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HISTÓRIA DA FORMAÇÃO

TERRITORIAL DO BRASIL
CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD

História da Formação Territorial do Brasil – Prof.ª Ms. Geórgia Stefânia Picelli Laubstein
Oliveira e Prof.ª Ms. Carolina Ferrucci Monção

Meu nome é Geórgia Stefânia Picelli Laubstein Oliveira. Sou


graduada em Geografia pela Unesp – Universidade Estadual Paulista,
de Rio Claro – SP, e mestre em Geografia na área específica de Ensino
de Geografia pela mesma instituição. Atualmente, estou cursando
o doutorado, também pela Unesp, na área de Ensino de Geografia.
Além disso, ministro aulas de Prática de Ensino para o curso de
Licenciatura em Geografia da Unesp de Rio Claro e de Geografia para
o Ensino Médio da rede pública do Estado de São Paulo.
E-mail: georgia_picelli@yahoo.com.br

Meu nome é Carolina Ferrucci Monção. Sou graduada em Geografia


pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e mestre em Sociologia
da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Atualmente, sou docente da rede estadual de ensino do estado de
São Paulo.
E-mail: carolinaferrucci@yahoo.com.br

As autoras agradecem a colaboração de Patrícia Maria de Jesus,


mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, pela contribuição no atencioso acompanhamento e
revisão deste trabalho.

As autoras agradecem a preciosa colaboração da Prof.ª Ms. Regina


Tortorella Reani pela contribuição na criteriosa revisão técnica do
conteúdo deste Caderno de Referência de Conteúdo.

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Geórgia Stefânia Picelli Laubstein Oliveira
Carolina Ferrucci Monção

HISTÓRIA DA FORMAÇÃO
TERRITORIAL DO BRASIL

Batatais
Claretiano
2014
© Ação Educacional Claretiana, 2011 – Batatais (SP)
Versão: ago./2014

  
918.1 O45h

Oliveira, Geórgia Stefânia Picelli Laubstein


  História da formação territorial do Brasil / Geórgia Stefânia Picelli
Laubstein Oliveira, Carolina Ferrucci Monção – Batatais, SP : Claretiano,
2014.
154 p.
 
ISBN: 978-85-8377-165-4

1. Tratados portugueses no período colonial. 2. Matrizes étnicas.


  3. Cunhadismo. 4. Ocupação regional. 5. Disputas e acordos territoriais.
6. Consolidação das fronteiras atuais. I. Monção, Carolina Ferrucci.
II. História da formação territorial do Brasil.

CDD 918.1

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Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rafael Antonio Morotti
Elaine Aparecida de Lima Moraes Rodrigo Ferreira Daverni
Josiane Marchiori Martins Sônia Galindo Melo
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Projeto gráfico, diagramação e capa
Patrícia Alves Veronez Montera Eduardo de Oliveira Azevedo
Raquel Baptista Meneses Frata Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
Raphael Fantacini de Oliveira
Bibliotecária Tamires Botta Murakami de Souza
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos

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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 7
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO........................................................................... 8
3 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .......................................................................... 23

Unidade 1 – EVOLUÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA: SÉCULOS 15-17


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 25
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 25
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE.................................................. 26
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 26
5 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE OS CONCEITOS DE TERRITÓRIO E LUGAR............ 27
6 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE A HISTÓRIA E OCUPAÇÃO DO BRASIL-COLÔNIA.. 29
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 33
8 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 34
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 34
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 35

Unidade 2 – PROCESSO DE PRODUÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 37
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 37
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 38
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 38
5 COLONIZAÇÃO PORTUGUESA NO BRASIL: UM EMPREENDIMENTO
CAPITALISTA....................................................................................................... 39
6 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, OCUPAÇÃO E EXPANSÃO TERRITORIAL
NO SÉCULO 19................................................................................................... 42
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 49
8 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 49
9 E-REFERÊNCIA................................................................................................... 50
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 50

Unidade 3 – PRODUÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO NO SÉCULO 20


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 51
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 51
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 52
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 52
5 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E EXPANSÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO NA
PRIMEIRA METADE DO SÉCULO 20.................................................................. 53
6 TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO BRASILEIRO NA SEGUNDA METADE DO
SÉCULO 20.......................................................................................................... 60
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 63
8 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 64
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 64
10 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 64

Unidade 4 – TENDÊNCIAS DE OCUPAÇÃO E CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DO


TERRITÓRIO BRASILEIRO – FINAL DO SÉCULO 20 ATÉ OS DIAS
ATUAIS
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 65
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 65
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 66
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 66
5 TENDÊNCIAS DE CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO BRASILEIRO NO SÉCULO 21.68
6 MEIO TÉCNICO-CIENTÍFICO-INFORMACIONAL.............................................. 70
7 DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO NO TERRITÓRIO NACIONAL........................ 72
8 PROCESSO RECENTE DE URBANIZACAO BRASILEIRA E CRESCIMENTO DAS CIDADES
MÉDIAS.............................................................................................................. 74
9 BREVE ANÁLISE DO TERRITÓRIO BRASILEIRO................................................ 76
10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 78
11 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 78
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 79
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 79

ANEXO........................................................................................................................ 81
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Conteúdo––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Tratados portugueses no período colonial. Matrizes étnicas do Brasil. Cunhadis-
mo. Processo de ocupação regional do Brasil. Disputas e acordos territoriais com
países vizinhos. Consolidação das fronteiras atuais.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Para facilitar o estudo de História da Formação Territorial do
Brasil, dividimos o conteúdo em quatro unidades, que serão resu-
midamente apresentadas a seguir.
Na Unidade 1, conheceremos a formação territorial brasilei-
ra entre os séculos 15 e 17. Para isso, compreenderemos o início
da ocupação do território brasileiro e os fatores que contribuíram
para sua configuração territorial. Além disso, vamos analisar os
conceitos de território e lugar, bem como suas implicações para o
estudo da formação territorial brasileira.
8 © História da Formação Territorial do Brasil

Em seguida, na Unidade 2, entenderemos como foi o início


da colonização portuguesa no Brasil e como se deu a conquista do
território durante o século 19. Analisaremos, também, as mudan-
ças territoriais ocorridas nesse período.
Já na Unidade 3, abordaremos e analisaremos os novos ru-
mos da produção do território brasileiro no século 20, compreen-
dendo, assim, as influências exercidas pela economia na configu-
ração territorial.
E, por fim, na Unidade 4, identificaremos as tendências de
ocupação e configuração do território brasileiro no final do século
20 e início do século 21 como meios para análise e compreensão
do processo atual de produção do espaço brasileiro.
Bons estudos!

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem Geral
Prof. Luiz Ricardo Meneghelli Fernandes

Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será estu-


dado neste Caderno de Referência de Conteúdo. Aqui, você entrará
em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma
breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões
no estudo de cada unidade. Desse modo, essa Abordagem Geral
visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do
qual você possa construir um referencial teórico com base sólida
– científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profis-
são, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabi-
lidade social.
O território brasileiro vem sendo modificado ao longo do
tempo. No decorrer deste Caderno de Referência de Conteúdo,
você compreenderá que o desenvolvimento econômico do país,
sua organização e sua ocupação territorial estão diretamente re-
lacionados.
© Caderno de Referência de Conteúdo 9

Em outras palavras, veremos que a expansão territorial do


Brasil está intimamente relacionada ao desenvolvimento econô-
mico e às políticas governamentais efetivadas desde a época do
Descobrimento.
Assim, por meio da história da formação territorial do Bra-
sil, teremos condições de entender que a organização do territó-
rio brasileiro não aconteceu, e não acontece, por acaso; existem
forças políticas, interesses e necessidades que contribuem direta-
mente para a formação e expansão do território. Vale ressaltar que
o conceito de território, em Geografia, está diretamente relacio-
nado à ideia de poder, ou seja, é por meio do uso do poder, nas
suas mais diversas formas, que um espaço pode ser delimitado e,
então, ser considerado como um território.
Neste Caderno de Referência de Conteúdo, estudaremos a
evolução territorial brasileira entre os séculos 15 e 18, como se
deu o início da ocupação do território brasileiro e os fatores que
contribuíram para sua evolução.
Depois, veremos como se deu a conquista e a ocupação do
espaço brasileiro durante o século 19. Estudaremos, ainda, a pro-
dução do território brasileiro, isto é, a configuração e estrutura-
ção do território brasileiro vão sendo construídos ao longo dos
tempos, especialmente de acordo com interesses políticos e eco-
nômicos.
Em seguida, estudaremos os rumos da produção do territó-
rio brasileiro durante o século 20 e compreenderemos que a eco-
nomia, no caso brasileiro, é fator determinante para a configura-
ção do espaço.
Ao final, veremos quais as tendências de configuração do
território brasileiro. Nossas análises estarão centradas no século
21, cujo desenvolvimento técnico e científico proporcionou um
aprimoramento das tecnologias da informação. E são essas novas
tecnologias da informação que hoje atuam e contribuem para as
transformações do território brasileiro.

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10 © História da Formação Territorial do Brasil

Antes de iniciarmos os estudos mencionados, é muito im-


portante discutirmos alguns pontos essenciais para a compreen-
são da formação territorial do Brasil, pois assim entenderemos por
que utilizamos as ideias de construção e produção do território.
Como podemos, então, entender o que é território? Qual a
diferença entre lugar e território para a Geografia?
De forma geral, podemos entender o território como um es-
paço no qual a ação humana se dá de acordo com determinados
interesses. Não é um espaço qualquer; é um espaço com normas
e regras que, por sua vez, estão de acordo com o interesse de em-
presas, de pessoas, ou mesmo do Estado. Podemos dizer que o
território, para a Geografia, é o espaço onde ocorrem as relações
de poder.
Assim, falar em território significa pensar nessas relações de
poder que influem diretamente na configuração do espaço, dife-
rentemente de lugar. Para a Geografia, o lugar é onde vivemos,
é o espaço onde estabelecemos nossas relações do cotidiano, de
proximidade.
O território é um lugar, mas um lugar em que há a instalação
de coisas com uma intencionalidade.
Por isso, para a Geografia, o conceito de território é muito
importante para todas as análises sobre as mudanças que interfe-
rem no espaço.
É importante esclarecermos, também, que, ao longo do cur-
so, você talvez encontrará outras definições para as categorias de
lugar e território. Neste Caderno de Referência de Conteúdo, utili-
zamos os conceitos de acordo com o geógrafo Milton Santos.
A produção desse geógrafo é muito vasta e de suma impor-
tância para todas as análises sobre o Brasil.
As definições utilizadas por Milton Santos (2002), na ver-
dade, dizem respeito à sua visão de mundo; não representam a
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

verdade, mas o modo como ele, importante geógrafo, entendia as


relações que se materializavam no espaço. Ele nos ofereceu ferra-
mentas para a compreensão da formação do território brasileiro
de uma maneira ampla e reflexiva.
É importante destacar que o território se transforma ao lon-
go do tempo de acordo com as intenções de governos, de pessoas,
de empresários, das inovações tecnológicas, e, também, da pró-
pria sociedade.
Por isso, para que esse assunto fique um pouco mais claro,
vamos fazer um simples exercício: vamos voltar no tempo e pensar
no quanto a nossa cidade já se transformou desde que nascemos,
e o quanto essas transformações estão associadas aos interesses
do Estado, de empresas, ou das inovações tecnológicas como a
televisão, a internet, ou técnicas modernas que nos permitem a
construção de diversas coisas modernas. Muitas das transforma-
ções que hoje conhecemos eram impossíveis de serem concebidas
há 50, 30, 10 anos atrás.
Então, é interessante você pensar que a sua cidade é tam-
bém um território porque nela estão impressas diversas intencio-
nalidades; além disso, a sua cidade transforma-se de acordo com
essas intenções e o seu cotidiano, como ser humano, vai se adap-
tando a essas transformações. É esse o sentido da ideia de Milton
Santos ao afirmar que a sociedade produz a sua história; você, alu-
no, produz a sua história de vida nesse território do qual faz parte!
Essas discussões iniciais fazem parte do conteúdo da Unida-
de 1. Mas, ainda nesta unidade, discutiremos o início da ocupação
do território brasileiro, os principais tratados que influenciaram a
constituição de algumas fronteiras e, principalmente, começare-
mos a compreender a colonização portuguesa como um empreen-
dimento capitalista.
Com esse estudo, você terá condições de começar a refletir
sobre como se deu a ocupação do Brasil pela Coroa Portuguesa.
Você verá que a formação territorial do Brasil, já no início da colo-

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12 © História da Formação Territorial do Brasil

nização, estava relacionada diretamente a estratégias de ocupação


e domínio. E é justamente esse o ponto de partida para começar-
mos a entender a colonização portuguesa no Brasil como um em-
preendimento capitalista.

Colonização portuguesa
A ideia que vincula a colonização portuguesa a um empre-
endimento capitalista foi desenvolvida por Caio Prado Júnior. Esse
autor escreveu diversos textos sobre o Brasil, enfatizando, princi-
palmente, a sociedade brasileira. Trata-se de um autor essencial
para a compreensão da História do Brasil, especialmente no que se
refere à formação territorial. É importante destacarmos aqui que
a ocupação do território brasileiro se iniciou pelo litoral e se asso-
ciou, especialmente, à economia canavieira.
A Coroa Portuguesa possuía intenções comerciais ao povoar
o território brasileiro. E é por esse motivo que podemos dizer que
se tratou de um empreendimento capitalista.
No CRC, você ainda terá a oportunidade de compreender as
relações existentes entre desenvolvimento econômico, ocupação
do território e expansão territorial. Embora essa relação possa
também ser utilizada para analisar o processo de produção do ter-
ritório brasileiro como um todo, nosso olhar estará concentrado
nas transformações territoriais ocorridas no século 19.
Neste momento, é importante que você entenda que as
transformações pelas quais o território brasileiro passou ocorre-
ram ao longo do tempo, fazem parte de um processo no qual um
fator depende do outro.
Essa ideia de processo é muito importante porque nos ajuda
a pensar sobre as transformações territoriais como um sistema,
isto é, as mudanças ocorridas ao longo dos tempos não acontecem
isoladamente, existem muitos fatores interdependentes que con-
tribuem para que o território esteja em constante transformação.
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

Assim, o povoamento do território brasileiro no século 19


ocorre de forma localizada, pontual. Isso acontece porque o de-
senvolvimento econômico também se dá em algumas porções do
território, ainda não está disseminado por todo o Brasil.
Enquanto a economia da cana-de-açúcar prosperou no Nor-
deste, a expansão territorial e o desenvolvimento econômico da
região aconteciam a todo vapor. O centro das atividades econômi-
cas estava na região Nordeste.
Mas, com a proibição do tráfico de escravos, e, consequente-
mente, com a relativa queda da economia canavieira do Nordeste,
o centro econômico brasileiro passa a estar localizado na região
Sudeste.
Os fatores que proporcionaram tal inversão foram a queda
da economia canavieira, aliada ao desenvolvimento da mineração
e da pecuária em Minas Gerais e, posteriormente, ao crescimento
da economia cafeeira, especialmente em São Paulo. É importante
destacar também que, nessa época, a capital do Brasil já havia sido
transferida de Salvador para o Rio de Janeiro.
Todas as atenções estavam, então, voltadas para o desenvol-
vimento da região Sudeste, principalmente dos estados de Minas
Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
O centro econômico passou a ser o Sudeste e não mais o
Nordeste. Consequentemente, a região Sudeste passou a atrair
cada vez mais pessoas, favorecendo, então, o processo de povoa-
mento e, obviamente, modificações na organização territorial.
O surgimento de cidades passa a concentrar-se nessa região.
Nessa época, os maiores índices de crescimento no número de ci-
dades são registrados na região Sudeste.
Ao longo do século 19, o Brasil foi tendo contato com técni-
cas modernas que necessariamente possibilitavam uma profunda
transformação do espaço.

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14 © História da Formação Territorial do Brasil

Vamos retomar a nossa linha de raciocínio: você viu que,


num primeiro momento, a natureza se impõe ao homem; no caso
brasileiro, até meados do século 18 e ainda no século 19, o homem
não consegue obter técnicas que lhe permitam "dominar" a natu-
reza. O domínio do território fica restrito às técnicas existentes e
aos avanços da época.
É importante destacar, também, que o desenvolvimento do
transporte e da comunicação interfere diretamente na configura-
ção territorial. Nesse sentido, durante grande parte do século 19,
as principais inovações técnicas que podem contribuir para modifi-
cações territoriais são ainda o cavalo, algumas embarcações e uma
incipiente comunicação através dos telégrafos.
Portanto, a ausência de uma rede de transporte bem desen-
volvida, associada à falta de uma rede de comunicações também
eficiente, não permitiu que o desenvolvimento econômico, verifi-
cado em alguns pontos do território, atingisse outros mais distan-
tes, ainda não desenvolvidos e pouco povoados.
Mas, no final do século 19, há um aprimoramento das técni-
cas de transporte e comunicações. Um desses avanços diz respeito
à estrada de ferro. A construção de uma rede ferroviária no Brasil,
especialmente no Sudeste, possibilitou o crescimento dessa região
e o aumento do número de cidades por onde passavam os trilhos
da extinta Cia. Paulista. Foi a partir desse momento que a cidade
de São Paulo começou a tornar-se o centro econômico do país.
Embora nunca tenha sido a capital do Brasil, no final do século 19,
São Paulo ganha status de centro econômico do país.
É importante que você compreenda que o desenvolvimento
e a modernização técnica influenciam diretamente na estrutura-
ção do território. Se, no início do século 19, o desenvolvimento
territorial estava restrito a alguns pontos do espaço, no final desse
mesmo século, isso começa a mudar. E muda justamente devido
ao avanço das técnicas de transporte e comunicação, que, dentre
outras coisas, permitem uma maior mobilidade dentro do territó-
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

rio brasileiro, favorecendo a expansão desenvolvimento econômi-


co e do próprio território.

Modernização técnica
O que difere esse período dos anteriores é a questão da mo-
dernização das empresas e, consequentemente, da possibilidade
técnica. A partir da década de 1970, as empresas brasileiras mo-
dernizam-se devido ao aprimoramento das técnicas da informa-
ção. Se antes era muito difícil estabelecer relações comerciais com
lugares muito distantes do centro econômico, a partir da década
de 1970 essas distâncias têm a possibilidade de serem encurtadas
pelo aprimoramento das técnicas das comunicações, isto é, das
técnicas que melhoram e modernizam serviços de comunicação
como telefones, correios, meios de transporte etc.
Mas, é a partir da década de 1990 que essa possibilidade
técnica se concretiza e influencia diretamente na configuração do
território. O uso intensivo do computador por bancos e empresas
facilita a comunicação entre os lugares, entre as cidades mais dis-
tantes do país. As possibilidades comerciais aumentam, e, ao mes-
mo tempo, devido a modernização dos meios de transporte, as
empresas passam a interessar-se pelo interior do Brasil, especial-
mente pelos estados de Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul.
O processo de urbanização começa a ser mais intensamente
disseminado pelo território brasileiro. Nessa década, as pequenas
cidades começam a aumentar sua população; o processo de me-
tropolização efetiva-se, com destaque especial para a região me-
tropolitana de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador.
O aprimoramento técnico é um dado fundamental para a
transformação do espaço, dos lugares e, consequentemente, do
território. E esse melhoramento técnico somente foi possível por-
que a ciência vem colaborando cada vez mais para isso.
O que difere os dias atuais dos séculos anteriores, quanto ao
processo de formação do território, é justamente a ciência que, ao
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16 © História da Formação Territorial do Brasil

ser empregada no desenvolvimento das técnicas da informação,


proporcionou o encurtamento das distâncias e do tempo. A veloci-
dade com que as informações percorrem o território é algo jamais
visto na história, e representa um dado essencial e determinante
para a organização do espaço. É o que o geógrafo Milton Santos
chamou de "encurtamento de tempos e espaços".
A possibilidade técnica é o grande fator capaz de provocar
mudanças no espaço, como, por exemplo, o crescimento dos cen-
tros urbanos e de pequenas cidades no interior do Brasil.
A cidade de São Paulo, no século 21, continua sendo o centro
financeiro do país, e, ao mesmo tempo, o Centro-Oeste vem sendo
cada vez mais ocupado, principalmente pela cultura da soja, dota-
da de técnicas modernas para o plantio e colheita dos grãos.
Associado a esse processo, podemos destacar a modificação
das correntes migratórias predominantes: atualmente, temos um
processo inverso, a chamada migração de retorno, isto é, muitas
pessoas estão deixando os grandes centros urbanos e migrando
para cidades menores ou, em diversos casos, voltando para suas
cidades de origem.
Segundo Milton Santos (2002, p. 239), o período atual é ca-
racterizado pela globalização; os espaços hoje tendem a ser con-
figurados segundo interesses hegemônicos ligados à economia, à
cultura e à política, e são, ao mesmo tempo, "incorporados às no-
vas correntes mundiais".
Assim, temos, atualmente, uma modificação das relações
que o homem estabelece com o território. Cada vez mais as nor-
mas regem as ações das empresas, e estas, por sua vez, acabam
determinando e influenciando a estruturação do território no qual
estão inseridas.
Concluímos aqui a abordagem geral de História da Formação
Territorial do Brasil; ao longo deste Caderno de Referência de Con-
teúdo você terá a oportunidade de refletir mais detalhadamente
sobre as diversas mudanças pelas quais o território brasileiro pas-
sou ao longo dos tempos.
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

Em cada unidade, tivemos a intenção de proporcionar a você


ferramentas para trilhar seus próprios caminhos de pesquisa e co-
nhecimento. Procuramos, também, ressaltar pontos importantes
para seus futuros alunos, bem como análises fundamentais à sua
formação como professor de Geografia.
Bons estudos!

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados neste Caderno de Referência de
Conteúdo. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos:
1) Companhias siderúrgicas: empresas que trabalham com
a metalurgia, mais especificamente com a fabricação do
aço.
2) Fluxo migratório: tendência no deslocamento popula-
cional. Nos séculos 17, 18 e 19, os deslocamentos po-
pulacionais estavam ligados direta e indiretamente ao
desenvolvimento econômico de determinadas regiões
brasileiras.
3) Latifúndio: grande extensão de terra, muitas vezes im-
produtiva. No Brasil, o latifúndio predomina nas regiões
Centro-Oeste e Norte. Na região Centro-Oeste, os lati-
fúndios destinam-se ao cultivo principalmente da soja
para exportação. O latifúndio representa um problema
para a Reforma Agrária, devido à concentração dessas
grandes extensões de terras nas mãos de um grupo res-
trito de pessoas.
4) Plano de Metas: política de desenvolvimento elaborada
no governo de Juscelino Kubitschek, cujo principal obje-
tivo era contribuir para o crescimento e desenvolvimen-
to da porção central do território brasileiro.

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18 © História da Formação Territorial do Brasil

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um
Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você
mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o
seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o
seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas
próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-
-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em
esquemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu co-
nhecimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pe-
dagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendiza-
gem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-


tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você
o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas
e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor-
nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe-
cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele-
cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com
o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do
site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon-
ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).

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20 © História da Formação Territorial do Brasil

História da Formação Territorial do Brasil

Desenvolvimento Desenvolvimento
Territorial – século territorial – século
15 a 17 20 e período atual

“Descobrimento” O início da Expansão do Tendências


do Brasil e os definição território de
conceitos de territorial do brasileiro: o configuração
lugar e território país processo de do território:
urbanização as cidades
médias

Desenvolvimento
territorial – século
18 e 19

Colonização do Ocupação e
território brasileiro transformações
no território

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave – História da Formação Territorial do Brasil.

Como pode observar, esse Esquema oferece a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, será possível transitar entre
os principais conceitos e descobrir o caminho para construir o seu
processo de ensino-aprendizagem. Por exemplo, para compreen-
der a história da formação territorial do Brasil, é necessário co-
nhecer o processo histórico da colonização portuguesa, desde os
séculos 15 e 16. É somente a partir desse conhecimento histórico
que poderemos entender como e por que o território brasileiro
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

atual se estrutura da maneira como hoje conhecemos, bem como


refletir sobre os fatores que influenciam direta e indiretamente na
construção territorial do nosso país.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem
ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertati-
vas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-las com a prática do ensino de Geografia pode ser uma
forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re-
solução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará
se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além
disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhe-
cimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profis-
sional.

