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AS CONCEPÇÕES SOBRE CIÊNCIA E A RELAÇÃO COM A


ESCOLHA PROFISSIONAL DE ESTUDANTES DO ENSINO
MÉDIO
CRISTIAN OTÁVIO DE LIMA – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
VANESSA MAÍRA DOS SANTOS – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
JOSÉ BRÁS BARRETO DE OLIVEIRA – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
CRISTIANSMURFPHY@GMAIL.COM

PROGRAMA NÚCLEOS DE ENSINO

Eixo Temático: Eixo 3 – Políticas e práticas no Ensino Médio.

Categoria: pôster.

RESUMO

Estudos em diferentes países mostram baixo interesse dos estudantes em


aulas de ciências e que este fato impacta a sua escolha profissional. Neste
trabalho, investigamos os interesses e as concepções sobre ciência de
estudantes do ensino médio de uma escola pública do estado de São Paulo. Os
dados obtidos apontam que os estudantes reconhecem a importância da ciência,
mas predominam concepções ingênuas sobre a ciência. Importante parcela
almeja chegar à universidade, mas as carreiras científicas estão completamente
ausentes de suas escolhas. O estudo indica a importância da contextualização
das atividades pedagógicas e a necessidade de ações para a melhor formação
científica dos estudantes.

Palavras chave: Natureza da Ciência; Carreira Profissional; Alfabetização


Científica.

1. INTRODUÇÃO

A indiferença dos jovens pela carreira científica e por conteúdos de


ciências no ensino básico tem configurado preocupações no cenário da pesquisa
em Ciência, Tecnologia e Educação. Em diversos países a ciência escolar tem
sido apontada pelos estudantes como desinteressante (AIKENHEAD, 2005;
KARDASH; WALLACE, 2001; BERNARDO et al., 2008; BROK et al., 2006;
DARBY, 2005, VÁZQUEZ ALONSO; MANASSERO MAS, 2008, apud GOUW e
BIZZO, 2016, p. 289). Em contrapartida, segundo aponta a pesquisa de Gouw e
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Bizzo (2016), os jovens brasileiros dizem considerar a ciência escolar


interessante e apresentam uma atitude positiva em relação a ela, apesar de não
terem preferência por ela. Entretanto, tanto meninas como meninos apresentam
pouco interesse em ingressar na carreira científica.

Uma questão discutida atualmente é se o público, cidadãos comuns no


seu dia-a-dia, tem interesse por assuntos científicos. Essa dúvida, tem sido
discutida desde os anos 80, quando Sir Walter Bodmer publicou “O
Entendimento Público da Ciência”, afirmando que “os cientistas têm o dever de
comunicar ao público seu trabalho” (Miller, 2001, p. 115, tradução nossa), numa
campanha de popularização da ciência, introduzindo o termo “alfabetização
científica”

Segundo muitos pesquisadores em educação científica, para alcançar


uma maior alfabetização científica e tecnológica, os alunos devem entender a
natureza tanto da ciência como da tecnologia (Bell & Lederman, 2003;
Constantinou et al., 2010; Driver et al., 1996; Lederman, 2007, apud
FERNANDES, RODRIGUES e FERREIRA, 2018, p. 257). Conjectura-se que o
entendimento da natureza da ciência facilita a aprendizagem do aluno, pois o
estudante supera a concepção de que seu processo de construção é linear e
neutro. Portanto, “é preciso uma educação científica que se envolva na formação
da cidadania e, nesse aspecto, a adequada visão de ciência e de cientista que o
estudante possui é um forte aliado.” (SCHEID, FERRARI e DELIZOICOV, 2007,
p. 161).

