopia? Ousadia, na compreensão de um Estado que se
quer limitado e se pretende mínimo para estar ao lado do
capital desumanizado e livre das preocupações
humanizadoras e sociais, afastando-se de suas funções
mais primordiais; utopia, do ponto de vista da sedenta
população que aguarda, de braços cruzados – ainda não
educada politicamente -, o cumprimento dos direitos mais
básicos; realidade, porém, quando compreendemos a
profundidade do ato educativo, indispensável na
qualificação dos sujeitos e da comunidade.
Caminhos da Educação marca um período
conturbado no sistema de ensino do Rio Grande do Sul.
Um Estado neoliberal, comprometido com a estrutura
piramidal da sociedade, o status quo, que se assume ao
lado do capital e distante da população, resolve, a título de
corte de gastos públicos, enxugar as já ínfimas garantias
que os trabalhadores e trabalhadoras em educação
gaúchos asseguraram ao longo de anos de luta. Há
monstros que rondam a educação gaúcha, aviltando-a a
partir de seu centro: desencadeando processos de
descredibilidade da escola pública; conduzindo à
acomodação professores, professoras, pais e mães e os
próprios estudantes. Ademais há desqualificação dos
espaços pedagógicos e o descaso com a comunidade. Os
caminhos da educação gaúcha, objeto de estudo do
capítulo II do presente texto, através da investigação do
distanciamento entre a formação filosófico-pedagógica e o
compromisso social dos professores da rede estadual
gaúcha, seguem, atualmente, na contramão dos desejos e
anseios de toda comunidade, principalmente, dos
principais atores – educadores e educadoras – ao interpor
entre os professores e professoras e a missão da
educação, não flores e jardineiros preocupados com atos
de vida, mas pedras humilhação e responsabilização pelo
fracasso do Estado representativo. Um descaminho que é
evidenciado neste sentido é a discussão do Plano de
Carreira do Magistério Público Estadual por força do poder
econômico. Pairam intenções de cortes nos direitos dos
trabalhadores/as em educação gaúchos. O magistério está
sendo responsabilizado pelas concessões de isenções
fiscais a grandes empresas. O que poucos veem é a
diminuição de receitas para investimentos sociais,
obrigações do Estado. Não, mas o “plano é bom”, opinam
alguns, inclusive professores/as.
Em sendo confirmada a “bondade” – jamais isenta,
do poder –, porque a proposta está sendo escondida
daqueles e daquelas que terão que cumpri-la?
Percebemos todos por onde começaram as discussões, o
que identifica as verdadeiras intenções do “novo” plano:
entre grupos de empresário gaúchos e entidades várias
que nada, ou muito pouco, têm de identificação com o
sistema educacional gaúcho. Qual empresário, convidado
pelo governo gaúcho, para discutir o Plano de Carreira do
Magistério Público da Rede Estadual do Rio Grande do
Sul, tem filhos na Escola Pública da rede?
No momento em que este texto é pensado,
representações do magistério gaúcho, entre os quais,
vários diretores e diretoras de Escolas Públicas da rede –
professores/as igualmente tomados pela “maravilha” do
poder -, cooptados pelo governo, assistem exposições
relâmpagos da Secretaria Estadual de Educação
propagandeando um novo plano. Educadores e
Educadoras estão excluídos do processo que a eles é
pertinente, denúncia que o capítulo I, em sua filosofia,
apresenta como ocorrendo em todo o sistema de
educação brasileiro. Esparsas manifestações contrárias
ousaram levantar-se notabilizando a despolitização da
sociedade gaúcha e evidenciando que a educação é
problema dos outros. Não é de professores e professoras,
tampouco de estudantes, funcionários e funcionárias de
escola, nem da comunidade. O Estado capitalista e
neoliberal, muito bem munido de “marketeiros”, constrói
verdades e as institucionaliza. Paralelo à imposição do
Plano de Carreira, desvio da proposição dialética que
estabelece o capítulo III em sua discussão metodológica,
denúncias de corrupção no Governo gaúcho, tomam conta
dos noticiários colocam em questionamento a sua
legitimidade ética.
Caminhos da Educação chega no momento em
que as encruzilhadas se abrem para toda população
gaúcha como possibilidades educativas. Aprendizado
político a partir da realidade, mostrando a complexidade
da educação e a amplitude que a filosofia precisa para se
tornar em cada cidadão, gesto contraditório, oposição e
construção.
Nos caminhos da educação interpõem-se
inúmeras encruzilhadas e a Filosofia, como diz Castoriadis
(2002), é a proposição de uma interrogação ilimitada da
representação instituída do mundo, a ordem estabelecida
da sociedade. A reflexão acurada, profunda e radical,
manifesta no âmbito da filosofia, associada à educação e
às ciências humanas, possibilita a construção de uma
comunidade autêntica movida pelo desejo participativo, de
ela própria fazer política e, desse modo, emancipar-se
como cidadã. Esta é a essência da condição humana que
exige compromissos sociais das instituições públicas e,
dessa forma, educa e se educa em processo dialético. A
identidade coletiva que brota do aprofundamento das
relações comunitárias, relações intersubjetivas é força
indispensável para a ininterrupta construção do novo e
permanente questionamento acerca da totalidade das
coisas que envolvem o homem e a mulher e as
instituições.

Apenas a educação (paidéia) dos cidadãos


enquanto tais pode dotar o „espaço público‟
de um autêntico e verdadeiro conteúdo. Mas
essa paidéia não é, basicamente, questão de
livros ou verbas para as escolas. Ela
consiste, antes de mais nada e cima de tudo,
na tomada de consciência, pelas pessoas,
do fato de que a polis é também cada uma
delas, e de que o destino da polis depende
também do que elas pensam, fazem e
decidem; em outras palavras: a educação é
participação na vida política (DUSSEL, 2002,
p. 312).

As possibilidades todas da adoção dos múltiplos


caminhos que se põem para a educação não resulta
necessariamente na exclusão dos demais também como
viabilidades. A educação é plural e esta diversidade é
capaz de promover o necessário, benéfico e criador
espírito dialético que produz, em sua essência, o
movimento, a oposição. A natural oposição provoca o
diálogo e, a partir dele, a comunidade educa-se educando.
Dizemos com Freire (2000) que o filosofar “...se impõe não
como puro encanto mas como espanto diante do mundo,
diante das coisas, da História que precisa ser
compreendida ao ser vivida no jogo em que, ao fazê-la,
somos por ela feitos e refeitos.” (p. 102).
Não há fórmulas, demonstra o jardineiro, apenas
desejo, vontade, possibilidade e esperança e necessidade
de vida. Vida que deve ser produzida, reproduzida e
cuidada, defendida, concordamos com Enrique Dussel
(2002). É esta preocupação com a vida que movimenta
educadores e educandos ao compromisso de começar
pela pergunta do porquê dos fatos que os cercam, o
porquê da vida que levam, de seu cotidiano social, enfim,
das realidades que constituem suas vidas (ZITKOSKI,
2000). Apenas dedicação consciente, envolvimento e
radicalidade. Educação é ato radical que vai do
compromisso ético com o outro e com a comunidade, até o
compromisso ético consigo mesmo e exige que “Entre
mostrar e dizer como se deve proceder e o exemplo
concreto do próprio agir não pode haver contradição sob
pena de falsificar o que se pretende ensinar”, sugere
Jayme Paviani (1988).
A condição humana, Educação e
contemporaneidade e Construindo alternativas, os três
capítulos de Caminhos da Educação, sugerem a
necessidade do envolvimento, do compromisso de todos
os cidadãos na construção de sua educação. Uma
educação que seja capaz de manter acessa as chamas da
vida e da radicalidade que a intersubjetividade, criadora
por sua essência, exige da comunidade ao mesmo tempo
que a forma. Educar é despertar consciências de si, dos
outros e do mundo e, apossado desse conhecimento
primeiro e fundamental, trilhar os caminhos da cultura, das
instituições, da formação pessoal e social, da
profissionalização, da racionalidade, da sensibilidade e
solidariedade, com emoção, paixão e incondicionalmente
em defesa da vida.

Referencias

CASSOL, C. V. Autonomia da Escola Pública no Norte do


Rio Grande do Sul: da crise de projeto nas escolas
estaduais à intersubjetividade criadora, 2007. Disponível
em <http://www.dominiopublico.gov.br>.

CASTORIADIS, Cornelius. Os domínios do homem. 2. ed.


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. (As encruzilhadas do
labirinto II).
DUSSEL, Enrique. Ética da libertação – Na idade da
globalização e da exclusão. 2 ed. Petrópolis : Vozes, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas


pedagógicas e outros escritos. São Paulo : UNESP, 2000.

PAVIANI, Jayme. Problemas de Filosofia da Educação: o


cultural, o político, o ético na escola; o pedagógico, o
epistemológico no ensino. 4. ed. Petrópolis : Vozes, 1988.

ZITKOSKI, Jaime José. Horizontes da refundamentação


em educação popular. Frederico Westphalen : URI, 2000.
Introdução

Produzimos esta obra com sentido profundo do


inacabado, do “por-fazer”. Talvez um “livro muito nosso”,
no sentido de que expressa a relação teoria/prática que
muitos educadores vivenciam.
Normalmente, tentamos adivinhar o que se passa
nas entrelinhas, nos acostumamos a pular partes, pular
palavras, pular linhas, e assim, acabamos deixando de
dialogar com a obra. Gostaríamos, no entanto, que este
livro fosse um diálogo aberto, como se o caro leitor
estivesse sentado conosco em uma roda de chimarrão,
partilhando seus pensamentos, e conduzindo-se, junto
com o pensamento central do texto, para um horizonte
aberto, onde nada daquilo que cremos ou planejamos
existe, mas que motivados por esta utopia, começássemos
então, a reconstruir tudo.
Não queremos ser freirianos, nem deixar de o ser,
não queremos ser piagetianos, nem tampouco deixar de o
ser, não queremos ser nenhum dos autores que
conhecemos e reverenciamos, nem deixar de sê-lo.
Queremos na verdade é ser abelhas. Sim, abelhas.
Andando de pensamento em pensamento, de experiência
em experiência, coletando todos os saberes e sabores
para construir uma essência, um mel, nosso mel, doce
essência que poderá ser saboreada e partilhada,
adicionando um novo sabor ao nosso dia-a-dia de
educador, de educando, de gente, ou de abelha, pois a
abelha está sempre a voar, sabendo que além do papel de
recolher o néctar, tem também o papel de espalhar o pólen
e fazer florir os campos.
Não queremos insultar o conhecimento já
produzido, mas também, não queremos prender nossa
capacidade produtiva, reflexiva, e de interpretação de
realidade. Queremos, sim, juntar tudo isso, e daí construir
alternativas para a realidade que se apresenta, pois, na
maioria das vezes caímos no modismo de achar que
somente o que os outros produzem é que é valido, e
deixamos de construir o que é realmente viável para nossa
realidade.
A temática abordada nesta obra surgiu em função
do contato, experiências e realidades observadas e
discutidas no meio educacional e social com o objetivo de
analisar a prática educacional dentro de suas
necessidades e perspectivas no intuito de alavancar
alternativas, propostas para uma educação de qualidade e
consciência.
Preocupados com a qualidade da educação, mais
especificamente com a formação dos professores do
Ensino Médio, procuramos desenvolver uma análise da
formação, da qualidade e do atual sentido da educação
escolar da sociedade contemporânea. Estudo que se
divide em três capítulos.
No primeiro capítulo procuramos, partindo de um
princípio filosófico, apresentar uma reflexão com alguns
questionamentos acerca do sentido da vida humana,
buscando trazer presente quão complexo é ao sujeito
perguntar-se por si mesmo, pela sua finalidade enquanto
ser que existe no e com o mundo que o cerca. Em
seguida, discutirmos a realidade atual globalizada que
confunde educação com necessidades de
aperfeiçoamento técnico para o mundo do trabalho.
Destacamos o quanto convivemos atualmente com uma
lógica de mundo que não favorece o desenvolvimento
integral da pessoa humana, mas é uma lógica que está
apegada ao marasmo de superficialidades que reduzem a
vida em padrões de dignidade e sentido.
O segundo capítulo trata do sentido da educação
escolar de nosso tempo, bem como seu verdadeiro papel
na transformação da sociedade. A educação, antes
despertada na família, na sociedade, na igreja, onde os
filhos eram educados nos princípios fundamentais da vida,
posteriormente chega à escola para aperfeiçoar-se
juntamente com os sujeitos na busca integral do
conhecimento cognitivo de seres humanos e das relações
e situações. A escola enquanto espaço público,
comprometeu-se na formação do ser humano para o
compromisso social a partir do momento em que se faz
necessária como demanda.
A educação precisa desenvolver uma visão
compreensiva do universo e uma visão holística dos seres
humanos, de sua natureza essencial e dos limites de suas
capacidades, evocando valores, compartilhando o amor
pela cidadania e a participação nos acontecimentos
políticos da sociedade. É direito da sociedade o acesso à
educação de qualidade e dever do Estado ofertá-la. Para
garantir que as mudanças gerem impacto efetivo na
qualidade da educação é essencial o envolvimento da
sociedade de modo intersubjetivo, comprometido,
capacitando-se para pressionar a atuação do estado.
No terceiro capitulo desenvolve-se uma breve
análise acerca do ato de educar, na perspectiva daquilo
que a sociedade tem em termos de educação, fruto da
análise de educandos e educadores da rede pública do
Ensino Médio e Fundamental, do Ensino Privado e do
Ensino Universitário. Dessa forma acende-se - sem
pretensão de encerrar tudo, ou de concluir o assunto
impondo algo – um julgar sobre a realidade da educação,
o que esperamos dela e como podemos conseguir.
A construção de subsídios é o tema central do
terceiro capítulo: elaborar métodos e saber colocar os
quadros é uma expectativa que abordamos para que o
educador entenda que o mundo não está acabado, está
por construir ainda, e aquilo que almejamos dentro da
educação passa, necessariamente, pela busca por
alternativas construídas dentro das perspectivas e dos
desafios da educação. Essa é uma situação a se refletir.
Henriqueta Alves da Silva
Marcio Luis Marangon
Rudinei da Rosa
1 A CONDIÇÃO HUMANA

Rudinei da Rosa

O mistério da vida humana nos fascina. O ser


humano ao interpelar o próprio sentido e a finalidade do
enigmático cosmo que se estende infinitamente para além
de suas faculdades racionais e até mesmo imaginativas,
desperta em si um sentimento de silêncio, contemplação e
encantamento.
Para muitos pensadores como Nietzsche (1844–
1900) Pascal (1623-1662) Kierkegaard (1813–1855) e
Schopenhauer (1788–1860) a atitude da reflexão
aprofundada sobre o que significa realmente estar vivo
desperta também uma certa sensação de medo, pois o
que podemos afirmar concretamente sobre a finalidade da
vida humana ou sobre o porque da sua possibilidade, e até
mesmo, sobre a ausência de finalidade compreensível,
acessível ao entendimento? Por isso, é urgente a
necessidade, de ousarmos tecer filosoficamente a
pergunta pelo sentido da nossa ação no mundo, do drama
do ser em seus tormentos, mas também nas profundezas
de suas raras alegrias. Não há um sofrimento inerente ao
próprio fato de existir como enigma? No fim, como diz
Jaspers (1883–1969), tudo não naufraga? Embora
sejamos dados às possibilidades de construirmo-nos a nós
mesmos, estas possibilidades acabam se exaurindo e no
fim convivemos com a certeza do naufrágio: temos de
morrer e este é um muro contra o qual batemos, mas não
podemos modificá-lo, apenas nos resta querer entendê-lo
com maior clareza, vivendo em nós mesmos a cada
instante, vagamente inquietos e confusos.
Embora nossa vida aconteça também no campo
das infinitas possibilidades, estas só se concretizam com
as decisões que tomamos, e as decisões sempre
englobam, inclusive, a possibilidade do inesperado, onde
cada resposta se desdobra sempre em novas perguntas, e
estas, como destaca Kierkegaard, não se contentam com
as explicações que até agora foram apresentadas, mas
insistem em perguntar:

Onde estou? O mundo, o que significa isso?


O que significa esta palavra? Quem me
pregou a peça de me jogar no mundo e me
deixou ali? Quem sou eu? Como entrei no
mundo? Porque não fui consultado? (...) A
que título fiquei interessado por esta imensa
empreitada que tem o nome de realidade? E
porque eu teria de me interessar por ela?
Não é uma questão livre? E se eu sou
forçado a isto, onde está o diretor? A quem
devo dirigir minha reclamação? (...) E se for
necessário aceitar a vida tal qual é, não seria
melhor primeiro saber como ela é?
(KIERKEGAARD apud FARAGO, 2006, p.
72).