As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-


ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entendem-se por
questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos
matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada,
inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-
posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso,
normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito.
Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus
colegas de turma.

Claretiano - Centro Universitário


22 © História da Formação Territorial do Brasil

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as Biblio-
grafias Complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos estudados, pois relacionar aquilo que está no campo visual
com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convida
você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo
de emancipação do ser humano. É importante que você se atente
às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes
nos meios de comunicação, bem como partilhe suas descobertas
com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aqui-
lo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se
conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido perce-
bido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele
à maturidade.
Você, como aluno dos cursos de Graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie


seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-
ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-
las.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
esta disciplina, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto
para ajudar você.

3. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec,
2002.

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Claretiano - Centro Universitário
EAD
Evolução Territorial
Brasileira: Séculos
15-17
1
1. OBJETIVOS
• Conhecer a evolução territorial brasileira entre os séculos
15 e 17.
• Compreender o início da ocupação do território brasileiro
e os fatores que contribuíram para sua evolução territorial.
• Analisar os conceitos de território e lugar e suas implica-
ções para o estudo sobre a história da formação territorial
brasileira.

2. CONTEÚDOS
• Conceitos de território e lugar.
• História do Descobrimento do Brasil.
• Tratado de Tordesilhas e ocupação do território brasileiro.
• Início da definição territorial do Brasil.
• Principais tratados de limites do período.
26 © História da Formação Territorial do Brasil

3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia a orientação a seguir:
1) Nesta unidade, é importante que você fique atento às
discussões sobre o processo de evolução do território
brasileiro, considerando que este território, na verdade,
já estava habitado pelos índios, o que gerou diversos
conflitos no decorrer do processo de colonização.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Pensando na importância do conceito território, iniciaremos
esta unidade questionando: Como podemos entender o que é ter-
ritório? Qual a diferença entre lugar e território para a Geografia?
Para que possamos estudar a história da formação territo-
rial do Brasil, é necessário que compreendamos o significado de
território para a Geografia. Sem essa compreensão, não consegui-
remos, mais adiante, entender por que utilizamos a ideia de cons-
trução e produção do território.
Faremos aqui um breve resumo das principais ideias vincu-
ladas à definição de território. Nossos estudos estarão baseados
especialmente nas discussões elaboradas pelo geógrafo Milton
Santos.
Discutiremos as principais ideias desse autor sobre território
para que, assim, possamos nos familiarizar com os demais con-
ceitos geográficos que influenciarão diversos estudos ao longo de
todo o curso.
Outra questão abordada nesta primeira unidade será rela-
tiva a algumas noções básicas sobre a História do Brasil, o início
da colonização e os principais tratados que iniciam a configuração
territorial brasileira.
© U1 – Evolução Territorial Brasileira: Séculos 15-17 27

5. NOÇÕES BÁSICAS SOBRE OS CONCEITOS DE TER-


RITÓRIO E LUGAR
Na Geografia, um dos conceitos mais importantes é o de ter-
ritório e, para entendê-lo, precisaremos usar o raciocínio histórico
no qual ele está inserido.
Falar sobre a História da Formação Territorial do Brasil sig-
nifica também compreender que, a partir do momento em que
as terras brasileiras despertam interesses na Coroa Portuguesa,
inicia-se o processo de produção do território.
Em entrevista publicada no ano de 2001, o geógrafo Milton
Santos assim define o que é o território:
No começo da história, havia a natureza. Vem o homem, se instala
e começa a agregar novas coisas. Ele produz o território, dessa for-
ma. Pode-se definir o território a partir do Estado, como na ciência
política, ou pelos acidentes geográficos, como fazia outrora a geo-
grafia. Aqui na USP trabalhamos com a idéia de que o território é a
construção da base material sobre a qual a sociedade produz sua
própria história (NORDESTEWEB, 2012).

Assim, podemos entender que foi com a chegada dos portu-


gueses ao Brasil que o território brasileiro começou a ser formado.
Entretanto, vale lembrar que o Brasil, antes de ser colonizado pe-
los portugueses, era habitado pelos índios, e estes concebiam es-
tas terras como seu território. Nesse sentido, podemos dizer que
o processo de colonização não foi pacífico; ele contou com lutas
pelo poder entre índios e portugueses. Esses conflitos influencia-
ram direta e indiretamente a "construção" do que se pode chamar
"território brasileiro".
Vale ressaltar que, quando os portugueses iniciaram a colo-
nização no Brasil, trazendo consigo os jesuítas e demais pessoas da
Corte Portuguesa, iniciou-se também o processo de apropriação
do espaço.
Com as primeiras atividades econômicas, como, por exem-
plo, o cultivo da cana-de-açúcar no Nordeste e, já no século 18,

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28 © História da Formação Territorial do Brasil

com a exploração do ouro e pedras preciosas na região de Minas


Gerais, temos o processo a que se referiu Milton Santos no trecho
exposto anteriormente "[...] Vem o homem, se instala e começa a
agregar novas coisas [...]". Essas "novas coisas" são todas as inova-
ções instaladas pelo homem no espaço.
No início da colonização, essas inovações estavam restritas
a alguns locais, e eram também rudimentares. Por exemplo, no
início da colonização do Brasil os engenhos de cana-de-açúcar es-
tavam quase que totalmente localizados na região Nordeste.
Por isso, as transformações no espaço ocorrem mais inten-
samente nessa região. À medida que as técnicas se aprimoram e o
homem consegue "dominar" a natureza, há uma progressiva ocu-
pação do território.
No caso brasileiro, a Coroa Portuguesa transforma o espaço
de acordo com seus interesses, principalmente os comerciais.
É destacando esses interesses que podemos entender o que
Milton Santos disse sobre a construção do território.
De acordo com o geógrafo Milton Santos (2002), o território
é um lugar em que há a instalação de "coisas" com uma intencio-
nalidade. Essa instalação, ou as inovações colocadas pelo homem
em determinados lugares, respeitam uma intenção. É de acordo
com essas intencionalidades que os lugares vão sendo transforma-
dos e podem, então, ser compreendidos como territórios.
Quando Milton Santos diz que "[...] o território é a constru-
ção da base material sobre a qual a sociedade produz sua própria
história", significa que a instalação de indústrias, a formação de
cidades, de construções etc., compõem o território e somente são
realizadas de acordo com interesses de grupos sociais, ou mesmo
do Estado, ou seja, no território se materializa a apropriação e a
construção do espaço pelo homem.
Assim, é nessa base material que a sociedade vive e, portan-
to, é nela que a sociedade imprime sua própria história, de acordo
com suas intenções e interesses.
© U1 – Evolução Territorial Brasileira: Séculos 15-17 29

Seguindo essa linha de pensamento, podemos concluir que


o território se transforma ao longo do tempo, de acordo com as
intenções de governos, de pessoas, de empresários, das inovações
tecnológicas e, também, da própria sociedade.
Mas quais são as implicações dessa afirmação para a com-
preensão do território brasileiro?
Para que esse assunto fique um pouco mais claro, basta vol-
tarmos no tempo e pensarmos o quanto a nossa cidade já se trans-
formou, desde que nascemos, e o quanto essas transformações
estão associadas aos interesses do Estado, de empresas, ou das
inovações tecnológicas, como a televisão, a internet e as técnicas
modernas que permitem a construção de diversas invenções mo-
dernas, impossíveis de serem concebidas há 50, 30, 10 anos atrás.
Dessa forma, é interessante pensar que a sua cidade é também um
território porque nela estão impressas diversas intencionalidades.
A sua cidade transforma-se de acordo com essas intenções
e com o seu cotidiano, como um ser humano. Cabe também con-
siderar que o espaço local, e mesmo o território, sofrem influên-
cias das transformações que ocorrem no mundo como um todo: as
inovações técnicas desenvolvidas em outros lugares influenciam
direta e indiretamente a construção da sua cidade, do seu lugar. É
esse o sentido da ideia de Milton Santos ao afirmar que a socieda-
de produz a sua história. Estudante, futuro professor de Geografia,
produza sua história de vida nesse território do qual faz parte!

6. NOÇÕES BÁSICAS SOBRE A HISTÓRIA E OCUPA-


ÇÃO DO BRASIL-COLÔNIA
Vamos conhecer neste tópico algumas fases da história do
Brasil, como o Tratado de Tordesilhas, as Capitanias Hereditárias,
bem como as estratégias de ocupação do território brasileiro pelos
portugueses.

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30 © História da Formação Territorial do Brasil

Tratado de Tordesilhas
Antes da chegada dos portugueses ao Brasil, as terras locali-
zadas no hemisfério sul já contavam com uma divisão estabelecida
entre as duas grandes potências do século 15: Portugal e Espanha.
Estamos nos referindo ao Tratado de Tordesilhas. Observe a Figura 1:

Figura 1 Tratado de Tordesilhas.

Entretanto, a partir do século 16, essa linha imaginária foi


rompida diversas vezes devido às tentativas expansionistas, espe-
cialmente de Portugal. Foi nesse contexto, na primeira metade do
século 16 (1501-1550), que o Brasil começou a ser colonizado por
Portugal.
Desse modo, o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494,
não representou empecilho à expansão territorial executada pela
Coroa Portuguesa em território brasileiro.
© U1 – Evolução Territorial Brasileira: Séculos 15-17 31

É importante destacar que, durante os primeiros 30 anos (de


1500 a 1530), o território recém-descoberto pelos portugueses (o
Brasil) não despertava interesses à Coroa.
No entanto, as novas terras descobertas pelos portugueses
estavam constantemente ameaçadas pelos espanhóis, que luta-
vam pelo respeito aos limites estabelecidos pelo Tratado de Torde-
silhas, e também por outras nações que se lançavam na aventura
das Grandes Navegações, tais como França e Inglaterra.

Capitanias Hereditárias
Em 1530, chegou ao Brasil a primeira expedição colonizado-
ra de fato. Simultaneamente, foi aqui instalado o sistema de Capi-
tanias Hereditárias, que podemos visualizar na Figura 2:

Figura 2 Divisão do Brasil em Capitanias Hereditárias.

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32 © História da Formação Territorial do Brasil

Vamos ver, a seguir, o que nos diz Wanderley Messias da Cos-


ta a respeito desse sistema:
Apenas duas capitanias prosperaram relativamente: São Vicente e
Pernambuco. Com isto, o quadro de semi-abandono do novo terri-
tório persistia, já que para ocupá-lo e colonizá-lo de modo efetivo, o
dispêndio de capitais seria enorme, dadas as suas dimensões. Daí a
decisão de Portugal de extinguir tal sistema, substituindo-o pelo re-
gime das Sesmarias, concomitante à instalação do Governo-Geral,
em 1549. Por esse novo sistema, as terras (o solo e seus recursos
naturais) eram distribuídas a quem as requeresse, desde que apre-
sentasse posses e condições outras que lhe permitissem explorá-la
para a agricultura e a pecuária, principalmente. Por seu turno, a Co-
roa mantinha intocados o monopólio sobre o comércio externo, a
cobrança de impostos e, evidentemente, a concessão de terras. [...]
Entretanto, esse sistema, mesmo que frágil, em muito interessava
à metrópole. É que, em troca dessa autonomia, os novos planos
incumbiam-se de realizar um trabalho de grande interesse para a
Coroa: de um lado, com a sua fixação, assegurar a posse do novo
território diante das ameaças externas; de outro, interiorizar o po-
voamento à custa do desbravamento de novas terras e do domínio
dos indígenas, caçados impiedosamente a fim de proverem a nova
economia colonial de trabalho escravo (COSTA, 1991, p. 28).

Com base nesse trecho, podemos compreender que a for-


mação territorial do Brasil, já no início da colonização, está relacio-
nada diretamente às estratégias de ocupação e domínio.

Estratégia de ocupação do território brasileiro


Inicialmente, a estratégia de ocupação deteve-se no litoral,
com o estabelecimento de engenhos de cana-de-açúcar. Porém, ao
proporcionar autonomia aos colonos (donos das terras) para a ex-
ploração do território, a Coroa Portuguesa consegue, mesmo que de
forma dispersa, povoar grande parte do território brasileiro.
Dessa forma, desenvolveu-se no Sudeste, particularmente
na região de Minas Gerais, a exploração de ouro e pedras precio-
sas.
Quanto ao litoral brasileiro, este foi quase todo povoado.
Já a pecuária extensiva no sertão nordestino foi responsável, em
grande parte, pela ocupação do interior do Nordeste.
© U1 – Evolução Territorial Brasileira: Séculos 15-17 33

As missões jesuítas contribuíram para a ocupação da porção


oeste do território brasileiro. Os bandeirantes, partindo de São
Paulo, foram responsáveis por proporcionar vias de circulação que
possibilitaram a ocupação do Sudeste, especialmente em São Pau-
lo e Minas Gerais, e também do Centro-Oeste, a partir do povoa-
mento do Estado de Mato Grosso.
O povoamento do Sul do Brasil está relacionado diretamente
à assinatura do Tratado de Madri.
Esse tratado deu à Espanha o domínio do Rio da Prata, e a
Portugal o território dos Sete Povos das Missões, atual estado do
Rio Grande do Sul.
Após alguns anos de divergências entre Portugal e Espanha
com relação à posse definitiva do território dos Sete Povos das
Missões, em 1801, o domínio português sobre esse território foi
confirmado. Assim, a criação e o comércio de gado, já empreen-
didos pelos portugueses mesmo antes da assinatura do Tratado,
pôde acontecer de forma mais intensa e efetiva.

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:

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34 © História da Formação Territorial do Brasil

1) Por que podemos falar em "evolução do território brasileiro"?

2) Em que sentido a ideia de intencionalidade pode ser utilizada nos estudos


sobre o território?

3) Com base na concepção de Milton Santos ao discutir e definir a noção de


território, por que, segundo ele, podemos falar em produção do território?

4) Quais as primeiras estratégias adotadas pelos portugueses na colonização


do Brasil?

8. CONSIDERAÇÕES
O conteúdo desenvolvido nesta primeira unidade teve como
principal objetivo fazer com que iniciemos nossas próprias refle-
xões sobre o desenvolvimento territorial brasileiro. Entretanto, os
temas tratados não se encerram aqui. Existem muitas informações
na internet, especialmente quanto às datas e às relações de todos
os tratados de limites que contribuíram para a configuração terri-
torial brasileira.
É imprescindível que o futuro professor de Geografia compre-
enda os processos que contribuíram para a formação territorial do
Brasil, e não decore os acontecimentos como uma sequência lógica.
Foi com a intenção de que tenhamos a oportunidade de re-
fletir e compreender a história da formação territorial do Brasil
que nos propusemos a elaborar este texto inicial. Caberá ao futuro
professor aprofundar o aprendizado desse processo, interagindo
com seus colegas, pesquisando e fazendo as reflexões sugeridas.
Continue com a gente!

9. E-REFERÊNCIAS
Lista de figuras
Figura 1 Tratado de Tordesilhas. Disponível em: <http://www.geocities.com/cecan2000/
cecilia/tordesilhas.jpg>. Acesso em: 10 maio 2008.
Figura 2 Divisão do Brasil em Capitanias Hereditárias. Disponível em: <http://www.
geocities.com/cecan2000/cecilia/brasilnosso.htm>. Acesso em: 10 maio 2008.
© U1 – Evolução Territorial Brasileira: Séculos 15-17 35

Site pesquisado
NORDESTEWEB. O Brasil (segundo Milton Santos). Disponível em: <http://www.
nordesteweb.com/not02/ne_not_20010202a.htm>. Acesso em: 27 jun. 2012.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANDRADE, M. C.; ANDRADE, S. M. C. A Federação Brasileira – uma análise geopolítica e
geo-social. São Paulo: Contexto, 1999.
COSTA, W. M. O Estado e as políticas territoriais no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991.
SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo, Hucitec, 1988.
______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2002.

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EAD
Processo de Produção do
Território Brasileiro

2
1. OBJETIVOS
• Conhecer o início da colonização portuguesa no Brasil e
as tentativas iniciais de conquista do território.
• Compreender como se deu a conquista e ocupação do es-
paço brasileiro durante o século 19.
• Analisar as mudanças ocorridas no espaço brasileiro e a
produção do território.

2. CONTEÚDOS
• Colonização portuguesa no Brasil.
• Ocupação e transformações do território brasileiro.
• Economia e as transformações no território.
38 © História da Formação Territorial do Brasil

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar os estudos desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Procure atentar ao processo de ocupação do território
brasileiro, bem como aos mecanismos utilizados pelos
colonizadores para garantir a posse do território, espe-
cialmente as economias desenvolvidas. Isso facilitará o
entendimento desta unidade.
2) Para que você aprofunde seus conhecimentos sobre a
economia cafeeira no Brasil, acesse o seguinte endereço
eletrônico: <http://www.historianet.com.br/conteudo/
default.aspx?codigo=518>. Acesso em: 27 jun. 2012. Ou
leia a seguinte obra:
• MONBEIG, P. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo.
São Paulo: Hucitec. 1984.
3) Para compreender melhor a periodização da história do
território brasileiro, desde o descobrimento até 1930,
é muito importante que você consulte a obra de Caio
Prado Júnior, referenciada no ao final desta unidade.
Pesquise também na internet buscando conhecer mais
sobre esse historiador.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta unidade, nossos estudos serão aprofundados, de for-
ma que possamos compreender e refletir sobre a intencionalidade
da Coroa Portuguesa em colonizar o Brasil e sobre os reflexos que
a colonização teve para a configuração do território brasileiro.
Perceberemos que há uma intrínseca relação entre desen-
volvimento econômico, ocupação do território e expansão terri-
torial.
Veremos ainda que, no século 19, muitas mudanças contri-
buíram para a expansão do povoamento do território brasileiro,
e, no final desse período, o desenvolvimento econômico, baseado
© U2 – Processo de Produção do Território Brasileiro 39

principalmente na economia cafeeira, acentuou o desenvolvimen-


to da região Sudeste, especialmente o da cidade de São Paulo.
Bom estudo!

5. COLONIZAÇÃO PORTUGUESA NO BRASIL: UM EM-


PREENDIMENTO CAPITALISTA
Os séculos 15 e 16 foram marcados pelo monopólio comer-
cial exercido por Portugal sobre o Brasil colonial. Para as grandes
nações da época, como Portugal, por exemplo, era muito impor-
tante conquistar territórios e dominá-los, inclusive economica-
mente.
Assim, as terras encontradas pelos portugueses em 1500
passaram a representar para a Coroa Portuguesa, a partir de 1530,
uma oportunidade de aumentar seus lucros por meio do monopó-
lio econômico.
Em algumas ilhas do Atlântico, os portugueses já tinham
experiência na produção de açúcar, realizada com a mão-de-obra
escrava. O açúcar era um produto raro e caro e possuía, na época,
mercado consumidor garantido.
Há um espaço de aproximadamente 30 anos entre o des-
cobrimento do Brasil e o início da colonização. É a partir dessa
constatação que iremos refletir sobre por que a colonização surge
como uma possibilidade capitalista, e não como uma tentativa so-
mente de tomar posse do território encontrado.
A princípio, Portugal não se interessou por explorar o terri-
tório brasileiro por não ter encontrado, logo em 1500, pedras pre-
ciosas ou ouro.
Entretanto, as terras recém-descobertas por Portugal come-
çaram a ser disputadas por algumas outras nações, como Espanha,
França e Holanda. Além disso, vale lembrar que os princípios do
mercantilismo estavam em voga na Europa.

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40 © História da Formação Territorial do Brasil

Assim, as constantes invasões de estrangeiros, aliadas às


ideias mercantilistas, motivaram Portugal a colonizar efetivamente
o Brasil a partir de 1530.
O início da colonização do Brasil estava baseado no latifún-
dio, na monocultura, na exportação e na escravidão, e representa-
va para a Coroa Portuguesa uma oportunidade de aumentar sua
lucratividade.
Mas quais foram às consequências para o Brasil da intencio-
nalidade capitalista da coroa portuguesa ao implementar a coloni-
zação?
É com base nessa intencionalidade exploradora e mercan-
tilista que podemos dizer que a colonização do Brasil foi um em-
preendimento capitalista, já que o foco estava em obter o máximo
lucro por meio da principal atividade comercial implantada, a eco-
nomia canavieira.
Como aponta Manuel Correia de Andrade (1995), a expro-
priação da população nativa e a devastação da floresta iniciaram-
-se no século 16, com o povoamento e a colonização. Inicialmente,
houve interesse pelo escambo dos produtos da terra, sobretudo o
pau-brasil. A penetração no território era difícil, devido à vegetação
densa, aos animais e aos insetos, ao clima e aos ataques indígenas;
por isso, os portugueses limitaram-se à ocupação da porção litorâ-
nea do Nordeste, onde realizaram a agricultura da cana-de-açúcar.

Expansão do território brasileiro por regiões


Veremos agora como ocorreu a ocupação do território brasi-
leiro, salientando as peculiaridades de cada região.
Segundo Caio Prado Júnior (1945), a expansão no Nordeste
foi irregular ao longo dos rios, existindo, ainda, uma pequena mi-
neração na região. No Sudeste, no século 16, o povoamento deu-
-se por meio da mineração. Na região de Mato Grosso e Goiás, o
povoamento aconteceu da mesma forma.
© U2 – Processo de Produção do Território Brasileiro 41

O que levou os portugueses a penetrarem no interior do país


foram as buscas por pedras preciosas e ouro por meio de movi-
mentos como as Entradas e as Bandeiras.
Na Bahia, a penetração do interior foi feita, sobretudo, por
fazendeiros à procura de terras para desenvolver a pecuária. No
Sul, a ocupação do território ocorreu por meio da pecuária e a
extração da erva-mate.
No século 18, a penetração do território terá as seguintes
características, segundo Manuel Correia de Andrade (1995): na Ba-
cia do Rio São Francisco e no Sertão Setentrional nordestino, há o
estabelecimento de grandes latifúndios voltados à pecuária; um
avanço paulista provocou o descobrimento de minas de ouro e de
pedras preciosas, e o deslocamento populacional; o povoamento
não era contínuo, ele se adensava em torno dos garimpos, dando
origem a vilas que se situavam longe umas das outras, criando nú-
cleos/vilas principalmente em Minas Gerais e Goiás.
A ocupação da Amazônia foi muito lenta, apesar da facilida-
de de navegação. A região era extensa, o clima, muito quente, os
indígenas eram hostis e diferentes moléstias atingiam os navega-
dores. No século 16, os portugueses se estabelecem na foz do rio
Amazonas, com a instalação de Belém, onde faziam expedições de
caça aos índios para serem escravizados, e à procura de drogas do
sertão (ANDRADE, 1995).

Periodização da história do território brasileiro


O principal estudioso do tema da colonização foi o historia-
dor Caio Prado Júnior, responsável por difundir a ideia de que a
colonização do Brasil estava baseada somente nas exportações
e, portanto, na exploração do território, sem haver, por parte dos
portugueses, qualquer preocupação com o desenvolvimento local
ou do Brasil como um todo.

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42 © História da Formação Territorial do Brasil

Para ele, o modelo de colônia de exploração vai determinar


todas as relações sociais e, consequentemente, influenciar forte-
mente a configuração e estruturação do território brasileiro.
Caio Prado Júnior (1945) constrói uma periodização da his-
tória do território brasileiro, desde o descobrimento até 1930, em
que ele considera sete momentos principais:
1) 1500-1530: preliminares da colonização.
2) 1530-1640: ocupação efetiva, definida pelo início da
agricultura e suas atividades acessórias.
3) 1640-1770: expansão da colonização, marcada pela mi-
neração e ocupação do Centro-Sul, a pecuária e a colhei-
ta florestal.
4) 1770-1808: apogeu da Colônia, com o renascimento da
agricultura e a incorporação do Rio Grande do Sul à ati-
vidade pecuária.
5) 1808-1850: era do liberalismo, determinada pelo declí-
nio do pacto colonial e o aparecimento do capitalismo
industrial.
6) 1850-1889: império escravocrata e aurora burguesa, ca-
racterizados pela evolução agrícola, um novo equilíbrio
econômico, a decadência do trabalho servil e sua aboli-
ção, a imigração e a colonização.
7) 1889-1930: república burguesa, com dois subperíodos –
a industrialização e o imperialismo.

6. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, OCUPAÇÃO E


EXPANSÃO TERRITORIAL NO SÉCULO 19
A partir deste momento, teremos a oportunidade de com-
preender as relações existentes entre desenvolvimento econômi-
co, ocupação do território e expansão territorial no século 19.
Inicialmente, é importante questionar: por que periodizar e
estudar o século 19 em vez de fazer uma análise mais abrangente?
© U2 – Processo de Produção do Território Brasileiro 43

Embora as transformações territoriais ocorram de forma


contínua, como um processo, para que possamos estudar tais mu-
danças, é importante separarmos os fatos mais marcantes de cada
período, com o objetivo de que no fim se compreenda o todo. O
todo diz respeito ao processo.
É importante entendermos, também, que as transformações
pelas quais o território brasileiro passa ocorrem ao longo do tem-
po, fazem parte de um processo no qual um fator depende do ou-
tro.
Essa ideia de processo é muito importante porque nos ajuda
a pensar sobre as transformações territoriais como um sistema,
isto é, as mudanças ocorridas ao longo dos tempos não aconte-
cem isoladamente. Há muitos fatores interdependentes que con-
tribuem para que o território esteja em constante transformação.
O século 19 foi marcado por significativas modificações com
relação à ocupação do território. Segundo Wanderley Messias da
Costa, no início desse século que estamos analisando, os extremos
norte e sul do Brasil já tinham um povoamento próspero e uma
economia já desenvolvida:
Além do Pará e do Maranhão, o povoamento já havia estabelecido
os seus núcleos ao longo da calha principal do Amazonas, com des-
taque para São José do Rio Negro (atual Manaus); ao sul, como já
foi dito, os núcleos litorâneos e a ocupação extensiva do interior já
representavam uma base segura para a grande onda de povoamen-
to durante o século XIX (COSTA, 1991, p. 32).

Entretanto, o povoamento do território brasileiro nesse sé-


culo ocorre de forma localizada, pontual. Isso ocorre porque o de-
senvolvimento econômico de algumas porções do território não
está disseminado por todo o Brasil.
Assim, no início do século 19, as transformações territoriais
acontecem de forma mais acentuada nas regiões Nordeste e Nor-
te, mas somente ao redor de alguns núcleos, como Manaus, Be-
lém e São Luis.

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44 © História da Formação Territorial do Brasil

No Nordeste, a economia canavieira contribuiu decisiva-


mente para o desenvolvimento econômico da região e, conse-
quentemente, para a expansão do território, aliada ao avanço da
pecuária para o interior. As cidades foram se desenvolvendo no
litoral nordestino graças ao vigor proporcionado pela economia da
cana-de-açúcar.
É nesse contexto que na configuração espacial brasileira há
a tendência, no século 19, de que o povoamento e a expansão
territorial ocorram principalmente no litoral, já que é nele que en-
contramos a economia mais rentável da época, a canavieira.

Ciclo da borracha na região Norte


Na região Norte, tivemos a economia da borracha como a
grande responsável pelo desenvolvimento de cidades como Ma-
naus e Belém.
O ciclo da borracha, ocorrido no século 19, trouxe à região
Norte grande desenvolvimento econômico e também visibilidade
internacional, com a vinda de Henry Ford ao Brasil, que utilizou
durante um bom o tempo o látex brasileiro para a fabricação dos
pneus de seus carros.
Contudo, como mencionado anteriormente, esse desenvol-
vimento ocorrido no Norte e Nordeste do país apenas ocorre em
alguns pontos, devido à falta de infraestrutura de transportes e
comunicações, fator que prejudica o desenvolvimento de porções
do território mais distantes dos núcleos mais desenvolvidos.
Com essa afirmação da falta de estrutura, podemos dizer que
o desenvolvimento econômico do Brasil e, consequentemente, o
desenvolvimento territorial acontecem de forma restrita, concen-
trados próximos aos núcleos que já possuem um determinado de-
senvolvimento econômico.
© U2 – Processo de Produção do Território Brasileiro 45

Expansão territorial atrelada ao desenvolvimento econômico


Perceberemos aqui que a expansão do território brasileiro
está atrelada ao desenvolvimento econômico.
Enquanto a economia da cana-de-açúcar prosperou no Nor-
deste, a expansão territorial e o desenvolvimento econômico da
região aconteciam a todo vapor. O centro das atividades econômi-
cas estava instalado nessa região.
Mas, com a proibição do tráfico de escravos, concomitante
à relativa queda da economia canavieira do Nordeste, em decor-
rência da concorrência com a produção holandesa de açúcar nas
Antilhas, ocorre uma reorientação das atividades produtivas, e o
centro econômico brasileiro passa a estar localizado na região Su-
deste.
Os fatores que proporcionaram tal inversão foram a queda
da economia canavieira, como já apontado, aliada ao desenvolvi-
mento da mineração em Minas Gerais e, posteriormente, ao cres-
cimento da economia cafeeira, especialmente em São Paulo.

Deslocamento do eixo-econômico para o Sudeste


É importante destacar também que, no século 19, a capital
do Brasil já havia sido transferida de Salvador para o Rio de Janeiro.
Em consequência dessas mudanças, todas as atenções esta-
vam voltadas para o desenvolvimento da região Sudeste, princi-
palmente dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
O centro econômico passou a ser o Sudeste e não mais o
Nordeste. A região Sudeste passou a atrair cada vez mais pessoas,
favorecendo então o processo de povoamento e gerando, conse-
quentemente, modificações na organização territorial.
Assim, o surgimento de cidades passa a concentrar-se nessa
região, responsável pelos maiores índices de crescimento em nú-
mero de fundação nessa época.

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46 © História da Formação Territorial do Brasil

De acordo com Wanderley Messias da Costa:


[...] a atividade mineradora, diferentemente da rural tradicional, é
atividade que se desenvolve imbricada com a vida urbana em geral.
Afora a criação de núcleos urbanos, dentre os quais se destacou
Vila Rica (Ouro Preto) e, com isto, a dinamização de toda a vida eco-
nômica regional, a mineração representou, pela primeira vez, uma
efetiva interiorização do povoamento de base predominantemen-
te urbana e complementarmente agrária. Além disso, estabeleceu
fluxos e vias de comunicação, tanto com São Paulo como com o
Rio de Janeiro, criando assim as bases (a ossatura) da constituição
da futura região sudeste e do famoso "triângulo" de urbanização-
-industrialização (COSTA, 1991, p. 32).

Correntes migratórias
As correntes migratórias são um indício das transformações
territoriais. Se, no início do século 19, havia uma tendência de mi-
gração do Nordeste para o Norte, devido à queda da economia
canavieira no Nordeste e o crescente desenvolvimento econômico
da região Norte (ciclo da borracha), no final do século 19, o fluxo
migratório modifica-se, direcionando-se do Nordeste para o Su-
deste, dado o crescente e próspero desenvolvimento econômico
dos estados de Minas gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

Economia cafeeira
No final do século 19, toda a região Sudeste, principalmen-
te São Paulo, passa a desenvolver-se economicamente graças ao
crescimento da economia cafeeira, sendo esta a grande responsá-
vel pela expansão do povoamento dessa região e, em especial, da
cidade de São Paulo:
Esgotado o ciclo da mineração do ouro em Minas Gerais, outra ri-
queza surgia, provocando a emergência de uma aristocracia e pro-
movendo o progresso do Império e da Primeira República.
Penetrando pelo vale do rio Paraíba, a mancha verde dos cafezais,
que já dominava paisagem fluminense, chegou a São Paulo, que, a
partir da década de 1880, passou a ser o principal produtor nacio-
nal da rubiácea (café). Na sua marcha foi criando cidades e fazendo
fortunas. Ao terminar o século XIX, o Brasil controlava o mercado
cafeeiro mundial (HISTORIANET, 2012).
© U2 – Processo de Produção do Território Brasileiro 47

Vejamos, na Figura 1, a ilustração da invasão cronológica do


café no Estado de São Paulo:

Fonte: Milliet (1982, p. 56).


Figura 1 Esquema da invasão cronológica do café no estado de São Paulo.

Desenvolvimento dos transportes e comunicação


Ao longo do século 19, o Brasil manteve contato com as téc-
nicas modernas que possibilitaram uma profunda transformação
do espaço.
Na Unidade 1, vimos que, num primeiro momento, a natu-
reza se impõe ao homem, especialmente ao colonizador europeu.
No caso brasileiro, podemos dizer que, até meados do século 18
e em grande parte do século 19, o homem não consegue obter
técnicas que lhe permitam "dominar" a natureza.
Como visto anteriormente, devido à interdependência de fa-
tores, o domínio do território fica restrito às técnicas existentes e
aos avanços da época.
Cabe ressaltar que o desenvolvimento dos transportes e da
comunicação interfere diretamente na configuração territorial.
Durante grande parte do século 19, as principais inovações técni-

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48 © História da Formação Territorial do Brasil

cas que podem contribuir para modificações territoriais são ainda


o cavalo, algumas embarcações e uma incipiente comunicação por
meio dos telégrafos.
A ausência de uma rede de transporte bem desenvolvida,
associada à falta de uma rede de comunicações também eficiente,
não permitiu que o desenvolvimento econômico, verificado em al-
guns pontos do território, atingisse outros pontos mais distantes,
ainda não desenvolvidos e pouco povoados.
Mas, no final do século 19, há um aprimoramento das técni-
cas de transporte e comunicações. Um desses avanços diz respeito
à estrada de ferro.
A construção de uma rede ferroviária no Brasil, especialmen-
te no Sudeste, possibilitou o crescimento dessa região e o aumen-
to do número de cidades por onde passavam os trilhos da extinta
Cia. Paulista. A Figura 2 demonstra esse fato, observe:

Fonte: Saes (1981, p. 35).


Figura 2 Ferrovias no estado de São Paulo até 1940.

As estradas de ferro permitiram o aumento do povoamento


da cidade de São Paulo e o surgimento de cidades ao seu redor.
Foi a partir desse momento que a cidade começou a tornar-se o
© U2 – Processo de Produção do Território Brasileiro 49

centro econômico do país. Embora nunca tenha sido a capital do


Brasil, é no final do século 19 que São Paulo ganha status de centro
econômico do país.

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Como se deu a conquista e ocupação do espaço brasileiro durante o século
19?

2) De que maneira o desenvolvimento econômico contribuiu para a coloniza-


ção do território brasileiro?

3) A economia da borracha contribuiu para o desenvolvimento do território


brasileiro como um todo? Por quê?

4) Em que medida os meios de transporte influenciaram a estruturação do ter-


ritório brasileiro, especialmente no século 19?

8. CONSIDERAÇÕES
Tivemos a oportunidade de concluir, nesta unidade, que a
configuração do território brasileiro acontece em função do seu
desenvolvimento econômico.
As mudanças territoriais mais profundas ocorrem justamen-
te nos locais onde esse desenvolvimento econômico se dá de for-
ma mais acentuada. Por isso, as modificações nas fronteiras inter-
nas estão associadas também às mudanças do eixo econômico.
É importante, de um modo geral, compreender que o desen-
volvimento e a modernização técnica influenciam diretamente na
estruturação do território.
Vimos aqui que, se, no início do século 19, o desenvolvimen-
to territorial estava restrito a alguns pontos, no final desse mes-
mo século, essa situação começa a mudar, devido ao avanço das

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50 © História da Formação Territorial do Brasil

técnicas de transporte e comunicação, que, dentre outros fatores,


permite uma maior mobilidade dentro do território brasileiro, fa-
vorecendo a expansão do desenvolvimento econômico e do pró-
prio território.

9. E-REFERÊNCIA
HISTORIANET. A Expansão do café no Brasil. Disponível em: <http://www.historianet.
com.br/conteudo/default.aspx?codigo=518>. Acesso em: 27 jun. 2012.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANDRADE, M. C.; ANDRADE, S. M. C. A Federação Brasileira – uma análise geopolítica e
geo-social. São Paulo: Contexto, 1999.
______. A questão do território no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1995.
COSTA, W. M. O Estado e as políticas territoriais no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991.
HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MILLIET, S. Roteiro do café e outros ensaios. São Paulo: Hucitec, 1982.
MONBEIG, P. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1984.
PRADO JÚNIOR, C. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1945.
SAES, F. A. M. As ferrovias de São Paulo, 1870-1940. São Paulo: Hucitec, 1981.
EAD
Produção do Território
Brasileiro no Século
20
3
1. OBJETIVOS
• Conhecer os novos rumos da produção do território bra-
sileiro durante o século 20.
• Analisar a produção do território no século 20.
• Compreender as influências exercidas pela economia na
configuração territorial brasileira.

2. CONTEÚDOS
• Desenvolvimento econômico e expansão do território
brasileiro na primeira metade do século 20.
• Transformações no espaço brasileiro na segunda metade
do século 20.
52 © História da Formação Territorial do Brasil

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar os estudos desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Procure atentar à influência da economia desenvolvida
no inicio do século 20 no processo de construção do ter-
ritório brasileiro, especialmente no que se refere à sua
expansão.
2) É importante que você reflita, também, sobre o quanto
os meios de comunicação atuais favorecem o encurta-
mento das distâncias e a ocupação do espaço. Pense no
quanto, há alguns anos atrás, você e sua família depen-
diam dos meios de transporte, ou o quanto era difícil
ir para uma cidade vizinha para visitar amigos, parentes
ou mesmo para estudar. Reflita sobre as dificuldades
que tivemos para estudar, cursar uma faculdade; e hoje,
devido aos avanços técnicos, podemos ter acesso a um
número ilimitado de informações, e até mesmo fazer um
curso superior a distância!
3) Para você aprofundar seus conhecimentos sobre o em-
prego das técnicas e o uso do território, é imprescindível
a leitura do livro: A Natureza do Espaço: Técnica e Tem-
po, Razão e Emoção, de Milton Santos, referenciado no
final desta unidade.
4) Reflita no quanto as oportunidades de obter informação
repercutirão no território em que você vive. Você, aluno,
que será um futuro professor de Geografia, muitas vezes
está no interior do Brasil, e terá a oportunidade de pas-
sar adiante conhecimentos aos quais talvez nunca teria
acesso se não fosse a internet.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, compreendemos como a intencionali-
dade capitalista da Coroa portuguesa influenciou a ocupação e a
produção do território brasileiro. Além disso, analisamos o desen-
© U3 – Produção do Território Brasileiro no Século 20 53

volvimento econômico e sua relação com a ocupação e expansão


territorial no século 19.
Nesta unidade, veremos as transformações que ocorreram
no território brasileiro no século 20. Este século é caracterizado
por profundas mudanças, no qual o país iniciou uma nova fase,
modificando sua base econômica de agrícola para industrial.
É também no século 20 que o ciclo do café tem seu auge e
declínio, trazendo como consequência o início dos investimentos
na indústria de base.
Veremos, ainda, como a cidade de São Paulo se consolida
como capital econômica do país, e a busca do Estado brasileiro por
alternativas que contribuam para uma maior integração do terri-
tório nacional, buscando, assim, ocupar o interior do país de forma
mais efetiva.
Bom estudo!

5. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E EXPANSÃO


DO TERRITÓRIO BRASILEIRO NA PRIMEIRA METADE
DO SÉCULO 20
O início do século 20 foi marcado pela construção de estra-
das de ferro que saíam das capitais das cidades e dos principais
portos e partiam para o interior, facilitando o transporte de mer-
cadorias como, por exemplo, o café.
Nessa época, o desenvolvimento econômico ainda estava
restrito a alguns pontos do território, porém as possibilidades de
mobilidade pelo interior do Brasil aumentaram.
Na região Norte, a tentativa de construção de ferrovias que
favoreceriam o escoamento da borracha para o exterior, e também
de outros produtos retirados da Amazônia, representa um avanço
no que se refere à ocupação dessa parte do país, especialmente ao
redor de cidades como Manaus e Belém.

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54 © História da Formação Territorial do Brasil

Ao mesmo tempo, a expansão do território da região Sudes-


te ainda está relacionada ao apogeu da economia cafeeira.
O porto de Santos é o grande ponto de escoamento da pro-
dução cafeeira do Estado, e muitas outras cidades surgem e se de-
senvolvem ao redor dessa cidade.
A cidade de São Paulo, nas décadas iniciais do século 20,
cresce vertiginosamente. Os Barões do Café constroem suas casas
na avenida mais conhecida da cidade, a Avenida Paulista (Figura 1),
e começam a investir parte de seu capital em algumas pequenas
fábricas, inicialmente criadas por imigrantes italianos e espanhóis,
e também na construção de estradas de ferro e casas bancárias.

Figura 1 Avenida Paulista no início do Século 20.

Há também, nessa época, a criação de rodovias, elementos


fundamentais para a expansão da ocupação territorial em direção
ao sul do Brasil e ao oeste (Mato Grosso do Sul e Goiás).
De acordo com Andrade e Andrade:
Durante o Estado Novo, por exemplo, Getúlio Vargas, preocupado
com o povoamento do interior do Brasil, criou a Fundação Brasil
Central visando desenvolver a colonização oficial em Mato Grosso,
© U3 – Produção do Território Brasileiro no Século 20 55

Goiás e em cinco territórios federais, dos quais três se tornaram


estados – Amapá, Roraima e Rondônia – e dois foram extintos pela
Constituição de 1946. [...] Ponta Porã, participa do estado de Mato
Grosso do Sul, criado em 1975 [...]. Durante o Estado Novo, para
desenvolver essa política de expansão, criou-se a mística da Mar-
cha para o Oeste comprometendo setores políticos, militares e in-
telectuais (1999, p. 39).

Queda da bolsa de Nova York em 1929 e Segunda Guerra Mundial:


influências no processo de industrialização
Com a queda da Bolsa de Nova York, em 1929, os cafeiculto-
res brasileiros foram à falência, já que o preço do café no mercado
internacional caíra vertiginosamente.
Os investimentos, que antes estavam centrados no cultivo
do café, passaram, então, a ser destinados à criação e aprimora-
mento de fábricas. Os Barões do Café começaram a investir seu
capital de forma maciça na industrialização.
A cidade de São Paulo oferecia os serviços necessários à cir-
culação e distribuição de mercadorias e capital, além de armazéns,
lojas, bancos e créditos, fatores esses que favoreceram o seu de-
senvolvimento industrial. Por esse motivo, a cidade de São Paulo
surgiu no início da década de 1930 como o grande centro econô-
mico, em franca expansão, devido ao desenvolvimento da indus-
trialização e concentração de capital nas casas bancárias.
É importante também ressaltar que a Segunda Guerra Mun-
dial contribuiu para a diminuição das importações brasileiras, o
que acabou impulsionando a indústria nacional a produzir o que
antes era importado.
Dessa forma, a estruturação do território brasileiro, a partir
da década de 1930, passa a ser mais intensa ao redor da cidade
de São Paulo. A industrialização ocorrida nessa cidade contribuiu
muito para os avanços técnicos que, por sua vez, desenvolveram e
modernizaram sobremaneira as comunicações.

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56 © História da Formação Territorial do Brasil

É bom enfatizar que, quando falamos em comunicações, não


estamos nos referindo apenas aos meios de comunicações por ex-
celência, como rádio e televisão, mas sim a todo tipo de inovação
que, direta ou indiretamente, contribui para a comunicação entre
os lugares, como os meios de transporte.

Modernização dos meios de transporte


A modernização dos meios de transporte ocorre justamente
no início de século 20, e é a responsável pelo encurtamento das
distâncias e por possibilitar uma melhor comunicação entre luga-
res distantes.
Devemos salientar que os meios de transporte foram fun-
damentais para o processo de expansão territorial do Brasil. Com
a modernização e criação de rodovias, carros, trens e meios de
transporte coletivo, os brasileiros passam a ter mais oportunida-
des de se locomover dentro do próprio território, principalmente
em busca de melhores condições de vida. Cabe observar que a ma-
lha ferroviária e a rodoviária, posteriormente, fizeram parte, antes
de tudo, de uma política econômica, sendo que algumas linhas de
trem foram implantadas por empresas privadas e/ou fazendeiros
para escoar seus produtos para o porto de Santos. A facilidade de
transporte foi servindo, também, aos fluxos migratórios planeja-
dos pelo Estado.

Fluxo migratório para São Paulo


A cidade de São Paulo, a partir da década de 1940, começa a
tornar-se um grande polo atrativo de pessoas.
Dessa forma, a corrente migratória passa a ser direcionada
do Nordeste para o Sudeste. A intensificação dessa migração vai
ocorrer nas décadas de 1950, 1960 e, principalmente, na de 1970,
período em que a industrialização e a urbanização são de fato efe-
tivadas na cidade de São Paulo.
© U3 – Produção do Território Brasileiro no Século 20 57

Assim, a organização do território brasileiro estava relacio-


nada ao desenvolvimento industrial e, consequentemente, ao de-
senvolvimento urbano.

Desenvolvimento da região Sudeste


A região Sudeste torna-se a que mais atrai pessoas e investi-
mentos públicos e privados. Com a centralização do desenvolvimen-
to econômico, há também a centralização da expansão territorial.
As grandes concentrações urbanas localizam-se no sudeste, espe-
cialmente ao redor de São Paulo e Rio de Janeiro, a capital do país.
Mas quais foram as implicações dessa centralização do de-
senvolvimento econômico e de expansão territorial na região Su-
deste, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro?
Um fato marcante que ilustra muito bem a concentração dos
investimentos no sudeste diz respeito à construção da Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN) na década de 1940, durante o governo
de Getúlio Vargas, no estado do Rio de Janeiro. Veja, a seguir, um
texto elucidativo sobre a questão:
Já por ocasião da Revolução de 1930, a criação de uma grande
indústria siderúrgica nacional havia sido fixada como um dos ob-
jetivos do governo, visando a atender às necessidades não só do
desenvolvimento econômico, mas da própria soberania nacional.
Foi exatamente a preocupação com a defesa nacional que fez com
que, a partir de meados da década, os militares passassem a de-
sempenhar um papel chave na luta em prol da indústria siderúrgica
brasileira. Em junho de 1939, durante visita aos Estados Unidos do
chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro, general Góes Montei-
ro, o governo norte-americano manifestou sua disposição de coo-
perar no reequipamento econômico e militar brasileiro em troca de
nossa colaboração nos planos de defesa continental traçados por
Washington. Na ocasião foi enviado ao Brasil um grupo de técnicos
da United States Steel e, como resultado das conclusões favoráveis
de seus estudos, foi instalada a Comissão Preparatória do Plano
Siderúrgico. Contudo, em janeiro de 1940 o governo brasileiro foi
informado da decisão daquela empresa de que não iria mais par-
ticipar da construção da usina no Brasil. Embora os motivos dessa
desistência nunca tenham ficado claros, é possível que estivessem
ligados aos estudos que se faziam na época em torno da criação de
um novo Código de Minas que proibiria a participação estrangeira

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58 © História da Formação Territorial do Brasil

na atividade metalúrgica. Em vista da decisão da empresa norte-


-americana, o governo brasileiro decidiu levar adiante o empreen-
dimento por meio da constituição de uma empresa nacional, com
a ajuda de empréstimos estrangeiros. Ainda em 1940 foi criada a
Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, que estabele-
ceu metas de produção e financiamento e decidiu pela localização
da usina em Volta Redonda (RJ) (CPDOC, 2012a).

