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RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar a distribuição espacial da esquistossomose no
município de Aracaju (SE) no período de 2005 a 2014, buscando identificar o modelo
(re)produtivo da doença a partir dos condicionantes socioambientais e espaciais. Trata-se
de estudo ecológico descritivo, baseado na pesquisa bibliográfica e documental. Neste
período, foram registrados 8.662 casos da endemia no município. A Subzona Periférica Sul,
que abrange os bairros Santa Maria, São Conrado e Zona de Expansão, apresentou a
maior incidência de esquistossomose, sendo que os dois primeiros bairros apresentam a
mais baixa renda média da cidade e precariedade no sistema de saneamento básico, com
focos de ocorrência da Biomphalaria glabrata. Ainda contribuem para a (re)produção da
esquistossomose: elevado índice de casos não tratados (55%); pouco efetivo técnico para a
busca ativa; ausência de ações permanentes em educação em saúde; ausência de ações
intersetoriais visando elevar a qualidade ambiental e de vida sobretudo na periferia da
cidade.
Palavras chave: Esquistossomose. Condicionantes Socioambientais. Ambiente Urbano.
ABSTRACT
This article aims to analyze the spatial distribution of schistosomiasis in the city of Aracaju
(SE) from 2005 to 2014, in order to identify the (re) productive model of the disease from the
socioenvironmental and spatial conditions. This is a descriptive ecological study, based on
bibliographical and documentary research. During this period, 8,662 cases of endemic
disease were recorded in the municipality. The South Peripheral Subarea, which covers the
Santa Maria, São Conrado and Expansion Zone districts, presented the highest incidence of
schistosomiasis, with the first two districts having the lowest average income in the city and
precariousness in the basic sanitation system, with outbreaks occurrence of Biomphalaria
glabrata. They also contribute to the (re) production of schistosomiasis: a high rate of
untreated cases (55%); little effective technical for active search; absence of permanent
actions in health education; absence of intersectoral actions aimed at raising environmental
and living quality, especially on the outskirts of the city.
Keywords: Schistosomiasis. Socioenvironmental Conditioners. Urban environment.
INTRODUÇÃO
A esquistossomose mansoni continua sendo um grande problema de saúde pública. É endêmica em
76 países e estima-se que 200 milhões de pessoas estejam infectadas, 400 milhões corram risco de
se contaminar e 200 mil morram por ano. É a segunda parasitose humana mais disseminada no
mundo de acordo com a OMS (2010).
Figura 01 – Área endêmica para a esquistossomose no Brasil e área de expansão após 1920.
Fonte: BRASIL, 2014.
PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
Esta pesquisa está alicerçada em dois campos do conhecimento: Geografia da Saúde e
Epidemiologia. Ambas contribuíram para o entendimento da multicausalidade da ocorrência das
doenças no contexto socioambiental, tendo sido definida como um estudo ecológico descritivo, com
uso da pesquisa bibliográfica e documental a partir de dados secundários.
Assim, para atingir os objetivos propostos foi realizado um levantamento epistêmico sobre a temática
e em seguida o levantamento de dados secundários baseados nos Indicadores de
Morbidade/DATASUS, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN, no Programa de
Controle da Esquistossomose/PCE/SES e nos dados dos inquéritos coproscópicos realizados pelo
Centro de Controle de Zoonoses do estado de Sergipe, associados com pesquisas de campo.
Para geração do banco de dados e posterior construção de tabelas e gráficos foi utilizado o programa
Excel/Windows/07. Para elaboração dos mapas foi utilizada base de dados da Superintendência de
Recursos Hídricos (SRH, 2013) e da Prefeitura Municipal de Aracaju (PMA, 2010) e o ArcGis 10.1
como software, buscando identificar padrões espaciais de localização da prevalência da morbidade.
Para o cálculo da taxa de incidência foi utilizada a seguinte fórmula:
n
CI = número de casos novos x 10 / população por bairro, onde n equivale ao tamanho da amostra da
população. Foi considerado n = 5, para expressar o resultado por 100.000 habitantes.