Estas perguntas tão frequentes no pensamento


filosófico de diferentes épocas. Ainda constituem uma
exclamação de surpresa diante do aterrador espetáculo de
tantas injustiças humanas que presenciamos. muitas delas
advêem do fato de encararmos o valor da existência a
partir reflexões superficiais. As questões referidas, às
vezes de modo preconceituoso, relegadas ao plano da
loucura, passam a ser ignoradas por grande parte da
sociedade aprisionada ao irrisório, útil e prático. A
dimensão do mistério, do porque nossa existência se dá
nesse tempo, nesta terra com este sorriso, esta lágrima,
com aquilo que consideramos mais nobre e necessário
para o nosso viver, vai sendo ignorada na maneira como
cada pessoa sente/compreende sua vida. Nesta
perspectiva, diz Einstein: “Se alguém não conhece esta
sensação ou não pode mais experimentar espanto ou
surpresa, já é um morto vivo e seus olhos se cegaram”
(apud ROHDEN, 2007, p.162).
Esta atitude redutiva da pessoa humana, que
compreende seu existir como necessidade de competição,
de especialização prematura sob o falacioso pretexto de
desenvolver-se produtivamente com competência na atual
sociedade do conhecimento, a desenfreada ansiedade
pelo novo a qualquer custo, a expectativa humana
aprisionada pela imagem, o ruído, a propaganda e a
necessidade de consumo estão nos levando ao absurdo
da banalidade da vida e das suas relações.
Olhando para o espetáculo humano na atualidade,
nos seus desatinos, nos perguntamos: é somente isso que
nossa capacidade racional tão exaltada é capaz de
oferecer e retribuir à inteligência da natureza que nos
possibilitou a vida no seu aspecto único irrepetível? Será
tão difícil perceber que “o homem ainda não está esgotado
para as maiores possibilidades e com que frequência já se
encontrou diante de misteriosas decisões e novos
caminhos” (NIETZSCHE, 2008, p.130).
Por isso, nos ensina Nietzsche (2005, p.13) em
Humano Demasiado Humano, ousamos dar um passo à
frente, oferecer-nos à aventura de ser um espírito livre, e
nos aproximar da vida, mesmo que lentamente, ainda que
relutantes, um tanto desconfiados, mas capazes de
novamente nos admirar, de ficar em silêncio, de sentir-nos
agradecidos em nossas andanças, de sentir como foi bom
não ter ficado sob o teto cômodo do marasmo da vida
cotidiana, como embotados inúteis. “Estava fora de si; não
há dúvida. Somente agora vê a si mesmo – e que
surpresas não encontra... E como lhe agrada jazer ao sol!
Quem como ele, compreende a felicidade do inverno, as
manchas de sol no muro?” Precisamos compreender que
a vida do homem é tarefa inaudita; talvez um estranhar-se
no mundo, embaralhar-se com a loucura do simplesmente
inexplicável, uma tentativa pelo possível, um sorriso para a
inebriante tarefa de construirmo-nos com autenticidade.
Não queremos com este texto simplesmente ostentar uma
divagação baseada em pensadores, para fins de simples
leitura. Procuramos trazer presente que estas questões
tão essenciais à reflexão de quem sonha com um mundo
melhor não podem ser esquecidas em prol da falaciosa
retórica de que a realidade atual não comporta mais tais
questões. Talvez seja por isso que a cada dia, de modo
violento, acabamos nos tornando reféns da imbecilidade
de tantos indivíduos de nossa própria espécie que
parecem regredir a níveis preocupantes de irracionalidade
a ponto de cometerem absurdos contra o valor inestimável
da vida
Nestas circunstâncias, a educação que deveria ser
o ponto mais abrangente da discussão e promoção
integral da formação humana, sofre a tentativa de ser
reduzida à tola função de fazer da pessoa humana uma
máquina disponível ao uso de empresas, do mercado em
expansão. Nesta perspectiva, falar sobre o enigma da
vida, investigações filosóficas, das perguntas primordiais e
essenciais à compreensão e elevação do sentido do existir
humano e o nosso compromisso com cuidado ao ser do
outro não gera lucro, antes pode constituir-se em ameaça
ao próprio sistema vigente, que passa a vangloriar-se dos
avanços objetivos de produção, sem perceber que, ao
mesmo tempo, há uma subjetividade esquecida nas
pessoas que compõem a sociedade. Não raramente
explode em atos de violência, no número crescente de
jovens cultuadores dos vícios e da necessidade de
consumir, de se identificar a produtos confundindo-se com
eles em preço e noção de dignidade.
1.1 Educação e Neoliberalismo

A existência humana está submetida a uma


condição a mais do que a dos outros animais: é preciso
que se pense de tempos em tempos, saber a razão do
porque existe. A educação precisa ser este processo que
eleva o sujeito humano para a análise do mundo onde se
encontra e o conduz para nele começar agir. Não somente
agir, mas compreender a ação exercida.
Ao fazermos referência à educação no contexto
atual, percebemos que esta discussão está inserida em
uma realidade de grandes transformações, tendo em vista
o atual processo de globalização. Torna-se regra
fundamental que o saber fazer com rapidez vá se
aprimorando para atingir os mais variados setores e
serviços da sociedade (SANTOS, 2004). Dentro desta
lógica, a grande responsável pela adaptação do sujeito às
novas demandas do sistema em expansão, é a educação.
Vivemos hoje tempos de mudanças significativas no
mundo do trabalho, das novas tecnologias e da
informação, por isso é necessário qualificar os sujeitos
para atenderem com competência as novas exigências do
mundo do conhecimento. A educação surge então, como
grande responsável por trabalhar junto aos estudantes o
aprimoramento das habilidades necessárias aos novos
tempos.
Nietzsche (apud Dias, 1991), analisando os rumos
da educação alemã em sua época, já alertava para o
perigo de tal mentalidade. Para ele, nesta perspectiva as
instituições de ensino procuravam apenas formar, tanto
quanto possível, homens preparados tecnicamente para
circularem livremente pelos diferentes postos de produção,
identificando-se com aquilo que chamou de “moeda
corrente”. Estes indivíduos seriam favorecidos por uma
formação geral não muito demorada, pois a rapidez é a
alma do negócio. Educados de modo a saber exatamente
o que exigir da vida, a aprender a ter um preço como
qualquer outra mercadoria, e a não possuir mais cultura do
que a necessária ao interesse geral do comércio mundial.
O resultado disso tudo é a democratização da
mediocridade e o consequente enfraquecimento da
cultura. Soma-se ainda a alienação, ou seja, a
incorporação por parte dos indivíduos de relações e
movimentos que anulam sua sensibilidade humana e
criadora, onde a iniciativa e espontaneidade desaparecem.
Decreta-se desta forma a inutilidade do gênio, ou
seja, a grande natureza contemplativa, armada para a
criação eterna, com a extensão da alma, a força da
imaginação e abundância das atividades do espírito. No
lugar do gênio passa a ocupar espaço aquele individuo
que Nietzsche (apud Dias, 1991) também chamou de
filisteu da cultura, justamente pelo fato de ser um imitador,
espectador da vida e do pensamento alheio, e não autor
de sua vida e de seus pensamentos.
Hoje, a educação é colocada como o centro das
atenções a nível internacional e centralizada na figura do
professor ator do processo, responsável pela
aprendizagem do aluno e pelo desenvolvimento das
competências necessárias a este mesmo aluno “para ser
um cidadão do século XXI”. Esta situação reflete–se na
publicação de uma vasta documentação nos últimos anos
no Brasil. Especificamente, é o caso das Resoluções
CNE/CP 01 e CNE/CP 02/2002 que discutem e alteram o
currículo e cargas horárias das licenciaturas para a
formação de professores. Nas páginas iniciais do Parecer
CNE/CP 9/2001, que fundamenta a Resolução CNE/CP
1/2002, encontramos argumentos que destacam os
passos significativos dados pelo Brasil nas décadas de
1980 e 1990 no sentido de investir na qualidade da
aprendizagem no Ensino Fundamental. No entanto,
sabemos que os organismos multilaterais ,(Banco Mundial,
CEPAL e UNESCO) que passaram a discutir e financiar
tais políticas educacionais, (das quais provêm as
Resoluções citadas) o combate ao analfabetismo e a
evasão escolar insistentemente discutida por estes
organismos, não significava propriamente ajudar na
superação das reais dificuldades do terceiro mundo, mas
preparar um ambiente capaz de comportar as
necessidades criadas dentro dos planos de um mercado
globalizado em expansão.
Para Shiroma, a partir da Conferência Mundial de
Educação Para Todos ocorrida na Tailândia em 1990, no
Brasil, neste mesmo período, passou-se a conviver com a
ideia de que o investimento na educação nos ajudaria a
“sobreviver à concorrência do mercado, manter o emprego
e dominar os códigos da modernidade” (Shiroma 2004
p.56). Esses códigos são definidos pelo documento da
CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe) de 1990, como conjunto de conhecimentos
necessários para desenvolver-se produtivamente na
sociedade moderna, onde os resultados esperados para o
mercado de trabalho e para o desempenho da cidadania
tendem a convergir. Por outro lado, as políticas
educacionais definidas pelo Banco Mundial e impostas ao
Brasil passaram a sustentar a ideia de que, investir na
educação, combater o analfabetismo e a evasão escolar,

tem um papel decisivo no crescimento


econômico (...) ajuda a reduzir a pobreza
aumentando a produtividade dos pobres (...)
e forma trabalhadores adaptáveis capazes
de adquirir novos conhecimentos sem
dificuldades, atendendo a demanda da
economia (SHIROMA, 2004, p.74).

Falar em competências neste cenário tornou-se a


principal bandeira dos discursos em defesa da educação.
Mas ao acentuar a competência como nuclear na
orientação do curso para a formação de professores,
(artigo 3 da resolução CNE/CP 01/2002) as diretrizes
passam também a atender a sua construção assegurando
a empregabilidade tanto do professor quanto
dos alunos. Daí indicar que todo conteúdo de
ensino deve estar radicado na praticidade,
no ensinar o que é imediatamente
significativo aplicável e útil para formar o
sujeito produtivo (Idem, p. 99).

A característica de educação centrada nos (des)


valores do neoliberalismo, quando aplicada e incorporada
pelos sistemas de ensino como única necessária à
formação da pessoa humana, desencadeia em seus
processos, segundo, Demo (2001) a maior indignidade
humana, ou seja, a ignorância produzida a partir dos
princípios neoliberais de organização social. Produz uma
realidade que destrói a condição de sermos sujeitos
políticos de relação e acolhida, convive-se com uma
mentalidade redutiva de que enquanto humanos somos
indivíduos competitivos por excelência. Instaura-se a
culpabilização da vítima, que não consegue “um lugar ao
sol”, pois não soube ser competitiva, em vez de perceber o
mercado como sendo excludente, onde não há lugar para
todos.
Nesta perspectiva de organização social voltada à
praticidade, utilidade e objetividade, da mesma maneira
que se descartam objetos, acaba-se descartando pessoas
que passam a fazer parte de todo um contingente de
excluídos, não aceitos como necessários. Na existência de
mecanismos que alimentem processos de exclusão, há
desrespeito com a dignidade humana. Vigorando esta
máxima não há humanização nos processos sociais, pois
em aceitar o outro consistem os princípios reveladores das
atitudes que asseguram nosso verdadeiro espírito e
condição humana.
Ao pensarmos sobre as políticas educacionais
vemo-nos neste dilema: de um lado sabemos da
importância da valorização dos processos que trabalham
nossa condição humana de sujeito coletivo,
biologicamente “chamado” a ser humano-social pelos
mecanismos de aceitação e convivência harmônica com
aqueles que se fazem presentes ao nosso lado. Por outro,
vivemos sob pressão de toda uma estrutura política, hoje
globalizada, que procura desenvolver uma mentalidade em
que o sujeito é chamado a se desenvolver em uma outra
perspectiva, qual seja, a instância competitiva, técnica e
produtiva. Esta visão de realidade vem se desenvolvendo
dentro do processo histórico que procura justificar a
“velha” mentalidade em nome do progresso. Não há como
a ela se opor, por traduzir-se na única realidade possível.
Assim a educação, é vista, pelos organismos multilaterais,
como um dos meios fundamentais para que tecnicamente
o mundo globalizado atinja seus objetivos, ou seja, a
transformação dos seres humanos em meros robôs
artificiais competidores e produtores com velocidade, e
não como ser de relações políticas, que busca a
compreensão da dimensão do mistério de suas vidas para
transforma-la e vivê-la com autenticidade.
Cada vez que falamos sobre neoliberalismo,
remontamo-nos a Shiroma, que nos apresenta o governo
Thatcher na Inglaterra (1979-1990), como exemplo prático
da política neoliberal, cujos anos de governo efetivaram a
desregulamentação, privatização, flexibilização, repressão
sindical e a criação do estado mínimo. Trata-se de uma
espécie de pragmatismo que se manifesta impondo um
certo

[...] realismo político, que desqualifica


„velhos‟ ideais e valores (socialistas ou
progressistas) dados como utopias,
incapazes de levar em conta a dura e crua
realidade da vida econômica marcada pela
concorrência, força de mercado e
desemprego estrutural (2004, p. 54).

Forma-se uma espécie de consenso sobre a


inutilidade de se opor às mudanças, ao econômico
definindo as políticas educacionais, ou seja, o senso
comum rende-se finalmente à dura e incontornável
facticidade da economia. Dissiminou-se a ideia de que
para sobreviver a esta concorrência da livre iniciativa de
mercado, para conseguir ou manter um emprego, seria
preciso dominar os códigos da modernidade, ou seja, “o
conjunto de conhecimentos e destrezas necessários para
participar da vida pública e desenvolver-se produtivamente
na sociedade moderna” (SHIROMA, 2004, p. 64).
Nesta perspectiva, vasta documentação
internacional, publicada por importantes organismos
multilaterais propagou este ideário educacional com
propostas, análises e soluções consideradas cabíveis aos
países com altos índices de analfabetismo e evasão
escolar, mas que impediam as pessoas de se inserirem
produtivamente na sociedade tecnológica, na “dura e
incontornável facticidade da economia”. Esta
documentação vem a exercer importante papel na
definição das políticas educacionais de formação de
professores para estes países.
A Conferência Mundial De educação Para Todos,
ocorrida em Jomtien na Tailândia em 1990, financiada pela
UNESCO, UNICEF, PNDU e Banco Mundial, foi um dos
grandes eventos cujas discussões/decisões favoreceram
que idéias neoliberais de educação fossem encontrando
espaço no interior dos países subdesenvolvidos, sendo
que a todos os países em diferentes estágios de
desenvolvimento foi aplicado o mesmo receituário. É a
partir desta Conferência que os nove países com o maior
índice de analfabetismo e evasão escolar do mundo,
(Brasil, Blangadesh, China, Egito, Índia, Indonésia,
México, Nigéria e Paquistão) se comprometeram a
impulsionar políticas internas priorizando uma educação
de qualidade capaz da redução dos índices de evasão
escolar e analfabetismo, bem como impulsionar
crescentemente dentro de seus territórios a promoção de
políticas de apoio à educação no âmbito econômico, social
e cultural; fazer a mobilização de recursos financeiros,
públicos, privados e voluntários para investimento na
educação, seguindo as propostas da Conferência, de que
investir na educação é um método vantajoso para se
assegurar a paz mundial, e diminuir as disparidades
econômicas entre as nações.
Procurando suprir as deficiências internas de
recursos, (SHIROMA, 2004) e para obter os resultados
exigidos pela Conferência de Jomtien, muitos desses
países abriram suas portas a investimentos estrangeiros,
ou seja, foram buscar recursos junto aos organismos
multilaterais, sobressaindo-se, o Banco Mundial, que se
tornou grande financiador de projetos educacionais para
estes países. Abraçando tais investimentos, estas
passaram a legitimar, internamente, um modelo político
pautado na dimensão neoliberal de mercado em que a
Educação passa a ser medida e conduzida segundo esta
lógica: a de preparar e qualificar indivíduos para serem
aliciados nas fileiras de produção.
Disfarçando “humanismos”, fazendo altos
investimentos, os organismos multilaterais procuram
também oportunidades de interferir na política interna dos
países do mesmo modo que buscam qualificar mão-de-
obra técnica para servir na produção e crescimento do
lucro privado de empresas multinacionais a eles ligadas.
Educando segundo os seus planos, as escolas reduzem a
perspectiva do aluno a apenas indivíduo que sabe fazer
bem e com rapidez para atuar nos postos de produção das
grandes empresas. O papel do professor na escola passa
a ser, exatamente, o de qualificar o aluno enquanto
instrumento que servirá ao mercado de trabalho, e não
como sujeito que entendendo a vida na radicalidade de
suas relações se faz criativo e histórico. Atendendo as
demandas deste cenário:

Capacitação de professores foi traduzida


como profissionalização; participação da
sociedade civil como articulação com
empresários e ONGS; descentralização
como desconcentração da responsabilidade
do estado; autonomia como liberdade de
captação de recursos; igualdade como
equidade; cidadania crítica como cidadania
produtiva; formação do cidadão como
atendimento ao cliente; a melhoria da
qualidade como adequação ao mercado e,
finalmente, o aluno foi transformado em
consumidor (SHIROMA, 2004, p. 52).

Temos hoje, na função da escola definida pelas


políticas educacionais e documentos publicados, neste
estágio de acumulação e fabricação de riquezas, a
estratégia de fabricar “ninguéns”. Ninguéns, que segundo
Alves (2002), são necessários para a manutenção da
“nova ordem internacional que aprofunda a exclusão no
trabalho, na escola e na cidadania”. Ao professor é então
delegada esta nova tarefa de treinar o aluno para o pleno
desenvolvimento da sua capacidade de produzir e trocar,
sendo reprodutor de processos que também o mecanizam
em relações e sentimentos. O sujeito passa a ser medido
pelo

Fragmento, pelo individual e específico,


como manifestação de uma relação singular
da sua capacidade de produzir e trocar. [...]
no processo de autovalorização do capital, o
sujeito aparece como algo a ser mudado,
trabalhado para adquirir a força efêmera do
ser coisificado, cuja escolha, cuja
consciência é mediatizada pelo trabalho
estranhado (MONFREDINI, 2005, p.56).

Frente a este cenário, o resultado é lógico: no


momento em que as relações de mercado se tornam
prioritárias, já não existe mais o espaço para o confronto
de idéias. Como diz Covre (2006) espaços para a
construção da cidadania que também provêm de
confrontos de idéias da ação conjunta da população, e
estão muito além da noção de um pragmatismo técnico
das relações de mercado e submissão a uma realidade
que procura manter-se extática. No dizer de Freire (1983),
trata-se de uma realidade que vai provocando também a
perda da capacidade de indignação e da raiva, de buscar
viver o sonho por um mundo menos feio, onde as
desigualdades diminuam, o sonho sem cuja realização a
democracia da qual tanto falamos, sobretudo hoje, é uma
farsa.
Outro ponto a ser destacado é que a estratégia
neoliberal no momento em que faz a redefinição da
educação, agora na lógica do mercado, a situa num
contexto em que ela vai deixando de ser vista como uma
instituição política e um espaço público de discussão para
tornar-se um bem de consumo. Das escolas exige-se que
tenham como referência a organização empresarial “que
possibilite a competição entre elas e permita que elas
atinjam uma posição privilegiada no mercado de serviços
escolares, podendo, assim, atrair alunos/clientes, enviados
por pais/consumidores” (CORSETTI apud LENSKIJ, 2000,
p. 13).

1.2 Universidade e compromisso social: uma extensão


necessária.