Desse modo, a criação da CSN possibilitou o fornecimento


de aço para diversos setores industriais e representou um gran-
de avanço no que se refere à industrialização brasileira, porém ela
ainda fazia parte de um conjunto de políticas direcionadas ao de-
senvolvimento de uma única região – a Sudeste.
Entretanto, a criação da CSN não foi suficiente para que se
cumprissem as promessas de desenvolvimento brasileiro associa-
do à ideia de expansão industrial.
Assim, embora houvesse tentativas estratégicas de promo-
ver a expansão territorial do Brasil em direção ao interior, com a
criação e incentivos à industrialização, foi somente durante o go-
verno de Juscelino Kubitscheck (1955-1960) que o povoamento do
interior brasileiro se efetivou.

Governo de Juscelino Kubitscheck


JK, como era popularmente conhecido, propunha desenvol-
ver a nação de acordo com o lema: 50 anos em 5. Para isso, tinha
como um de seus planos construir uma nova capital para o país,
no centro do território brasileiro – a cidade de Brasília. Sobre esse
tema, Andrade e Andrade destacam:
O governo de Juscelino [...] teve um papel importante na expan-
são do povoamento, uma vez que construiu a nova capital do país,
Brasília, no Planalto Central, e planejou construir uma série de ro-
dovias ligando-a aos mais diversos pontos do território nacional; a
primeira a ser construída foi a Belém-Brasília. Até então todas as
comunicações com a Amazônia eram feitas por via marítima, pela
navegação de cabotagem; de Belém, porto de entrada da região,
ela se dirigia por vias fluviais para os vários pontos da hinterlândia
(1999, p. 40).
© U3 – Produção do Território Brasileiro no Século 20 59

O Plano de Metas desenvolvido por JK foi executado com


grande participação de capital estrangeiro.
O Plano de Metas mencionava cinco setores básicos da economia,
abrangendo várias metas cada um, para os quais os investimen-
tos públicos e privados deveriam ser canalizados. Os setores que
mais recursos receberam foram energia, transportes e indústrias
de base, num total de 93% dos recursos alocados. Esse percentual
demonstra por si só que os outros dois setores incluídos no plano,
alimentação e educação, não mereceram o mesmo tratamento dos
primeiros. A construção de Brasília não integrava nenhum dos cinco
setores (CPDOC, 2012b).

No período em que Juscelino esteve no poder, a indústria de


base teve um grande crescimento e auxiliou muito o desenvolvi-
mento de outras indústrias e demais setores da economia.
A construção de Brasília representou não somente a mudan-
ça da capital do Brasil, mas, principalmente, uma transformação
na configuração do espaço brasileiro.
Muitos foram os nordestinos que migraram do Nordeste, e
mesmo do Sudeste, em direção a Brasília, na esperança de conse-
guir um trabalho, incentivados, também, por uma política migrató-
ria. Juntamente com os migrantes, muitos foram os investimentos
nas terras do Planalto Central, principalmente no que se refere à
agricultura e à pecuária.
A ampliação da infraestrutura das redes de comunicação fa-
cilitava não só a mobilidade dos brasileiros em direção ao Centro-
-Oeste, mas também o surgimento de indústrias, comércios etc.
Vale destacar também que todos os avanços conseguidos no
ramo industrial contaram com o apoio de um grande avanço cien-
tífico. A construção de Brasília foi planejada e representou, dentre
outras coisas, um desenvolvimento em áreas como engenharia,
indústria etc.
É preciso esclarecer que, graças ao desenvolvimento científi-
co, muitas técnicas de construção civil, de engenharia e da indústria
puderam ser melhoradas, o que permitiu a construção de Brasília.

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60 © História da Formação Territorial do Brasil

Esses avanços promovidos pela ciência também foram verifi-


cados em outras áreas do conhecimento, e em muito contribuíram
para a construção e aprimoramento das cidades.
De modo geral, podemos dizer que as décadas de 1950 e
1960 foram marcadas pelo crescimento e modernização industrial
do Centro-Sul brasileiro, pela interiorização do povoamento em
direção ao Centro-Oeste, e pelo aumento da urbanização do terri-
tório brasileiro.

6. TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO BRASILEIRO NA


SEGUNDA METADE DO SÉCULO 20
No final da década de 1950, o governo de JK começa a per-
ceber que, embora o país vivesse um grande surto de desenvolvi-
mento e o interior brasileiro começasse a ter a oportunidade de
realmente se desenvolver economicamente, regiões como o Nor-
deste e o Norte ainda não "respiravam" esses mesmos ares desen-
volvimentistas. As diferenças regionais, na verdade, acentuavam-
-se cada vez mais.
Em vista das diferenças regionais, a partir da década de
1960, há, não somente por parte do governo de JK, mas pelos que
o sucederam também, diversas tentativas de desenvolver a Ama-
zônia e o Sertão Nordestino. Muitas foram as políticas que visavam
o desenvolvimento dessas regiões, tais como a criação da Sudene
(Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), da Sudam
(Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) etc.
Entretanto, as tentativas de levar desenvolvimento para es-
sas regiões não surtiram efeitos positivos significativos. No decor-
rer dos anos, pôde-se verificar que, mesmo após várias tentativas,
o Centro-Sul continuava sendo o principal polo de desenvolvimen-
to industrial e econômico do país.
Ao refletir sobre o processo de formação territorial do Brasil
na segunda metade do século 20, podemos dizer que as políticas
© U3 – Produção do Território Brasileiro no Século 20 61

voltadas para o desenvolvimento do território estiveram, em sua


grande maioria, destinadas a algumas regiões ou cidades.
Poucas foram as tentativas de pensar num projeto para o
país como um todo. O desenvolvimento de cada região do país
esteve constantemente relacionado aos interesses particulares,
como os de empresas e dos detentores do poder em cada época.
Sobre essa situação, Andrade e Andrade destacam:
Durante o longo período em que controlaram o governo no Bra-
sil (1964-1985), os militares desenvolveram uma política muito
agressiva para o Norte e o Centro-Oeste, implantando programas
que promoveram a abertura de estradas, integrando essas regiões
às demais do país, apoiando políticas de colonização, projetos de
grandes empresas, intensificando a exploração mineral e promo-
vendo o povoamento, mas sem maiores preocupações com os
impactos ambientais e sociais provocados por essa intervenção.
As preocupações eram dominantemente estratégicas. [...] foram
abertas numerosas estradas, muitas delas hoje inviabilizadas. [...]
A Amazônia sofreu grande transformação, uma vez que era, até os
anos 60, dependente dos transportes fluviais e apenas a partir de
Belém. Com as medidas implementadas por aquele longo período
de domínio militar no país, passou a ser atingida pelo Sul, pelas ro-
dovias, e a ser depredada intensamente por mineradoras e madei-
reiras. As maiores vítimas foram as nações indígenas, os habitantes
das florestas, dominantemente extrativistas, e os posseiros que
chegaram à região antes das empresas capitalistas e foram mortos
ou expulsos de suas terras. [...] Esse processo de povoamento e de
territorialização é, em grande parte, responsável pelo desnível de
desenvolvimento entre as várias regiões do país (1991, p. 41-42).

De modo geral, a segunda metade do século 20 foi marcada


pela intensa urbanização do território brasileiro, principalmente
na região Sudeste, e também por uma intensa modernização das
empresas, que em sua maioria estavam concentradas no Centro-
-Sul do país.
O que difere esse período dos anteriores é a questão da mo-
dernização das empresas e, consequentemente, a possibilidade
técnica.

Claretiano - Centro Universitário


62 © História da Formação Territorial do Brasil

Década de 1970
A partir da década de 1970, as empresas brasileiras se mo-
dernizam devido ao aprimoramento das técnicas da informação.
Se, antes dessa década, era muito difícil estabelecer relações
comerciais com lugares muito distantes do centro econômico, a
partir dos anos de 1970, essas distâncias têm a possibilidade de
ser encurtadas pelo aprimoramento das técnicas das comunica-
ções, isto é, das técnicas que melhoram e modernizam serviços,
como telefones, correios, meios de transporte etc.

Década de 1990
É a partir da década de 1990 que as possibilidades das ino-
vações técnicas se concretizam e influenciam diretamente na con-
figuração do território.
O uso intensivo do computador por bancos e empresas fa-
cilita a comunicação entre os lugares e cidades mais distantes do
país. As possibilidades comerciais aumentam e, ao mesmo tem-
po, devido à modernização dos meios de transporte, as empresas
passam a se interessar pelo interior do Brasil, especialmente pelos
estados de Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul. O processo
de urbanização começa a ser intensamente disseminado pelo ter-
ritório brasileiro.
Nessa década, as pequenas cidades começam a aumentar
sua população e o processo de metropolização se efetiva, com
destaque especial para a região metropolitana de São Paulo, Belo
Horizonte, Porto Alegre e Salvador.
O crescimento das cidades passa a ser preocupação de go-
vernos e de estudiosos do meio acadêmico, sendo que alguns deles
estabelecem, para analisar o espaço urbano, uma nomenclatura
para as cidades: Cidades Pequenas, Cidades Médias e Metrópole.
© U3 – Produção do Território Brasileiro no Século 20 63

Aprimoramentos técnicos e mudanças no território brasileiro


Como se vê, muitas foram as transformações ocorridas no
território brasileiro. O que não podemos esquecer é que essas mo-
dificações estão atreladas ao desenvolvimento técnico e tecnoló-
gico, próprio de cada época.
Como podemos notar, o aprimoramento técnico é dado fun-
damental para a transformação do espaço, dos lugares e, conse-
quentemente, do território. E esse melhoramento técnico somen-
te foi possível porque a ciência vem colaborando cada vez mais
para isso. O que difere os nossos dias dos séculos anteriores, quan-
to ao processo de formação do território, é justamente a ciência
que, ao ser empregada no desenvolvimento das técnicas da infor-
mação, proporcionou o encurtamento das distâncias e do tempo
(SANTOS, 2002).
A velocidade com que as informações percorrem o território
é algo jamais visto na história, e representa um dado essencial e
determinante para a organização do espaço. É o que o geógrafo
Milton Santos chamou de "encurtamento de tempos e espaços".

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Como se deu a expansão territorial brasileira no século 20?

2) De que maneira o Governo JK contribuiu ou influenciou o desenvolvimento


do território brasileiro?

3) Como podemos entender a influência das tecnologias nas transformações


vividas pelo território, especialmente no que tange a segunda metade do
século 20 no Brasil?

4) Quais são as principais características do processo de urbanização brasileiro,


principalmente a partir da década de 1950?

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64 © História da Formação Territorial do Brasil

8. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, tivemos a oportunidade de observar grandes
transformações econômicas no Brasil durante o século 20 e com-
preender que essas transformações influenciaram direta e indire-
tamente a formação do território nacional.
É importante atentarmos para o fato de que, no final do sé-
culo 20 e início do século 21, o Brasil se torna cada vez mais uni-
ficado, especialmente pela ampliação dos meios de comunicação,
não obstante os contrastes econômicos e sociais entre as regiões
brasileiras se agravarem cada vez mais.
Assim, frente a essas reflexões, cabe a você, futuro profes-
sor, proporcionar aos seus futuros alunos a compreensão das dife-
renças regionais entre os vários estados brasileiros.

9. E-REFERÊNCIAS

Figura
Figura 1 Avenida Paulista no início do século 20. Disponível em: <http://www.
skyscrapercity.com/showthread.php?t=284780>. Acesso em: 27 jun. 2012.

Sites pesquisados
CLUBE MUNDO. Revista Pangea: Quinzenário de Política, Economia e Cultura. Disponível
em: <http://www.clubemundo.com.br/revistapangea>. Acesso em: 27 jun. 2012.
CPDOC. A Era Vargas: dos anos 20 a 1945. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/
dossies/AEraVargas1/anos37-45/EstadoEconomia/CSN>. Acesso em: 27 jun. 2012a.
______. O Governo de Juscelino Kubitschek. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/
producao/dossies/JK/artigos/Economia/PlanodeMetas>. Acesso em: 27 jun. 2012b.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANDRADE, M. C.; ANDRADE, S. M. C. A Federação Brasileira – uma análise geopolítica e
geo-social. São Paulo: Contexto, 1999.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2002.
EAD
Tendências de Ocupação e
Configuração Espacial do
Território Brasileiro
– Final do Século 20
até os Dias Atuais 4
1. OBJETIVOS
• Conhecer as tendências de ocupação e configuração es-
pacial do território brasileiro no final do século 20 e início
do século 21.
• Analisar o processo atual de produção do espaço brasi-
leiro.
• Compreender o processo de produção do território bra-
sileiro.

2. CONTEÚDOS
• Tendências de configuração do espaço brasileiro.
• Desenvolvimento e crescimento das cidades.
• Desenvolvimento econômico atual e a expansão do terri-
tório brasileiro.
66 © História da Formação Territorial do Brasil

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar os estudos desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Nesta unidade, é importante que você atente para as
discussões sobre a intensificação do processo de urba-
nização brasileiro e seus reflexos na configuração do
território. Estabeleça relações entre o desenvolvimento
econômico atual e as políticas que influenciam na confi-
guração do território brasileiro.
2) Você pode usar o Tópico 9, Breve Análise do Território
Brasileiro, para fazer uma síntese do conteúdo deste Ca-
derno de Referência de Conteúdo, ou, ainda, para consul-
tá-lo quando necessitar de uma visão geral sobre o tema
estudado: a história da formação do território brasileiro.
3) Ao concluir o estudo desta unidade, sugerimos a leitura
do Anexo 1, o qual apresenta um resumo de duas obras
fundamentais para complementar o estudo deste Cader-
no de Referência de Conteúdo. São elas: História Econô-
mica do Brasil, de Caio Prado Júnior, e A questão do ter-
ritório no Brasil, de Manuel Correia de Andrade.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta unidade, estudaremos as tendências de configuração
do território brasileiro. Teremos a oportunidade de refletir sobre
o crescimento das cidades, enfatizando o fato de que São Paulo
continua sendo o centro financeiro do país.
Contudo, há, atualmente, a possibilidade de que diferentes
lugares conheçam o mesmo tipo de desenvolvimento vivenciado
por São Paulo, em virtude do grande avanço técnico e científico
das comunicações. Nesse sentido, é preciso também considerar a
expansão do capital como, por exemplo, o avanço do capitalismo
no campo.
© U4 – Tendências de Ocupação e Configuração Espacial do Território Brasileiro
– Final do Século 20 até os Dias Atuais 67

Você verá que, graças a essa possibilidade, o Centro-Oeste


vem sendo cada vez mais ocupado e utilizado pela cultura da soja,
com o emprego de técnicas modernas para a colheita e com a me-
lhoria genética dos grãos. Entretanto, essa ocupação não ocorre
de forma pacífica, porque, no Centro-Oeste brasileiro, predomi-
na o latifúndio e a atividade agrária voltada à exportação. Mui-
tos grupos indígenas e de camponeses vêm perdendo suas terras
para latifundiários que usam, muitas vezes, até de violência para
expulsa-los de suas terras.
Além disso, teremos a oportunidade de analisar, também,
o crescimento de cidades pequenas e médias, e de refletir sobre
os motivos que levam a uma inversão da corrente migratória, cuja
característica atual está na saída de um grande número de pessoas
dos grandes centros urbanos em direção às cidades menores ou
até mesmo às suas cidades de origem.
É importante destacar que as discussões tecidas nesta unida-
de se baseiam, especialmente, nas análises de Santos (1988; 2001;
2002) sobre o território brasileiro.
Para esse autor, a evolução técnica é também responsável
pela mudança de um período. Assim, Santos (2002) utiliza termos
específicos para determinar os períodos de desenvolvimento do
Brasil. Segundo ele, temos três meios possíveis em relação à evo-
lução técnica de cada período:
• meio natural;
• meio técnico;
• meio técnico-científico-informacional.

Meio natural
O meio natural é caracterizado pelo "tempo lento", no qual
as ações do homem estão limitadas à "grandiosidade da natureza".
Nesse período, o homem ainda não tinha o domínio de técnicas
que lhe permitissem dominar a natureza. O meio natural predo-

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68 © História da Formação Territorial do Brasil

minou, segundo Santos (2002), até o final do século 19 no Brasil,


conforme vimos ao longo das Unidades 1 e 2.

Meio técnico
Foi também no final do século 19 que o homem começou a
aprimorar determinadas técnicas e conseguiu, então, "dominar a
natureza". Assim, é o tempo da fábrica que comanda e não mais o
tempo cíclico, da natureza.
Na verdade, esse avanço técnico já podia ser verificado na
Europa, porém chegou ao Brasil aos poucos, provocando modifica-
ções significativas no território a partir do final do século 19.
Esse período foi caracterizado por ser o "tempo das máqui-
nas", ao qual Santos (2002) chama de meio-técnico. Como você
pode se lembrar, refletimos sobre esse período no decorrer das
Unidades 2 e 3.

Meio técnico-científico-informacional
Com o passar dos anos, as técnicas modernizaram-se ainda
mais e, na década de 1970, ganharam em eficiência graças aos
avanços científicos, que melhoraram as tecnologias já existentes,
especialmente as de informação.
Esse período é chamado, por Santos (2002), de meio técni-
co-científico-informacional, e será estudado nesta unidade.

5. TENDÊNCIAS DE CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO


BRASILEIRO NO SÉCULO 21
Antes de mencionarmos qualquer coisa sobre as tendências
na forma de ocupação do território brasileiro no presente século,
é importante que você reflita sobre o trecho a seguir, retirado do
livro A natureza do espaço, de Milton Santos, já referenciado nesta
unidade. Preste atenção à ênfase dada à singularidade do momen-
to atual:
© U4 – Tendências de Ocupação e Configuração Espacial do Território Brasileiro
– Final do Século 20 até os Dias Atuais 69

O que realmente se dá, nestes nossos dias, é a possibilidade de


conhecer instantaneamente eventos longínquos e, assim, a possibi-
lidade de perceber a sua simultaneidade. O evento é uma manifes-
tação corpórea do tempo histórico, algo como se a chamada flecha
do tempo apontasse e pousasse num ponto dado da superfície da
terra, povoando-o com um novo acontecer. Quando, no mesmo
instante, outro ponto é atingido e podemos conhecer o acontecer
que ali se instalou, então estamos presenciando uma convergência
dos momentos e sua unicidade se estabelece através das técnicas
atuais de comunicação. [...] a informação ganhou a possibilidade
de fluir instantaneamente, comunicando a todos os lugares, sem
nenhuma defasagem, o acontecer de cada qual. Sem isso, não ha-
veria um sistema técnico universalmente integrado, nem sistemas
produtivos e financeiros transnacionais, nem informação geral
mundializada, e o processo atual de globalização seria impossível
(SANTOS, 2002, p. 196/198-199).

Por meio desse trecho, podemos notar que a possibilidade


técnica é o grande fator capaz de provocar mudanças no espaço,
como, por exemplo, o crescimento dos centros urbanos e de pe-
quenas cidades no interior do Brasil.
Sem perder de vista essa singularidade da contemporaneida-
de, vamos traçar, de maneira geral, as principais características que
influenciam, atualmente, a configuração do território brasileiro.
A cidade de São Paulo continua sendo o centro financeiro
do país, e, ao mesmo tempo, o Centro-Oeste está cada vez mais
ocupado pela cultura da soja, dotada de técnicas modernas para o
plantio e colheita dos grãos.
Associado a isso, podemos destacar, ainda, a modificação
das correntes migratórias predominantes. Nos dias de hoje, temos
um processo inverso dessas correntes, a chamada migração de re-
torno, isto é, muitas pessoas estão deixando os grandes centros
urbanos e migrando para cidades menores ou, em diversos casos,
voltando para suas cidades de origem.
O período atual é caracterizado pela globalização. Os espaços
tendem a ser configurados segundo interesses hegemônicos ligados
à economia, à cultura e à política, e são, ao mesmo tempo, "incorpo-
rados às novas correntes mundiais" (SANTOS, 2002, p. 239).
Claretiano - Centro Universitário
70 © História da Formação Territorial do Brasil

Assim, temos uma modificação das relações que o homem


estabelece com o território, de forma que, cada vez mais, as nor-
mas que regem as ações das empresas, e estas, por sua vez, aca-
bam determinando e influenciando a estruturação do território
em que estão inseridas.

6. MEIO TÉCNICO-CIENTÍFICO-INFORMACIONAL
Atualmente, vivemos em um período denominado por San-
tos (2002) de meio técnico-científico-informacional, cujas princi-
pais características veremos neste tópico.
Nesse contexto, a ciência e a técnica, que se desenvolveram
no país a partir da década de 1970, ganharam o respaldo da in-
formática, aliada à globalização e sob a égide do mercado, que é
global.
Segundo Santos e Silveira (2001, p. 53):
O território ganha novos conteúdos e impõe novos comportamen-
tos, graças às enormes possibilidades da produção e, sobretudo,
da circulação dos insumos, dos produtos, do dinheiro, das idéias e
informações, das ordens e dos homens.

Esse meio técnico-científico-informacional que se instalou


sobre o território constituiu áreas contínuas no Sudeste e Sul e
apenas manchas e pontos isolados no resto do país.
Nesse período, a informação e as finanças foram fatos fun-
damentais na formação do espaço, e, assim, "[...] o território en-
quanto suporte de produção em todas as instâncias, equivale ao
mercado" (SANTOS E SILVEIRA, 2001, p. 53).
Vale salientar que no país há áreas de maior e menor influ-
ência da informação e das finanças. Definem-se agora densidades
diferentes, novos usos e uma nova escassez nas diferentes regiões
do país.
Em vista dessas mudanças e das novas diferenças regionais
entre as diversas partes do país, Santos e Silveira (2001, p. 101)
© U4 – Tendências de Ocupação e Configuração Espacial do Território Brasileiro
– Final do Século 20 até os Dias Atuais 71

apontam: "[...] o território brasileiro metamorfoseia-se em meio


técnico-científico-informacional".
Os acréscimos de ciência, tecnologia e informação ao territó-
rio, em que podemos destacar a construção de barragens, portos
e aeroportos, ferrovias, rodovias, hidrovias, instalações ligadas à
energia elétrica, refinarias e dutos, bases materiais das telecomu-
nicações etc., são, ao mesmo tempo, produto e condição para o
desenvolvimento do trabalho.

Expansão seletiva do meio técnico-científico-informacional


A expansão desse meio técnico-científico-informacional é
seletiva, com o reforço de algumas regiões e o enfraquecimento
relativo de outras, criando, assim, uma nova geografia do Brasil
(SANTOS; SILVEIRA, 2001).
Nas regiões Sudeste e Sul, a urbanização, os progressos cien-
tíficos na agricultura, a presença de centros de pesquisa e ensino
superior, a maior densidade de rodovias, ferrovias e as bases ma-
teriais das telecomunicações e da teledetecção reduzem o meio
natural e intensificam o trabalho e as suas relações.
Entretanto, como colocam Santos e Silveira (2001, p. 104),
o meio técnico-científico-informacional não se impõe igualmente
sobre o território:
[...] o Centro-Oeste, o Nordeste e Amazônia representam cerca de
20% da área total cultivada no Brasil, 25% da produção de grãos e
43% do rebanho nacional, o cerrado aparece como a mais produti-
va das regiões brasileiras para a produção agropecuária capitalista
[...]. No nordeste, o peso das heranças materiais e culturais é muito
forte, agindo como freio e resistência. Na Amazônia, são, sobre-
tudo, formas "externas", como satélites e radares do SIVAM, que
buscam cientificizar a natureza, certamente depois de conhecê-la.
[...] as ações são lentas e pontuais, precisas e pragmáticas, utilizan-
do estradas, hidrovias e sistemas de informação, enquanto a maior
parte da sociedade continua a viver em tempos mais lentos.