Para calcular a correlação entre fatores ambientais e a ocorrência da esquistossomose foi utilizado o
processamento estatístico descritivo e probabilístico, usando-se o Coeficiente de Correlação de
Pearson, cujos dados de precipitação foram considerados como a variável independente e os casos
de esquistossomose como variáveis dependentes. Para análise dos resultados foi considerada a
classificação de Dancey e Reidy (2006): 0 a 0.30 (positivo ou negativo) indica fraca correlação; 0.40 a
0.6 (positivo ou negativo), correlação moderada; 0.70 a 1 (positiva ou negativa) indica forte correlação
A construção do modelo (re)produtivo da doença baseou-se nas considerações de Montoya et.al.
(2011) e Moreira e Lobos (2011), associado com a análise dos condicionantes socioambientais do
recorte espacial em estudo e pesquisas de campo.
A referida pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da
Universidade Federal de Sergipe através da Plataforma Brasil, número CAAE 58211916.0.0000.5546,
de acordo com a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde,
bem como aprovação pelo Centro de Educação Permanente em Saúde do município de Aracaju
(CEPS/SMS), conforme normas da Secretaria Municipal de Saúde.
ÁREA DE ESTUDO
Localizado na região litorânea do Nordeste Brasileiro, o município de Aracaju é a captial do estado de
Sergipe. Apresenta uma área total de 181,8km2 (Figura 02). Encontra-se dividida entre duas bacias
hidrográficas: Sergipe e Vaza Barris. Ao Norte, limita-se com o rio do Sal e ao Sul com o rio Vaza-
Barris; a Oeste, com os municípios de Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão, e a Leste com o
Rio Sergipe e o Oceano Atlântico. A população total estimada para 2016 é de 641.523 habitantes,
dividida desigualmente entre 40 bairros. A densidade demográfica de 3.528,7hab/km2, apresentando
o mais alto IDH do Estado (0,770), com índice de pobreza de 27,45% (IBGE, 2010).
O município de Aracaju é considerado como totalmente urbanizado, tendo apresentado nas últimas
décadas um rápido crescimento populacional, com aumento da ocupação de áreas periféricas e
expansão habitacional sobre os municípios vizinhos o que trouxe como consequências a formação de
assentamentos subnormais na periferia da cidade e degradação ambiental em função da ocupação
em áreas de preservação permanente.
O mais populoso bairro de Aracaju é o Farolândia com 38.257 habitantes. Em segundo lugar situa-se
o bairro Santa Maria com 33.475 habitantes, seguido pelo São Conrado, com 30.675, Zona de
Expansão, com 27.899 e em quinta posição o bairro Santos Dumont com 25.808 habitantes (Tabela
01). Vale destacar que os bairros Santa Maria, São Conrado e Santos Dumont são caracterizados
como os que apresentam menor renda por responsável por domicilio (IBGE, 2010).
Os bairros Santa Maria e São Conrado concentram população de baixa renda (associado com todos
os problemas sociais e ambientais a ela relacionados) e nos quais há concentração de casos da
doença.
A Zona de Expansão caracteriza-se como área de crescimento urbano da capital apresentando um
perfil misto de ocupação tanto por grandes condomínios fechados de alto poder aquisitivo, quanto por
localidades com precárias condições de saneamento, anteriormente denominadas de povoados. Os
inquéritos realizados pelo CCZ nesta área, abrangem principalmente as localidades consideradas de
menor poder aquisitivo. Desta forma, a Zona de Expansão de Aracaju, para a referida pesquisa, foi
incluída na Zona Periférica Sul (Tabela 01).
O maior quantitativo de exames realizados (48.618) e de população trabalhada (78.928) neste
intervalo de 10 anos foi em 2010. O ano de 2006 apresentou uma maior abrangência da população,
visto que 72,3% dos coletores foram devolvidos. O ano de 2014 apresentou o menor número de
exames realizados (9.333) e o maior de amostras não recolhidas (7.085) (Tabela 02).
Tabela 02 – Exames realizados, amostras não recolhidas, população trabalhada e total de casos
positivos para esquistossomose no município de Aracaju (2005-2014).