É diante desta estratégia neoliberal direcionada


por medidas reducionistas para o ato de educar, que
olhamos para a universidade enquanto lócus da formação
para a cidadania e compromisso social. Vemo-la como
instituição que tem o grande desafio de pautar-se pela
resistência ao tecnicismo proposto, ao ideal capitalista que
busca formar um professor competente a partir do que se
mostra imediato, útil e prático, reduzindo-se somente a
cidadão produtivo. Enquanto instituição de compromisso e
responsabilidade social, a universidade precisa estar
atenta a radicalidade que comporta a vida nas suas
relações naturais e sociais. Para isso seu dever é abrir
espaço à criatividade e invenção de novos processos bem
como a pesquisa, para que além de habilitar seus
estudantes para atuar no mercado de trabalho, forme-os
também para serem influenciadores na construção de uma
nova realidade social local. Procure, enquanto instituição,
perceber até que ponto, e em que medida, o seu trabalho,
o seu conhecimento produzido, refletido a partir de sua
política institucional, está ou não aprofundando a
disseminação e construção de mecanismos conservadores
e alimentadores dos processos de desumanização.
Ressaltamos com Demo (2001) que a postura dos
organismos multilaterais de ver o investimento na
educação como fundamental representa grande avanço,
mesmo levando-se em conta a postura neoliberal que
mantém, porque reconhecem que um dos papéis mais
substanciais da educação é suplantar a ignorância do
excluído, “já que excluído sem oportunidade é aquele que
sequer consegue saber que é coibido de saber que é
excluído. Em decorrência espera-se a solução dos outros,
como massa de manobra, deixando de constituir sujeito
capaz da história própria” (DEMO, 2001, p. 15). No entanto
sabemos que esta não é a preocupação dos organismos
financiadores de projetos educacionais. É em função desta
ignorância produzida que eles tornam as pessoas massa
de manobra, e atingem seus maiores objetivos: elevam a
produção em virtude da mão-de-obra barata e
consequentemente o aumento do lucro privado.
Se a universidade, na sua construção de
conhecimento na formação docente, não construir junto a
seus acadêmicos a formação de uma nova realidade que
transcenda estes determinismos estáticos do mercado
globalizado excludente, que perspectivas de futuro
podemos ter? Se esta realidade prevalecer, até quando
ainda será mantida a verdadeira essência humana que
perpassa, como já destacado neste texto, as relações de
acolhida e aceitação do outro que precisamos manter
numa relação de reciprocidade e não de competitividade?
Precisamos conceber a história como construção
permeada pelas limitações e capacidades humanas que a
vitaliza, cria novas alternativas ou simplesmente aceita
toda esta realidade com suas deficiências legitimadas em
um poder que quase tudo controla pela força
monopolizadora de meios e dados. O posicionamento da
universidade na formação das futuras gerações, dentre
elas a geração do professor, deve ser o posicionamento
de quem não aceita realidades que fomentam a alienação,
mas que apontem caminhos para a possibilidade de uma
nova história. Para isso é necessário e urgente fazer a
união e a rebelião das gentes contra a ameaça que nos
atinge: a negação de nós mesmos como seres humanos
submetidos à “frieza” do mercado. Antes de formar
técnicos numa resposta imediata às legislações que se
impõem em conjunto com as necessidades de mercado, a
universidade precisa ser coerente o bastante, frente à
responsabilidade que tem. Precisa perceber-se em sua
função e compromisso social como instituição que tem em
pauta a missão de humanizar processos na construção
integral da pessoa humana pelo conhecimento que
produz, e não se reduzir a instrumento favorável a
expansão da lógica mercantilista excludente. Pela
representatividade social que possui, deve formar, antes
de tudo, homens capazes de recusar os fatalismos, como
dizia Freire, de preferir a rebeldia que “nos confirma como
gente e que jamais deixou de provar que o ser humano é
maior do que os mecanismos que o minimizam” (2005,
p.115).

1.3 Indicando caminhos de reflexão: a filosofia como


um caminho a ser buscado

Procuramos refletir neste texto primeiramente a


complexidade em que nos envolvemos quando
“arriscamos” aprofundar o questionamento sobre o
fundamento e o sentido do existir humano, do ser pessoa
humana, procedendo com coragem suficiente para
procurar investigar os porquês de sua origem e até mesmo
sobre como proceder no seu relacionamento com o mundo
na tarefa de conhecer e construir-se a si próprio com
autenticidade. Não sendo apenas mero repetidor de
normas e padrões que aprisionam a criatividade e
liberdade de espírito. Percebemos também a importância
que o ato de educar adquire na formação integral do ser
humano quando possibilita que este sujeito desperte para
a investigação de si próprio e do mundo que o cerca,
(CASSOL, 2008) não somente agindo sobre a história,
mas, entendendo sua ação exercida e buscando de modo
criativo novas alternativas. No entanto percebemos que a
preocupação da atual sociedade com relação ao ato de
educar não contempla tais dimensões como prioridade.
Estamos reduzindo educação às necessidades de
mercado, aluno como cliente, professor não como mestre
que ensina para a vida, mas instrumento que molda
habilidades em inocências infantis encaminhadas para o
mundo do trabalho segundo as necessidades de cada
setor produtivo. Quando confrontamos esta fria e não
humana realidade a que estão sendo submetidas
gerações de modo sucessivo com o enigma da vida na
sua dimensão filosófica, percebemos o quanto a
humanidade, em grande parte, vive o superficial. São
milhões que nascem, crescem... será que morrem? Talvez
nem tenham chegado realmente a sentirem-se vivos. E
nós, em que dimensão da realidade queremos viver e
construir para aqueles que nos sucederão? Queremos
olhar o mundo com os olhos da vida, no seu processo
inaudito, ou deixar que o mundo limite a visão do sentido
de existir com olhos mecânicos da técnica e um coração
que pulsa pelo irrisório ao invés do sentimento de
plenitude?
Por isso, como nos dizia Eduardo Prado de
Mendonça (1996) “O mundo precisa de filosofia”. Pois o
homem na medida em que se descobre existindo vai
perguntando-se pelo sentido do mundo e da sua própria
vida, não somente perguntando, mas querendo saber os
motivos deste perguntar, é um homem que se faz
investigativo e cujas respostas o desafiam a deslocar-se
do superficial, do sensível para as profundezas do seu ser.
No dizer de Heidegger em Os pensadores (1984), temos a
filosofia como uma tarefa infinita. É ela que possibilita ao
homem este questionar, perceber o constante devir a que
está submetido e a perenidade de sua investigação que
está sempre como que, começando. A cada resposta
encontrada surge uma nova pergunta. Continuar
investigando não é somente uma questão de dever, mas
de seguimento a um propósito maior: fazer do viver uma
situação autêntica, desvelando o ininteligível, sabendo que
a cada momento precisamos nascer para nós mesmos,
nos descobrirmos lançados à existência. Neste sentido o
pensamento de Heidegger vem para nos apontar um
caminho: o caminho da filosofia que se faz no diálogo de
transformação que é possível manter com a tradição e a
necessidade de continuarmos inovando e discutindo novos
princípios filosóficos. Cabe-nos perscrutar o pensamento
tal como existe até agora para decifrar nele o que contém
de impensado, a fim de descobrir o lugar da verdade do
ser enquanto lugar onde construir e morar no futuro.

Referências

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Acessado em 07/11/06.
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Acessado em 07/11/06.

BRASIL, Ministério da Educação. Parecer CNE/CP


009/2001. Diretrizes curriculares para a formação de
professores da educação básica, em nível superior, curso
de licenciatura, de graduação plena. Disponível em:
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Acessado em 07/11/06.

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2 EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: O ATUAL
SENTIDO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Henriqueta Alves da Silva

É pensando criticamente a prática de hoje ou


de ontem que se pode melhorar a próxima
prática (Freire).

A escola pública, no decorrer do tempo, foi sendo


cerceada do seu verdadeiro papel na transformação da
sociedade. A educação, que antes era despertada na
família, na igreja, na sociedade, com seus filhos educados
nos princípios fundamentais da vida, posteriormente, com
a escola, se dirigiu ao aperfeiçoamento, buscando o
integral conhecimento cognitivo do ser humano. A escola
pública, de modo especial, comprometeu-se na formação
do ser para o compromisso social.
A partir da época moderna a educação passou a
ser formadora do homem-mercado, força de trabalho, além
de desenvolver o conhecimento que auxiliaria no processo
integral do ser humano. O homem nesse sentido deveria
saber fazer e saber pensar. À educação foi creditada uma
ideia redentora da sociedade. Com o passar do tempo a
família, a escola e os próprios governos visualizaram uma
falha nesta crença superficial, na qual o processo formador
do conhecimento era um espaço privilegiado socialmente.
A tecnologia surgiu com outros parâmetros, mais rápidos,
muitas vezes inquestionáveis, na configuração para o
aprendizado como mão-de-obra para o sistema neoliberal,
pois faculta certo tipo de saber que não contribui para o
verdadeiro conhecimento, no qual deveria ser valor
inalienável ao ser humano.
A educação vista a partir dessa perspectiva não
se limita ao processo escolar ou ao currículo tradicional,
ou ainda às metodologias das escolas. A educação, como
a aprendizagem, é um processo que dura toda uma vida e
que pode ocorrer numa infinita variedade de circunstâncias
e contextos.
A educação renascentista, por exemplo, visava à
formação do homem burguês. Os educadores
renascentistas defendiam uma educação individualizada, o
auto governo do aluno e a competição. A educação
Iluminista tornou-se obrigatória; assim, com a Revolução
Industrial, nasceu a escola pública. No decorrer do século
XIX, conteúdo e método de ensino fizeram parte do
intenso debate sobre a questão política da educação
popular e os meios para efetivá-la, e dentre eles, a melhor
organização pedagógica para a escola primária.
Em toda parte, difundiu-se a crença no poder da
escola como fator de progresso, modernização e mudança
social. A ideia de uma escola nova para a formação do
homem novo articulou-se com as exigências do
desenvolvimento industrial e o processo de urbanização. A
principal característica da educação no século XX foi a
massificação do acesso à educação básica, perda do
prestígio do professor e sucateamento das escolas.
Mas o que verdadeiramente representa o termo
educação de qualidade hoje, numa sociedade capitalista
onde a ciência e a educação servem aos interesses do
mercado? A educação de hoje em algum momento remete
a Paidéia? Paidéia não tem um significado concreto, é o
resultado do processo educativo que se prolonga por toda
a vida. Vai muito além dos anos escolares; é o ideal da
formação humana como um todo, é cultura. Desde a
história ocidental da educação na Grécia, a educação vem
mudando de sentido ao longo do tempo. Para os gregos
representava a felicidade; para os medievais, a salvação
da alma e para os modernos, a garantia de
empregabilidade e renda. O termo educação de qualidade
nos dias de hoje remete a uma concepção utilitária e
limitada de formação humana.
Considera-se “inteligente ou educada” aquela
pessoa que parece esperta, astuta, que faz o bom uso da
retórica, persuadindo as pessoas para a compra e
consequentemente com isto o lucro. Já não se considera o
ser enquanto essência, mas apenas o ter, aquilo que a
pessoa porta e que tem utilidade para si e a sociedade.
Por exemplo, se uma pessoa está bem vestida para
assistir uma peça de teatro ela é recebida sem nenhum
problema, mas se esta mesma pessoa não estiver com
vestimentas adequadas para a ocasião, ela é excluída do
evento mesmo estando com os ingressos garantidos.
Com este exemplo percebe-se que estamos numa
sociedade pobre intelectualmente, preconceituosa e fútil.
Parece tudo ser reduzido às aparências, sem o mínimo de
consideração pela essência humana. “O homem atual
parece não acreditar mais numa Razão fundadora capaz
de proporcionar-lhe uma base sólida permitindo-lhe
formular uma visão da realidade, de si mesmo, de seus
comportamentos e de seus valores” (JAPIASSU, p. 13,
1997).
A educação atual prepara para a competitividade.
O Estado, em vez de se preocupar com o bem estar da
sociedade, preocupa-se com o bem estar do mercado. O
governo, que tanto fala em educação de qualidade,
percebe-se que o grau de interferência é bem menor.
Porém, o que se vê é uma educação excludente e
desnecessária, que em vez de se preocupar com o
verdadeiro conhecimento e aperfeiçoamento dos
educandos, remete-se a provas para verificar o índice de
qualidade da educação, como por exemplo: Provinha
Brasil, SAERS, ENEM, PCNs, etc. que não contribuem
efetivamente para uma educação qualitativa.
Onde está a educação que privilegia o ser humano
a realizar e desenvolver suas potencialidades físicas,
morais e intelectuais? Como poderemos chegar a
almejada qualidade, esperada pelos educadores mais
conscientes e preocupados com uma educação que
privilegie tanto a formação humana como a vinculação ao
mundo do trabalho?
Ao nos referirmos à questão da educação como
vinculada ao mercado de trabalho não queremos excluir
essa hipótese por inteiro. A educação deve e precisa estar
vinculada ao trabalho, mas não reduzi-la especificamente,
pois precisa ser mais humanizada tendendo ao bem
coletivo da humanidade. O ensino não pode ser reduzido a
um simples processo de treinamento, um aprendizado que
se exaure precocemente.
De acordo com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases,
Artigo 1, inciso 2, lei 9394/96) “o Ensino Médio como parte
da educação, deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a
prática social”.
O desafio da educação, diante disso, é buscar um
espaço onde o conhecimento e as experiências
pedagógicas conduzam o aluno a ir além do ser objeto de
mercado e consumo, para ser sujeito histórico, múltiplo e
criativo.
Não há uma única forma de ensinar. Ninguém
escapa da educação, em casa, na rua ou na escola. Todos
estão sempre aprendendo. A escola não é o único lugar no
qual a educação acontece e talvez nem seja o melhor. O
ensino escolar, não é a única prática educacional e o
professor não é o único praticante.
A educação existe no imaginário das pessoas e na
ideologia dos grupos sociais e ali, sempre se espera, de
dentro, ou sempre se diz fora, que sua missão é
transformar sujeitos e mundos em que se tem de uns e
outros. Na prática, a mesma educação que ensina pode
imbecilizar e pode correr o risco de fazer o contrário do
que se pensa, ou do que inventa que pode fazer. Segundo
Werner Jaeger,
A natureza dos homens, na sua dupla
estrutura corpórea, cria condições especiais
para a manutenção e transmissão porém sua
forma particular exige organizações físicas e
espirituais, ao conjunto das quais damos o
nome de educação [...]. É nela, porém, que
essa força atinge o seu mais alto grau de
intensidade, através do esforço consciente
do conhecimento e da vontade dirigido para
a consecução de um fim (BRANDÃO, 1981,
p.14).

Mas o que é educação? É o mesmo que


escolaridade? É o completar um determinado curso
acadêmico? É um conjunto de comportamentos e atitudes
socialmente aceitáveis? Refere-se somente à educação
escolar? É tudo o que a vida nos ensina? São nossas
aprendizagens? E o que é aprendizagem?
Difícil chegar a um consenso sobre definição,
quando nos referimos que é um processo que produz a
capacidade de apresentar um novo comportamento ou
uma nova forma de ver o mundo. Logo, vemos que a
aprendizagem não se limita ao processo educacional.
Porém, ela está diretamente ligada ao termo “educação”.
A Enciclopédia Brasileira de Moral e Civismo,
editada pelo Ministério de Educação e Cultura, define,

Educação. Do latim educere, que significa


extrair, tirar, desenvolver. Consiste,
essencialmente na formação do homem de
caráter. A educação é um processo vital,
para o qual ocorrem forças naturais e
espirituais, conjugadas pela ação consciente
do educador e pela vontade livre do
educando. Não pode, pois, ser confundida
com o simples desenvolvimento ou
crescimento dos seres vivos, nem com a
mera adaptação do indivíduo ao meio. É a
atividade criadora, que visa levar o ser
humano a realizar as suas potencialidades
físicas, morais, espirituais e intelectuais. Não
se reduz a preparação para fins
exclusivamente utilitários, como uma
profissão, nem para o desenvolvimento de
características parciais da personalidade,
como um dom artístico, mas abrange o
homem integral, em todos os aspectos de
seu corpo e de sua alma, ou seja, em toda a
extensão de sua vida sensível, espiritual,
intelectual, moral, individual, doméstica e
social, para elevá-la, regula-la e aperfeiçoá-
la. É processo contínuo, que começa nas
origens do ser humano e se estende até a
morte (apud BRANDÃO, 1981, p. 63).