É importante que os educadores preocupem-se com percepções errôneas


no que diz respeito à ciência e atuem para despertar no aluno interesse pelo
conhecimento e o senso crítico, bem como para incentivar jovens a optarem pela
carreira cientifica, eliminando estereótipos como a visão individualista da
Ciência, em que os conhecimentos científicos aparecem como obras de gênios
isolados (FERNANDEZ et al., 2002). Ainda é necessário combater a segregação
horizontal (OLINTO, 2011, p. 69) em relação à atuação da mulher na ciência, a
fim de dar continuidade à evolução da ciência contemporânea, fator essencial
em uma sociedade altamente dependente da ciência e da tecnologia. Em seu
trabalho Gouw e Bizzo (2016) relatam que:
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“Para Schreiner e Sjøberg (2007), a investigação dos interesses dos estudantes


se faz necessária porque suas escolhas em relação ao futuro, à carreira no
ensino superior ou à profissão, estão vinculadas a quanto elas serão
interessantes, importantes ou significativas e a quanto elas se harmonizam com
a identidade e o desenvolvimento pessoal do jovem”. (GOUW E BIZZO, 2018, p.
279)

Tendo em vista as preocupações discutidas até aqui, a questão geral


formulada foi: Visto que os interesses dos alunos estão ligados às suas escolhas
profissionais, qual é a visão que os estudantes têm sobre a ciência? Os
estudantes têm a intenção de seguir carreira científica? Nas próximas seções
será apresentada a metodologia utilizada na coleta dos dados e na sua análise,
a apresentação dos resultados encontrados e discussões, por fim serão tecidas
as considerações finais.

2. METODOLOGIA

O presente relato de experiência decorre do desenvolvimento de


atividades em uma escola pública estadual, localizada na região Sudeste no
município de Bauru – SP que atende aproximadamente 1300 estudantes, na
faixa etária de 14 a 20 anos, desde o Ensino Fundamental até o Médio e
Educação de Jovens e Adultos (EJA). De acordo com o projeto pedagógico da
escola, o perfil dos alunos é de classe média com pais em sua maioria com
escolaridade no nível do ensino médio e uma parte minoritária com ensino
superior.

O projeto desenvolvido na escola envolveu estudos e intervenção nas


aulas de Física. Para subsidiar as ações e garantir melhores resultados, foi
realizado levantamento do perfil dos estudantes, com ênfase na sua percepção
sobre a ciência e o papel do cientista, bem como sua expectativa de vida futura.

O instrumento concebido e aplicado contemplava sete questões, com o


objetivo de mapear as particularidades nas concepções dos estudantes, porém,
serão aqui explicitadas apenas as que estão relacionadas ao tema deste
trabalho, que são:

a) Para você, qual o papel da Ciência? O que um cientista faz?


b) Existe tema ou temas da Ciência pelo qual você se interessa? Quais?
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c) Onde você deseja estar e o que você deseja estar fazendo daqui a 5
anos?

Existem diversos instrumentos para fazer o levantamento de dados, como


entrevistas semiestruturadas, testes de múltipla escolha, escala Likert, etc..
Optamos por questões abertas a fim de buscar captar sentidos nos discursos
dos alunos.

Participaram do levantamento de dados 73 estudantes de salas de


primeiros e segundos anos do ensino médio. O questionário foi aplicado no
laboratório de informática da escola, com a supervisão de dois dos autores (COL
e VMS), por meio da ferramenta online Google forms. Após a coleta de dados
completa, as respostas foram reunidas e a definição das categorias foi feita
obedecendo os conceitos definidos no referencial teórico a priori (BARDIN,
2009). A categorização das respostas a respeito da natureza da ciência teve
como base as categorias elaboradas por Fernandes, Rodrigues e Ferreira
(2018), onde os autores elencam cinco diferentes concepções acerca da
natureza da ciência: Empírica; Epistemológica; Social e cultural; Criativa e
imaginativa da Ciência; Técnica e instrumental.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O diagrama de Venn abaixo apresenta a categorização das respostas dos


estudantes considerando a categorias utilizadas, onde há uma sobreposição de
categorias em algumas respostas.

Figura 1 – Manifestações acerca da natureza da ciência dos estudantes

Fonte: Elaborado pelo autor.


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Em relação à questão “Para você, qual o papel da Ciência? O que um


cientista faz?”, foram obtidas 73 respostas. Não foi possível mapear nas
respostas dos estudantes as concepções sobre a atividade do cientista,
provavelmente em razão da falta de contextualização da pergunta e por vir
atrelada à primeira parte, que predominou amplamente nas manifestações.