Exames realizados Amostras não População Total de
Ano recolhidas trabalhada casos
Total % Total % positivos
2005 15.720 69,9 6.783 30,1 22.503 825
2006 33.739 72,3 12.951 27,7 46.690 1.160
2007 27.727 68,8 12.600 31,2 40.327 808
2008 12.346 66,9 6.126 33,1 18.472 381
2009 22.224 63,2 12.919 36,8 35.143 832
2010 48.618 61,6 30.310 38,4 78.928 2.289
2011 14.843 61,5 9.299 38,5 24.142 840
2012 22.617 57,8 16.496 42,2 39.113 666
2013 20.371 57,2 15.250 42,8 35.621 625
2014 9.333 56,9 7.085 43,1 16.418 236
TOTAL 227.538 - 129.819 - 357.357 8.662
Fonte: PCE/SES (2016). Organizado pelo autor.
Consequentemente, em termos totais, o número de casos foi mais expressivo nos anos de 2010 e
2006, demonstrando que a medida que se amplia a busca ativa, aumenta a chance de se encontrar
casos positivos da doença.
Constata-se uma média de 63,6% dos coletores são devolvidos vazios o que pode ser um indicativo
que os resultados podem estar subestimados. Este percentual indica também que as ações
educativas para a importância da realização do exame de fezes necessitam ser revistas e ampliadas
no sentido de fortalecer as ações de educação em saúde.
Outro fator que influencia nos resultados é o total da população trabalhada. Foram necessários dez
anos para que fosse trabalhado um total de 357.357 pessoas. Considerando que em 2010 o total de
habitantes de Aracaju foi de 571.149 habitantes, constata-se uma lacuna na efetividade do programa
para atender a capital sergipana.
No computo geral foram pesquisados 30 bairros ao longo destes dez anos, havendo concentração de
esforços em dois ou três bairros por ano. O ano de 2010 abrangeu o maior número de bairros (vinte e
seis) e o ano de 2008 o menor número de áreas pesquisadas (cinco) (Figura 04). De acordo com o
CCZ (2016), a realização dos exames de coproscopia buscou abranger as áreas mais periféricas e
carentes da cidade, muito embora não tenha atingido a média de 80% da população de cada bairro,
conforme preconiza as normas do Ministério da Saúde (BRASIL, 2014).
Figura 04 – Total de bairros cobertos, por ano, nos inquéritos de coproscopia realizados pelo Centro
de Controle de Zoonoses no município de Aracaju (2005-2014).
De acordo com as planilhas do PCE/CCZ (2005-2014), os inquéritos não são realizados a cada dois
anos nos bairros da cidade, conforme prevê as Normas da Vigilância para a Esquistossomose
(BRASIL, 2014), nem mesmo naqueles nos quais são considerados como foco da doença, em função
do número limitado de agentes de endemias, que não atende às demandas locais. Este fato leva a
reflexão da necessidade de rever as políticas públicas de saúde em âmbito local no que tange a
importância da esquistossomose no contexto sergipano e brasileiro.
Assim, a realização dos inquéritos pelo CCZ tem abrangido efetivamente, em média, três bairros por
ano, com baixa cobertura (entre 5 a 67% da população) deixando a população vulnerável no que se
refere ao diagnóstico e tratamento da esquistossomose, comprometendo o sucesso das ações de
controle (Tabela 03, figura 05).
Fonte: PCE/SES/SE
Analisando os dados da referida tabela, constata-se que é baixa a cobertura por busca ativa por
bairros, abaixo da média de 80%, conforme Normas de Vigilância para a Esquistossomose (BRASIL,
2014). Apenas dois bairros em 2010 e um bairro em 2011 atingiram a média de 50% de cobertura,
fato este agravante para o sucesso do controle e monitoramento desta enfermidade.
Analisando especificamente a realidade de cada bairro, constata-se que a frequência no
monitoramento da capital sergipana também é variável bem como a não ampliação da cobertura nos
bairros com maior número de casos e ou maior incidência.
Esta desigualdade no número de exames realizados por ano e o baixo percentual de cobertura da
população em risco não é uma realidade apenas de Aracaju. Farias et. al. (2011) ao avaliar a
efetividade do Programa de Controle de Esquistossomose na Bahia, constatou variações abruptas no
total de exames entre os anos de 1999 e 2002, sendo que no computo geral, a cobertura alcançou
somente 10% da população residente nas áreas endêmicas.