A cultura escolar atual tem uma visão


excessivamente mecânica do resultado da escola que
levou a superestimar a abordagem processo-produto. O
processo-produto condiz com um ensino-aprendizagem
que passou a ser avaliado como qualquer processo de
produção. A preocupação do ensino é apenas mecânica e
não humanizada. Essa cultura impõe à individualidade
legitima condutas, currículos, avaliações, disciplinas
tornando-os mero processo de exclusão dos indivíduos.
A educação é um dos meios que potencializam a
humanização. É entendida como uma efetivação das
meditações histórico-sociais do modo humano de existir,
um espaço político para a formação de conhecimentos que
contribuem para a formação pessoal, formando cidadãos
éticos e conscientes. É a partir da educação que um
cidadão pode discernir o que é certo ou errado, pois ela
possibilita clareza para agir de maneira ética, respeitando
a liberdade do outro e reconhecendo os valores da
comunidade. A educação é a uma das melhores
alternativas para a renúncia deste modelo capitalista de
sociedade no qual vivemos e pode trazer novas formas de
pensar a partir de uma sociedade mais justa onde os
direitos fundamentais sejam conquistas efetivas.
Vivemos um momento de profundas
transformações. Não se sabe ao certo para onde se
caminha e nem qual o caminho a trilhar. A sociedade atual
encontra-se em profunda crise. Nela somos remetidos a
repensar nossos valores e atitudes. Segundo Gadotti
(1998), faz-se mister que o professor se assuma enquanto
um profissional do humano, social e político, tomando
partido e não sendo omisso, neutro, mas sim definindo
para si de qual lado está. Como diz Freire, ou se está a
favor dos oprimidos ou contra eles. “Minha posição tem
que ser a de respeito à pessoa que queira mudar ou que
recuse mudar. Não posso negar-lhe ou esconder-lhe
minha postura, mas não posso desconhecer o seu direito
de rejeitá-la” (FREIRE, 2004, p. 79).
Não se pode esperar que a organização coletiva
brote espontaneamente, mas, por meio da educação, pode
caminhar lado a lado com a prática política do povo.
Sendo assim, o profissional da educação sempre assume
aqui papel político. Educadores e educadoras precisam
engajar-se social e politicamente, percebendo as
possibilidades da ação social e cultural na luta pela
transformação das estruturas opressivas da sociedade
neoliberal. Para isso, antes de tudo necessitam conhecer a
sociedade em que atuam e o nível social, econômico e
cultural de seus alunos e alunas.
Os educadores e educadoras não podem se
colocar na posição de seres superiores, que ensinam um
grupo de ignorantes, mas na posição humilde daqueles
que comunicam um saber relativo a outros que possuem
saberes diferentes e relativos. Como educadores
engajados em um processo de transformação social,
necessita-se que esses profissionais acreditem na
educação, como uma das possibilidades de transformar a
sociedade onde estão inseridos, e acreditem que sem ela
nenhuma transformação profunda se realizará. O atual
sentido da educação precisa ser levado a sério com
compromisso social, sabedoria criativa e humildade.
A educação precisa desenvolver uma visão
compreensiva do universo e uma visão holística dos seres
humanos de sua natureza essencial e dos limites de suas
capacidades, a fim de compreender o mundo em sua
volta. A educação precisa exercitar nossa consciência
crítica como forma de reflexão ética e política: evocando
valores, compartilhando o amor pela cidadania e a
participação dos acontecimentos políticos da sociedade.
A função que a educação precisa assumir nos dias
de hoje é aquela voltada para a construção da cidadania.
O ideal da educação, em certo tempo, foi educar o homem
para a civilização, mas com a mudança de pensamento e
com a moderna transformação da sociedade, a educação
passou a ter o objetivo de instaurar e consolidar a
condição da cidadania como plena qualidade da existência
humana.
Cabe à educação investir num processo contínuo e
simultâneo, denunciar o ilegítimo dos sistemas sociais e
anunciar formas solidárias de ação histórica, buscando
contribuir para a construção de uma humanidade
renovada.

2.1 Formação e compromisso social dos professores:


uma preocupação necessária

Quando falamos ou escrevemos sobre formação,


logo vem à mente aquela formação específica que
recebemos durante nossa vida escolar. Realmente não
estamos longe, mas ao pensarmos mais profundamente
percebemos que formação é muito mais do que receber
certa quantidade de conhecimentos e transmitir aos
alunos. A educação precisa transformar a realidade e os
sujeitos. O próprio sentido de formação é dar forma a
alguma coisa, é ação, processo ou efeito de formar;
constituição, organização.
A prática educativa não se resume em transmitir
informação, mas facilitar e provocar o desenvolvimento
autônomo dos indivíduos, de sua capacidade de pensar,
sentir e atuar, mediante um processo de reconstrução
reflexiva e deliberativa das aquisições prévias, à luz das
informações e das experiências atuais. A intervenção
pedagógica satisfatória se encontra inevitalvelmente
debruçada sobre a incerteza e a surpresa da criação
individual e coletiva. Pensando nisso, questionamos: será
que os professores estão fazendo jus à formação que
receberam e, a partir desta, estão conseguindo
transformar ou contribuir para a realidade social?
A educação universitária precisa pensar a
qualidade do ensino dos futuros professores, e se inteirar
num sistema de valores de princípios morais que uma
sociedade necessita para sua interação com os outros. Ao
professor cabe fazer de sua formação um alicerce que
fundamente uma ação emancipadora, filosófica com
compromisso e relevância, pois é a partir daquilo que ele é
e faz que a sociedade também se espelha para suas
realizações em comunidade. No processo de conhecer o
homem, entendê-lo e ensinar, a educação precisa
compreender o ser humano em sua origem, relações e
manifestações.
Sabe-se que a educação foi tida, durante longo
período na história brasileira e ainda se mantém para
alguns, como “a redentora da sociedade”, e a escola como
espaço sagrado para essa função. Com o passar do
tempo visualizamos a falha dessa crença superficial por
que conseguiram em parte compreender a interferência de
outros elementos e influências que contribuem
decisivamente para a formação do ser humano e que não
pertencem à escola. Como fatores, econômicos, políticos,
sociais, culturais e religiosos, sendo assim, a educação
não depende exclusivamente da escola, mas de um
conjunto de fatores. Para isso, nota-se que o professor foi
sendo desvalorizado e junto com ele a educação formal.
Parece que os meios de comunicação como a internet, tv
e entre outros conquistaram mais espaços, ultrapassando
qualquer outro acesso à educação, como a escola, a
comunidade e a própria família.
A impotência tomou conta dos professores,
provocou um desencantamento em cada educador que se
viu desprotegido pelo Estado e pela sociedade, inclusive
responsabilizado por grandes crises, como o elevado
gasto com pessoal, a ineficiência do sistema educacional,
reprovações, evasões de alunos e baixos índices em
avaliações. A teoria de burnout, conhecida como a
síndrome da desistência, está implícita nas condições de
trabalho dos professores, o desencanto vai apoderando-se
de sua ação e levando-os a reconhecer que qualquer
esforço é inútil. O burnout “é uma reação à tensão
emocional crônica gerada a partir do contato direto e
excessivo com os outros seres humanos, particularmente
quando estes estão ocupados ou com problemas”
(GENTILI; ALENCAR, 2001, p. 19).
Cabe agora perguntar: O que é educação? Qual
seu verdadeiro sentido? O que ela procura ensinar? Essas
interrogações nos têm pertubado.
Envolvidos em trabalho de pesquisa em educação
na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões tendo um contato maior com as escolas estaduais
da Região do Médio Alto Uruguai, defrontamo-nos com a
realidade da educação e dos professores das escolas
públicas da rede estadual de nossa região. O que foi
constatado em momento algum se distancia das pesquisas
e produções elaboradas até então, por renomados
educadores como Pedro Demo, Moacir Gadotti, Paulo
Freire, Castoriadis, etc.
Ao longo dos tempos da história educacional do Rio
Grande do Sul, não difere do que ocorre no Brasil como
um todo, são perceptíveis desgostos com o ensino. Muitos
são os fatores, mas, entre eles é preciso discutir a
superficialidade e facilidade com que os governos alteram
as políticas ou orientações, a cada gestão, para a
educação. As orientações para o ensino brasileiro e
gaúcho têm vindo em pacotes diretamente do primeiro
mundo, recheando pedidos de empréstimos e/ou
financiamentos. Assim como os professores, a sociedade
foi "escanteada" da possibilidade de opinião. Fruto das
ideologias contidas nas compreensões de como se deve
fazer educação, a imposição de métodos, procedimentos e
instrumentos apagaram o esforço dos professores,
minimizou seu potencial e o forçou a apenas copiar
manuais ao invés de produzí-los.
A acomodação que o professor da rede estadual de
educação do Rio Grande do Sul sofre hoje foi promovida
pelo próprio sistema que se encarregou, também por
influência dos países capitalistas centrais, de disseminar a
necessidade de "experts" para elaborar planos e pensar os
conteúdos que são próprios e específicos para cada faixa
etária, para cada série, para cada realidade (FRIGOTTO,
1995). Com isso, foi retirada violentamente dos
professores e da comunidade escolar a capacidade de
pensar, de produzir e, consequentemente, de ver o
contexto, a realidade e si próprios como integrantes dessa
sociedade. A retração social, perceptível com os
professores da rede, tem sido consequência das políticas
adotadas pelo sistema de ensino que os empurrou para
uma condição de não capacitados para produzir
conhecimento.
Há uma "vergonha" moral e social que impede a
ação social dos professores. O próprio Estado mantém
acesa essa idéia porque lhe interessa a divulgação do
emburrecimento do professor. Principalmente ao se fazer
a associação com a retração dos sindicatos a partir dos
anos 80, coincidentemente, contemporânea da saída de
cena dos educadores da ação social. Professor
acomodado é professor que não pensa e, por isso, não
incomoda. Porém, como diz Freire (1999), a educação se
processa muito mais pelo exemplo do que pelas palavras.
Nesse sentido a grande lição que os professores estão
conferindo aos seus alunos, hoje, é a da retração, do
deixar que haja alguém que sabe e pode fazer pela
população. Quanto mais as pessoas se envolverem na
política, mais problemas terá o Estado.
Outro problema que atinge diretamente os docentes
é a insuficiência de sua formação universitária para se
comportar diante das informações geradas, com mais
dinamismo, pelas mídias contemporâneas. O aviltamento
salarial do magistério não é somente um salário baixo,
insuficiente para viagens, aquisição de livros, de uma
roupa melhor ou de opções de lazer. Representa, como
diz Marx (2001), a expropriação de sua dignidade, o
aniquilamento de sua capacidade de produção e a
exploração de seu potencial. Imediatamente, esse quadro
reflete na sua ação e resulta na queda da qualidade de
seu trabalho. É questão lógica: não havendo qualidade
sócio-humana do sujeito, não há qualificação no seu
trabalho. Talvez o sistema capitalista tenha compreendido
sobremaneira essa arquitetura e aniquila a formação das
consciências populares, mantendo a vegetabilidade do
professor.
Mais do que ninguém, os próprios professores
precisam compreender esses caminhos impetuosos e, ao
promoverem a sua libertação, libertarem, com eles, a
sociedade. O espaço sagrado da formação da consciência
foi vilipendiado e as relações dele decorrentes
sucumbiram, com a mesma intensidade.
O grande desafio dos professores da rede estadual
de educação do Rio Grande do Sul na região do Médio
Alto Uruguai tem sido despertar a compreensão do lugar
que lhe é reservado ao professor na atualidade, não por
ação externa, mas a partir dele próprio. O professor não
pode ser culpado pelo estágio de deseducação em que se
encontra a sociedade. Deseducação é ocorrência sempre
visível quando há retração sócio-política. Foi roubada dos
educadores a possibilidade de fazer educação. Como,
então, cobrar ação do professor, se lhe retiraram as
ferramentas? Contudo, ao ver-se de mãos vazias, os
professores foram íntimos e preferiram avalizar as formas
neoliberais de educação e deixaram-se instrumentalizar
por tecnologias de repasse de conteúdos, assimilação e
treinamento.
Nessas dimensões não é exigido pensar, apenas
habilidade física, motora. Sozinho o professor não
consegue impedir o avanço da técnica e sucumbiu
juntamente com toda sociedade. Viu-se de mãos e salas
vazias de ávidos sujeitos pelo conhecimento. De um
momento para outro deparou-se com cidadãos e cidadãs
preocupados em desenvolver projetos já pensados. Sua
validade histórica enquanto formador lhe foi retirada
violentamente. Tudo a sua volta passou a ter mais
significado, ser mais relevante do que o seu ensinar. Há,
então, uma interiorização do professor de sua insuficiência
diante da onda crescente de tecnificação e isso tem
provocado a sua retração social.
As dificuldades para o desenvolvimento do projeto
se assemelham àquelas que os professores têm de se
perceberem como “inocentes úteis” do sistema neoliberal.
O barco já vai avançado no oceano lúgubre, como diria
Castro Alves (in Espumas Flutuantes) embalado pelas
ondas da acomodação, da omissão sócio-política, bem ao
gosto do vento indo do norte. Porém, aí se estabelece o
grande desafio dos professores em, sem a pretensão de
tornarem-se o farol costeiro, construir a solidariedade
necessária para os tripulantes conseguirem ver o nevoeiro,
o mar e uns aos outros.
As visitas desenvolvidas dentro do cronograma do
Projeto trabalhado nas escolas despertaram, num primeiro
momento, assombro; logo após, estudo e compreensão de
que o problema da retração social dos professores é
preocupante e precisa ser trabalhado na Universidade, nas
Escolas, Sindicatos, Partidos Políticos e Movimentos
Sociais. Não no sentido de consolidar a educação como a
única força capaz de promover o despertar das
consciências dos professores, intencionalmente,
anestesiados pelo Estado capitalista neoliberal, mas
fundamental na construção desse envolvimento instituinte
de cidadania e participação, como diz Castoriadis (2002).
Dificuldades sempre acompanham qualquer
atividade consciente. Somente quem não tem consciência
de si e da humanidade que é, não compreende as
dificuldades e limitações. Há um sentimento comum de
despreparo na contribuição para uma educação segura e
qualitativo-cidadã. Porém, os professores têm consciência
de que precisam aprender cada vez mais e conhecer o ser
humano, bem como a realidade em seu todo.
A educação do RS está desvalorizada, regredindo
cada vez mais: com privatizações, sucateamentos,
processos de enturmações, aulas sendo dadas em CtGS,
treiners, etc. Não se vislumbram boas expectativas na
educação gaúcha, mas podemos acreditar que lentamente
a educação pode melhorar sua qualidade, desde que haja
uma reformulação das políticas propostas pelo Estado. Há
práticas que precisam ser melhoradas e isso talvez seja
atribuído a falhas na formação do professor como também
a sua desmotivação.
Não só nos professores se reflete a inatividade, a
população também adota a conformação como atitude
hegemônica abandona o pensar, a reflexão, a crítica, o
debate, pois se os professores forem passivos
socialmente, consequentemente sua ação produzirá
estudantes passivos, sem esperanças e perspectivas de
mudanças. Há uma cortina de inconsciência dos
professores. Não conseguem ver com nitidez o momento
vivido pela educação/ensino. Uma nova identidade está se
formando.
Os professores não agem, retraindo-se e aceitando
com passividade a insignificância de sua profissão pela
comunidade, pela sociedade e pelo Estado. O fato de os
professores se sentirem retraídos, sem perspectivas de
melhoras na educação e acomodados provocou um
desencantamento nos educadores, que se viram
desprotegidos por elementos externos como família,
Estado e comunidade.
“A profissão docente é a profissão mais poderosa.
Ela tem o poder de fazer morrer e fazer viver o ser do ser
humano”, diz o professor Ricardo Tim de Souza da PUC-
RS, em discurso proferido no dia 16 de maio de 2008 no
Congresso Internacional de Filosofia na Universidade de
Caxias do Sul (Informação verbal). O professor é deixado
de lado pelo Estado Neoliberal, porque, desta forma,
consegue controlar a sociedade como um todo. Nos anos
80 as lutas dos movimentos e as organizações sociais
eram intensas. O Estado era independente e nacional.
Hoje, o que faz com que o Estado se descomprometa com
o interno é o poder neoliberal e o compromisso assumido
com o externo, o mercado internacional e os organismos
internacionais.
A partir do engajamento político dos professores
mais do que nunca, os movimentos sociais precisam se
corporificar também internacionalmente para fazer frente à
globalização. Esta concepção aparece clara no
pensamento de Marx, “Proletários de todos os países, uní-
vos” (MARX; ENGELS, 2001).
Professores inativos socialmente, “produzem”
estudantes passivos. Nesse sentido, ser professor é
compromisso, pois o professor pode fazer do estudante
um cidadão. Muito da possibilidade do ser humano, é
devido a formação recebida na escola, na comunidade e,
por fim, de sua família.
Estamos de certa forma dentro de contextos em
que a educação ativa está onde o aprendizado ou a busca
do conhecimento estava nas mãos dos professores. Hoje
verificamos que a educação está enfrentando um processo
de acomodação que a afasta cada vez mais das suas
comunidades e seu compromisso social. Intencionalmente
ou não, os professores estão com incumbências extra
classe trabalho invisível, desde exigências dos pais ou
responsáveis pelos educandos até do governo, que os
manipula com turmas maiores para que não haja tempo de
os docentes se reunirem em busca das necessidades do
que a função lhes impõem como profissionais formadores
de sujeitos com perspectivas sociais na complexa
realidade que os cerca.

Num país que se valoriza tão pouco os seus


professores e que frequentemente responde
aos seus protestos e reivindicações coletivas
com máquinas de guerra e jatos de água fria,
a criação de intervalos de pensamento crítico
dentro das escolas é um desafio que não
pode mais ser adiado (ANDALO, 1995, p.
03).