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72 © História da Formação Territorial do Brasil

7. DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO NO TERRITÓRIO


NACIONAL
A partir de 1930, com o forte investimento do Estado em
infraestrutura para o desenvolvimento industrial — visando à
substituição das importações —, o modelo de economia agrário-
-exportador, de população rural, começa a modificar-se para ur-
bano-industrial.
Já nos anos 1940-1950, dando continuidade à implemen-
tação da economia urbano-industrial, a lógica da industrialização
prevalece.
Essa nova realidade econômico-social se caracteriza por um
processo complexo, com a formação de um mercado nacional e
a concentração de esforços para integrar o território brasileiro.
Ocorre, então, a expansão do consumo em formas diversas, fato
que impulsiona as relações sociais e que ativa o próprio processo
de urbanização, passando do nível regional para um contexto na-
cional (SANTOS, 1993).
A intensificação da urbanização brasileira está intrinseca-
mente ligada à sua industrialização. Os dois processos confun-
dem-se, de forma que ambos são reflexos da acumulação do capi-
tal, tornando o Brasil cada vez mais dependente de outros países
mais desenvolvidos:
Industrialização e urbanização, duas faces de um mesmo processo
de acumulação do capital, foram produzidas historicamente pelas
transformações da estrutura produtiva, a qual passou de uma fase
agrícola monocultora, dependente dos mercados externos, para
uma fase industrial, também dependente, tanto em tecnologia
como pela implementação de grandes empresas internacionais
(GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1978, p. 8).

Desse modo, a industrialização intensifica a urbanização bra-


sileira, e o crescimento das taxas demográficas, aliado ao crescen-
te processo migratório campo-cidade, leva a um grande aumento
da população que vive na área urbana.
© U4 – Tendências de Ocupação e Configuração Espacial do Território Brasileiro
– Final do Século 20 até os Dias Atuais 73

Assim, o Brasil, a partir da segunda metade do século 20,


passa por um aumento no número e no tamanho das cidades
como nunca antes havia ocorrido.
Segundo dados do IBGE (2007), a taxa de urbanização no
país era de 36% em 1950, e chegou a 81% em 2000. No estado de
São Paulo, essa taxa foi ainda mais acentuada: era de 53% em 1950
e, em 2000, passou a ser de 93%.
Com uma população atual aproximada de 180.000.000 de
habitantes (IBGE, 2008), o Brasil mostra densidades bastante
desiguais entre as regiões e os Estados.
A densidade demográfica no Sudeste é de 60 habitantes/
Km², enquanto na região Centro-Oeste é de 7 habitantes/Km² e
na região Norte é de 3 habitantes/Km². No mapa a seguir (Figura
1), é possível visualizar a distribuição desigual da população no
território brasileiro:

Figura 1 Mapa da densidade demográfica do país.

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74 © História da Formação Territorial do Brasil

8. PROCESSO RECENTE DE URBANIZACAO BRASILEI-


RA E CRESCIMENTO DAS CIDADES MÉDIAS
A urbanização brasileira passou por mudanças a partir dos
anos 80. Embora as metrópoles continuassem com um alto cresci-
mento demográfico, o ritmo desse crescimento teve uma queda.
As cidades de porte médio, com população entre 100 mil e
500 mil habitantes, cresceram em taxas maiores do que as metró-
poles nos anos 80 e 90 (4,8% contra 1,3%), o que merece atenção,
principalmente no que se refere à qualidade com que ocorre esse
processo (MARICATO, 2000).
O Brasil, a partir da década de 1980, passou por mudanças
econômicas e, assim, por uma reestruturação urbana. Como colo-
cam Ribeiro e Lago (1994, p. 2 ):
Não estamos vivendo apenas os efeitos de um ciclo de estagnação
econômica, mas a reestruturação sócio-espacial decorrente das
transformações no circuito secundário da acumulação. O padrão
periférico de crescimento e organização metropolitanos que preva-
lece desde os anos 50 está em esgotamento pelo duplo movimento
de crise e modernização das esferas de produção e circulação do
espaço construído.

Essa reestruturação socioespacial colocada por Ribeiro e


Lago (1994) traz mudanças na dinâmica urbano-regional. A nova
ordem industrial no território brasileiro leva a um novo redirecio-
namento dos fluxos migratórios e, também, ao crescimento de ci-
dades de porte médio no interior do país.
No final dos anos 70, começamos a presenciar uma tendên-
cia à desconcentração industrial em São Paulo, que se consolidou
na década de 80 por meio da dispersão espacial da indústria para
o interior do Estado.
Sobre essa mudança, explicam Pintaudi e Carlos (1995, p. 13):
"[...] isso ocorre em função do desenvolvimento de novas tecnolo-
gias que produzem transformações na organização do trabalho e da
produção, fato este que produz uma nova articulação espacial".
© U4 – Tendências de Ocupação e Configuração Espacial do Território Brasileiro
– Final do Século 20 até os Dias Atuais 75

Cria-se, assim, uma nova distribuição das indústrias, pois o


capital migra constantemente em busca de melhores condições de
acumulação, o que resulta na busca de novas vantagens, de acordo
com o local em que ele se estabelece. O capital também é atraído
pelos incentivos fiscais, buscando se localizar próximo aos princi-
pais eixos de circulação (PINTAUDI; CARLOS, 1995, p. 13).
Segundo o Ipea et al. (2002), o Brasil tem sentido o reflexo
das mudanças estruturais na economia mundial e no padrão de
urbanização. Isso tem influenciado as políticas de localização das
indústrias, o que, por sua vez, se reflete na dinâmica demográfica
e no surgimento de novos centros urbanos de importância.
Essas transformações não poderiam deixar de causar mudanças
significativas não só no padrão de acumulação, como também na
organização da produção no espaço, influenciando a organização
da hierarquia urbana (IPEA et al., 2002, p. 29).

Com relação à distribuição das cidades médias (entre 100 mil


e 500 mil habitantes) pelo território nacional, temos os seguintes
dados, segundo Ipea et al. (2002):
1) 69,2% das cidades médias, ou seja, a maioria, estão con-
centradas na região Sul e Sudeste.
2) 19,7% encontram-se na região Nordeste.
3) 6,8% na região Norte.
4) 4,3% no Centro-Oeste.
Ainda sobre a concentração de cidades médias, Bezerra e
Fernandes (2000, p. 42) mencionam:
[...] ao longo dos eixos rodoviários consolidados, ou vizinhos das
regiões metropolitanas, localiza-se uma rede dispersa, embora
mais densa no Sudeste, de cidades médias que, no período de
1991/1996, apresentaram um crescimento superior à média nacio-
nal.

Em virtude desse aumento de cidades médias, determinado


pela vizinhança de eixos rodoviários consolidados e regiões metro-
politanas, na região Sul e Sudeste, e, especialmente, no Estado de
São Paulo, as cidades médias têm apresentado um elevado cres-
cimento.

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76 © História da Formação Territorial do Brasil

Assim, as cidades médias apresentam crescimento tanto em


termos demográficos e espaciais, como em termos econômicos e
políticos.
Esse crescimento se dá por meio da desconcentração indus-
trial — ocorrida nas últimas décadas em São Paulo —, trazendo
mudanças nos fluxos migratórios, na dinâmica urbano-regional, na
rede urbana brasileira, e no surgimento de novos centros urbanos
de importância. Como colocam Santos e Silveira (2001, p. 279):
As aglomerações urbanas nascidas das novas lógicas territoriais
têm um tamanho bem maior do que nos períodos anteriores. Isso
pode ser atribuído ao fato de as técnicas da produção e da circula-
ção e o uso dos novos meios de transporte e informação permiti-
rem a uma boa parcela da população vencer as mesmas distâncias
em tempo menor, e desse modo tornar-se menos necessária a pro-
liferação de núcleos urbanos. Uma das razões que também levam
as atuais cidades médias a ter maior população que as surgidas em
épocas anteriores vêm do fato das novas solicitações do consumo,
tanto das famílias e do governo quanto da própria atividade agrí-
cola. Junte-se a essas causas o fato de que, graças às facilidades de
transporte e também às novas formas de organização do trabalho
agrícola, um número considerável de trabalhadores na agricultura
vive na cidade, que se torna um reservatório de mão-de-obra. Tal-
vez, seja esse um dos motivos pelos quais, a partir de certo volume
demográfico, tais localidades são capazes de atrair e reter um gran-
de número de pobres.

Podemos perceber, portanto, que as cidades médias têm au-


mentado em quantidade e em tamanho, consequência da descon-
centração industrial e da reestruturação do território brasileiro,
bem como da inovação técnica, que influencia na comunicação, na
informação, no transporte e na diminuição das barreiras.

9. BREVE ANÁLISE DO TERRITÓRIO BRASILEIRO

Os quatro séculos iniciais


Fazendo uma pequena síntese de todo o conteúdo estudado
neste Caderno de Referência de Conteúdo, vimos que, nos primei-
ros quatro séculos de apropriação do território pelos portugueses,
© U4 – Tendências de Ocupação e Configuração Espacial do Território Brasileiro
– Final do Século 20 até os Dias Atuais 77

e, depois, pelos brasileiros, o Brasil ampliou-se com a conquista


dos sertões e com a ultrapassagem da linha de Tordesilhas.
A presença cada vez mais ampla na bacia amazônica, a re-
modelação das fronteiras na Bacia do Prata e a conquista do Acre
deram a forma e o delineamento do mapa do país que conhece-
mos hoje.
Inicialmente, a ocupação do território implementa-se pelo
litoral, interiorizando-se com as diversas frentes pioneiras.
Contudo, é somente na metade do século 20 que o território
brasileiro está completamente apropriado, mas ainda com certas
descontinuidades, especialmente na região Amazônica.

Século 20
No século 20, o Brasil mostrou a sua vocação industrial e as
indústrias se instalaram em diversos estados como Bahia, Pernam-
buco, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, onde as vias
de comunicação encontravam-se mais bem estruturadas. O eixo
Rio – São Paulo despontou como uma área de acumulação da pro-
dução industrial, o que beneficiou, também, os estados da Região
Sul (SANTOS; SILVEIRA, 2001).
Até meados do século 20, o território nacional encontrava-
-se segmentado. Nesse período, subsequente à Segunda Guerra
Mundial, foram estabelecidos Planos Nacionais para permitir as li-
gações ferroviárias e rodoviárias entre as diversas porções do país,
assim como privilegiar o desenvolvimento das telecomunicações.
A complementação do sistema de transportes e a melhoria
das comunicações constituíram as condições materiais para unifi-
car o território, seguidas da criação de Brasília com suas interliga-
ções com o resto do país.
A partir dos anos 80, vemos uma difusão da nova moderni-
dade, com uma dispersão no território de indústrias dinâmicas, de
uma agricultura moderna e do respectivo setor de serviços.

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78 © História da Formação Territorial do Brasil

A Região Sudeste foi a principal privilegiada com esse pro-


cesso de modernização, principalmente a metrópole paulistana,
por concentrar grande parte da informação especializada, consoli-
dando-se como capital econômica do país.

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Reflita sobre as tendências de ocupação e configuração espacial do território
brasileiro no final do século 20 e no início do século 21.

2) Como podemos caracterizar o meio natural?

3) Qual a diferença entre meio técnico e meio técnico-cientifico-informacional?

4) Reflita sobre o processo de urbanização brasileiro na década de 1980 e o


crescimento das cidades médias brasileiras.

5) Quais são as vantagens e desvantagens do crescimento das cidades médias?


Reflita levando em consideração o crescimento econômico e a marginaliza-
ção da população de menor renda.

6) Qual é a importância da infraestrutura material para o desenvolvimento e


modernização de um país como o Brasil?

11. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você teve a oportunidade de conhecer as
tendências de ocupação e de estruturação do território brasileiro
do final do século 20 até os dias atuais.
Entretanto, é importante destacar que essas tendências são
apenas uma parte de todo o processo. Escolhemos traçar aqui
aquelas que julgamos mais relevantes para a compreensão da for-
mação do território brasileiro.
A você, aluno e futuro professor, cabe a tarefa de estar sem-
pre atento às noticias veiculadas nos mais diversos meios de co-
municação para buscar a atualização dos seus conhecimentos.
© U4 – Tendências de Ocupação e Configuração Espacial do Território Brasileiro
– Final do Século 20 até os Dias Atuais 79

Como dissemos, tratam-se de tendências e não de verdades


imutáveis. O nosso cotidiano está em constante transformação e
as mudanças cotidianas, como você já deve ter notado, interferem
diretamente na estruturação territorial.
Portanto, esperamos que você tenha, com este material, as
ferramentas iniciais para a compreensão da organização espacial
do território brasileiro, e que se sinta motivado a aprofundar seus
conhecimentos sobre as questões aqui tratadas.
Boa sorte e bons estudos!

12. E-REFERÊNCIAS

Figura
Figura 1 Mapa da densidade demográfica do país. Disponível em: <http://www.ibge.gov.
br/brasil_em_sintese/territorio03.htm>. Acesso em: 27 jun. 2012.

Site pesquisado
IBGE. Densidade demográfica. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/brasil_em_
sintese/territorio03.htm>. Acesso em: 27 jun. 2012.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BEZERRA, M. C.; FERNANDES, M. A. Cidades Sustentáveis: subsídios à elaboração da
Agenda 21 brasileira. Brasília: IBAMA, 2000.
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Cidades Médias e Desenvolvimento Industrial. São
Paulo, 1978.
IPEA, et al. Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil: redes urbanas regionais
– Sudeste. Brasília: IPEA, 2002.
MARICATO, E. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias. In: ARANTES, O.; VAINER,
C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis:
Vozes, 2000.
PINTAUDI, S. M.; CARLOS, A. F. A. Espaço e Indústria no estado de São Paulo. Revista
Brasileira de Geografia, São Paulo, v. 57, n. 1, 1995.
RIBEIRO, L. C. Q.; LAGO, L. C. Reestruturação nas grandes cidades brasileiras: o modelo
centro/periferia em questão. Rio de Janeiro, 1994.

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80 © História da Formação Territorial do Brasil

SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo:


Universidade de São Paulo, 2002.
______. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.
______. A Urbanização Brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993.
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. São
Paulo: Record, 2001.
© Anexo 81

Anexo
1. APRESENTAÇÃO
O texto a seguir constitui um material de apoio às atividades
desenvolvidas no Caderno de Referência de Conteúdo de História
da Formação Territorial do Brasil.
Trata-se de um resumo de obras fundamentais para a com-
preensão do complexo processo de formação territorial brasileiro.
A obra A questão do território no Brasil, de Manuel Correia
de Andrade, apresentada em forma de coletânea de artigos, traz
para o debate questões imprescindíveis ao entendimento da for-
mação social e econômica do Brasil à luz da ocupação de seu ter-
ritório: a pecuária e a produção de alimentos no período colonial;
a ocupação territorial e a evolução das cidades e vilas brasileiras
no século 16 e 17; a questão da terra na Primeira República. Traz,
ainda, a contribuição de Josué de Castro e Orlando Valverde para
o conhecimento científico brasileiro. O primeiro, preocupado com
o fenômeno da fome no Brasil e no mundo e seus aspectos geo-
gráficos, sociais e econômicos; o segundo, ideólogo e militante de
questões como a propriedade da terra e a exploração do homem
do campo, a reforma agrária e a defesa da Amazônia.
Já a obra História Econômica do Brasil, de Caio Prado Júnior,
é um estudo primordial em que o autor analisa a história do país
desde o período colonial até os anos de 1960, empreendendo in-
cursões detalhadas de nossa formação econômico-social-capitalis-
ta e suas relações com a ocupação do território nacional. O autor
analisa as transformações das atividades econômicas brasileiras
no decorrer da história do país e sua estreita relação com o nosso
passado colonial.
Vejamos o resumo dessas obras.

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82 © História da Formação Territorial do Brasil

2. A QUESTÃO DO TERRITÓRIO NO BRASIL

A questão do território
De uso corrente nas ciências sociais e naturais, o termo ter-
ritório vem sendo usado cada vez mais também em estudos da
Geografia (sobretudo, em assuntos relacionados à Geopolítica) e,
atualmente, compete com os termos espaço e região (bastante
tradicionais dessa ciência).
Se, nas ciências naturais, o território é entendido como a
área em que uma espécie animal exerce poder e influência, nas
ciências sociais, essa expressão vem sendo utilizada desde o sécu-
lo 19 por geógrafos como Frederico Ratzel (a ênfase de sua análi-
se está na finalidade do Estado no controle do território) e Élisée
Reclus (preocupado com as relações entre as classes sociais e o
espaço dominado).
Manuel Correia de Andrade apresenta a oposição entre Es-
tado e nação de acordo com os especialistas em Teoria do Estado:
[…] Estado se caracteriza por possuir três elementos essenciais: o
território, o povo e o governo, ao passo que a nação é caracterizada
pela coexistência do território e do povo, mesmo inexistindo gover-
no e, consequentemente, o Estado (1995, p. 19).

Território também possui uma conotação particular, subje-


tiva, pois as pessoas que habitam um determinado território, ao
criarem identidade com ele, são tomadas de um sentimento de
pertencimento.
O Brasil, detentor de um grande espaço, por um longo perío-
do não o transformou em território. As ações com essa finalidade
ocorrem a partir dos meados do século 20, no governo de Getúlio
Vargas, com a "marcha para o oeste", e no governo de Juscelino
Kubitschek, com a transferência da capital federal para o Planalto
Central, o que impulsionou a abertura de rodovias ligando Brasília
a diferentes pontos do território nacional. Tais ações foram impul-
sionadas pelo ideal de desenvolvimento e integração do país e fo-
ram mais tarde continuadas no período da Ditadura Militar.
© Anexo 83

Eis as relações existentes entre o espaço delimitado geográ-


fica e administrativamente pelas fronteiras e o território verdadei-
ramente ocupado.
Na verdade, a expropriação da população nativa e a devastação da
floresta iniciaram no século XVI, com o povoamento e a colonização.
Nos primeiros tempos, os navegadores, aventureiros e corsários,
às próprias custas ou financiados pelos reis europeus – português,
espanhol e francês -, se interessaram pelo escambo de produtos
da terra, sobretudo do pau-brasil, e estabeleceram contato com os
indígenas do litoral, a fim de que estes penetrassem nas matas e
coletassem madeiras e peles de animais, em troca de objetos de
pouco valor. Passadas as primeiras décadas, Portugal, que tinha o
direito à terra, iniciou o povoamento, fazendo com que grandes
áreas fossem desmatadas a fim de que os colonos desenvolves-
sem a agricultura, sobretudo de cana-de-açúcar. Para cultivá-la e
produzir o açúcar necessitavam apresar os indígenas e reduzi-los
à escravidão, importar escravos negros da África, trazer da Europa
animais de tração e destruir a floresta, de vez que necessitavam de
madeira para as construções, para a fabricação de caixas de açúcar
e de móveis para o próprio uso (ANDRADE, 1995, p. 21).

A penetração do território, inicialmente, limitou-se à ocu-


pação da porção litorânea, mas o processo colonial era explicita-
mente expansionista e grande quantidade de capital foi aplicada
com a finalidade de penetração também no interior do território
brasileiro.
No final do século 16, essa penetração foi expressiva no Su-
deste do país e na Bahia, quando os bandeirantes adentravam o
interior procurando metais preciosos e índios.
No século 18, a penetração ocorreu em áreas como a bacia
do rio São Francisco e o a porção Norte do Nordeste. Aí se consti-
tuíram grandes propriedades de terra que eram exploradas pelos
sesmeiros e, também, por sitiantes que criavam diversos animais,
pagando uma quantia ao proprietário.
O adensamento paulista foi responsável pelo descobrimento
de minas, metais preciosos, e pela grande afluência de população
para o interior, bem como pela formação de acampamentos de ga-
rimpeiros. Em virtude desse processo, surgem núcleos como Vila

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84 © História da Formação Territorial do Brasil

Rica (Ouro Preto), Mariana, São João Del Rel, Diamantina, Vila Boa
de Goiás e Cuiabá.
Na região Sul do Brasil, o povoamento na área litorânea não
foi significativo, já no interior, na porção oeste, os jesuítas organi-
zaram um Estado teocrático, com o desenvolvimento de aglome-
rados, chamados de "missões", onde se praticavam a pecuária e a
agricultura de subsistência.
O processo de ocupação da Amazônia foi mais lento, estan-
do, inicialmente, associado ao ciclo da borracha. No entanto, esse
ciclo não teve uma longa duração e, a partir da década de 1930,
políticas de governo contribuíram para a ocupação da Amazônia:
no período Vargas, o governo criou projetos de colonização agrí-
cola para o desenvolvimento do Estado de Mato Grosso de Goiás
e Mato Grosso e criou cinco territórios federais, com a finalidade
de incrementar a economia das áreas fronteiriças. Na gestão de
Juscelino Kubitschek, foi realizada a construção de Brasília (nova
capital federal) e, a partir dela, a abertura de várias rodovias em
direção ao Norte e Nordeste brasileiros. No período da Ditadura
Militar (1964-1985), vários projetos foram viabilizados para ocu-
par a Amazônia, tais como: construção de estradas, construção de
represas no rio Amazonas e os polêmicos projetos de mineração,
que implicaram a concessão de enormes extensões de terras, for-
mação de imensos latifúndios e grandes impactos ambientais.
Dificuldades de administração causadas pela grande extensão terri-
torial das unidades políticas e pela dispersão da população levaram
estudiosos da Amazônia a propor uma nova redivisão territorial
com o desmembramento dos grandes estados em estados e terri-
tórios de menor extensão. Mas as finanças nacionais disporiam de
recursos suficientes para a implantação de novos estados e territó-
rios? (ANDRADE, 1995, p. 28).

Esses problemas são, portanto, manifestações de que a pro-


dução do território e a sua integração política a um país dependem
da ideologia política dominante, do momento histórico vivido e
das disponibilidades de capital e de tecnologia. Além disso, é im-
portante conhecer o processo de produção do território brasileiro,
© Anexo 85

pois, atualmente, assistimos a várias tentativas de internacionali-


zação da economia e de esvaziamento da noção de fronteiras, haja
vista, por exemplo, a polêmica quanto ao território amazônico.

A ocupação territorial e a evolução das cidades e vilas brasileiras


(séculos 16 e 17)
De acordo com a história oficial da ocupação do Brasil pe-
los portugueses, em 1500 (no contexto da Revolução Comercial na
Europa), havia, em nosso território, quantidade imensa de terras
a explorar e, também, mão de obra disponível. Os colonizadores
mantinham intensa relação comercial com Índia e África (especia-
rias, braços escravos e ouro) e, ao decidir ocupar a costa brasileira,
consideraram que, caso os produtos da África e do Oriente se tor-
nassem escassos, o território brasileiro podia ser área de reserva
para exploração. Essa é uma das razões que explicam por que o
Brasil não foi ocupado imediatamente após sua "descoberta".
Enquanto a ocupação não se efetivava, os portugueses fize-
ram amplo levantamento de produtos florestais e marinhos e fun-
daram pequenas feitorias na área da costa, como Itamaracá, no
Recife, Santa Cruz, na Bahia, e Cabo Frio, no Rio de Janeiro.
A exploração de forma mais metódica do Brasil aconteceu a
partir de meados do século 16, quando houve a divisão do territó-
rio em capitanias hereditárias. Os lotes seriam povoados por seus
donatários.
Adotado com sucesso nas ilhas do Atlântico, esse sistema
não obteve semelhante êxito no Brasil. A grande extensão territo-
rial, as dificuldades de adaptação dos colonizadores e a resistência
dos índios foram os principais obstáculos dessa experiência.
Mesmo com os problemas encontrados, o destino das quin-
ze capitanias foi bastante diferente.
Vejamos:
As quinze capitanias tiveram destinos bem diferentes, e um grupo
delas não chegou a ter iniciada a sua ocupação, ou porque os do-

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86 © História da Formação Territorial do Brasil

natários não tiveram condições ou porque fracassaram, são elas:


Maranhão, Ceará, Rio Grande e Santana. Itamaracá, Ilhéus, Porto
Seguro, Espírito Santo, Paraíba do Sul e Santo Amaro iniciaram seu
povoamento com a implantação de vilas e de engenhos de açúcar,
mas fracassaram em decorrência de divergências entre os colonos,
de incompetência e de falta de recursos dos donatários ou à rea-
ção dos indígenas. Pernambuco e São Vicente prosperaram com a
expansão de culturas tropicais e com a implantação de vilas e po-
voações. A capitania da Bahia foi adquirida pela coroa em 1549,
nela foi implantada a cidade de Salvador para ser a capital do Brasil
(ANDRADE, 1995, p. 30).