O maior número de casos ocorre nos bairros da zona norte da capital (Tabela 04). Mas ao fazer a
análise da incidência da doença na população, considerando o número de casos por
100.000habitantes, constata-se uma concentração superior na Subzona Periférica Sul, seguido pela
zona norte e oeste (Figura 06). Tal realidade deve ser um indicativo da necessidade de concentrar
ações nas referidas áreas, bem como admitir que apenas o tratamento não está sendo suficiente para
controlar a doença. Além das pessoas contaminadas, as referidas localidades tornam-se áreas de
risco para os demais membros da comunidade.
Isto nos remete a reflexão sobre o fato de que “...onde os problemas de saúde das populações
atingem grande visibilidade, seja desenvolvido um olhar que permita instrumentalizar o entendimento
dos problemas de saúde e promover as soluções possíveis” (MONKEN e BARCELLOS, 2007, p.177).
Para tal, urge a integração entre o componente social e ambiental do recorte espacial em estudo.
Os dados revelam que o bairro com a maior incidência e também com o maior número de casos e de
problemas ambientais é o Santa Maria, que apresentou busca ativa pelo CCZ em 2006, 2010 e 2014
(Tabela 06), mas com baixa cobertura como citado anteriormente. Outros bairros com o mesmo
quantitativo de monitoramento foram o Porto Dantas, Jardim Centenário e Santos Dumont. Nos
demais a frequência de monitoramento nos dez anos pesquisados variou de uma a duas vezes.
Somente no bairro Santa Maria, são 33.475 habitantes. Além deste fato, constata-se precariedade s
de saneamento e baixa renda (IBGE, 2010). A renda média do responsável encontra-se na faixa de
até R$ 700,00, sendo a mais baixa de toda a cidade. Este bairro também é considerado, ao lado dos
bairros Santos Dumont e Olaria, como um dos mais violentos de Aracaju (SERGIPE, 2014), com
elevados índices de furtos, roubos e homicídios, o que deixa a equipe de saúde vulnerável.
Em estudo realizado por Fonseca et.al. (2010), o bairro Santa Maria foi classificado com o menor
índice de qualidade socioambiental. Em uma escala de um a cinco obteve a pontuação mínima em
termos de saneamento (com vias não asfaltadas, lixo nas ruas e esgoto a céu aberto), qualidade
precária das áreas de lazer e vias de circulação. Este cenário não modificado no corrente ano,
conforme observação feita durante a realização das pesquisas de campo.
Fonte: PCE/SES (2005-2015); INMET - Estação: Aracaju - SE (OMM: 83096). Organizado pelo autor.
Outro fator importante de grande destaque é o número de ausência ao tratamento (4783), superando
o número de pessoas tratadas (3786) (Tabela 07). Este fator, além de ampliar a morbidade do
indivíduo, torna-se um risco para a comunidade, pois com condições adequadas, o portador da
esquistossomose é potencial disseminador da doença.
O número reduzido de casos diagnosticados em 2014 não significa que ocorreu queda na
transmissão, mas sim que o monitoramento foi reduzido, dado este que pode ser constatado a partir
do número de exames realizados neste ano que foi o menor no período em estudo.
Esta realidade se repete em outros estados nordestinos. Farias et.al. (2011) em estudo realizado na
Bahia detectaram percentual elevado de ausentes no tratamento e associou este fato a deficiências
no planejamento das ações em termos da busca pelo paciente para administrar a medicação e
dificuldades de acesso do paciente aos serviços de atenção básica.
Como na atualidade os agentes de endemias não podem administrar a medicação, faz-se necessário
uma revisão do planejamento integrado entre o CCZ e as unidades básicas de saúde, visto que o
paciente com o resultado positivo é que deve ir até o posto mais próximo para receber a medicação.
Nestes termos, as ações integradas de educação em saúde ganham grande peso para incentivar a
procura pelo tratamento. Ao mesmo tempo, este procedimento requer que o sistema de atenção
básica dos bairros esteja com capacidade técnica e humana qualificada para receber mais esta
demanda.