A melhoria da qualidade do ensino no Brasil vem


sendo tema de debates, tornando-se reivindicação da
sociedade e elemento de preocupação política de
governos. Boas práticas de gestão democrática,
infraestrutura, currículo, condições de trabalho, formação e
valorização dos profissionais e reconhecimento do real
papel social da escola são alguns dos temas sempre
presentes nos debates.
O Plano Nacional de Educação (PNE, Lei
10.172/2001) e o Plano Estadual de Educação (Lei
8.806/2008) consideram que a formação dos educadores é
componente importante da qualidade pretendida, devendo
superar o estágio das iniciativas individuais para fazer
parte da política pública do setor. Entretanto, apesar dos
inúmeros esforços despendidos pelos gestores públicos
municipais e estaduais, a formação acaba sendo muitas
vezes fragmentada e descolada tanto da construção das
carreiras quanto das reais necessidades das escolas, e
sem efeito significativo sobre a qualidade do ensino
oferecido. Há, portanto, uma contradição histórica, que em
termos práticos resultou no descompromisso cada vez
mais acentuado da União com a formação dos
profissionais que atuam na educação básica.
A educação é um bem consumível pela sociedade.
Está acima dessa questão, onde se põe valor de
especulação para necessidade humana e seu coexistir
político e social. O educador, nesse ínterim, quando do
encontro com o educando, também absorve sua condição
social, pois é inevitável que a escola seja espaço de
condições e questões da sociedade como um todo. Nesse
processo dialógico com os educandos, os professores não
podem ser reféns de modelos sociais, muito menos dos
paradigmas e dos condicionamentos que os educandos
sofrem dentro do circulo social que frequentam.
Na eminência de justificarmos tais interpretações
das estatísticas aferidas dentro de nossa proposta de
investigação, não temos como deixar de ressaltar a
complexidade do ser educador na Região do Médio Alto
Uruguai. Mas ao mesmo tempo são desafiadoras as
comprovações e discussões dos dados levantados no
contexto dessas realidades.
Ser professor hoje requer muito além de ensinar.
Ser professor é ser um semeador de ideias, capazes de
provocar mudanças ao longo do tempo, nas quais o
professor se dignifica por poder educar, formar para a
vida. O professor força a experiência e transforma a
realidade social. Mas também ser professor é uma
profissão difícil, desafiante, principalmente porque os
salários são baixos, a profissão é desvalorizada pelo
Estado, além da grande quantidade de informações que
são jogados aos adolescentes através dos meios de
comunicação. Segundo os professores, esses meios
influenciam no desinteresse dos alunos.
Pode-se afirmar que as tendências majoritárias na
cultura escolar estão induzindo um papel docente que
enfatiza o desenvolvimento das habilidades técnicas de
alunos. A autonomia não pode ser concebida como
distância e isolamento, mas como independência
intelectual para questionar os influxos sociais.
A função educativa da escola requer autonomia e
independência intelectual, a tarefa educativa se propõe a
utilizar o conhecimento e a experiência mais depurados e
ricos da comunidade humana para favorecer o
desenvolvimento consciente e autônomo nos indivíduos de
modos próprios de pensar, sentir e atuar. Requer uma
comunidade de vida, de participação democrática, busca
intelectual de diálogo e aprendizagem compartilhada. A
escola como qualquer outra instituição social desenvolve e
reproduz sua própria cultura específica. As tradições, os
costumes, as rotinas, os rituais e as inércias, esforçam em
conservar e reproduzir o tipo de vida que nela se
desenvolve. Gomes (2001) questiona a aprendizagem
reprodutiva para a recriação.
Os alunos devem atuar utilizando a cultura crítica
para transformar seu próprio pensamento e seus hábitos
de comportamento, construindo realidade e elaborando
cultura por sua vez.
O professor é considerado um profissional
autônomo que reflete criticamente sobre a prática
cotidiana para compreender tanto as características
específicas do processo de ensino e de aprendizagem
como o contexto em que o ensino tem lugar, para que a
atuação reflexiva facilite o desenvolvimento autônomo e
emancipador daqueles que participam do processo
educativo.
O papel primordial do professor na qualidade da
educação das crianças, jovens e adultos que frequentam
escolas está diretamente voltado à responsabilidade de
ensinar, e é isso o que dele se espera. Cabe reconhecer o
fundamental papel da educação no desenvolvimento
social, cultural e econômico de nosso país e garantir que
com este entendimento haja atuação. É isso o que se
espera de nossa sociedade.
Precisamos pensar o contexto da formação de
professores, pois não há cursos de capacitação que
resolvam nossos problemas e nos permitam superar a
situação atual se não houver compromisso e envolvimento
de todos com a educação.
Os docentes devem viver a aventura do
conhecimento, da busca e do contraste crítico e reflexivo
se querem provocar nas novas gerações o amor pelo
saber e o respeito pela diversidade e pela criação, devem
amar a democracia e se comprometer com as suas
exigências de compreensão compartilhada, se pretendem
criar um clima de relações solidárias e construir uma
comunidade democrática de aprendizagem.
Nesse sentido, desempenhar a função de
professor pressupõe comprometimento e envolvimento
com a tarefa de ensinar e de humanidade com seus
alunos, o que implica lidar com aspectos que permeiam as
relações entre as pessoas como empatia, simpatia,
desconsideração, estima, desconfiança, confiança,
autoridade, respeito, crenças, entre outros valores que
fazem parte do cotidiano da sala de aula. Sabemos que a
educação neotecnicista como uma forma de ensinar serve
para preparar o indivíduo a aceitação da sociedade: como
que submetido a certa adaptação.
A exposição verbal, na forma de verdades a serem
absorvidas, prepara o aluno através da apresentação,
associação, generalização e aplicação, visando disciplinar
a mente e formar hábitos. Professores trazem suas
próprias ideologias para a sala de aula.

Se quisermos pensar em uma transformação


do mundo devemos pensar em uma forma
de denunciar a situação desumanizante e
refletir sobre sua superação. Os educadores
devem também ter a certeza de que é
possível mudar. O professor não pode ser
neutro, sua prática exige definição. Uma
tomada de posição. Decisão. Ruptura
(FREIRE, 1996, p.102).

A educação não pode se reduzir ao ensino de


conteúdos. Se a educação é a chave das transformações
sociais pode ser também reprodutora de ideologia
dominante. A questão é construir uma formação ao lado
de uma reflexão sobre a prática, em favor da autonomia do
ser dos educandos, resgatando a utopia.
É direito da sociedade o acesso à educação de
qualidade e dever do Estado ofertá-la. Para efetivamente
exigir e garantir este direito é preciso que a sociedade
tenha conhecimento e compreensão sobre do que isso
significa e sobre o que pode fazer a diferença. Assim, é
fundamental o acesso às informações relacionadas ao
tema, com linguagens e meios acessíveis a todos. O
conhecimento produzido precisa ser compartilhado,
esmiuçado, experimentado, disseminado, relacionado e
aprofundado. Teremos bons resultados se a sociedade
entender qual o papel de cada um, o que exigir, o que
cobrar e como ajudar.
Para garantir que as mudanças gerem impacto
efetivo na qualidade da educação é essencial o
envolvimento da sociedade, capaz de pressionar para a
atuação dos governos. Hoje, o que muito se percebe, é a
acomodação frequente de educadores e da sociedade em
geral. A pressão social apenas acontece quando a
sociedade conhece seus direitos, valoriza-os e passa a
exigi-los. Enquanto tivermos uma educação que não
privilegia uma formação holística e de qualidade teremos
pessoas a-cidadãs e sem perspectivas de mudanças.
O retrato da situação atual comprova que ainda
nos falta habilidade, conhecimento para atuar
positivamente na educação. Conhecer outras experiências
pode nos ajudar a entender o “o que fazer e como fazer”.
O fracasso escolar, caracterizado pelos altos índices de
repetência e evasão da escola pública, tem sido motivo de
preocupação tanto da parte dos professores que atuam na
rede de ensino, como daqueles que estudam e pesquisam
as questões da educação.
O mundo está preso a uma espiral destrutiva, a
lógica do capital, que é predador social e ecológico.
Destrói-se a natureza, pensando que se está estimulando
a produção de mercadorias necessárias para o bem-estar
humano. Justificam-se ataques militares, que geram
massacres, como se fossem as únicas formas de deter a
violência. Tais anomalias não revoltam a maioria da
população, pois estão encobertas em uma capa que turva
sua compreensão. Percebemos uma perda de controle
sobre as atividades humanas que poderíamos e
deveríamos controlar.
O alimento principal de transformação social é a
educação. “É preciso recuperar o sentido da educação,
que é conhecer-se a si mesmo, aprender por diferentes
meios. O pensamento crítico precisa ser desenvolvido pelo
povo, pois só ele tem a força de se libertar” (HÚNGARO,
2009). A verdadeira transformação só ocorrerá se
soubermos encontrar um ponto de apoio que modifique e
encontre as consequências do problema.

A solução da desordem externa quer esta


seja social ou ambiental, passa por uma
revisão da consciência humana, porque, se o
homem desconhece a si mesmo e
desconhece as leis impressas em seu
coração e por fim se rende a convicção de
que é um mistério inconsciente pra si
mesmo, não há como reencontrar o ponto de
apoio onde assentar a alavanca que irá
remover os destroços que impedem o
nascimento do homem novo [...] (VIDOR,
1996, p. 52).

Com o acúmulo de informações extra-classe, o


professor que não buscou aperfeiçoamento está perdendo
seu espaço dentro da sala de aula, para o deleite do
sistema neoliberal. O professor antes imprescindível no
espaço da sala de aula retraiu-se na sua missão como
educador e teórico do conhecimento.
O Estado, em suma, tem se posicionado ao lado
do sistema neoliberal, onde deixa de priorizar a educação
descentralizando-a para os municípios que certamente
terão dificuldades em manter o ensino básico, até a
questão da educação infantil. Os municípios não possuem,
muitas vezes, as potencialidades financeiras necessárias
para atender esta demanda de tamanha responsabilidade.
Como buscar uma educação voltada ao compromisso
social se cada vez mais o Estado se afasta desta missão?
Pensar o amanhã não é só tarefa dos mandatários
de hoje, mas de todo um conjunto e conjecturas sociais.
Mudança todos nós queremos, mas como fazê-las quando
ninguém quer assumir a frente do problema; não querem
desgastar-se socialmente ou politicamente. Pregar
mudanças sem sólidas bases institucionais é
simplesmente configurar uma “cortina de fumaça” na
interface do relativismo que consome somente palavras e
papéis. Porque jamais devemos pensar que educação
NÃO é uma questão política.
A tomada de consciência não pode se dar
simplesmente por um grupo de intelectuais. O pensamento
crítico precisa estar ao alcance da massa de cidadãos e
ser desenvolvido por ela. Deve-se começar nas salas de
aula. É preciso recuperar o sentido da educação, que é
conhecer a si mesmo, aprender por diferentes meios,
criativos e alternativos. O pensamento crítico precisa ser
desenvolvido por uma sociedade que pense e questione a
partir de seus próprios princípios, e se distancie das
manipulações e ensinamentos formais ideológicos, pois só
o pensamento crítico tem a força de libertar o homem das
injustiças e pressões alienantes. Não há fórmula mágica
para melhorar a qualidade da educação além da
necessidade de estimular a criatividade e o verdadeiro
saber que a alienação tenta destruir. É só através da
consciência crítica e da participação ativa na sociedade
que se conquista uma educação justa capaz de “formar”
melhor o ser do ser humano a partir de uma dinâmica
interativa e com compromisso social.

Referências

ALVES, Antonio de Castro. Espumas flutuantes. Porto


Alegre: L&PM, 1997.
ANDALO, Carmen Silvia de Arruda. Fala professora!:
repensando o aperfeiçoamento docente. Petrópolis: RJ:
Vozes, 1995.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São
Paulo: Brasiliense, 1993.
CASTORIADIS, Cornelius. A ascensão da insignificância.
São Paulo: Paz e Terra, 2002.
CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São
Paulo: Cortez, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes
necessários para à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 2004.
GOMES, Perez. A cultura escolar na sociedade neoliberal.
Porto Alegre: ArtMed, 2001.
HÚNGARO, István Mészáros É preciso recuperar o
sentido da educação. Disponível em: <http://www.adur-
rj.org.br/5com/pop-up/sentido_da_educacao.htm>. Acesso
em: 10 de janeiro de 2009.
JAPIASSU, Hilton. Um desafio à filosofia: pensar-se nos
dias de hoje. São Paulo: Editora Letras & Letras, 1997.
MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo:
Martin Claret, 2001.
VIDOR, Alécio. A gênese da alienação psicológica e a
ontopsicologica. Frederico Westphalen: URI, 1996.
BRASIL, Ministério de Educação. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação,
1999.
3 CONSTRUINDO ALTERNATIVAS

Marcio Luis Marangon

O duque Hwan, de Khi, o primeiro da


dinastia, sentou-se sob o palácio lendo
filosofia; e Phien, o carpinteiro de rodas,
estava fora, no pátio fabricando uma roda.
Phien pôs de lado o martelo e a talhadeira,
subiu os degraus, e disse ao duque Hwan:
- „Permite-me perguntar-vos, senhor, o que
estais lendo?‟
Disse-lhe o duque:
- „Os peritos. As autoridades!‟
E Phien perguntou-lhe:
- „Vivos ou mortos?‟
- „Mortos há muito tempo.‟
- „Então‟ - disse o fabricante de rodas –
„estais lendo apenas o pó que deixaram
atrás.‟
Disse o duque,
- „O que sabes a seu respeito? És apenas
um fabricante de rodas. Seria melhor que
desses uma boa explicação, senão
morrerás.‟
Disse o fabricante:
- „Vamos olhar o assunto do meu ponto de
vista. Quando fabrico rodas, se vou com
calma, elas caem. Se vou com muita
violência, elas não se ajustam. Se não vou,
nem com muita calma, nem com muita
violência, elas se adaptam bem. O trabalho é
aquilo que eu quero que ele seja. Isto não
podeis transpor em palavras: tendes apenas
de saber como se faz. Nem mesmo posso
dizer ao meu filho exatamente como ele é
feito, e o meu filho não pode aprender de
mim. Então, aqui estou com setenta anos,
fabricando rodas, ainda! Os homens antigos
levaram tudo o que sabiam para o tumulo. E
assim, senhor, o que ledes é apenas o pó
que deixaram atrás de si.‟ (MERTON, apud
SILVA, 2002, p. 08)

No começo dessa caminhada em forma de


palavras, queremos reforçar o que se faz introdução de
nossa obra: o diálogo. Diálogo que quer dizer muito mais
que duas pessoas conversando, mas quer trazer uma
relação de pensamentos. Não sujeito e objeto, pois, como
Freire, nunca aceitei a relação daquele “que sabe”, contra
aquele “que não sabe”.
Costumo comparar a sabedoria com um grande
recipiente com água, onde essa “água” é dividida em
vários copos ou taças; em nosso caso, costumo pensar
que a sabedoria está dividida em bilhões de copos ou
taças, ou seja, a sabedoria está em cada ser humano,
indiferente de ser educador ou educando, empresário ou
lavrador, jogador de futebol ou dentista.
Cada um, com suas experiências e seu modo de
ver o mundo e as coisas, traz consigo um pouquinho de
sabedoria, mas ainda somos, na maioria das vezes,
somente ”contempladores do saber”. Deixamos de ser a
“água”, fonte pura do saber a saciar a sede de tantos, para
ser somente “espelhos d‟agua” a reproduzir e/ou refletir o
que está em nossa frente.
Portanto, neste universo comum a todos, que é a
educação, desejo que esse pensamento seja de
linguagem acessível a todos os contextos e realidades, e
ressoe, não sozinho, mas com os complementos
necessários alavancados através de uma dialética de
pensamentos onde o diálogo entre a obra e o interlocutor
(tese e antítese), construa uma síntese capaz de quebrar
os paradigmas inoperantes e plantar em seu lugar utopias
que reguem as flores da boa educação, da educação de
qualidade, participativa e eficaz.
Afinal, como nos diz Bogo, “não basta dizer que
sabemos, é preciso saber se o que sabemos é suficiente
para nos levar onde queremos chegar” (2005, p. 06). Nós
sabemos onde queremos chegar. Queremos chegar ao
centro do ser humano, despertar de dentro dele todas
suas potencialidades e suas compreensões de mundo, e
fazer com que essa compreensão possa dar a ele o rumo
certo.
Despertar o homem para si próprio é o problema a
ser desenvolvido. Levar para a sala de aula as condições
de transformar a consciência vivida em consciência
compreendida é um desafio, para que a partir daí, essa
consciência possa se transformar em ato de
questionamento e transformação. Assim já estaremos
educando.

3.1 Perspectivas e desafios da educação

Trazendo conosco a busca ilimitada, esforço


interminável em dar significado e compreensão a todos os
aspectos da realidade, tentativa pura de compreender o
sentido mais radical de todas as coisas e do próprio ser
humano, a educação nos “salta aos olhos” como um
instrumento de transformação do modo de ver e
questionar o mundo e suas relações.
Diz-nos diz Paiva : “O homem é peregrino na
busca do ser. Assaltado permanentemente pela
transcendência, decide-se desde muito cedo por romper
as pobres referências do cotidiano, para prosseguir o
caminho da verdade” (2002, p. 13). E cabe a nós,
educadores, dar aos homens a oportunidade de encontrar
a verdade, e de encontrá-la corretamente.
Por isso, acima de tudo o professor é um líder,
aquele que se torna exemplo e tem influência direta na
formação do ser humano, até por estar presente na
formação crítica e identificadora do ser humano. Podemos
dizer, então, que o professor é o principal responsável por
formar cidadãos dentro da sociedade. Todos passam
pelas mãos do educador, ou de diversos educadores e de
cada um lembra ou carrega alguma marca. Essas marcas
não surgem do nada. Eles fazem parte de tendências e
ideologias carregadas pelas tradições e/ou construídas
pela necessidade social vigente em determinada época e
são de extrema influência na formação da atitude dos
lideres.
Falo de líderes, pois a liderança em si faz
compreender melhor o que fazem as tendências. Os
grupos sociais em geral seguem aquilo que seus líderes
escolhem, até porque, lideranças são pessoas escolhidas
para representar os grupos, sempre tendo em vista o
pensamento que melhor se adequou às necessidades
maiores do grupo. Neste sentido um líder é crucial dentro
dos grupos, pois ajuda a criar a identidade nos indivíduos.
Ele só se mantém nos grupos se consegue dar conta das
necessidades dos mesmos, adaptando-se sempre às
novas necessidades. Porém, o educador é um líder quase
que por imposição. Diferente de outros líderes, o educador
torna-se líder simplesmente por estar transmitindo o
conhecimento, pelo fato de possuir “conhecimento maior”.
O problema que se encaminha nesse contexto é
que, junto com os diplomas, o educador subjaz toda
trajetória de tendências vividas e aplicadas. Carrega em si
toda coerção social aplicada através de sua história de
vida, que experimentou e precisou adaptar-se, e todo esse
processo influenciará seu jeito de ser líder, tanto em sua
família como em seus atos sociais, incluindo também a
formação de seus educandos. Se o educador não se der
conta dessa convicção, este modo de ser líder pode não
se adequar às necessidades de seus educandos e seu
ensino pode não ser eficaz, inibindo os educandos de
desenvolver suas habilidades.
A avaliação do modo de liderança do educador se
faz através da distinção entre educação e ensino.
Educação vem de educere, “tirar para fora”, fazendo
lembrar a maiêutica socrática que valoriza aquilo que cada
um traz de melhor em si. Já o ensino é a imposição.
Ensinar é um modo de impor formas e tendências, é pré-
moldar os educandos para aquilo que a sociedade precisa.
Uma escola e um educador com esses moldes, adotam
uma pedagogia liberal, que “forma” no sentido literal da
palavra, para construir a base da sociedade como ela está,
sustentando a idéia de que sua função é preparar
indivíduos para o desempenho de funções sociais de
acordo com as aptidões individuais. Por isso, os indivíduos
são preparados para se adaptar aos valores e normas
vigentes na sociedade de classe através do
desenvolvimento individual, difundindo a idéia de
igualdade de oportunidades, sem levar em conta a
desigualdade de condições.
Enquanto não nos dermos conta de nossa
responsabilidade como líderes sociais, construiremos uma
escola tecnicista, modeladora do comportamento humano,
utilizando-se de técnicas especificas para organizar o
processo de aquisição de habilidades, atitudes e
conhecimentos específicos, úteis e necessários para que
os indivíduos se integrem à maquina do sistema social
global, em uma condição que contribui a interesses bem
descritos no texto de Guareschi,

A quem interessa tal teoria? Interessa a


quem quer um homem repetidor, reprodutor
do que lhe é transmitido. Se formos
examinar o mundo do trabalho no modo da
produção capitalista, veremos que o tipo de
homem necessário ao bom desempenho
duma fábrica ou empresa é um trabalhador
que faça as coisas com eficiência e rapidez.
Fazer bem e rápido: eis tudo. Não precisa
pensar, não precisa decidir, não precisa
planejar. Apenas executar. Aliás, quanto
menos pensar, melhor. É nesse sentido que
aos poucos se vai substituindo o homem
robô, pois o homem não passa mesmo dum
robô, dum autômato (2005, p. 105).