O açúcar foi responsável por dinamizar o processo de ocupa-


ção do território, pois era voltado para o mercado externo e, por
essa razão, atraiu tentativas de conquista de novos territórios por
povos ligados à Revolução Comercial.
Por isso a produção açucareira foi considerada uma ativida-
de com fins capitalistas, uma vez que os investimentos na agricul-
tura eram intensos e voltados para o mercado.
Esse ciclo inaugurou no país o domínio econômico do enge-
nho, também conhecido como plantation, que se baseia na mo-
nocultura de um produto em grandes propriedades, destinado ao
mercado externo. No decorrer da história brasileira, assistimos a
outras experiências do sistema plantation.
Caio Prado Júnior (1945) defende a ideia de que a história da
ocupação e exploração do Brasil não se assemelha ao modo feudal
de produção tipicamente europeu. Para ele, o que houve no Brasil
foi uma "formação econômico-social capitalista", baseada na acu-
mulação primitiva de capital, destruição da natureza, dizimação
indígena e escravização de escravos africanos.
Se, na costa brasileira, o açúcar foi determinante para a ocu-
pação, no interior, as atividades motivadoras foram a criação de
gado e a exploração de minas de ouro. Tais atividades foram de-
senvolvidas a partir dos núcleos coloniais próximos à costa – Per-
nambuco, Bahia e São Vicente – visando à redução dos índios e sua
escravização e à procura de pastagens para o gado, no Nordeste, e
metais preciosos no Sul do país.
© Anexo 87

As grandes propriedades de atividade pecuária dominavam


o Nordeste. Na região Sul, os paulistas adentraram o interior de-
vastando terras e rios em busca de índios para escravizar e trazer
para as áreas agrícolas (uma vez que eram mais baratos que os
escravos africanos).
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso foram originados de três
novas capitanias em virtude da descoberta de minas de metais
preciosos, como diamante e ouro, o que causou o povoamento de
grandes áreas.
Rio de Janeiro, capital da colônia a partir do ano de 1763,
cresceu e tornou-se importante também em virtude da atividade
mineradora. "Entre os núcleos coloniais destacava-se, já no século
XVI, o de Pernambuco, onde Duarte Coelho fundara a vila de Iga-
raçu, em 1535, e a de Olinda, em 1537" (ANDRADE, 1995, p. 35).
Olinda encontrava-se próxima à foz conjunta dos rios Capibaribe
e Beberibe, e, ali perto, surgiu um povoado de nome Recife, com
data de fundação incerta.
Pernambuco, por ter se desenvolvido como capitania em ra-
zão da cultura da cana-de-açúcar, elevou à categoria de vilas os po-
voados de Sirinháem (1614), Porto Calvo (1615) e Alagoas (1624).
Baía de Todos os Santos passou por um crescimento signifi-
cativo no século 16, pois, em 1549, foi elevada à condição de capi-
tal da colônia.
Ali, no início do período colonial, foram desenvolvidos gran-
des engenhos de açúcar beneficiados por clima e solos favoráveis.
Os recortes do litoral favoreceram a exportação, na medida em
que cada engenho podia ter seu porto "exclusivo".
Em São Vicente foi fundada, por Martim Afonso de Sousa, que co-
mandou a expedição de 1530 a 1532 ao Brasil, a vila do mesmo
nome (1532) e, em seguida, a de Santos (1543), fundada por Brás
Cubas. No planalto de Piratininga [...] foram fundadas as vilas de
Santo André da Borda do Campo (1553) e São Paulo de Piratininga
(1554), esta sob controle dos jesuítas que aí instalaram um colégio.
A região de São Vicente, nos primeiros anos, não teve a importân-
cia econômica da pernambucana e da baiana, mas, ligada à cultura

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88 © História da Formação Territorial do Brasil

de subsistência, à pecuária, à exploração do ouro em pequena es-


cala [...], teve uma expansão populacional que permitiu, no século
XVII, o desenvolvimento de vilas como a de Taubaté (1645), no vale
do Paraíba, de onde partiram bandeiras que transpuseram a Man-
tiqueira e desenvolveram trabalhos de mineração em Minas Gerais
(ANDRADE, 1995, p. 36).

Mariana e Ouro Preto tinham outro nome no início do sécu-


lo 17: Ribeirão do Carmo e Vila Rica de Albuquerque, respectiva-
mente, e se consolidaram no final do referido século, contribuindo
para a concentração de população de Minas Gerais.
O Rio de Janeiro teve seu povoamento "iniciado após a ten-
tativa francesa de Villegaignon de fundar uma colônia na baía de
Guanabara" (ANDRADE, 1995, p. 37). Em razão do conflito dos
franceses com os portugueses, o governo português fundou São
Sebastião do Rio de Janeiro, que serviu ainda de apoio para os co-
lonizadores entre o Espírito Santo e São Vicente. A cidade do Rio
de Janeiro serviria, ainda, para a instalação de colonos quando es-
tes realizassem atividades comerciais com os índios.
Mas foi com a construção da estrada que ligava Minas Gerais
ao porto do Rio de Janeiro, no século 18, que essa cidade se de-
senvolveu de forma intensa, pois se transformou em ponto estra-
tégico na exportação de minerais preciosos e ponto final de outras
estradas, o que tornou possível a abertura de pousadas e estâncias
usadas para fornecer alimentos às tropas de animais que abaste-
ciam Minas Gerais.
Por esse motivo, na segunda metade do século 18, o governo
português transferiu a capital da colônia de Salvador para o Rio de
Janeiro por entender que a mineração era mais importante para a
Coroa que a produção de açúcar desenvolvida no Nordeste.
Espírito Santo foi povoada, inicialmente, na primeira metade
do século 16, por meio da exploração de terra e cultivo de cana-
-de-açúcar. Primeiramente implantada como Vila do Espírito Santo
(atual Vila Velha), foi transferida para a ilha de Vitória no ano de
1551. A intenção era a de que, situada como ilha, pudesse se de-
© Anexo 89

fender mais facilmente do conflito com os indígenas. No entanto,


Vasco Fernandes Coutinho, donatário dessa capitania, "hostilizado
pelos nativos, contestado por colonos e não dispondo de recur-
sos, viu o seu empreendimento desmoronando e as pequenas vi-
las passaram séculos sem um maior desenvolvimento" (ANDRADE,
1995, p. 36).
Porto Seguro conseguiu, inicialmente, algum êxito como ca-
pitania, inaugurando as vilas de Porto Seguro e Santa Cruz (1536)
por meio do cultivo de açúcar. Até o século 20 (quando foram des-
cobertas pelo turismo), essas vilas tiveram seu povoamento res-
trito ao litoral, não viveram muito dinamismo por conta da reação
indígena, da escassez de recursos, da distância da metrópole e dos
desentendimentos dos colonos com segmentos da igreja. Isso fez
com que, no século 18, a capitania de Porto Seguro fosse incorpo-
rada à capitania da Baía de Todos os Santos.
Conflitos entre franceses e portugueses marcaram a ocupa-
ção do território maranhense:
A fundação de uma colônia francesa no Maranhão, em 1595, com
a implantação da cidade de São Luís, em uma ilha de fácil defe-
sa, estimulou os portugueses a se expandirem em direção à área,
dando margem à formação de um forte (atual Fortaleza) e da vila
de Aquirás no território hoje cearense. Daí partiriam as expedições
que atacariam os franceses no Maranhão. A luta só seria concluída
em 1615 e os portugueses, utilizando a antiga cidade francesa, par-
tiram para a conquista paulatina da área em torno das baías de São
Marcos e de São José, assim como da baixada, cortada pelos rios
Munim, Itapecuru, Mearim, Grajaú e Pindaré. Alcântara, famosa
cidade colonial, foi fundada no século XVIII. De São Luís partiriam
os portugueses para a conquista da Amazônia, que já era explorada
por espanhóis, holandeses e franceses, em sua área próxima à foz
do grande rio. Os portugueses criaram um forte e a povoação de
Belém e a utilizaram para as suas sortidas contra indígenas e con-
correntes europeus no Amapá, na ilha de Marajó e na área de Gu-
rupá. Fizeram os franceses recuarem para Caiena e os holandeses
para o atual Suriname, conseguindo controlar toda a foz do Amazo-
nas (ANDRADE, 1995, n.p.).

Em suma, a visão geopolítica dos estadistas portugueses dos


séculos 16 e 17 garantiu o controle do imenso território em que

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90 © História da Formação Territorial do Brasil

se transformaria o Brasil, mesmo que não dispusessem de somas


vultosas de recursos e de tropas efetivamente bem treinadas.

Pecuária e produção de alimentos no período colonial


O sentido da colonização brasileira pode ser entendido pelo
viés do empreendedorismo econômico português, pois este visava
explorar e conseguir produtos tropicais e minerais para o mercado
externo, garantindo lucros significativos. Foi assim no Brasil e tam-
bém na costa africana, na Ásia Meridional. Assim, os períodos eco-
nômicos da história brasileira basearam-se na exploração e comer-
cialização de produtos importantes economicamente, tais como:
pau-brasil, açúcar, ouro, diamante, algodão, café. Por essa razão,
muitos historiadores periodizaram a história a partir da ideia de
ciclos. Na verdade, os ciclos não ocorreram, uma vez que a explo-
ração/comercialização de determinado produto se mantinha em
período posterior, mas daí não como o produto principal, e sim
como um produto de menor importância e menos significativo.
Também a ideia de modos de produção não condiz com a
história brasileira. Uma melhor interpretação de nossa história
pode ser feita se usarmos, como propõe Caio Prado Júnior (1945),
conceitos ligados à formação econômico-social, pois sistemas eu-
ropeus (em declínio ou em apogeu) foram transferidos e adapta-
dos à realidade latino-americana.
Fato é que, tendo sido o Brasil uma colônia de exploração
(extração de riquezas não existentes na Europa), os portugueses
deram maior importância aos produtos a serem exportados do que
aqueles a serem por eles consumidos. Assim, não se preocupavam
com a produção de alimentos necessários, preferindo trazê-los da
metrópole, até porque era pequeno o número de portugueses no
Brasil.
A colonização e a ocupação do território iniciaram-se com a
cultura da cana-de-açúcar, primeiramente, em todas as capitanias
hereditárias; posteriormente, esse cultivo foi consolidado em Per-
© Anexo 91

nambuco e Bahia. Essa cultura demandava grandes áreas, empre-


go de mão de obra escrava e expressivo emprego de capitais para
a implantação dos engenhos. Daí a intensificação da escravidão, o
crescimento da população em decorrência da expansão dos cana-
viais e a necessidade premente de produzir alimentos para essa
população em crescimento. Vieram então da Europa, na primeira
metade do século 16, animais domésticos: bovinos, caprinos, su-
ínos, equinos. Da África vieram vegetais como o sorgo, o inhame
e o cará. Da Ásia vieram frutas como a banana, a manga, a jaca e
o arroz; e da Oceania a fruta-pão e o coco. Em todas essas áreas
Portugal exercia importante influência comercial.
Vegetais cultivados pelos indígenas, como algodão, mandio-
ca e milho, também passaram a ser cultivados pelos colonizadores.
"A cana-de-açúcar só era cultivada nas terras baixas de massapé e
nas encostas de ’barro vermelho’ ao passo que os solos silicosos
dos interflúvios eram utilizados para a plantação de tubérculos e
de fruteiras" (ANDRADE, 1995, p. 45).
Aos escravos era permitido o cultivo para a contribuição de
seu sustento em áreas marginais aos engenhos nos dias de folga.
O fato de a pecuária estar próxima a áreas de agricultura ge-
rou conflitos, pois o gado criado solto destruía as plantações. Por
esse motivo o Governo determinou que os criadores de gado ocu-
passem o interior, fato que auxiliou a expansão do povoamento
em outras áreas, facilitou a ocupação de grandes espaços e inte-
grou várias regiões do Brasil.
João André Antonil, depondo no início do século 18,
[...] mostra como após dois séculos de ocupação da colônia, todo
o interior do Nordeste estava praticamente ocupado, tanto o cha-
mado "sertão de fora" (da margem esquerda do rio São Francisco),
como o "sertão de dentro", da margem direita do mesmo rio, ha-
vendo latifúndios que se estendiam por mais de 80 léguas nas mar-
gens do grande rio, expandindo-se para o norte até o Rio Grande
do Norte, o Ceará e o Piauí, como o da Casa da Torre. O da Casa da
Ponte se estendia desde o morro do Chapéu, na Bahia, até as mar-
gens do rio das Velhas em Minas Gerais (ANDRADE, 1995, p. 47).

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92 © História da Formação Territorial do Brasil

A atividade mineradora de ouro em Minas Gerais e o cres-


cimento populacional em área interior incorreram em vantagens
para os criadores de gado, pois sua produção abastecia as áreas
mineradoras, o que contribuiu sobremaneira para e expansão do
mercado.
A pecuária que comandou a ocupação no Nordeste semiári-
do teve o mesmo papel na Campanha Gaúcha. Nesta área, jesuí-
tas espanhóis fundaram várias missões, que tinham por finalidade
aprisionar os indígenas, tornando-os sedentários, e desenvolven-
do atividades artísticas e econômicas. As missões cooperam de
forma substancial para o incremento da pecuária bovina nas proxi-
midades do rio da Prata.
O sistema pecuário na região nordestina, em meados do
século 17, sofreu com o estímulo conferido à época à cultura do
algodão, que era utilizado como matéria-prima na indústria têxtil
no contexto da Revolução Industrial. Para a produção do algodão,
grandes áreas foram desmatadas e isso restringiu a área para o
gado e outras culturas alimentícias, uma vez que sua produção
provocou também o crescimento da população e, por consequên-
cia, a cultura de gêneros alimentares, como, por exemplo: milho,
feijão, e mandioca.
Manuel Correia de Andrade sugere que haja desenvolvimen-
to de estudos sobre a pecuária e a cultura de alimentos no Brasil,
pois acredita que a investigação de suas características, bem como
de suas relações com a cultura de exportação, auxiliam no enten-
dimento de questões de cunho territoriais e regionais.

A questão da terra na primeira República


Em 1889, com a Proclamação da República, mudanças eco-
nômicas e sociais no país foram implementadas pelo Governo.
Como exemplos dessas mudanças, destacam-se a tentativa de
desenvolvimento da indústria e a autonomia conferida às antigas
províncias, transformadas em estados. O programa de industriali-
© Anexo 93

zação não obteve resultado e o problema do acesso à propriedade


da terra permanecia. Os pobres eram os mais prejudicados com
essa situação, uma vez que o Partido Republicano era ligado aos
grandes fazendeiros de café e aos senhores de engenho de açúcar.
No início da República, os latifúndios ocupavam grandes
extensões, principalmente em áreas servidas de transportes. Pro-
dutores, proprietários e fazendeiros detinham controle não só da
vida econômica, como da política dos novos estados. Já os peque-
nos proprietários, mesmo sendo numerosos, localizavam-se em
áreas menos acessíveis, dedicando-se à produção para o mercado
interno.
No Nordeste, área de economia açucareira, iniciou-se um
processo de concentração de terras com a substituição dos velhos
engenhos banguês por usinas de açúcar que contavam com favo-
recimentos estatais amparados pelos ideais de modernização.
A Constituição de 1891 estabeleceu que as terras públicas
fossem propriedade dos estados onde se encontrassem situadas.
Assim, a relação entre os coronéis "donos" das terras e deputados,
senadores e governadores se estreitava de forma a formar imen-
sos currais eleitorais nesses estados.
Dessa forma, no lugar de resolver o problema agrário das
classes menos favorecidas, a Constituição tornava o acesso à pro-
priedade da terra ainda mais difícil. Leis posteriores à Constituição
de 1891 continuaram fortalecendo a relação de compra e venda
da terra, como, por exemplo, o Código Civil de 1916, que admitia
a aquisição da propriedade pela transcrição da transferência de
contrato de compra e venda por acessão, herança ou usucapião.
Durante o período de 1889-1930, os governos não se im-
portaram com as pressões da população reivindicando reforma
agrária, desse modo, as massas populares viveram o período da
Primeira República à mercê dos grandes posseiros e grandes pro-
prietários.

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94 © História da Formação Territorial do Brasil

Movimentos populares e confrontos pessoais marcaram os


conflitos entre proprietários e trabalhadores, com destaque para a
Guerra de Canudos (1896-1897), na Bahia, e do Contestado (1912-
1916), no Paraná e em Santa Catarina. Nessa época, à medida que
a população crescia e novos espaços eram integrados ao território
brasileiro, a questão fundiária também foi se tornando mais grave.
Nas últimas décadas do século 19, ocorreu uma revolução
na Amazônia, por conta de interesses e interferências do processo
produtivo da borracha pelo mercado internacional, que fez ace-
lerar a demanda do produto. Esse fato causou intenso processo
migratório de nordestinos para a região "e a desorganização da
economia extrativa não especializada e da pequena agricultura de
subsistência, pela apropriação de grandes áreas pelos seringalis-
tas, financiados pelas casas aviadoras" (ANDRADE, 1995, p. 58).
Muitos trabalhadores migrantes nordestinos ficaram submetidos a
um regime semiescravo dos seringalistas que, inclusive, dispunha
de policiamento próprio para controlar o trabalho.
No Maranhão, a ocupação dos vales fluviais que deságuam nas
baías de São José e de São Marcos, se intensificou com a política
desenvolvida pelo Marquês de Pombal, da criação da Companhia
de Comércio do Maranhão e Grão-Pará, que estimulou o desenvol-
vimento da grande lavoura de algodão e arroz, intensificou a impor-
tação de escravos e financiou os proprietários, fazendo com que a
região entrasse rapidamente no circuito econômico internacional
(ANDRADE, 1995, p. 59).

Essa exploração agrícola, e, posteriormente, a exploração


canavieira, promoveram expansão do povoamento para áreas me-
ridionais do estado e o estabelecimento de relações mais estáveis
entre Maranhão e Bahia. Porém, a percolação do solo e a oscilação
de preços de mercadorias primárias no cenário internacional pro-
vocaram a estagnação da economia maranhense.
Como mencionado anteriormente, pernambucanos e baia-
nos povoaram o semiárido nordestino no século 16 em virtude da
atividade pecuária, sobretudo pelo imperativo de abastecer e ali-
mentar a área açucareira da Zona da Mata pernambucana e do
Recôncavo baiano.
© Anexo 95

No início do período Republicano, apesar de tentar renovar


os engenhos e usinas de açúcar, esse produto perdia importância
perante a atividade cafeicultora da região Sudeste e da pecuária
no estado do Rio Grande do Sul, porém os proprietários fazendei-
ros mantinham o poder político da região nordestina.
Em Minas Gerais e Goiás, a atividade mineradora permitiu
o desenvolvimento de grandes propriedades baseadas na pecuá-
ria bovina que, nas áreas longínquas, destinava-se à produção de
carne para o mercado interno e para os grandes centros: Rio de
Janeiro e São Paulo.
Em áreas próximas aos centros consumidores com clima de
altitude, predominava a pecuária de leite. Daí a denominação de
política do "café-com-leite" para o período em que o Brasil foi do-
minado politicamente por São Paulo (produtor de café) e Minas
Gerais (produtora de leite).
As grandes propriedades cafeicultoras tiveram fundamental
importância econômica na Primeira República. Isso garantiu ao
Brasil a primeira colocação mundial na produção e comercialização
do café. Nessa época, este era o principal produto de exportação
brasileiro. Introduzido no país em fins do século 18, no início do
século 19 ganhou mais importância, quando passou a ser produzi-
do no Rio de Janeiro e São Paulo. A derrocada da escravatura pro-
vocou intensa onda migratória de italianos trazidos ao Brasil para
trabalharem nas lavouras de café.
Os cafezais se alastraram pelo território paulista, e isso gra-
ças às terras virgens disponíveis, à facilidade de importação da
mão de obra e a uma elite empreendedora. É nesse contexto que
se moderniza o porto de Santos, e que se abrem estradas de ferro
para promover a ocupação do território. O Triângulo Mineiro, a
região meridional do Mato Grosso do Sul e a região setentrional
do Paraná foram influenciadas por esse processo.
O período da Primeira República foi, sem dúvida, de predo-
mínio do café na economia do Brasil, e dos coronéis e fazendeiros
cafeicultores na política nacional.

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96 © História da Formação Territorial do Brasil

Ele permitiu que capitais acumulados fossem aplicados na implan-


tação de indústrias, fazendo com que, em algumas décadas, São
Paulo se tornasse o Estado mais industrializado do país, consoli-
dando assim a sua hegemonia econômica (ANDRADE, 1995, p. 62).

O estado do Mato Grosso, isolado do resto do país, teve uma


dinâmica dupla de povoamento: ao norte, por povoadores organiza-
dores de seringais e castanhais e, pelo sul, por pecuaristas, que to-
maram campos no Pantanal e áreas florestadas na bacia do Paraná.
Tanto em um como no outro, a forma da ocupação se deu
via latifúndios, uma vez que "nos pantanais se formaram fazendas
com milhares de hectares onde se fazia uma pecuária ultra-exten-
siva em campo aberto" (ANDRADE, 1995, p. 63).
No estudo da ocupação de terra no Sul do país, observa-se
um contraste se comparado às outras regiões. Sua porção oeste foi
ocupada pela pecuária, a partir do século 17, por missões jesuítas,
e continuada após seu declínio, tanto em Campanha, como no Pa-
raná e em Santa Catarina. Na porção leste, onde havia o predomí-
nio de áreas de montanhas cobertas de florestas, os portugueses
introduziram no litoral grupos de pessoas vindos dos Açores (sé-
culo 18), e alemães e italianos (séculos 19 e 20) no interior, com o
intuito de promoverem a integração do Sul do país.
Ainda no período republicano, governos estaduais, além
de intensificar a imigração estrangeira, também a diversificaram
quanto à origem. Daí a afluência de russos, polacos, ucranianos,
lituanos, letos etc.
Quanto ao direito de propriedade, a Constituição de 1934
instituiu que esse direito não poderia ir contra o interesse da so-
ciedade na forma da lei, mas a desapropriação, se necessária fos-
se, apenas se faria com "prévia e justa indenização".
Desse modo, a propriedade da terra, na prática, continuou
intocada e as reivindicações das classes populares, não atendidas.
A legislação de 1943 reconheceu alguns direitos do trabalhador,
como, por exemplo, férias e aviso-prévio. No entanto, somente dé-
cadas mais tarde é que tais direitos foram de fato efetivados.
© Anexo 97

Pode-se afirmar, portanto, que, na Primeira República, a


questão agrária foi ignorada. Talvez houvesse uma crença de que
no futuro tais problemas fossem resolvidos ou as estruturas fos-
sem modificadas. A modernização formal era defendida pelos po-
líticos, mas esse discurso radicalizava as diferenças econômicas e
sociais e tornaram ainda mais graves os problemas brasileiros.

Vida camponesa: cultura e tradição


Segundo Andrade (1995, p. 67):
A expressão camponês, em sua acepção geral, é largamente utili-
zada para designar pessoa ou grupo de pessoas que vive em áreas
rurais, exercendo profissionalmente atividades ligadas ao campo,
estando pouco ligado à vida urbana. Este termo é usado nas mais
diversas regiões do mundo e nas línguas mais diversas [...].

Nas Ciências Sociais, porém, esse termo é usado de modo


mais cuidadoso, caracterizando pessoas que habitam no campo,
mas que não necessariamente trabalham diretamente com a ter-
ra. Por outro lado, não se considera camponês os donos de pro-
priedades rurais, grandes ou médias, que as explorem para o co-
mércio. Não são considerados camponeses os comerciantes rurais
habitantes de vilas e povoados, assim como pessoas que atuam
em profissões ligadas às áreas de serviços que vivam no campo,
mas usufruem modo de vida inteiramente urbano.
Durante muito tempo, os geógrafos humanos recusavam o
uso do termo e buscavam analogias entre o agricultor pobre do
Brasil e os habitantes de aldeias francesas. Cabe ressaltar que a
França inspirou muitos pesquisadores brasileiros, pois esse país
era visto como modelo para seus estudos, mas como, no exame
das dinâmicas do campo brasileiro, comparadas com os estudos
franceses, chegou-se à conclusão de que não havia semelhanças
entre os dois países nesse quesito, admitiu-se, então, que não ha-
via camponês no Brasil.