Vale destacar que em 2016 apenas cinco agentes de endemias totalizava o corpo efetivo para o
controle da esquistossomose numa população de quase 600mil habitantes (CCZ, 2016). Este
quantitativo demonstra a incapacidade de pessoal para fazer ampla cobertura dos bairros para além
do diagnosticado. Este é o reflexo das políticas públicas voltadas para a saúde coletiva no país e que
apresenta seus piores resultados associados às doenças negligenciadas da pobreza. Para Tibiriçá
et.al. (2011, p. 1377),
Sobre o total da carga parasitária apenas os anos de 2005 e 2011 apresentaram um percentual um
pouco além dos 5% preconizados pelo Ministério da Saúde. No entanto, observando que a baixa
cobertura, em função das limitações técnicas e de pessoal do CCZ de Aracaju, pode-se duvidar de
que a doença esteja sob controle nesta localidade. Ao mesmo tempo, pelo exposto, observa-se que
bairros específicos convivem com precárias condições de saneamento e de qualidade ambiental,
demonstrando que os direitos dos cidadãos a qualidade de vida estão sendo, há anos,
negligenciados.
Este dado, para Farias et.al. (2011) é pouco significativo, pois na produção e reprodução da
esquistossomose, “...mesmo indivíduos com baixa carga parasitária podem ser responsáveis ou
atores importantes na perpetuação da doença”, o que implica que há necessidade de se repensar as
políticas públicas intersetoriais, não somente a de saúde, mas também habitação e assistência social,
de forma que o controle e erradicação da doença sejam mais efetivos e que atendam a multiplicidade
de elementos responsáveis pela sua permanência no ambiente o que coloca os cidadãos em áreas
de potencial risco.
Desta forma, considerando a realidade socioambiental dos bairros da zona norte e da subzona
periférica sul de Aracaju, associada ao número de casos não tratados, constrói-se um panorama de
pressões associados aos condicionantes socioambientais que contribuem para a (re)produção da
esquistossomose, como a menor cobertura de saneamento associada com a maior rede hidrográfica
superficial, o maior quantitativo de aglomerados subnormais e a mais baixa taxa de alfabetização
(Figura 09 a 14), constatadas nas pesquisas de campo (Figura 15).
Estes cenários são reflexos das políticas públicas de saúde do Brasil que perpetuam as iniquidades
em saúde. Para Whitehead (2000, p. 5) “o termo iniquidade tem uma dimensão moral e ética. Refere-
se a diferenças desnecessárias e evitáveis, mas, além disso, também são consideradas injustas e
indesejáveis”.
A esquistossomose é considerada uma doença negligenciada da pobreza que no contexto em análise
ratifica esta designação bem como expressa as iniquidades em saúde, pois concentra-se nas
periferias urbanas da capital sergipana atingindo a parcela mais pauperizada da população cujo
contexto locacional é privado de serviços básicos de infraestrutura.
A análise de campo permite inferir que a associação entre ocorrência e prevalência da doença em
regiões periféricas e de baixo poder aquisitivo associada a precariedade de saneamento, assistência
e qualidade ambiental não é uma novidade no campo da análise social: “Na realidade, de há muito se
sabe que a distribuição da saúde e da doença nas populações não é aleatória e que obedece à
estratificação socioeconômica dos grupos populacionais (PELLEGRINI FILHO e BUSS, 2011, p. 589).
Em concordância com Tibiriçá et.al. (2011), as estratégias de controle da doença relacionadas ao
mapeamento do hospedeiro intermediário, tratamento precoce dos doentes e ações de controle de
reinfecção associadas a um sistema de notificação são incompletas quando não acompanhadas do
saneamento ambiental e participação popular. Desta forma, “... a transmissão é, no máximo,
interrompida temporariamente e as reinfecções são inevitáveis (op.cit., p. 1377), contribuindo para a
reprodução da doença no ambiente, tornando a população mais vulnerável em virtude de onde
residem e de sua situação econômica e os desdobramentos associados ao fator renda.
Diante desta realidade, vale destacar as ponderações de Katz e Almeida (2003, p. 39) quando
afirmam que:
Figura 13 – Aglomerados
Subnormais do município de Aracaju Figura 14 – Hidrografia do município
(2010). de Aracaju (2010). Fonte: SRH (2010)
Fonte: IBGE (2010)
1. Condicionantes socioeconômicos:
1.1 Educação, refletida na concentração da esquistossomose nos bairros com a menor taxa
de alfabetização – bairros da Subzona Periférica Sul e da Zona Norte de Aracaju;
1.2 Variações demográficas – o bairro Santa Maria recebeu e ainda recebe grande
contingente de aglomerados subnormais que são deslocados de outros bairros e alojados
Fonte: Adaptado de Montoya et.al. (2011) e Moreira e Lobos (2011) para a realidade da esquistossomose no
município de Aracaju.