Esta tendência, portanto, eleva a razão


instrumental acima da razão comunicativa, organizando
forças produtivas, mas perdendo a lógica que preside a
razão vital existente no mundo das experiências pessoais
e da comunicação entre as pessoas. O cientificismo se
funda na exaltação da ciência e no desprezo a outras
formas possíveis de conhecimento de mundo. Decorre daí
uma discussão, pois passamos a viver num mundo onde a
ultima palavra é sempre dada aos técnicos e aos
administradores: passamos a viver no mundo do mito da
tecnocracia.

3.2 Uma situação a se refletir

Pensar em um mundo de possibilidades e relações


instiga a percepção de que a participação no mundo não
se faz somente por fazer parte dele, nem somente por ter
parte nele, mas sim, de que participar do mundo é tomar e
assumir a parte no seu cuidado, e que o cuidado do
mundo, começa por nos percebermos como seres
condicionados e subjugados em nossa sociedade,
privados de nosso espaço e de nossa liberdade. Começa
pelo “meu quintal”, mas começa também pelo
entendimento que o “meu quintal” é a extensão de algum
outro “quintal”, ou seja, nossa vida é a extensão e
complementação de outra. Por isso, pensar em mundo de
possibilidades e relações nos obriga uma percepção de
nossa importância, mas também da importância do outro,
extensão de nosso ser, assim como somos a extensão de
outros seres.
Diante disso, não há como deixar de perceber a
realidade social: a humilhação e o descaso com a grande
maioria dos educadores de nosso país. Falamos disso,
pois, estamos deixando de perceber os educadores,
estamos deixando de os ver como seres humanos, como
gente.
A análise profunda sobre a educação demonstra
uma situação a se refletir. A realidade profissional do
educador no Brasil é no mínimo preocupante. Segundo
dados divulgados pela Folha Online , do Rio de Janeiro,
profissionais da área de pedagogia com doutorado, ou
mestrado, ocupam apenas a 38° posição no ranking das
profissões mais bem pagas do nosso país, ficando atrás,
por exemplo, de profissionais que possuem somente
graduação em administração, estatística, física, química,
direito, entre outras.
Outra pesquisa é também significativa: A pesquisa
A Statistical Profile of the Teaching Profession, feita em 40
países pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e
pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura) e divulgada no início de
outubro de 2008, em Genebra (Suíça), mostra que a
situação dos educadores brasileiros só não é pior que a do
Peru e da Indonésia. Segundo esse estudo, um professor
brasileiro no início de sua carreira recebe, em média, US$
4.818 por ano, equivalente a uma média de R$ 11 mil.
Enquanto na Argentina, um mesmo profissional recebe
praticamente o dobro US$ 9.857, cerca de R$ 22 mil/ano.
Comparando com os salários estabelecidos em países
desenvolvidos a realidade é ainda pior. Na Alemanha, por
exemplo, o salário chega a US$ 30 mil/ano e em Portugal
atinge ambiciosos US$ 50 mil/ano.
Não é em vão que muitos educadores em nosso
país acabam trocando de profissão, ou outros tantos são
obrigados a dividir-se em áreas de trabalho extra sala de
aula, tendo mais de um emprego. Se isso não bastasse,
nossos educadores, em sua maioria, trabalham em locais
com péssima infraestrutura. Um estudo da UNESCO,
divulgado em meados do ano de 2008 mostra que 50%
dos educandos que estudavam em povoados, ou em
escolas de áreas rurais, e mais de 25% dos educandos
que estudavam em escolas no perímetro urbano assistiam
aulas em prédios em más condições. Algumas escolas
sequer possuíam água potável.
Possuímos uma escola imediatista, utilitarista,
classificatória, que não produz desafios, mas que é
manipulada por políticas de governos não comprometidas
com o ato de educar e que acabam manipulando e
“fazendo por fazer”, com seus educadores, marginalizados
e abandonados em escolas precárias, basicamente
arcaicas no que diz respeito à evolução da modernidade e
da tecnologia. Enquanto, educandos têm Internet em suas
casas, com uma velocidade satisfatória de informações
chegando a todo o momento, os educadores se deparam
com escolas onde nem mesmo a biblioteca, em vários
casos, é útil, dada a defasagem de seus livros e artigos.
O educador já não detém o monopólio do
conhecimento, ou seja, não é mais o único transmissor de
conhecimento, ou de informação. O acesso à Internet
remete os educandos com muito mais agilidade para
esses meios “formativos”, e até de forma mais dinâmica,
pois vem acompanhada de músicas, figuras, ilustrações,
movimentos. Ao mesmo tempo o educador, em sua
sensibilidade de perceber a responsabilidade que tem -
mesmo porque sabemos que se essa evolução toda fosse
realmente a saída para o mundo estaríamos salvos - ainda
sonha com uma escola com mais significação, com mais
contribuição para a formação crítica, para a formação do
ser humano por completo. Uma escola que consiga
ensinar o educando a aprender.
Mas como conseguir este objetivo? É a grande
pergunta que vem à mente de educadores quando se
deparam com a situação que discutimos. Talvez a
resposta seja algo que mencionamos a pouco: ensinar o
educando a aprender! Se o educador já não consegue
mais ser o transmissor de conhecimento, ao mesmo tempo
ele ainda é o único elo de ligação entre o educando e o
saber real. O educador é a chave do entendimento!
Porém para que essa concretização se torne
possível, para que o educador se torne elo ativo, chave
ativa para o entendimento, ele também precisa aprender a
desaprender. É preciso evoluir junto, quebrar velhos
conceitos de educação: é preciso desconstruir para
renovar.
A desconstrução talvez perpasse por uma
formação contínua também do educador. Sabemos que
sofre pelo sobrecarga de trabalho, pelos baixos salários,
pelo descaso com sua personalidade, mas como diz Freire
(2001) não podemos nunca deixar de sonhar, e essa nova
escola, essa nova visão de educador passa também pela
formação do educador, pela construção em conjunto de
subsídios viáveis e eficientes. Já há essa procura pela
renovação, pela dinamização da escola, mas ela precisa
ser maior, mais forte. Precisa deixar de ser um sussurro de
possibilidade para se tornar um eco, concretização, atitude
nova.
Precisamos entender o que o educando busca.
Quais são seus anseios no século XXI. E é lógico, não
podemos ser ingênuos de trabalhar esse processo dizendo
que a modernização já chegou em todos os lugares, em
todas as casas. Precisamos estar cientes que enquanto
vemos educandos indo à escola com notebook em suas
mochilas, ainda temos educandos indo a escola de pés
descalços, sem material nenhum, sem alimentação, sem
motivação. E isso torna o desafio ainda maior: descobrir
quais são os subsídios modernos que podemos utilizar
para atingir tanto o educando “equipado”, quanto o
educando massificado.
É preciso, portanto, formar uma educação
dialógica, espelhada em uma pedagogia pensada por
pessoas como Nietzsche (1844-1900), Montaigne (1533-
1592), Freire (1921-1997), Tião Rocha (1949), entre
outros, entendendo a educação como uma relação
teoria/prática, onde a educação parta das situações-
problema que educandos e educadores vivenciam em seu
dia-a-dia, e, juntamente com a comunidade, consiga
quebrar velhos paradigmas para reconstruir a escola,
fazendo dela um reduto da democracia e da participação,
vale lembrar sempre, que mesmo a participação e a
democracia não significam perda de foco no que se refere
ao essencial de ensino nas salas de aula, ou seja, a
escola pode e deve ser participativa sem perder sua
essência de escola, mas sim, somar a sua essência ao
papel social digno de quem tem o poder de formar
cidadãos, e os formar com consciência.

3.3 O mundo não é. O mundo está sendo: a busca por


alternativas

Nesta época catastrófica em que nos coube


viver, sitiados pelos paradigmas de
alienação, hesitantes quando ao presente,
incertos quanto ao futuro, cabe tomar
consciência de que precisamos aprender a
ensinar o valor da resistência (Franklin,
2004).

Aqui precisamos desenrolar nossa análise em dois


pontos: o primeiro remete a análise das condições
salariais e de trabalho dos educadores; a segunda análise
remete ao entendimento e às necessidades de nossos
educandos. A primeira análise nos faz pensar alternativas
de como nossos educadores podem superar esses
processos, e a segunda de como podemos melhorar o
diálogo educador/ educando.
É verdade que talvez nunca nossos professores
tenham tido 100% de condições de trabalho e de salário, e
comparando com outras profissões jamais cheguem a ter,
mas seria ingênuo de nossa parte pensar que todos esses
problemas não influenciam no dia-a-dia do educador, ou
pensar que os professores se acostumam com essa
realidade.
Infelizmente percebemos que a categoria está
perdendo sua histórica união. No grande chão polar da
política, os educadores estão se deixando influenciar, e
fazendo com que seus “espinhos” cresçam a ponto de não
conseguirem mais conviver e compartilhar. O problema da
comunicação está afetando justamente a categoria que
por muito tempo serviu de exemplo de democracia e
cidadania para todos os cidadãos. Aqui, o ditado popular
de que “um gesto vale mais que mil palavras” se perde, e,
às vezes, tudo o que se tem de exemplos são palavras,
pois os educadores estão esquecendo de dar seu
exemplo. É claro que de maneira alguma teríamos
educadores de um só segmento político, até porque isso
seria muito estranho e talvez muito ruim para o
desenvolvimento da educação. Não é isso que se quer, e
também não se quer professores neutros. No que se
refere às posições políticas, devem servir para contribuir à
discussão, e não para voltar a categoria contra ela mesma,
ou seja, a posição política do educador deve ser a da
organização, do diálogo, da verdadeira construção da
polis. Em outras palavras, deve haver política cidadã e não
ideologia política que gera conflitos e enfraquece a
categoria. A ação que se espera dos educadores é uma
ação conjunta, consciente, que consiga demonstrar à
sociedade o verdadeiro valor da educação, e suas
verdadeiras necessidades.
Enquanto esse momento não chega, é necessário
que educadores de todos os cantos, irmanados em suas
causas, em suas preocupações, dificuldades e anseios,
ajudem-se uns aos outros, e contribuam para a construção
de alternativas viáveis para renovação da educação como
teoria do ato de educar como prática, sempre presente
através de participação, do tomar parte do processo
dialético que se abre para o engrandecimento do ato de
educar.
A formação docente, ao lado da reflexão sobre a
prática educativo-progressista em favor da autonomia do
ser dos educandos, demonstra que formar é muito mais do
que puramente treinar o educando para o desempenho de
destrezas. É colocar o ser humano como mais que um ser
no mundo, como uma presença de mundo. A reflexão
crítica sobre esta prática se torna uma exigência da
relação teoria/prática sem a qual a teoria pode ir virando
simples transmissão de conhecimento e a prática,
ativismo.
A educação deve resgatar a compreensão do
homem e da mulher como seres históricos, de modo que
“quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é
formado forma-se e forma ao ser formado” (FREIRE, 1996,
p.23). Neste sentido é preciso, na arte de ensinar, uma
rigorosidade metódica. O educador não pode negar-se o
dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade
crítica do educando. Deve fazer parte de sua tarefa
docente não apenas ensinar os conteúdos como também
ensinar a pensar certo, para que ao ser produzido, o
conhecimento novo supere o já existente e fique aberto
para ser ultrapassado por outro amanhã.
A educação deve entrar com uma reflexão crítica
sobre a prática, trazendo um “pensar dialético” entre o
pensar e o fazer: “...é pensando a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio
discurso teórico, necessário a reflexão crítica, tem de ser
de tal modo concreto que quase se confunda com a
prática” (FREIRE,1996, p. 39). Quanto mais o educando
conseguir se perceber dentro de uma realidade dominada
e pré-direcionada, mais fácil assimila a capacidade de
mudança. Assim, uma das tarefas mais importantes da
educação é a de proporcionar a experiência profunda de
assumir-se como sujeito capaz de reconhecer-se como
objeto, ou ser dominado e condicionado.
Heidegger nos mostra em sua obra Ser e Tempo
que somos seres marcados para o fim de nossa vida, o
que ele chama de ser-para-a-morte. Contudo, o ser-para-
a-morte de Heidegger de maneira nenhuma desmerece o
ser humano, pelo contrário, o mesmo ser marcado em seu
derradeiro fim é o ser-aí (Dasein), aquele que vive, e de
forma plena, pois, quando consciente de seu fim pode
viver plenamente a cada momento. Entretanto, esse ser-aí
não vive sozinho, ele vive e depende dos outros, ele é um
ser-com (Mitsein), com o mundo e com ou outros, e disso
depende sua liberdade e felicidade suprema. Se somos
um ser-com, não podemos obter a liberdade enquanto
outros seres estão escravizados, do mesmo modo que não
podemos possuir vida plena enquanto nosso planeta
padece no abandono e na exploração irresponsável, nós
dependemos uns dos outros, dependemos do mundo.
Dessa forma o “sujeito” do mundo precisa
perceber-se em três dimensões: primeiro, como corpo, ser
humano, mamífero, o ser-para-a-morte, individuo que faz
parte de uma espécie que cresce a todo o momento e que
depende de uma biodiversidade à qual não presta a
devida atenção e o devido respeito.
Segundo como animal racional, um ser que se
diferencia (pelo menos deveria se diferenciar) dos outros
seres pela sua capacidade de evolução, por sua “alma”, e
que tem parte num circulo de relações no qual traz dentro
de si o papel de quem ensina e aprende (educando e
educador), e é essa a relação que define seu viver, como
menciona Freire “o sujeito pensante não pode pensar
sozinho,não pode pensar sem a co-participação de outros
sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um
penso, mas um pensamos” (1980, p. 67).
Terceiro, como “espírito” transformador e inovador.
Aquele que precisa tomar parte daquilo que é próprio de
si, assumindo-se como agente transformador, não
esperando pelo outro, mas sim, percebendo-se como o
outro de alguém, como ser essencial na relação do “ser-
com”. É esse terceiro ponto que diferencia o “sujeito” do
mundo, pois o faz protagonista da história, reconhecendo-
se e assumindo-se no seu papel, superando as limitações
do corpo e da alma, do ter e do fazer, edificando-se no seu
“espírito” de tomar parte da construção de um mundo
melhor, com mais relação, mais cuidado. Freire diz:
O mundo não é. O mundo está sendo. Como
subjetividade curiosa, inteligente,
interferidora na objetividade com que
dialeticamente me relaciono. Meu papel no
mundo não é só o de quem constata o que
ocorre, mas também o de quem intervém
como sujeito de ocorrências (1996, p. 76).

Se quisermos pensar em uma transformação do


mundo devemos pensar em uma forma de denunciar a
situação desumanizante e refletir sobre sua superação. É
a partir do saber fundamental de que mudar é difícil, mas
não é impossível, que devemos pensar a ação
pedagógica. Os educadores devem também ter a certeza
de que é possível mudar e devem desafiar, considerando
os saberes construídos pelas experiências e expandindo
para uma consciência maior que fomente os grupos
populares.
“O professor não pode ser neutro, sua prática
exige definição. Uma tomada de posição. Decisão.
Ruptura” (FREIRE, 1996, p. 102). A educação não pode se
reduzir ao ensino de conteúdos. Se a educação é a chave
das transformações sociais pode ser também reprodutora
de ideologia dominante.
O professor precisa conseguir provocar o
educando no sentido que prepare ou refine sua
curiosidade, com vistas a produzir sua própria inteligência
a partir daquilo que tem. É necessário escutar o educando
em sua incompetência provisória e aprender a falar com
ele, respeitar sua “leitura de mundo” e, deste ponto em
diante, pode fazer com que o educando vá assumindo o
papel de sujeito na produção (e não apenas o de
recebedor) de sua inteligência de mundo, como uma
árvore que absorve os nutrientes e produz seus frutos e
sementes. Ao mesmo tempo, o educando deve
desenvolver a capacidade de absorver o conhecimento
produzido e as experiências vividas para produzir seu
pensamento crítico e libertador que possa contribuir
também com a libertação de outras mentes.
A questão é construir uma formação junto a uma
reflexão sobre a prática, em favor da autonomia do ser dos
educandos e educadores, percebendo que a educação
também pode ser ideologia. Dessa forma, demonstrar que
formar é muito mais do que puramente treinar o educando
no desempenho de destrezas, é também uma maneira de
resgatar a ética universal do ser humano. Desenvolver
essa dimensão onde o ser humano é mais que um ser no
mundo, mais que uma simples presença no mundo, é
sujeito da história, único em suas características e
indispensável em sua contribuição para com o mundo.