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98 © História da Formação Territorial do Brasil

Já os sociólogos
[...] usavam o termo, sobretudo quando este se referia a peque-
nos produtores agrícolas, proprietários, arrendatários ou meeiros,
comparando-os com os chamados servos da gleba do feudalismo
europeu, para distingui-los dos trabalhadores rurais assalariados
(ANDRADE, 1995, p. 68).

Todavia, o termo passou a ser usado com mais frequência na


metade do século 20, quando surgiram as Ligas Camponesas no
Estado do Pernambuco, pois seus organizadores se autointitula-
ram camponeses.
A formação do campesinato no Brasil antecede a adoção do
termo camponês e nos remete ao período colonial. No século 16,
há descrições da região da cana-de-açúcar do Pernambuco.
Fernão Cardim descreveu, nesse século, a região de econo-
mia do açúcar em Pernambuco, salientando que existiam várias
culturas realizadas por homens livres em terras de outrem e terras
próprias que tinham como finalidade a subsistência e o comércio
para povoados e vilas do engenho.
Muitos portugueses chegavam ao Brasil com poucos recursos
e sem crédito, por essa razão optavam por morar em áreas afastadas
dos engenhos, vivendo, então, de pequenas atividades agrícolas.
Esses agricultores pagavam aos proprietários das terras o
uso do "sítio" com dias de trabalho ou com aluguel em dinheiro,
chamado de foro.
Nas áreas pouco propícias ao cultivo da cana-de-açúcar, seja
pelas condições do solo, ou por razões de localização, as proprie-
dades eram partilhadas entre os filhos dos proprietários, transfor-
mando-se em área de pequenos produtores de rapadura e cacha-
ça, além de uma atividade policultora.
Nas terras úmidas do Agreste e do sertão nordestinos, havia,
nos séculos 17 e 18, uma atividade agrícola destinada a atender o
mercado local. Tal atividade só veio a expandir-se regional e nacio-
nalmente no século 19, com o advento da economia do café.
© Anexo 99

Em áreas mais afastadas, logo após o apartamento dos índios


de suas terras, estes desenvolveram atividades ligadas à agricultu-
ra e criação de pequenos animais e teciam suas roupas e redes
com o algodão que cultivavam. Havia, também, uma agricultura
algodoeira feita em larga escala, com auxílio do braço escravo para
exportação.
As atividades campesinas foram importantes também na
capitania de São Vicente, nos primeiros períodos da colonização,
desenvolvendo-se muito com o surto da mineração no então cha-
mado Sertões das Gerais, até o momento em que a atividade mi-
neradora entrou em declínio e desenvolveu-se a economia cafeei-
ra no vale do rio Paraíba.
Não podemos esquecer, também, do desenvolvimento des-
sas atividades durante o Brasil Colônia e o Brasil Império, reali-
zadas por escravos que fugiam do cativeiro e se organizavam em
quilombos.
As atividades camponesas foram também incentivadas pelo
governo português, com a imigração de agricultores da região dos
Açores para a região do Sul do Brasil.
Em seguida, no período imperial, foram fundadas colônias
suíças em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro; e, após a Independên-
cia, com vistas a estimular a ocupação do espaço, vieram para o
Brasil colônias de pequenos proprietários alemães no Rio Grande
do Sul e em Santa Catarina, e, em seguida, de italianos em várias
províncias brasileiras. O contingente de camponeses no século 19
já era significativo, mas, após o fim da escravidão, esse contingen-
te cresceu com os escravos libertos.
Três eram suas alternativas:
[...] migrar para a cidade e viver de atividades não especializadas,
permanecer nos engenhos e fazendas tornando-se moradores e
assalariados, ou, nas áreas menos povoadas, como o Maranhão,
formar comunidades e viver em uma economia de autoconsumo
(ANDRADE, 1995, p. 72).

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100 © História da Formação Territorial do Brasil

O desenvolvimento capitalista, do mesmo modo que inseriu


o camponês nas atividades mercantis a partir da venda de seus
excedentes para centros maiores e mais distantes, contando com
o auxílio de intermediários, também contribuiu para o enfraque-
cimento de suas relações tradicionais a partir da massificação dos
meios de comunicação e transporte que permitiram ao camponês
sair do isolamento do campo e integrar-se à vida urbana, colocan-
do em questão um modo de vida consolidado e alterando com-
portamentos, hábitos, crenças e valores. Com a necessidade de
ampliar e diversificar sua produção, é preciso concorrer pela aqui-
sição de máquinas, compra de adubos e fertilizantes, concessão de
crédito, que nem sempre lhe são favoráveis.
Em um país ainda em ritmo de modernização, as políticas
governamentais de financiamento são destinadas a beneficiar os
grandes e médios empresários, tanto em consequência do poder
de pressão e da conivência dos técnicos e administradores, que
legitimam essa atitude com um discurso que a justifica, como em
virtude da defesa da economia de escala e da melhor qualificação
tecnológica da grande lavoura.
Outra forma de destruição da vida camponesa é provocada pelas
migrações feita para as cidades, onde grande quantidade de tra-
balhadores se desruraliza sem adquirir o hábito e a habilitação do
trabalhador urbano, passando a formar populações marginaliza-
das que vivem de trabalhos esporádicos ou de atividades ilegais
nos centros urbanos de maior expressão populacional (ANDRADE,
1995, p. 75).

Um dos resultados desse processo é o inchaço das áreas ur-


banas periféricas sem infraestrutura adequada.
As perspectivas para o camponês brasileiro não são anima-
doras, pois o que assistimos ao longo do tempo é seu constante
empobrecimento, expropriação, desaculturação que, em grande
medida, são patrocinados pelo poder público a serviço das elites
econômicas. Soma-se a isso a ausência de uma reforma agrária
que descentralize a propriedade da terra, de forma a distribuir de
modo mais equitativo a riqueza nacional, e de uma política agrária
© Anexo 101

que encaminhe a produção camponesa ao mercado em condições


de competitividade, aspiração fundamental para a manutenção da
cultura e da tradição camponesa no Brasil.

Sociedade e reforma agrária no Brasil


A apropriação do espaço geográfico brasileiro pelos portu-
gueses pautou-se pela expansão do capitalismo mercantil, ou seja,
ao explorar espaços produtores de matérias-primas, o abasteci-
mento para o mercado europeu estava garantido.
Todavia, inicialmente, não havia, por parte dos colonizado-
res, a preocupação em apropriar-se da terra de modo particular,
pois se limitavam à exploração de produtos florestais para atender
a demanda dos países europeus.
A ameaça da conquista francesa fez com que os portugueses
passassem a se preocupar com o domínio do território. A partir
daí, criaram o sistema de capitanias hereditárias que, posterior-
mente, possibilitou a fundação de vilas e povoações, desenvolven-
do agricultura com grande utilização de capitais, apropriando-se
das terras e utilizando trabalho escravo.
Para ordenar a atividade agrícola, foi implantado o sistema
das sesmarias, que consistiu na doação aos donatários de grande
extensão de terras, onde trabalhavam escravos índios, vencidos
nas guerras, e escravos negros trazidos da África. Esse sistema pre-
ponderante em todo o período colonial concedia ao sesmeiro a
posse da terra e não o seu domínio, ainda que ele exercesse total
exploração dessas terras.
Nessa época, havia também
[...] grupos de migrantes que, não dispondo de títulos de posse,
se estabeleciam em terras que conquistavam, vivendo à margem
da administração colonial. Foi reconhecendo a importância destes
grupos que José Bonifácio, antes da Independência, fez extinguir o
sistema de sesmarias, substituindo-o pelo "direito de posse" (AN-
DRADE, 1995, p. 79).

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102 © História da Formação Territorial do Brasil

Formalmente, esse "direito de posse" foi interpretado como


um progresso sobre o sistema das sesmarias, pois
[...] abria a exploração da terra a pessoas que a haviam conquistado
sem dependerem das relações com as autoridades, mas a forma de
reconhecimento dificultaria a execução da lei. Esta intervenção do
Patriarca da Independência pode ser apontada como uma primeira
tentativa, frustrada, de democratizar o acesso à propriedade e à
posse da terra (ANDRADE, 1995, p. 79).

Esse sistema vigorou até metade do século 19, quando foi


aprovada a Lei de Terras que instituía o acesso à propriedade pelo
sistema de compra e venda.
Essa lei pode ser interpretada como reação dos proprietários
de terra, temerosos em reter os trabalhadores em suas proprieda-
des quando a escravidão fosse revogada.
Nesse período, a escravidão já era condenada pela Inglater-
ra, pois a escravidão dos índios já havia sido legalmente abolida
no século 18 e a escravidão dos negros africanos devia ser grada-
tivamente extinta. Concorreram para o fato: a Lei que eliminava o
tráfico de escravos da África para o Brasil, em 1850; a Lei do Ventre
Livre, em 1871; a Lei dos Sexagenários, em 1886; e, por fim, a Lei
Áurea, em 1888.
Assim, para as áreas de maior dinamismo, houve incentivo a
uma política de atração de imigrantes, fundamentalmente italia-
nos, para trabalhar nas lavouras de café. E os fazendeiros, natural-
mente, procuravam obrigá-los a continuar em suas terras por um
período significativo. Caso contrário, os imigrantes não permane-
ceriam em terras particulares se pudessem conquistar áreas ainda
não apropriadas.
Do ponto de vista da resistência, não é verdadeira a opinião
muito difundida de que não ocorreu reação à escravidão no Brasil
pelos grupos escravizados.
Na verdade, a história brasileira é uma luta permanente dos excluí-
dos pelo acesso à terra, pela obtenção de direitos ligados à possibi-
lidade de sua exploração. Desde a conquista, os indígenas lutaram
denodadamente contra os colonizadores que os expropriavam e
© Anexo 103

lhes tiravam a liberdade. As lutas, iniciadas no litoral, continua-


ram no interior quando eles foram expulsos das melhores terras,
dizimados ou aldeados, a fim de serem chamados para o trabalho
quando se fazia necessário. Para os trabalhos de sedentarização e
de submissão, os colonizadores contaram com o apoio geral dos re-
ligiosos que se encarregavam da catequese; muito embora, mesmo
entre estes, houvesse os que tomaram o partido dos nativos, como
os capuchinhos franceses chefiados por Frei Martinho de Nantes,
no São Francisco, e alguns jesuítas que seguiam a orientação do
padre Luís de Grã (ANDRADE, 1995, p. 80).

Quanto à luta dos negros, esta se inicia no século 16, com a


escravidão africana. Muitas dessas lutas não entraram para a his-
tória, pois foram omitidas pelos historiadores oficiais. Sabe-se que
a mais conhecida foi a do Quilombo dos Palmares,
[...] em que os negros fugidos se estabeleceram no sul de Pernam-
buco e norte de Alagoas e se organizaram em um sistema político-
-econômico e luta com o próprio Governo colonial. Só com o apoio
de bandeirantes paulistas é que se conseguiu destruir este reduto
negro (ANDRADE, 1995, p. 81).

Outros focos de resistência negra aconteceram também na


Bahia e no Maranhão, províncias que tinham elevada população
escrava. Nessas províncias, eram inúmeros os quilombos e tam-
bém as revoltas urbanas, como, por exemplo, a revolta dos malês,
em 1835, "em que negros islamizados ameaçaram a população
branca de Salvador" (ANDRADE, 1995, p. 81). São famosas as in-
surreições de negros em luta contra os poderosos: a Cabanagem,
no Pará, a Balaiada, no Maranhão e Piauí, e a Guerra dos Cabanos,
em Pernambuco e Alagoas.
As maneiras como a terra foi explorada e a produção expan-
dida modificaram substancialmente as relações de trabalho, o que
fez com que grupos pobres se tornassem ainda mais empobreci-
dos.
Na passagem da agricultura de meação para o sistema as-
salariado, os trabalhadores, apartados do controle dos meios de
produção, passaram então a receber pagamento em moeda ou em
vales.

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104 © História da Formação Territorial do Brasil

Nas áreas que tinham mais condições de acessar o mercado,


os pequenos produtores foram expulsos, assim como o uso das
máquinas também fez diminuir a demanda de trabalhadores, que
se viram obrigados a migrar em busca de trabalho. Tais fatores
contribuíram para seu processo de empobrecimento.
Em contrapartida, as comunicações facilitadas por conta da
ampliação do mercado foram importantes para a organização dos
trabalhadores para reivindicarem seus direitos e para reagir ao
processo a que estavam submetidos.
É nesse contexto que surgem as Ligas Camponesas, que fo-
ram iniciadas em Pernambuco sob liderança de Francisco Julião,
de orientação socialista. As Ligas eram sociedades civis que foram
bem acolhidas, principalmente por pequenos produtores e peque-
nos proprietários, e que em pouco tempo repercutiram em todo
o país.
Sua principal reivindicação era a reforma agrária, que deve-
ria ser feita de qualquer forma. Já nos sindicatos rurais (estimula-
dos nos governos Getúlio Vargas e João Goulart), as reivindicações
eram prioritariamente salariais.
Posições ideológicas, interesses locais e regionais, influên-
cias e disputas de lideranças provocaram o surgimento de vários
movimentos camponeses que amedrontaram as classes dominan-
tes, ocasionando a realização do golpe de 1964. Essas classes do-
minantes temiam o estabelecimento, sob orientação de João Gou-
lart, de uma república sindicalista.
Com a vitória do movimento militar de 1964, várias organiza-
ções de trabalhadores foram extintas e seus líderes, aprisionados e
perseguidos, mas os sindicatos rurais foram mantidos e houve en-
tão o "apaziguamento" do campo de forma a reconhecer direitos,
mas mantendo as novas estruturas.
O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964),
promulgado alguns meses após o golpe de estado conservador,
representou um documento jurídico de grande importância e, ao
© Anexo 105

mesmo tempo, uma providência para conter o movimento vindo


da base em favor de modificações na estrutura fundiária. [...] Ele
defendia uma reforma agrária, mas não estabelecia diretrizes para
ela, nem como seria aplicada nas diversas regiões do país (ANDRA-
DE, 1995, p. 84).

Na verdade, o Estatuto da Terra representava a transição do


latifúndio tradicional para o latifúndio capitalista moderno (agora
fortificado com o apoio norte-americano), que significava um capi-
tal de maior rentabilidade e de caráter mais explorador.
O desenvolvimento desse latifúndio moderno aconteceria,
fundamentalmente, em áreas de menor povoamento (no caminho
entre São Paulo e Brasília) e "nas áreas em grande parte ocupa-
das pelo cerrado e por florestas equatoriais [...], no atual estado
de Tocantins, no Pará, no Mato Grosso, em Rondônia, no Acre, no
Amazonas e Roraima" (ANDRADE, 1995, p. 85).
Vários projetos agrícolas, financiados pelo Governo Federal,
também contribuíram para o desmatamento de grandes áreas da
Amazônia "para a formação de plantações da Coffea robusta, do
cacau e de pastagens" (ANDRADE, 1995, p. 85).
Muitos dos projetos governamentais de colonização em larga
escala não prosperaram, o mais emblemático deles sem dúvida foi
a construção da rodovia Transamazônica; outros exemplos foram
o fracasso das grandes plantações de café e cacau em Rondônia.
A partir do Estatuto da Terra foram criadas duas instituições
com a finalidade de instituir a reforma agrária e desenvolver a polí-
tica de colonização: o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra)
e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (Inda). Até 1969 as
duas instituições coexistiram, quando foram, então, agregadas em
um único instituto, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra).
Existindo até os dias atuais, o Incra, em muitos períodos, fun-
cionou mais para impedir do que para fazer uma reforma agrária.

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106 © História da Formação Territorial do Brasil

Nesse contexto, o movimento sindical rural muitas vezes é


prejudicado pela cooptação de pequenos proprietários por gran-
des ou médios proprietários, que os ameaçam com a possibilidade
de perda de suas terras.
No período da ditadura militar, a questão agrária desviou-se
de suas diretrizes básicas e as grandes propriedades improdutivas
aumentaram em número e em extensão, muitas vezes devido a
benefícios delineados pelo governo. Após a Nova República, a po-
lítica nesse setor também não avançou significativamente.
Nesse período, em que o país passou por intenso e rápido
processo de modernização, "a expulsão do homem do campo para
a cidade acelerou-se e a população urbana, no recenseamento de
1991, atingiu cerca de 75%, sendo no Sudeste, da ordem de 90%"
(ANDRADE, 1995, p, 87).
Esse fato levou alguns estudiosos a afirmarem que desapa-
recia a importância da questão agrária e, consequentemente, a
necessidade da reforma agrária. No entanto, basta entender que
o êxodo rural é reflexo da ausência de uma reforma agrária. A mo-
dernização do campo via máquinas substituindo o trabalho huma-
no e o uso de agrotóxicos aumentando a produtividade acabaram
expulsando a população rural, mas contribuíram enormemente
para o "inchaço" das cidades e de seus bairros periféricos despro-
vidos de infraestrutura.
Além de modificar sua legislação, taxar com maior severida-
de propriedades de grande extensão e promover de fato a reforma
agrária, é necessário também controlar a produção e a produtivi-
dade, estabelecendo uma política agrária que estimule a produção
de alimentos e fixe o homem no campo, pois é inaceitável que,
sendo o Brasil um dos maiores produtores de grãos, 30% de sua
população seja atingida pela fome.

Os meios de comunicação e o problema do separatismo no Brasil


Uma das vertentes da análise da globalização em período re-
cente refere-se à associação entre países ricos e pobres no sentido
© Anexo 107

de acordarem interesses comuns e um suposto ideal democrático.


Assim, surgem associações ou confederações de países para fazer
valer esses interesses, tais como Mercosul, Nafta, União Europeia,
que, analisados superficialmente, fazem crer que os problemas es-
paciais e o controle dos territórios, substancialmente aqueles es-
pecificamente nacionais e regionais, não mais existem.
Entretanto, nas análises geopolíticas, esses acordos entre
nações concentradoras de territórios e de poder, expressos em
grupos atrelados ao grande capital, dão origem também a reações
locais e nacionais em todo o mundo. Um exemplo disso é a União
Soviética, grande potência até o final da década de 1980, desfeita
em quinze repúblicas independentes que tentam a recuperação
de sua economia, uma vez que a complementaridade entre elas
não mais existe, havendo também a dificuldade da transição de
uma economia estatal para uma economia de mercado preocupa-
da com a obtenção máxima de lucros.
Para um brasileiro, entretanto, o problema do separatismo
parece não fazer parte do rol de preocupações; uma vez que o país
é dotado de unidade e identidade.
Esse ideal condiz com a realidade ou será fruto de propa-
ganda veiculada pelas classes dominantes com o intuito de fazer
esquecer nossas profundas divergências? Em outras palavras, há
mesmo no Brasil uma única nação ou vários grupos nacionais do-
tados de especificidades?
Um olhar mais atento nos permite verificar que não há no
Brasil unanimidade étnica, religiosa ou cultural.
Do ponto de vista étnico, é possível reter atenção à popu-
lação indígena que vive em áreas juridicamente demarcadas, as
quais nem sempre são respeitadas, o que contribui para o questio-
namento da noção de nação. Ou seja, é possível que esse grupo,
tantas vezes submetidos à dominação, se considere integrado à
"nação brasileira"?

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108 © História da Formação Territorial do Brasil

Ainda do ponto de vista étnico, podemos observar que os


negros e afrodescendentes são bastante significativos na popula-
ção brasileira, ainda que não ocupem áreas delimitadas. Ao con-
trário, essa população está distribuída pela maior parte do territó-
rio; contudo, é possível destacar sua predominância nos estados
da Bahia, Pernambuco e Maranhão.
Entre os brancos, há diferenças culturais relevantes. Sobre-
tudo nas regiões Sul e Sudeste, diversas são as áreas dominadas
por descendentes de europeus. Há, ainda, no Brasil, grande quan-
tidade de asiáticos concentrados em certas áreas, vivendo em
"colônias", no sentido de preservar sua identidade e também de
enfrentar a adversidade imposta pela vida em uma sociedade que
não é originalmente a sua.
É razoável, portanto, compreender que o problema brasilei-
ro não é apenas étnico, mas é também resultado de um processo
histórico e social.
Um exemplo disso são as capitanias hereditárias, que, no
período colonial, foram formadas isoladas uma das outras. Isso
criou um sentimento regional superior ao sentimento nacional.
Anos mais tarde, alguns movimentos favoráveis à independência
do Brasil também tiveram um caráter muito mais regional do que
nacional, como, por exemplo, a Inconfidência Mineira, em 1789, a
Revolução dos Alfaiates, em 1798, com a finalidade de libertar a
Bahia, e a Revolução Pernambucana, em 1817, que buscou fazer a
independência das províncias do Nordeste brasileiro.
Outras revoluções populares também aconteceram no perí-
odo regencial, pois o poder central encontrava-se enfraquecido. O
que se verifica nesses levantes é que a condição da naturalidade pre-
cede a da nacionalidade. São exemplos de revoltas desse período:
[...] no Pará (Cabanagem), no Maranhão e no Piauí (Balaiada),
no Ceará (Revolta de Pinto Madeira), em Pernambuco e Alagoas
(Guerra dos Cabanos), na Bahia (Sabinada, com a proclamação da
República Baiense) e no Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
repúblicas de Piratini e Juliana (ANDRADE, 1995, n.p.).
© Anexo 109

Esses processos foram abafados pelo poder centralizador da


Primeira República e, posteriormente à Revolução de 1930, que
atenuou a autonomia dos estados, desfigurou suas tradições, além
de enfraquecer a sua vida econômica. Desde então, a política de
planejamento no Brasil favorece a distribuição de recursos do Go-
verno Federal, com prioridade para os estados mais ricos em de-
trimento dos mais pobres. Isso compromete o pacto federativo de
unidade de direitos e deveres que precisaria existir entre todos os
estados e todas as regiões.
Desse modo, nas últimas décadas do século 20, acentuou-se
a propaganda, nos meios de comunicação falados e escritos, do
separatismo em algumas regiões.
No Rio Grande do Sul, proclama-se a formação da República
do Pampa Gaúcho. Em São Paulo, também há grupos defensores
de que esse estado deve ser separado do país, uma vez que, por
ser uma área do país mais desenvolvida que outras, fornece muito
mais recursos para elas do que recebe retorno dessa riqueza.
No Nordeste, coligações que almejaram a independência
defenderam a produção de petróleo na região como importante
trunfo para o separatismo. Há ainda o argumento de que pequena
parte das verbas nacionais é destinada a essa região. Na Amazô-
nia, o maior perigo diz respeito à internacionalização da floresta,
que atende aos interesses de capitais estrangeiros.
O tema da unidade da nação, portanto, deve ser analisado
sem partidarismos ou regionalismos, pois ele:
[...] passa pela defesa dos recursos naturais que devem ser explo-
rados em consonância com os interesses nacionais, [...] passa pelo
fortalecimento do Estado perante as empresas privadas, fazendo
com que ele não só administre as questões sociais como também
tenha interferência na exploração econômica em áreas estratégi-
cas; passa pelo desenvolvimento da ciência e tecnologia, a fim de
que o país elabore os próprios modelos de desenvolvimento, [...]
passa também pelo desenvolvimento da consciência da cidadania,
fazendo com que o brasileiro coloque os problemas do país acima
dos problemas dos estados e dos problemas pessoais; e passa, fi-
nalmente, pelo respeito às características regionais e étnicas dos

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110 © História da Formação Territorial do Brasil

brasileiros que necessitam afirmar a sua consciência social ante a


consciência política (ANDRADE, 1995, p. 98).

Os meios de comunicação são primordiais na busca desse


ideal, uma vez que têm grande responsabilidade na preparação da
população, na formação da opinião pública, para que a unidade
seja firmada, sem que a diversidade seja desconsiderada.