Como se observa no diagrama, a visão de ciência predominante é de


ordem epistemológica (26%), ou seja, a ciência sendo caracterizada como um
corpo de conhecimento, estudo de algo, compreensão da realidade e
aprendizagem. Seguem algumas transcrições literais das respostas estudantes
que ilustram a escolha dessa categoria, com grifo nosso nos indicadores.

“o papel da ciencia é estudar todo o tipo de evolução ou um modo de vida que


existente. O cientista pode trabalhar em projetos, fazer análises de bactérias, celulas,
uma nova força ou teoria”

“A ciência tem o papel de pesquisar sobre um determinado item, o cientista faz


pesquisas para ter um conhecimento maior sobre determinado item”

No que diz respeito à categoria empírica, que possui como características


principais o desenvolvimento de métodos e a comprovação de fatos,
comprovação de leis, teorias e descobertas foram encontradas 16 manifestações
(22%). Destacamos as transcrições:

“Descobrir coisas sobre a vida que nós não sabemos.”

“a ciência nos mostra a verdadenos coisas e como as coisas funcionam”

São observadas apenas 6 manifestações (8%) que caracterizam a


categoria social e cultural em que a ciência é vista como não neutra, onde existe
a influência de fatores políticos, econômicos, sociais e éticos, que melhora a
qualidade de vida das pessoas e que existe uma relação sociocientífica.
Exemplos:

“Moldar o futuro da humanidade.”

“O papel da ciência é desenvolver e evoluir, ou seja, inovar tais coisas para a


evolução humana. O CIENTISTA faz o evolução "acontecer", ou seja, ele se esforça
para conseguir respostas o mais rápido possível.”

Foram encontradas respostas que envolvem ao mesmo tempo termos


como “estudar”, “melhorar” e o papel político da ciência e do cientista enquanto
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profissional que podem, portanto, ser incluídas em mais de uma categoria


resultando na superposição no diagrama da Figura 1. Cinco discursos (6%) não
puderam ser categorizados por falta de clareza na resposta do estudante.

Os dados obtidos mostram a presença entre os estudantes de


concepções errôneas sobre a ciência, como a visão de verdade absoluta e o
conceito de ciência estática e imutável. Ao mesmo tempo são encontradas
respostas que indicam a ciência como um campo em desenvolvimento e que
tudo pode transformar-se a partir de uma nova “descoberta”. Em geral nota-se
claramente que os estudantes participantes compreendem a importância do
profissional pesquisador.

O quadro abaixo sintetiza as respostas à questão “Existe tema ou temas


da Ciência pelo qual você se interessa? Quais?”. Ao lado das áreas de interesse
está a frequência numérica com que as respostas aparecem.

Quadro 1 – Áreas da ciência de interesse dos estudantes.

Biológicas (32) Biologia (13); Biomedicina (3); Medicina (3);


Biotecnologia (1) Biologia Marinha (2);
Anatomia(6);Biologia animal (2); Genética (1);
Saúde (1); Enfermagem (1)

Exatas (35) Física (5); Química (16) Ciência tecnológica (1);


Astronomia (10); Energias renováveis (1); Física
quântica (2)

Humanas (2) “Parte de humanas” (2);


Não científica (2) Astrologia (1); Exército (1)
Sem categorização (6) “Em geral” (1); “Experiências de vários tipos (1);
“evolução do mundo em que vivemos e evolução
humana.” (1); Gelo seco (1); Não sabe explicar
(1); Projeto em laboratório (1)

Sem interesse pela ciência (13) Não (13)


Fonte: Elaborada pelo autor.

É possível observar que as áreas de exatas (38%) e biológicas (35%) têm


maior visibilidade comparadas a de humanas (2,2%) a qual parece não ser
compreendida como uma área da ciência. Dentre essas duas categorias, é
importante ressaltar o alto interesse pelas áreas de química, biologia e física,
neste caso com predominância da astronomia. Há respostas em duplicidade,
pois alguns alunos indicaram ter interesse tanto por Biologia quanto por Química,
por exemplo. As respostas que não puderam ser categorizadas por falta de
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clareza foram agrupadas como “sem caracterização”. Treze estudantes, em


torno de 17% dos alunos participantes, declararam não ter interesse pela ciência.