3.4 A construção de subsídios: elaborar métodos e


saber colocar os quadros

Continuamos essa reflexão com uma pequena


estória para entendermos melhor o que estamos
procurando aqui:

Durante a era glacial, muitos animais


morriam por causa do frio. Os porcos-
espinhos, percebendo a situação,
resolveram se juntar em grupos, assim se
agasalhavam e se protegiam mutuamente.
Mas os espinhos de cada um feriam os
companheiros mais próximos, justamente os
que forneciam calor. E, por isso, tornaram a
se afastar uns dos outros. Voltaram a morrer
congelados e precisaram fazer uma
escolha:desapareceriam da face da Terra ou
aceitavam os espinhos do semelhante. Com
sabedoria, decidiram voltar e ficar juntos.
Aprenderam, assim, a conviver com as
pequenas feridas que uma relação muito
próxima podia causar, já que o mais
importante era o calor do outro. E
sobreviveram2 (Autor desconhecido)

Resgatar o sentido próprio do ser humano, da


dignidade humana, é resgatar o cuidado da vida nos diz
Boff “Não busquemos o caminho da cura fora do ser
humano. O “ethos” está no próprio ser humano (...) ele
precisa voltar-se sobre si mesmo e redescobrir sua
essência...” (1999, p. 84). Em outras palavras, resgatar o
ser humano é parir de dentro dele mesmo suas verdades e
seus sentidos. Tão importante quanto compreender o
mundo exterior, é compreender o seu mundo interior, pois
em um mundo de relações, de possibilidades, necessária
se faz a percepção da importância de nossa participação
no cuidado com o mundo: “o cuidado faz surgir o ser
humano complexo, sensível, solidário, cordial, e conectado
com tudo e com todos no universo”, nos diz o autor.
Cuidar daquilo que contempla o ser humano em
sua totalidade, é o digno despertar do homem. Surge,
portanto, a importância do despertar, a relevância do
“conhece-te a ti mesmo”, a importância da compreensão
de que as possibilidades só se concretizam através das
relações, e essas relações só existirão se tivermos a
responsabilidade de cuidar da educação, mas da
educação de tudo e de todos. Há muito tempo estamos
prostrados diante de nossas mesas, esperando que o
mundo nos diga o que fazer, encontrando defeitos uns nos
outros e esquecendo que é exatamente nossas diferenças
que nos fazem humanos, e são essas diferenças que
completam o mundo e nos completam também.
Essa pequena estória que relatamos procura
demonstrar que enquanto estivermos sozinhos, isolados,
vamos morrendo aos poucos, congelados por nosso
próprio medo de arriscar, de quebrar todas as amarras que
impedem nosso edificar.
2
Não se sabe ao certo o verdadeiro autor dessa pequena estória, mas
alguns autores à atribuem ao grande mestre Schoppenhauer.
No início do texto colocávamos nosso desejo de
que estas linhas fossem um constante diálogo, que não se
fechassem em verdades, mas que conseguissem
despertar nossa reflexão. Renovamos este convite neste
momento para que possamos compreender que os
exemplos e sugestões que colocaremos daqui para frente
são frutos de práticas e experiências em grupos de
educandos de todas as idades, e meios sociais, no espaço
urbano, e rural. São pequenas contribuições que vêm
provocar a construção de novas formas de dialogar com
os educandos, facilitando a construção da consciência
crítica e do seu ensino. É um convite para aproximação e
partilha de todas as experiências que se constroem no dia-
a-dia por todos os educadores. Pensamos ser muito
improvável que não tenhamos mais alternativas
construídas, o que cremos é que temos ainda certa
barreira na divulgação e no diálogo em relação a este
tema. Esperamos poder contribuir com a troca de
experiências e de materiais, bem como com a construção
de alternativas.

3.4.1 O planejamento e o desenvolvimento de métodos

A grande pergunta a ser feita é: para que


desenvolver subsídios? Quando começamos perceber que
dificilmente um educando consegue captar mais de duas
horas de aula (quando consegue chegar a este ponto de
concentração), ou, em muitos casos vem para a sala de
aula acompanhado por seu celular e fones de ouvido,
demonstrando que o que menos lhe interessa é saber o
que está sendo exposto pelo educador, deve ser acionado
o “botão de alerta” da educação.
Já comentamos sobre a infra-estrutura precária e
sobre os baixos salários, mas é com carinho que
chamamos a atenção: cada problema tem seu momento.
Podem existir os momentos de informá-los (os educandos)
sobre a situação vigente e esses problemas podem ser
trabalhados no decorrer das aulas, mas sempre com
criticidade, servindo para o desenvolvimento de algum
tema.
A partir do momento em que o educador entra em
sala de aula, precisa lembrar que está ali para uma das
mais bonitas e importantes funções do mundo: o ato de
educar. Quando este ato de educar já não se faz mais
totalmente eficiente é hora de reavaliar seu andamento,
tentar perceber onde está o erro, ou onde este ato pode e
deve ser melhorado para que consiga continuar
contemplando seus objetivos. Uma afirmação de Mao Tse
Tung (1893 -1976), serve de luz a esse problema: “As
qualidades fundamentais de um dirigente é (sic) elaborar
métodos de trabalho e saber colocar os quadros” (apud
MOVIMENTO SEM TERRA, 2005).
Para construir uma educação sólida, de qualidade,
o educador deve aprender a colocar e reavaliar
constantemente seus quadros. Entender que o
planejamento uniforme desenvolvido pela política
educacional falha do Estado, ou pela política de
uniformização desenvolvida por grandes multinacionais,
jamais conseguirão contemplar o anseio e o
desenvolvimento humano de todos os educandos. A
menos que nossos instintos estejam falhos, é natural
perceber que o ser humano tem receio de tudo aquilo que
não lhe deixa espaço de crescimento, que não potencialize
suas habilidades, que não contribua com seu ser.
Assim, enquanto não desenvolvermos uma
autonomia de criação de subsídios continuaremos
“remando contra a maré”, negando a possibilidade de
construir uma educação mais eficaz e em harmonia com a
realidade. É mister compreender aquilo que o educando
quer e sabe mesclar, se não tiver outra alternativa, entre o
tecnicismo exigido e o desenvolvimento humano
necessário, preferindo sempre quanto possível o
desenvolvimento humano.
Como educadores, temos o privilégio de estar com
os educandos todos os dias, perceber suas atitudes, seus
anseios e suas realidades. Temos a possibilidade (e o
dever) de olhar em seus olhos e não somente a roupa que
estão usando. A prática, quando repetida, se torna
monótona e mecânica e exclui a prática de interpretar o
educando, de ouvi-lo, compreendê-lo. Em muitos casos, o
educador esquece que o educando não sabe o mesmo
que ele, ou tem uma visão diferente das coisas, mas nem
por isso deixa de saber algo e querer partilhar aquilo que
sabe.
Já presenciamos vários momentos, quando pelas
pastorais nos disponibilizávamos a trabalhar sobre
cidadania em salas de aula, e outros espaços. Antes de
iniciar o trabalho os educadores responsáveis nos
surpreendiam com a frase: “Essa turma não é fácil!”,
porém, encontrávamos educandos ansiosos por falar, por
partilhar, por participar e aceitar os desafios colocados
para dar andamento ao problema apresentado. Qual é o
diferencial? Métodos. Não um, mas vários que tínhamos
em mente. Era nossa característica não sair de mãos
vazias para a tarefa de educar e conversar sobre
cidadania. Nos dirigíamos às salas de aula não como os
senhores da razão, mas sim, com o respeito de estarmos
conversando com educandos, pessoas capazes e,
principalmente, diferentes. Como, desse modo, seria
diferente, cada uma das turmas trabalhadas, e para cada
turma tínhamos um modo flexível de chegar ao objetivo
final, não pré-determinado, mas construído a partir da
realidade encontrada no próprio ambiente.
Já nos mostrava a corrente conhecida como
existencialismo, destacam-se diversos nomes como
Kierkegaard (1813-1855), Sartre (1905-1980), Nietzsche
(1844-1900), Heidegger (1889-1976) e tantos outros, que
o homem em suas individualidades é insubstituível, tanto
em suas potencialidades como em suas dificuldades, ou
seja, ele é único. Nietzsche, em sua obra Genealogia da
moral, chega até mesmo a ir mais fundo, indo contra tudo
aquilo que ele chamava de “moral de rebanhos”, por
mencionar que esse sistema anula as individualidades e
potencialidades dos indivíduos, negando seus instintos,
pregando uma sociedade que conseguisse exaltar aquilo
que era próprio de cada um. Todos temos algo para
contribuir. Cada um traz dentro de si certo protagonismo
que não deve ser negado, ao contrário, precisa ser
incentivado, valorizado.
Alguns dos educadores com quem partilhávamos
a experiência, apontavam a boa receptividade dos
educandos como consequência do diferente, do “novo”. E
aí sempre nos surgia a pergunta: mas porque o educador
que ali estava não fazia esse diferente, esse “novo”?
Talvez a universidade tenha sua parcela de culpa
nisso tudo, por “formar” educadores uniformemente em
série, por não exigir na formação de licenciatura um
diferencial, por não disponibilizar alternativas, enfim,
talvez, mas.... para além da universidade, se o educador
não se der conta deste processo, quando adentrar às
salas de aula, será então um caso preocupante, pois fazer
o diferencial não exige a eternidade, mas um pequeno
espaço de tempo para reflexão e planejamento, ou re-
planejamento.
O planejamento é um dos caminhos mais eficazes
para a transformação da educação. Ele parte da escolha
do tema, e segue até a construção da aula, seguindo em
busca de requisitos para atingir os objetivos e deixar
direcionadas tarefas a serem desenvolvidas ou mesmo
avaliações quando necessárias. Abre espaços para a
utilização de métodos dentro de seu desenvolver, e,
depois de entendido (assimilado), pode servir de base
segura para o educador utilizar no desenvolvimento de
suas atividades. O planejamento extrapola as salas de
aula e serve até mesmo de parâmetros para grupos
sociais, e para vivência pessoal.
Trabalhar sem planejamento é como construir uma
casa sem ter um projeto em mãos, pode até dar certo, mas
as probabilidades são bem menores. Trabalhar com um
planejamento que não seja voltado para a realidade onde
se trabalha também é como construir essa mesma casa
com o projeto de qualquer outro estabelecimento:
dificilmente se chega ao final com a satisfação do dever
cumprido e com o objetivo atingido. Por isso a
necessidade de planejar, para que ao final do trabalho,
seja ele diário, semanal, mensal, possamos avaliar o
comprimento das metas ou não.

3.4.2 Planejamento

Um bom planejamento leva em conta três


momentos chaves: diagnóstico, levanta e sistematiza as
informações coerentes ao objetivo a se alcançar; a
estratégia e/ou plano executivo, que desenha como as
ações serão dirigidas para atingir o objetivo; e a condução,
momento de materializar as ações pensadas e também
avaliá-las. Porém, existem diversas formas de desenhar o
planejamento. O modo dialético é o mais usado. Muitos o
utilizam como método ver-julgar-agir, adaptação da
dialética para as atividades pastorais. Ele pode ser
utilizado para o planejamento em geral, também voltado
para a educação. O planejamento busca alcançar, da
melhor forma possível, avaliar os caminhos, possibilitando
perceber a realidade e estruturar a partir desse ponto a
construção de objetivos de forma mais racional e segura e
pode ser melhor compreendido dessa forma (BORAN,
1977):
a) Diagnóstico - (descobrir a realidade, analisar, perceber,
fazer um levantamento da realidade). É o conhecer a
realidade concreta, suspendendo nossos julgamentos,
desconfiando das opiniões (de todas as opiniões). É a
visão não ideológica que supera a precipitação e a
subjetividade.
Esse primeiro passo também divide-se em três
novos passos:
- Fato: fazer um levantamento de algum fato a ser
analisado, observando o porque de sua importância, que
problemas o fato demonstra. É a analise dos sintomas,
como se levássemos este fato ao médico e ele
perguntasse: qual é o sintoma que ele apresenta para
saber se está ou não está bem!
- Causas: seja qual for o sintoma ele tem uma causa, seja
bom ou mau, o sintoma sempre tem uma causa, e ela
deve ser descoberta para possibilitar um conhecimento
mais científico e objetivo da realidade. Essas causas
podem ser: aparentes, imediatas, secundárias, principais,
causas-efeitos, etc.
- Consequências: toda causa tem uma conseqüência,
dado a ressalva que toda a regra tem exceção, mas não é
necessário levar isso em conta aqui precisamos entender
quais serão as consequências que enfrentaremos, ou que
já estamos enfrentando, posto o fato e sua causa. Isso
ajuda a conscientizar o grupo sobre a amplitude e/ou a
gravidade do fato discussão.
b) Estratégia e/ou plano executivo: é analisar todo o
terreno preparado pelo “diagnóstico”. É o momento de
refletir, discernir o fato, analisar suas causas e suas
consequências aprofundando o tema e o transformando
em questão filosófica, acrescentando o saber filosófico
capaz de servir de “luz” para a análise. Esse momento
pode ser considerado essencial para:
- Revisar as ações;
- Distinguir as influências (ideologias);
- Acrescentar conhecimentos sobre o assunto
(aprofundá-lo);
- Suscitar contrapontos.
c) Condução: Feita a análise do fato, discutido suas
causas e consequências é chegado o momento de
quebrar a neutralidade, de sair do suporte. A escola não
pode ser mais simplesmente transmissora de
conhecimento, ou momento de laser e aprendizado. Tem
sim, é que ser a semeadora de ação, de cidadãos
conscientes, que possam construir alternativas ao status
quo, a própria vida.
Pode-se, a partir deste momento, montar projetos
detalhados, com “o que fazer”, “como fazer”, “quem vai
fazer”, visualizar momentos futuros de discussão, novos
espaços de discussão. Tudo fica a cargo de como o
processo se desenrolou e que grau de envolvimento o
educador concluir que tal processo atingiu.

3.4.3 Método

O planejamento é somente um passo. Ele precisa


de instrumentos para ser colocado em prática. Podemos
até mesmo utilizar métodos tradicionais, como as aulas
expositivas, que não deixam de ser interessantes e ter
seus méritos. conheçemos profissionais da área da
educação que ministram aulas fantásticas somente
expondo seu conhecimento. O método não precisa ser
algo que extrapole o mundo da educação, precisa sim, ser
algo que consiga servir de caminho viável para atingir os
objetivos, e ai deve ser levado em consideração a
disciplina a se ministrar, como todos os requisitos e
particularidades que a sala de aula possa trazer, não
afastando jamais a ideia de que a inovação sempre é bem
vinda e consegue dar um brilho a mais à missão de
educar. O que se almeja na verdade, é a construção de
novos subsídios que possam contribuir para colocar o
planejado em prática, que possam representar o novo em
novos tempos, que podem ser o diferencial, motivando
educandos e educadores a comungar no ato de educar.
Nessa busca por subsídios, uma das alternativas
viáveis que se apresenta dentro da escola dinâmica com a
qual sonhamos, é a construção de métodos pedagógicos
que ajudem o educador a ser a chave de entendimento, e
ajudem ao mesmo tempo o educando a se situar no
espaço escolar e no contexto da sociedade. Métodos que
sirvam tanto dentro da sala de aula, quanto no cotidiano, e
devolvam o entusiasmo de educador e educando.
Para que isso aconteça o método deve estar em
harmonia com a situação e contribuir para a análise e
encaminhamento do processo educativo, assegurando
alcançar os objetivos idealizados. A seguir, temos um
exemplo de método, o qual se mostra como junção de
planejamento, pois pode direcionar-se somente para o
planejamento do momento da aula, mas envolvendo todo
o processo de análise da realidade, constrói-se como um
método eficiente para colocar o planejamento em prática.
Podemos dividi-lo desta forma:
a) Preparação: Momento de preparação da aula. Desse
momento o educador precisa sair ciente do porque do
tema escolhido, quais são os aspectos a serem
trabalhados, e sobre a continuidade ao projeto ou não.
Essa etapa divide-se em três partes:
- Identificação do problema: momento onde o educador
escolhe qual é o problema a ser trabalhado. Não há um
aspecto a ser definido para a escolha do problema. Cada
educador sabe dentro de suas necessidades, em que
momento está, e quais as circunstâncias que têm
relevância ao trabalho dentro de suas realidades.
- Análise do problema: o problema escolhido deve ter seus
aspectos internos e externos que o caracterizam. Esses
aspectos são essenciais para o entendimento do problema
e para a construção de alternativas.
- Decisão: se o problema se fizer realmente digno de uma
discussão, então o educador deve decidir o rumo que
tomará e que alternativas ele poderá construir em
conjunto, ou apresentar aos educandos através de ações
práticas, ou no mínimo, desafiadoras ou
conscientizadoras.
b) Construção da atividade: Terminado o momento de
escolha e definição do problema o educador necessita
construir formas de suscitar também no educando a
importância do problema. Para isso ele precisa de um
planejamento da ação e da definição dos objetivos.
- Planejamento da ação: rumo pretendido para se atingir o
objetivo do desenvolvimento do projeto, como serão
atingidos os objetivos: análise bibliográfica, discussão em
grupos, pesquisas sociais, etc.
- Definição dos objetivos: quais os objetivos queremos
alcançar colocando o problema. Esse momento se
desdobra em: levantamento e análise do problema e
decisão, para que haja centralização e não dispersão no
momento da ação.
c) Ação: A ação é o momento de colocar em prática o
planejamento e a construção. Nas duas primeiras etapas,
é o educador que se aprofunda para superar sua condição
leiga do assunto que escolheu, ou para melhorar ainda
mais aquilo que já sabe, bem como atualizar os
conhecimentos. Faz-se isso antes, pois no momento da
prática o educador precisa estar ciente disso e auxiliar, ao
educando, na sua construção. Para isso pode utilizar-se
de:
- Requisitos para assegurar o cumprimento das metas:
momento de apresentação do problema, da sua colocação
para os educandos em forma de textos, de música, ou até
mesmo de relato de algum tema ou assunto escolhido.
- Distribuição de tarefas: como já mencionado, este é o
momento do educando fazer sua descoberta. O educador
introduzindo o problema suscita no educando a
necessidade de aprofundamento da discussão. Para isso
pode servir-se da pesquisa, distribuindo os educandos em
grupos, ou individualmente, encarregando tarefas e os
conduzindo ao conhecimento, assim como Montaigne dá o
exemplo das abelhas que voam para buscar o néctar para
voltar e fabricar sua essência que é o mel.
- Avaliações: feita a pesquisa, ou cumprida as tarefas, é
momento de sentar e partilhar erros e acertos. É o
momento do educador contrapor seu saber com o saber
do educando, sabendo respeitar este momento, e os
saberes, bem como modos de expressão, de cada um.
Nessa junção entre o que o professor fornece, e aquilo
que o educando encontrou e desenvolveu, forma-se a
essência dos conceitos, o “mel”, doce e agradável que
dará a sensação de satisfação e conquista do educando.
Pode-se utilizar este momento para a construção de
avaliações em forma de produção textuais, jograis, ações
pós-sala de aula, que fica a cargo do educador. (a
avaliação será aprofundada a seguir).
Porém, é preciso destacar que, mesmo ótimos
subsídios, ótimos métodos quando não utilizados de forma
consciente, ou quando utilizados de forma desleixada, se
tornam totalmente ineficientes. Quando o educador decidir
utilizar um método, deve estar ciente de que o método
realmente se encaixe dentro do processo de
aprendizagem dos educandos a que se refere, levando em
conta condições de conhecimento do educando e do
educador, condições de infraestrutura, condições
socioeconômicas, média de idade e quaisquer outros
indicadores que possam ser diferenciais no contexto do
educar. Nesse sentido, mencionamos a seguir algumas
sugestões a serem utilizadas com os métodos em sala de
aula. Cada uma com suas ressalvas.