Concorda-se com Katz e Almeida (2003, p. 40) que “...no terceiro milênio da era comum, já é mais do
que tempo para essa doença parasitária deixar de ter importância na saúde pública brasileira” e
implementar políticas públicas intersetoriais visando a erradicação deste tipo de enfermidade que
atinge grupos sociais vulneráveis do ponto de vista socioeconômico.
Este entendimento é partilhado por outros pesquisadores, dentre eles Vidal et al (2011) e Leal Neto
et.al. (2012) que ao estudar a esquistossomose no município de Jequié, Bahia e na Zona da Mata,
Pernambuco, respectivamente, constataram que o percentual de positividade altera a cada ano
reforçando a necessidade de políticas públicas e medidas de controle da esquistossomose nos
municípios, com enfoque não apenas no tratamento com quimioterápicos, mas também em ações
efetivas de saneamento básico, educação ambiental e educação para a saúde.
A vacina brasileira contra a esquistossomose após 30 anos de pesquisas foi escolhida como
prioridade de investimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) visando suprir necessidades de
saúde de países em desenvolvimento. No entanto, importante ressaltar que se os resultados forem
promissores será um grande avanço para reduzir a morbidade causada pela endemia, mas que não
soluciona problemas estruturais e socioeconômicos presentes nas periferias urbanas e rurais do
Brasil (FIOCRUZ, 2016).
É fundamental, também, rever o entendimento do conceito de saúde. Para Valadares e Lima (2015,
p.461) um dos conceitos mais utilizados na prática sobre a relação saúde-doença visualiza que
Outro grande salto seria efetivar as ações associadas a intersetorialidade das políticas de saúde. Em
concordância com Valadares e Lima (2015, p.458), a articulação intersetorial é tida como um
instrumento essencial para a saúde e para a assistência social, buscando “...potencializar os serviços
que darão origem ao processo de empoderamento dos usuários”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados corroboram para a reflexão sobre a importância da relação ambiente-
sociedade no processo saúde-doença. Embora a esquistossomose mansoni tenha seu ciclo
diretamente relacionado com os fatores naturais (presença de coleções hídricas contaminadas e do
hospedeiro intermediário) o componente social associado com a fraca efetividade das políticas
públicas voltadas para o comprometimento com a erradicação da esquistossomose e as falhas
operacionais institucionais, são pontos fortes para a permanência da enfermidade no ambiente.
Embora os dados oficiais indiquem a baixa prevalência da esquistossomose no município de Aracaju
a manutenção desta enfermidade em vários bairros aracajuanos, com destaque para o Santa Maria,
São Conrado e Santos Dumont, é o resultado de uma série de elementos que atuando em conjunto
contribuem para que a endemia ainda seja um problema de saúde pública na capital sergipana: a não
efetividade no tratamento (número elevado de ausentes); a não realização de exames pós-tratamento
para o controle de cura; precárias condições de saneamento; concentração da doença nas regiões
periféricas da cidades associadas ao mais baixo nível de renda; presença do hospedeiro
intermediários tanto nas coleções hídricas de uso coletivo, quanto nas valas de esgotos, cuja
adaptação do caramujos a estes ambientes urbanos deteriorados foi rápida; efetivo do CCZ reduzido
para atender as demandas relacionadas a esta enfermidade; ausência de ações continuas e efetivas
em educação em saúde; necessidade de novas estratégias para a educação em saúde além da
panfletagem; integração incipiente entre os agentes de endemias e os agentes de saúde; ampliação
do saneamento ambiental.
Desta forma, o modelo (re)produtivo da esquistossomose no município de Aracaju retrata as
condições ecoepidemiológicas para a sua permanência no ambiente, pois a estrutura
socioeconômica, seus condicionantes ambientais e as ações limitadas e setorizadas das políticas
públicas de saúde e assistência social, por exemplo, formam um cenário que podem contribuir para a
expansão desta enfermidade no contexto sergipano.
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