Os dados relativos à questão “Onde você deseja estar e o que você deseja
estar fazendo daqui a 5 anos?” foram categorizadas e o resultado é mostrado na
Figura 2, abaixo.

Figura 2 – Expectativa de futuro dos alunos

Fonte: Elaborado pelo autor

Verifica-se que aproximadamente metade (49,3%) tem interesse em


cursar o nível superior, manifestando, por exemplo, “desejo estar fazendo
faculdade…”; 49 diferentes cursos são citados, com predominância na área da
saúde, onde são elencados 12 cursos. Outra parcela (19,2%) deseja estar
trabalhando apenas e alguns (17.8%) desejam cursar nível superior trabalhando,
seja na área de estudos ou não. Dentre todas as respostas, em 49 houve
manifestação da carreira a ser escolhida, ou seja, dos possíveis cursos de nível
superior pretendidos. Apenas um estudante declarou interesse pela carreira
científica, o que corrobora com os estudos de Gouw e Bizzo (2018), que mostra
que os estudantes têm interesse pela ciência, mas não manifestam interesse em
optar por uma carreira científica.

4. Considerações finais

O presente relato mostra que os estudantes participantes têm concepções


equivocadas a respeito da ciência; alguns acreditam que a ciência é uma
verdade absoluta e a caracterizam como um corpo de conhecimento e estudo,
estático e imutável. O interesse dos alunos em temas da ciência tem grande
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predominância nas áreas exatas e biológicas quando comparado à área de


humanidades, possivelmente isso ocorre por que os alunos não veem essa área
como científica. Parcela relevante declarou não ter interesse por nenhum tema
relacionado à ciência.

Os dados mostrados e analisados indicam que, apesar de concepções


ingênuas, os estudantes enxergam a importância da ciência e por exemplo, sua
relação com a tecnologia, porém quase a totalidade deixa de mostrar interesse
profissional na área científica. Consideramos que contribuem para este fato o
baixo valor social e a visão estigmatizada sobre o cientista e a atividade a
científica.

Estes aspectos precisam ser considerados pelos educadores no sentido


de buscar maior contextualização das atividades pedagógicas específicas e de
conceber ações para a formação científica que contribua com o desenvolvimento
da cidadania dos estudantes.

Agradecimentos
Os autores agradecem ao apoio do Programa Núcleos de Ensino da Pró Reitoria
de Graduação da Unesp e à Direção da Escola Estadual Dr. Luiz Zuiani.
REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo: edição revista e actualizada. Tradução Luís Antero
Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2009.

FERNÁNDEZ, Isabel et al. Visiones deformadas de la ciencia transmitidas por la enseñanza.


Enseñanza de las Ciencias, v. 20, n. 3, p. 477-488, 2002.

FERNANDES, G. W. R.; RODRIGUES, A. M.; FERREIRA, C. A. R. Elaboração e Validação de


um Instrumento de Análise Sobre o Papel do Cientista e a Natureza da Ciência e da Tecnologia.
Investigação em Ensino de Ciências, V. 23 (2), pp. 256-290, 2018.

GOUW, A. M. S.; BIZZO, N. M. V. A percepção dos jovens brasileiros sobre suas aulas de
Ciências. Educar em Revista, Curitiba, Brasil. n. 60, p. 277-292, abr./jun., 2016.

MILLER, Steve. Public understanding of Science at the crossroads. Public understanding of


science, v. 10, n. 1, p. 115-120, 2001.

OLINTO, Gilda. A inclusão das mulheres nas carreiras de ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão
Social, v. 5, n. 1, 2011.

SCHEID, N. M. J.; FERRARI, N.; DELIZOICOV, D. Concepções Sobre a Natureza da Ciência


num Curso de Ciências Biológicas: Imagens que Dificultam a Educação Científica.
Investigações em Ensino de Ciências. V. 12 (2), pp 157-181, 2007.

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