3.4.3.1 Dinâmicas

Dentre os subsídios utilizáveis para se construir


uma aula mais dialética, as dinâmicas são as que mais me
atraem. Na maioria das vezes, quando se utiliza uma
dinâmica em sala de aula, ou em qualquer outro grupo que
se deseja trabalhar, fica muito mais fácil de coordenar o
espaço pedagógico, tanto educador, como educando,
conseguem ficar muito mais à vontade na aula. Ambos, a
partir da dinâmica, criam um vínculo, em que a base
piramidal que se está acostumado a ver em sala de aula,
acaba caindo por terra. Desenvolve-se um elo de diálogo e
reflexão, e facilita-se o andamento do processo.
Primeiro vamos entender o que é dinâmica em seu
sentido popular. Podemos entender dinâmica olhando, por
exemplo, a aerodinâmica de um carro: para que ela serve?
A dinâmica de um carro é toda uma estrutura que ajuda o
desenvolvimento do carro, melhor desempenho, mais
potencia mais estabilidade, maior aproveitamento do
combustível, enfim, é o que faz o carro chegar mais rápido
e melhor ao seu destino, ajudando-o a atingir seu objetivo.
A dinâmica aplicada em uma aula deve ter o
mesmo objetivo, ou seja, não deve ser somente um
somatório ou um passa tempo. Brincar, os educandos
brincam em casa, ou em lugares próprios para isso. A
dinâmica deve contribuir para o melhor entendimento do
tema pelo educando. Fazendo com que o educando
consiga captar melhor o tema trabalhando e criando seus
conceitos de entendimento.
Outro grande ponto a se ressaltar quando se trata
de falar sobre dinâmicas, é que ela deve estar ligada com
o tema. Seu encaixe deve estar voltado para um desfecho
em cima do tema, ou problema proposto. Caso contrário,
ela se torna totalmente ineficiente. Exceto o exposto a
dinâmica é sempre um acréscimo bem vindo, podendo ser
usada em qualquer espaço e em qualquer momento
dentro das técnicas definidas para se ministrar aulas.
Quando bem trabalhada contribui relativamente para a
compreensão do aluno sobre o tema.

3.4.3.2 Multimeios, multimídias, videoteca

Eis uma grande ressalva a se fazer: é muito


complicado estarmos discutindo essa relação de uso de
materiais. Porém, não poderíamos deixar de expressar
nossa opinião sobre o uso desse tipo de material.
Dado o avanço tecnológico, que se estabelece
como invasão presente nossa sociedade há muito, já
adentrando os portões das escolas, é sempre tentador
usar esse tipo de material. Isto porque pensamos estar
falando a língua do educando, visto que, ele também os
utiliza. Mas temos que estar cientes das mais diversas
situações que podemos encontrar.
Do mesmo modo que podemos encontrar aquelas
pessoas que usam a internet e têm acessos aos mais
diversos materiais, dando essa acessibilidade e alternativa
ao educador. O educador, então, precisa estar ciente de
que nem todos os educandos possuem acesso a esses
meios. Assim, o que pode ser atrativo para uns, pode ser
estranho a outros, ser ultrapassado a alguém.
A novidade é de grande ajuda quando consegue
atingir o maior número possível de educandos, nunca os
equiparando, ou nivelando, medindo o que eles, ou suas
famílias possuem, ou não. Sabemos que uma das mais
fortes exclusões no século XXI é a exclusão digital. Se não
soubermos dosar ou utilizar essas “alternativas
tecnológicas”, vamos chamá-las assim, podemos estar
contribuindo para aumentar o abismo entre aqueles que
possuem e aqueles que não possuem acesso a esses
meios. Não que não possam ser usadas, mas talvez,
devam ser usadas em condições adequadas, sempre
levando em consideração possíveis “excluídos digitais”,
bem como, ter presente que o conteúdo disponível na
Internet, quando utilizado para fins de textos retirados,
nem sempre possuem originalidade e devem servir de
meios de discussão, não como verdades a serem aceitas.
Mais um ponto importante: o educador nunca deve
contar somente com este tipo de material para preparar
suas aulas. Alguns materiais, como slides por exemplo,
podem não funcionar nos momentos que deles se precisa.
Portanto, o educador deve sempre possuir material
reserva, ou alternativo, caso venham a acontecer
imprevistos.

3.4.3.3 A utilização da cultura local


Esse é um ponto bastante importante quando se
trata de formalizar as discussões dentro das salas de aula.
Dentro do modismo a que nos adaptamos, onde
valorizamos muito mais o que se produz fora de nossa
realidade, do que aquilo que produzimos, deixamos de
situar o educando em seu meio, e deixamos de valorizá-lo
também. Precisamos fazer uma pequena reflexão nesse
sentido. Sabemos que a construção da história é feita
através da satisfação das necessidades dos povos. É essa
satisfação que deixa suas marcas, algumas gigantescas, e
outras menores, mas todas da mesma importância.
Um dos assuntos que sempre comparamos é que
em uma aula de história, por exemplo, mencionam-se as
pirâmides egípcias ou magistrais construções dos mais
diversos povos, e deixa-se de valorizar aquilo que o
educando possui em sua casa, como marco de uma
construção histórica produzida através da evolução de sua
“arvore genealógica”. Em alguns casos, é essa parte da
história que pode servir de base para o entendimento de
muitas coisas e para chamar a atenção do educando para
o aprendizado.
O educando pode compreender que a “colher de
madeira” que seus avós utilizavam para preparar o
alimento em suas casas é uma adaptação necessária para
substituir as mais variadas peças de talheres existentes na
atualidade, assim como a panela de barro também o é. A
própria maneira de produzir chás, ou armazenar alimentos,
que ainda são lembrados por várias gerações e se
constituem exemplos fantásticos, substituem, de modo
saudável, os prejudiciais conservantes. Assim como a
produção de farinha acontecia por intermédio de
movimentos forçados pela água, os famosos “liquinhos”
moldavam uma arquitetura diferente para melhor utilizar a
luminosidade produzida pelas suas chamas. Enfim, aqui
temos exemplos de física, química, biologia, e podemos,
além desses, ter vários outros exemplos, basta utilizar a
imaginação e deixar o educando fazer o mesmo e
compreender que cada cultura teve suas necessidades e
suas formas de conduzir a vida.
Valorizar a cultura local é valorizar o educando em
suas origens, e demonstrar que ele também tem sua
parcela de contribuição para a construção da história, e
que suas potencialidades são muitas e de extrema
importância, e ele tem a possibilidade de desenvolvê-las e
que o educador pode ser um elo de ligação para que ele
alcance esse objetivo. Essas atitudes tornam a aula mais
eficiente, satisfatória e certamente bem mais interessante.

3.4.3.4 Avaliação

Quando se fala em novas experiências


educacionais logo se pensa na avaliação. Afinal, tem sido
ela a “pedra no sapato” de gerações de educadores e
educandos. Sua discussão é constantemente retomada,
almejando-se entender sua função, e desenvolver
alternativas de aplicação. Mas, há finalidade para a
avaliação? Ela é necessária?
Talvez agora decepcionemos muitos
esperançosos que aguardavam um “não” como resposta.
A avaliação é necessária sim, e muito. Não avaliar é temer
enfrentar os problemas e a realidade. A avaliação é parte
da educação dialética que se faz resgate necessário para
se compreender até onde a educação chegou. É
instrumento de superação das limitações. Avaliar é ter
coragem de assumir atitudes com o intuito de ir além, de
aperfeiçoamento.
Como diz Alvarez:

A avaliação é uma é uma excelente


oportunidade para que quem aprende ponha
em prática seus conhecimentos e sinta a
necessidade de defender suas idéias, suas
razões, seus saberes. Também deve ser o
momento no qual, além das aquisições,
aflorem as dúvidas, as inseguranças, o
desconhecimento, se realmente há intenção
de superá-los. Ocultá-los é uma artimanha
pela qual se paga um preço muito alto em
etapas posteriores ou no futuro (2002,
p.15).

Quando pensamos em avaliação temos que estar


cientes do que queremos avaliar. Portanto, precisamos
entender de qual avaliação estamos falando. Falamos aqui
da verdadeira avaliação, que vai muito além de provas e
exames finais que pretendem medir e classificar. Uma
avaliação que consiga contemplar a evolução do
educando e também do educador, e não somente avalie a
condição escolar, mas também que consiga avaliar a
evolução social em todas as suas dimensões, falamos,
portanto, de “avaliação contemplativa”, que avalie a
evolução, o andamento, e que projete um
aperfeiçoamento.

O professor aprende para conhecer e para


melhorar a prática docente em sua
complexidade, bem como para colaborar na
aprendizagem do aluno, conhecendo as
dificuldades que deve superar, o modo de
resolvê-las e as estratégias que coloca em
funcionamento. O aluno aprende sobre e a
partir da própria avaliação e da correção, da
informação contrastada que o professor
oferece-lhe, que será sempre crítica e
argumentativa, mas nunca desqualificadora,
nem punitiva (ALVAREZ, 2002, p.14).

Desafie assim, educando e educador à mudança,


caso contrário, a avaliação será somente um instrumento
aleatório, colaborando com a dominação. Para isso é
imprescindível, como diz Vasconcellos “Avaliar o aluno
como um todo” (1998, p. 42). Ou como complementa
Demo: “Avaliamos, entre outras coisas, para saber a
distância entre o lugar em que ocupa no momento o aluno
e o lugar onde imaginamos que deveria estar” (1999, p.
18).
A avaliação deve ser uma inter-relação, onde o
educador avalia o educando e ao mesmo tempo se avalia.
A avaliação deve poder medir não só o nível da
capacidade que o educando tem de decidir, mas também,
deve medir a capacidade de produção própria, de
aprendizagem e de outras áreas que manifestam o
educando em um todo. Porém, um dos problemas da
educação, segundo Demo, é o que muitas vezes
manifesta o temor da avaliação, ou seja, o temor da
avaliação está naquilo que a avaliação irá demonstrar.
Afinal é de questionar-se (e esse é o dever do educador),
o porque das notas baixas e altas dos educandos,
repetindo os acertos, e corrigindo os erros, sempre
privando por um ensino de qualidade e includente.
O educador precisa levar em consideração a
realidade socioeconômica do educando, suas dificuldades
e potencialidades, e ter em mente que avaliar pode ser
excludente. Contudo, como diz Demo (1999), omitir-se de
avaliar também é uma forma de exclusão, na medida em
que se nega a perceber o nível de aprendizado do
educando e a eficácia das técnicas educativas utilizadas.
A nota pode também servir de avaliação quando
se torna indicador, tornando mais fácil a visão qualitativa
da aprendizagem, auxiliando na interpretação daquilo que
foi aprendido e no direcionamento daquilo que precisa ser
melhorado, tanto pelo educador como pelo educando. Mas
não pode ser a nota, de forma alguma, o julgamento
definitivo e indiscutível, ainda mais quando usada para
fazer o aluno permanecer em sala de aula. Com Demo
dizemos fazer o educando permanecer dentro da sala de
aula deve fazer parte do papel de uma boa aula, e não do
temor que os educandos criam da avaliação.
Entendido este ponto sobre a avaliação em geral,
precisamos compreender que dentro da filosofia, qualquer
atividade pode servir de parâmetro avaliativo. Todo
educador já considera certo grau daquilo que ele quer
avaliar, ou seja, além daquelas já propostas pela LDB é
possível dinamizar, porém, é sempre bom ressaltar
algumas considerações básicas sobre avaliação:
É preciso evitar a prova como avaliação principal.
Esta deve ser um complemento, principalmente em
filosofia. Se o objetivo é criar educandos conscientes,
formar a sua consciência critica e criadora, não podemos
de modo algum estimular o “decorar para a prova”. Isso
pode ser um atraso dentro do processo construtivo
filosófico. Porém, não deixa de ser uma alternativa quanto
ao modo de avaliar até que ponto o aluno entendeu e
consegue expressar o seu conhecimento.
A avaliação deve ser feita na observação a partir
da construção pessoal, relacionando potencialidades,
limitações e necessidades, tanto de trabalhos individuais,
como também trabalhos coletivos. O que, por si só, já é
importante para perceber como o educando consegue se
relacionar, participar e opinar, expondo seu senso crítico e
participativo. É preciso socializar o educando, mas
também fortalecer suas individualidades. O todo se faz
pelo uno e o uno se faz pelo todo.
Pode-se e deve-se trabalhar avaliações orais,
objetivas e descritivas, de modo a aproveitar o máximo da
potencialidade do educando, oferecendo alternativas para
seu melhor modo de expressão, respeitando suas
limitações e entendendo a melhor forma de fazê-lo
participar ativamente, contribuindo dessa forma para seu
crescimento.
É preciso avaliar a validade e a eficácia da
avaliação. Não ter medo de inovar os critérios avaliativos é
interessantíssimo, de modo a não cair na rotina e na
monotonia, a tal ponto que os educandos possam saber o
que o educador vai cobrar, construindo um pré-saber e um
pré-entender prejudicial para o entendimento dos temas e
desenvolvimento do conhecimento.
REFERÊNCIAS

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano –


compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
BORAN, Jorge. O Senso crítico e o método ver-julgar-agir.
4.ed São Paulo Loyola, 1977.
DEMO, Pedro. Mitologias da avaliação: de como ignorar,
em vez de enfrentar problemas. São Paulo: Autores
Associados, 1999.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
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FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. São
Paulo: Editora UNESP, 2001.
GUARESCHI, Pedrinho A. Sociologia crítica: alternativas
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HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo: parte II. Petrópolis, RJ:
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MENDES, Juan Manuel Álvarez. Avaliar para conhecer,
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MOVIMENTO SEM TERRA. Método de trabalho e
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PAIVA, Vanildo de. Filosofia: encantamento e caminho:
introdução ao exercício do filosofar. São Paulo: Paulus,
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PAULUS, Editora. Relações do ensinar. São Paulo: Paulus,
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VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação da
aprendizagem: práticas de mudança: por uma práxis
transformadora. 4. ed. São Paulo: Libertad, 1998.
(Cadernos Pedagógicos do Libertad).
POSFÁCIO
Celito Luft3

Não nascemos prontos e destinados, nem santos


nem bandidos. Nascemos enquanto possibilidade de nos
humanizarmos. Por isso, do ponto de vista cultural, torna-
se mais correto falar em condição humana, dotada de
racionalidade e subjetividade. A recuperação do processo
histórico que nos molda, mas não nos determina, é um
saudável gesto de rebeldia contra a absolutização do
momento atual, que o modelo capitalista neoliberal quer
nos impor.
É marca indelével da pessoa humana a
capacidade de pensar-se ao longo do tempo, como
construção social em constante transformação. Por isso,
educação é inerente ao processo histórico. Afinal,
educação é cultura e ideologia, do que deriva sermos
todos educadores, assim como Gramsci (1891-1937),
afirmava que “todos somos filósofos”.
O livro “Caminhos da Educação”, escrito por
Henriqueta, Márcio e Rudinei, jovens grávidos de
esperança, desnuda a atual visão tecnicista de educação
aliada ao neoconservadorismo, que mata a utopia. Seus
escritos estão repletos de rebeldia contra o atual modelo
educacional definido pela globalização capitalista
neoliberal, responsável pela atual crise, que marginaliza e
exclui, provocando miséria, desemprego, violência e o
aumento assustador do tráfico de drogas lícitas e ilícitas. O
atual modelo educacional deixou-se embalar pela cantiga

3
Professor, URI – Campus de Frederico Westphalen- RS
neoliberal. A única ética que conhece é a do mercado,
sendo por isso, incapaz de gerar compaixão e
solidariedade.
Está presente no texto o grito de rebeldia contra a
lógica colonial, positivista e retrógrada, que mais do que
nunca exige como tarefa urgente da educação, o processo
de humanização e a capacidade de gerar autonomia.
Educadores(as), como nos dizem Henriqueta, Márcio e
Rudinei, influenciam sim o educando, a tal ponto que ele
não se deixa mais influenciar. O espúrio casamento entre
tecnicismo e neoconservadorismo desemboca na
formação de autômatos, pensados, mas incapazes de
pensar. Os autores apontam também como tarefa da
Universidade rever a formação de educadores e
vislumbrar se ela não caiu na armadilha neoliberal,
hegemônica no Brasil a partir da década de 90.
A parte final dos escritos, Henriqueta, Márcio e
Rudinei, jovens comprometidos com a transformação
social, nos sugerem caminhos que poderão ser trilhados
para a superação do atual modelo educacional. Trata-se
do método VER – JULGAR – AGIR, que tem sido utilizado
por tantos movimentos sociais, especialmente pelas
Comunidades Eclesiais de Base. Exatamente por isso,
este método tem causado tanta insônia à elite nacional. O
livro “Caminhos da Educação”, ao mesmo tempo em que
aborda a problemática educacional atual, nos desafia e
convida a sermos apaixonados e nos engajarmos nas
causas da pessoa humana e nas lutas sociais que
objetivam a esta causa.

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