O ideal fascista e a colônia italiana no Norte e Nordeste do Brasil


É sabido, na historiografia brasileira, da imigração italiana
para o Sul e o Sudeste do Brasil. No entanto, a região Nordeste
também recebeu imigrantes italianos, apesar de pouco numero-
sos. Ainda assim, teve expressiva contribuição, tanto econômica
quanto cultural, à sociedade nordestina na segunda metade do sé-
culo 19 e primeira metade do século 20.
Pode ser assim resumida a migração italiana para o Brasil:
no século 16, vieram navegadores e exploradores da costa; nos
séculos 16, 17 e 18, missionários jesuítas e capuchinhos e, ainda,
combatentes na luta contra os holandeses que haviam conquista-
do o estado do Pernambuco no século 17.
A migração que veio da península Itálica para o Nordeste foi
importante, pois foi formada por pessoas que, por motivos políti-
cos ou econômicos, deixaram a Itália e se fixaram na região. Alguns
desses grupos estavam ligados a projetos de colonização: havia
grupos familiares, pessoas isoladas ou grupos de vizinhos que dei-
xaram o território italiano em direção ao Brasil, pressionados pelas
más condições criadas pela unificação da Itália e pelo agravamento
da pobreza na porção sul da península.
Esses imigrantes vieram buscar, além de melhores condições
para viver, liberdade de pensamento. Empregavam-se em traba-
lhos artesanais, pequenas prestações de serviços ou atividades
comerciais.
© Anexo 111

A relação dos italianos com os brasileiros era pacífica, já que


falavam uma língua parecida com o português e também por pra-
ticarem a religião católica num período em que havia grande resis-
tência entre católicos e evangélicos. Ademais, ocorriam diversos
casamentos entre italianos e brasileiros pautados por motivações
econômicas.
A década de 1920 é crucial para entender a influência do ide-
al fascista no Nordeste brasileiro. Em 1922, o estabelecimento de
um governo fascista na Itália, empreendido por Benito Mussolini,
teve grande divulgação no Brasil e na América Latina. Nessa mes-
ma década, em muitos países do mundo, anunciava-se a crise de
1929. As dificuldades impostas pela crise fizeram com que a classe
operária recomendasse exigências de cunho social; emergem, en-
tão, as primeiras greves de grande porte.
No estado do Pernambuco, políticos populistas como Joa-
quim Pimenta e Manuel Borba davam a entender à classe burgue-
sa que o exemplo da Revolução Russa de 1917 poderia ser copiado
no Brasil. Cristiano Cordeiro, um dos fundadores do Partido Co-
munista do Brasil, também era outro militante voltado às camadas
populares em Pernambuco.
Os italianos que para cá vieram tinham tendências conser-
vadoras e se amparavam em Benito Mussolini, almejando que ele
organizasse a Itália e que transformasse o país em uma grande po-
tência.
Mussolini, por sua vez, jornalista de formação,
[...] compreendia a importância da mídia para aumentar a sua in-
fluência política, daí tratou de fazer grande propaganda do seu go-
verno, afirmando que fazia justiça social, que garantiria a ordem
pública, que conciliaria o capital com o trabalho, por meio de uma
filosofia corporativista e de uma legislação social avançada, que
aumentava o poder político da Itália no ajuste da nação e que des-
truiria a influência dos partidos comunista e socialista (ANDRADE,
1995, p. 102).

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112 © História da Formação Territorial do Brasil

No Nordeste, os consulados italianos passaram a veicular


propagandas de auxílio às empresas italianas e às associações de
italianos. Além disso, organizaram fasces (um fáscio era um grupo
político e paramilitar que constituía a base do movimento fascis-
ta). Nesses espaços, irradiava-se a propaganda de engrandecimen-
to da Itália e de combate ao comunismo e à liberal-democracia.
Segundo Andrade (1995, p. 102), o comunismo
[...] era considerado um partido ateu e contrário aos ideais cris-
tãos, assim como um representante dos interesses soviéticos que
financiavam e assistiam a desagregação da pátria e estimulavam
insurreições, colocando em choque o capital e o trabalho; a liberal-
-democracia era um sistema político fraco, desagregador, conduzi-
do pelo judaísmo internacional que explorava e dominava os povos
e as nações. O fascismo seria, então, o caminho para a recuperação
da humanidade.

O fáscio do Pará foi inaugurado em Janeiro de 1924, com


68 sócios. O fáscio do Recife iniciou suas atividades em março de
1924, mas elas só ganharam importância e visibilidade em 1930,
quando houve uma agitação no país em virtude da queda da Pri-
meira República. Em 1932, já contava com 100 sócios. O fáscio da
Paraíba foi fundado em 1929, com 32 sócios. Entre diversas ativi-
dades dessas associações estavam: cursos de língua e literatura
italianas, atividades esportivas, manifestações e passeatas a fim
de divulgar e aumentar a receptividade aos ideais políticos dos
grupos conservadores e direitistas, reuniões, trabalho de propa-
ganda e de aproximação com a sociedade brasileira. Não há docu-
mentação que comprove a atuação de outras associações de fás-
cio em outras áreas do Norte e Nordeste que não na Bahia, estado
onde havia significativa colônia italiana.
Quanto aos italianos que não se simpatizavam com Mussoli-
ni e com o fascismo, eles eram fiscalizados pelos próprios conter-
râneos que se ligavam aos donos do poder na Itália. Porém, poucos
eram os que se dispunham a se incompatibilizar com um sistema
político autoritário, sabendo que possuíam familiares e proprieda-
des na Itália que poderiam ser alvo da ação governamental.
© Anexo 113

A derrubada da Primeira República, na década de 1930, foi


muito favorável à propaganda fascista, pois os grupos revolucio-
nários procuravam novos caminhos para o Brasil e o poder foi, por
vezes, violentamente disputado.
Havia uma divisão entre aqueles que queriam uma revolu-
ção social e tinham simpatias pelo movimento operário e pela ex-
periência soviética, como Luís Carlos Prestes, e os que tinham for-
mação totalitária e/ou conservadora, como Filinto Muller, e os que
preferiam fazer pequenas reformas que modernizassem o país,
mas mantivessem as velhas estruturas e fortalecessem o poder
central. Getúlio Vargas, habilidoso, lançou uns contra os outros,
dividindo-os para manter-se no poder.
Nessa ocasião, apareceram vários movimentos fascistas, ou
simpáticos a eles, em vários estados do país. O de maior projeção
foi aquele liderado por Plínio Salgado, chamado Ação Integralista.
Esse movimento contou com apoio da Igreja e da mídia, aglutinan-
do vários jovens da classe média e alta da época, que se organiza-
ram em milícias.
Junto com alguns brasileiros, filhos e netos de imigrantes ita-
lianos foram atraídos pelo movimento e defendiam os princípios
totalitários.
Nos anos que se seguiram, sobretudo a partir de 1937, com
Getúlio Vargas no poder, os ideais totalitários continuaram em
voga no Brasil, e agora com apoio institucional brasileiro, e não
apenas por meio das associações de imigrantes italianos.

Atualidade do pensamento de Josué de Castro


Josué de Castro teve destacada atuação em meados do sé-
culo 20, tanto em âmbito nacional como internacional, sendo des-
tacado por sua competência, preocupação com a causa pública e
aperfeiçoamento de seu ideário.

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114 © História da Formação Territorial do Brasil

Nascido no estado do Recife, em 1908, estudou Medicina e


se especializou em Fisiologia e Endocrinologia. Foi professor livre-
-docente da Faculdade de Medicina de Recife e desde sempre se
preocupou com os problemas da alimentação.
Josué de Castro observou que havia no Recife expressiva po-
pulação habitante em palafitas edificadas no leito dos rios Capi-
baribe e Beberibe. Eram os chamados mocambos. Em 1935, em
estudo sobre as condições de vida das classes operárias no Recife,
confirmou que um terço dos habitantes da cidade morava nessas
áreas e se alimentava essencialmente de crustáceos apanhados
no próprio rio e na maré sobre a qual vivia. É nesse contexto que
Josué de Castro discute o que ele próprio chamou de "ciclo de ca-
ranguejo":
[...] o habitante do mocambo defecava no rio, fornecendo alimento
para os caranguejos que, em seguida, capturava para servir de base
de sua própria alimentação. Assim, o homem alimentava o caran-
guejo que iria alimentá-lo (ANDRADE, 1995, p. 112).

Esse tema seria aprofundado em estudos posteriores.


Após a Revolução liberal da década de 1930, Josué de Castro
e outros estudiosos como Gilberto Freire, Caio Prado Júnior e Sér-
gio Buarque de Holanda, convencidos de que o Brasil não estava
a caminho de uma europeização, procuraram relacionar as razões
essenciais de seus problemas mostrando que o atraso do país não
resultava de sua formação étnica e sim do próprio processo de ci-
vilização a que fora submetido após a invasão portuguesa.
Assim, Castro buscou, também, analisar em profundidade
[...] o problema étnico, ligando-o ao problema alimentar, mostran-
do que os efeitos da alimentação insuficiente nas classes mais po-
bres e, muitas vezes, abundante, mas inadequada, nas classes ricas,
tinham influência forte, maior que a étnica, sobre o desempenho
da população brasileira (ANDRADE, 1995, p. 112).

Posteriormente, Josué de Castro transferiu-se para o Rio de


Janeiro e escreveu, no ano de 1946, a partir de suas observações
e reflexões, o livro Geografia da Fome, que analisa o problema da
© Anexo 115

fome no Brasil. Após esse período, atuou fora do ambiente aca-


dêmico e analisou então o problema da fome em escala mundial,
publicando os livros: Geopolítica da Fome (1951) e Livro Negro da
Fome (1960) – ambos de repercussão mundial.
Sua análise do problema agora não era mais somente bioló-
gica e médica, mas também geográfica, sociológica e política.
Josué de Castro atuou politicamente entre os anos de 1930
e 1940, buscando um modelo de desenvolvimento aberto à parti-
cipação popular, caminho este que se ligava a uma proposta social
democrática e comunista. Josué ingressou no Partido Trabalhista
Brasileiro e foi deputado federal pelo estado de Pernambuco, de
1955 a 1962. No governo João Goulart, apoiou a Reforma Agrá-
ria. A repercussão de suas ideias e de seus trabalhos o levou a
exercer o cargo de presidente do Conselho da FAO (Organização
de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas), em 1952, e do
Conselho do CIME (Comitê Intergovernamental para as Migrações
Europeias), entre outros cargos importantes. Teve sua carreira in-
terrompida em 1964, no contexto da ditadura militar, quando teve
seus direitos políticos cassados e foi demitido do cargo de embai-
xador da ONU (Organização das Nações Unidas).
Foi então exilado em Paris e trabalhou como professor de
Geografia no Centro Universitário de Vincennes e como dirigente
do Centro Internacional para o Desenvolvimento.
No Brasil, procurou especificar um padrão dietético da po-
pulação, compreendendo as características ecológicas que diversi-
ficavam o território nacional, comparando os padrões alimentares
nas várias porções do território, e caracterizou o problema alimen-
tar de forma regional, detendo-se, sobretudo, na Amazônia e no
Nordeste.
Já na década de 1950, ele dizia não ser possível separar o
problema do país do problema mundial e que, por essa razão, era
necessário buscar soluções tanto em escala nacional como em es-
cala mundial.

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116 © História da Formação Territorial do Brasil

Desse modo, passou a entender o problema alimentar em


sua totalidade, ligando-o a vinculações sociais e políticas; ou seja,
o problema da fome não era só uma questão nacional, mas tam-
bém estava profundamente vinculado à problemática internacio-
nal, ligado à divisão internacional do trabalho e ao processo de
dominação dos países ricos sobre os países pobres. Reside nesse
raciocínio sua principal contribuição ao conhecimento científico
brasileiro e a atualidade de seu pensamento, num mundo em que
tanto a economia está globalizada, como também a maior de suas
mazelas – a fome.

O Norte e o Nordeste na obra de Orlando Valverde


Orlando Valverde, descendente de imigrantes espanhóis,
nasceu em 1917, no Rio de Janeiro. Sua primeira opção profissio-
nal, que era ser oficial da marinha, foi interrompida por razões ide-
ológicas. Após isso, ingressou no curso de Geografia quando prati-
camente não existia a profissão de geógrafo.
Com a vinda de professores franceses para o Rio de Janeiro
e São Paulo, a Geografia passou por um momento de renovação,
libertando-se da concepção de que era uma ciência de memoriza-
ção, sem maiores preocupações com as relações entre o homem
e o meio.
A década de 1930, período em que foram publicados Casa
Grande e Senzala e Sobrados e Mocambos, de Gilberto Freire; Evo-
lução Política do Brasil e Formação do Brasil Contemporâneo, de
Caio Prado Júnior; e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holan-
da, obras essenciais para a compreensão da sociedade brasileira,
foi um momento propício para as reflexões de Valverde.
Soma-se a isso sua inquietação junto a outros jovens que
negavam serem tutelados pelas elites da época. Nesse contexto,
Orlando Valverde estava envolvido ideologicamente com o comu-
nismo brasileiro e com a edificação de um Estado forte e uno.
© Anexo 117

Com o passar dos anos, ele observou que essas opções esta-
vam deslocadas da realidade brasileira e por isso eram considera-
das utópicas.
No que diz respeito à formulação do pensamento geográfico,
grandes nomes do cenário nacional, como Joaquim Nabuco e Eu-
clides da Cunha, eram deixados de lado em detrimento de autores
europeus praticantes de uma geografia mais ortodoxa, como Pier-
re Deffontaines, Pierre Monbeig e Leo Waibel (este último grande
inspirador de Orlando Valverde).
A criação, em 1939, do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística (IBGE), conferiu a Valverde a oportunidade de fazer uma
Geografia em moldes científicos, pois, ainda que as finalidades
dessa instituição fossem político-administrativas, o caminho per-
corrido era científico.
Ao criá-lo, Getúlio Vargas, vitorioso no golpe de 10 de novembro de
1937 procurava destruir a federação brasileira, unificando a admi-
nistração tradicional, estadualizada pela República de 1889, e fazia
uma concentração de poder em nível nacional. Para isso, o IBGE
tinha tarefas a cumprir, ou seja, planejar uma revisão territorial e
administrativa do Brasil, ideia defendida pelos geopolíticos ratzelia-
nos dos anos 1920; como Everardo Beckhauser e Teixeira de Frei-
tas; organizar o censo de 1940; que deveria ter mais credibilidade
do que o de 1920, muito criticado; organizar, em nível nacional, o
sistema de estatística; elaborar a Carta do Brasil ao milionésimo e
desenvolver estudos sobre o país, predispondo-o a grandes trans-
formações (ANDRADE, 1995, p. 121).

Para cumprir essas tarefas, o IBGE tornou-se verdadeira fon-


te de formação de geógrafos.
Por fazer parte do quadro técnico do IBGE, Orlando Valverde
estudou nos Estados Unidos e trabalhou com Leo Waibel (geógrafo
alemão, que passou cinco anos no Brasil, durante a Segunda Guer-
ra Mundial).
A geração de Orlando Valverde, formada no período da di-
tadura de Getúlio Vargas, procurava, por prudência, não tomar
decisões que desagradassem o sistema de poder vigente, o que
implicava em desenvolver uma geografia despolitizada.

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118 © História da Formação Territorial do Brasil

O geógrafo não devia ser provido de referências filosóficas e


ideológicas, mas deveria, sim, descrever a realidade, procurando
a inter-relação entre as formas e as origens. Ocorre que muitas
vezes esse último recurso limitava-se à descrição.
Analisando-se a produção científica dos anos 1940 e 1950,
percebe-se que, apesar das restrições metodológicas, a contribui-
ção dessa geração foi importante para o conhecimento da realida-
de brasileira.
Um dos principais centros desse conhecimento geográfico
foi a Universidade de São Paulo e o Instituto Brasileiro de Geogra-
fia e Estatística e suas publicações.
Também a Associação dos Geógrafos Brasileiros realizava
assembleias anuais, e seus estudos de campo eram importantes
contribuições para o conhecimento do país.
Por apresentar uma rigorosa formação científica, Orlando
Valverde passa a ter divergências com seus colegas, por estar com-
prometido com o social. Também em virtude da proximidade com
o geógrafo alemão Leo Waibel, Orlando Valverde trabalhou na re-
gião Sul, fundamentalmente na área de colonização alemã, e es-
creveu vários trabalhos sobre o tema. Suas oportunidades de tra-
balho e suas vertentes ideológicas o levaram a preocupar-se com
as regiões menos desenvolvidas no Brasil. Daí sua preocupação,
por exemplo, com o Nordeste superpovoado e com a Amazônia
(com áreas pouco povoadas).
Sua obra está organizada em três fases que se sucedem cro-
nologicamente. São obras complementares e que tratam de pro-
blemas específicos do momento em que foram escritas. São elas:
• A propriedade da terra e o problema da exploração do
meio rural: em 1955, Orlando Valverde escreveu O uso da
terra no Leste da Paraíba e O Nordeste da Mata Pernam-
bucana: a região de Timbaúba. Em 1957 lançou A geogra-
fia econômica e social do babaçu no Meio Norte.
© Anexo 119

• A abertura de grandes rodovias que facilitaram a pene-


tração do capital e a destruição das populações autócto-
nes e dos recursos naturais: é de 1967 a obra A rodovia
Belém-Brasília; em 1979 escreveu, em conjunto com ou-
tros autores, A organização do espaço na faixa da Transa-
mazônica.
• A defesa da Amazônia tanto do ponto de vista político
como ecológico: em 1980 publicou O problema florestal
da Amazônia brasileira e, em 1989, Grande Carajás: pla-
nejamento da destruição.
Pela análise de suas obras, fica claro que Valverde fez uma
Geografia militante, combatente, e, por essas razões, comprome-
tida com a solução dos problemas do país e da qualidade de vida
de sua população.

3. HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL

Preliminares (1500-1530)

O meio geográfico
Com o objetivo de apresentar o cenário onde "se desenrola
a história" que a obra pretende analisar, o autor tece comentários,
em poucas páginas, sobre o que ele chamou de "meio geográfico".
Além disso, ele apresenta as características físicas ou naturais que
os colonizadores europeus encontraram nas terras que a posterio-
ri constituiriam o território brasileiro.
Para o autor, as condições naturais da área costeira (litoral)
do Brasil não favorecem a aproximação humana e a comunicação
marítima, por ser regular e não-sinuosa; e, a oeste, a ocupação se
fez difícil pela existência dos agrestes e do impedimento erguido
pela Cordilheira dos Andes, fato que também não permite comu-
nicação com o oceano Pacífico.

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120 © História da Formação Territorial do Brasil

As terras férteis da faixa litorânea, devido às suas caracterís-


ticas propícias,
[...] prestam-se admiravelmente [...] à agricultura tropical que efeti-
vamente servirá de base econômica não somente da sua ocupação
pelos colonos europeus, mas de ponto de partida e irradiação da
colonização de todo o país (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 9).

É nessa área também – diferentemente do interior extenso


do Nordeste – que há aglomerações de povoamentos.
O planalto centro meridional, "o contrário do interior nor-
destino, [...] oferece esplêndidas condições naturais para o esta-
belecimento do homem. Além do clima temperado pela altitude,
solos férteis e bem regados por chuvas regulares e um sistema hi-
drográfico normal" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 10).
São os territórios (ou parte deles) dos estados de Minas Ge-
rais, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul que compõem o diversificado planal-
to centro-meridional. Suas diferenças na paisagem possibilitam,
segundo Prado Júnior (1965), uma divisão em três setores:
[...] um setentrional, de grande altitude (até mil metros e mais) e
relevo acidentado. Compreende-se aí, sobretudo, o Estado de Mi-
nas Gerais, cujo nome já indica sua função econômica essencial: a
mineração, do ouro e dos diamantes [...]. O setor meridional do pla-
nalto estende-se de São Paulo para o sul [...] [apresenta] um relevo
mais uniforme e unido que se reveste de uma sucessão de florestas
subtropicais e de campos naturais. No lugar daquelas, onde o solo
é mais fértil, instalou-se a agricultura [...], os campos se aproveitam
para a pecuária. A parte ocidental do planalto, onde ele descamba
para o Rio Paraguai, forma um setor, à parte, composto de um con-
junto de planícies herbosas e terrenos alagadiços. Localizado em
situação de difícil acesso; sem grandes recursos naturais, este se-
tor, esperará até o século XIX para ser efetivamente ocupado pela
colonização; será a pecuária sua principal e quase única atividade
econômica (p. 10-11).

Além das áreas litorâneas e do planalto centro-meridional, o


extremo norte do país faz parte das considerações do autor nessa
parte introdutória de sua análise. Para ele, essa área do país pos-
sibilitou a abertura para o seu interior por meio das navegações
© Anexo 121

fluviais. Nessas áreas, a penetração para o interior do continente


e seu desbravamento foi propiciada pelo delta do Amazonas. Con-
tudo, mesmo tendo acesso ao interior do que se tornaria o nor-
te do Brasil, os portugueses esbarraram no obstáculo da floresta
equatorial – densa e inundada. Tiveram, portanto, dificuldade de
avanços por ali e sua ocupação se deu, basicamente, às margens
dos rios e de maneira rarefeita.
Além dos aspectos naturais descritos anteriormente, os por-
tugueses encontraram nas terras que seriam posteriormente o
território brasileiro "ralas populações (indígenas) de nível cultural
muito baixo" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 12).

Caráter inicial e geral da formação econômica brasileira


Nessa segunda parte do capítulo preliminar, Caio Prado Jú-
nior apresenta aspectos importantes da colonização da América
– e, em especial, da brasileira – como ponto de partida para a com-
preensão da formação da economia brasileira.
A expansão ultramarina dos países europeus, especialmente
dos países ibéricos, inicia-se a partir do século 15, em consequên-
cia da necessidade de conhecer e comercializar com novas loca-
lidades. A rota comercial tradicional (por terra), até o século 14,
primava pelas áreas entre o Mar Mediterrâneo e o Mar do Norte;
com a alteração dessa rota para as áreas margeadas pelo litoral
(Inglaterra, Península Ibéricas etc.), houve uma nova ordenação do
comércio europeu: "O primeiro passo estava dado e a Europa dei-
xará de viver recolhida sobre si mesma para enfrentar o Oceano"
(PRADO JÚNIOR, 1965, p. 13).
Em razão de seus privilégios geográficos, os portugueses são
os pioneiros na conquista dos mares. Nesta empreitada por mer-
cados em que não houvesse concorrentes antigos, vão se aventu-
rando às margens do continente africano e descobrem as ilhas de
Cabo Verde, Açores e Madeira. Os portugueses mantinham rela-
ções comerciais com os mouros, que já dominavam as populações

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122 © História da Formação Territorial do Brasil

indígenas africanas. Entretanto, são os espanhóis que "descobri-


rão" a América, mas os portugueses são os próximos a conhecer o
novo mundo.
Para o autor, o que é chamado de "descobrimentos" revela
[...] um capítulo da história do comércio europeu. Tudo que se pas-
sa são incidentes da imensa empresa comercial a que se dedicam
os países da Europa a partir do século XV, e que alargará o hori-
zonte pelo Oceano afora. Não tem outro caráter a exploração da
costa africana e o descobrimento e a colonização das Ilhas pelos
portugueses, o roteiro das Índias, o descobrimento da América, a
exploração e a ocupação de seus vários setores (PRADO JÚNIOR,
1965, p. 14).

É sempre com intuito comercial que as empreitadas pelos


mares acontecem. À procura do caminho para as Índias, a América
pareceu um grande obstáculo, o qual devia ser contornado até que
pudesse se chegar ao Oriente. Portugueses, espanhóis, ingleses,
italianos, franceses estavam em busca da passagem para o Oriente
quando chegam à América. É nesta conjuntura que essas terras
novas são descobertas, o que explica, afinal, o fato de que a sua
ocupação não era a intenção inicial.
A ideia de "colonizar" mantinha-se como aquilo que os in-
gleses e holandeses fizeram no norte da Europa; os portugueses,
na Índia e na África; os italianos, no Mediterrâneo; ou seja, esta-
beleciam feitorias comerciais. Na América, a existência de poucas
populações indígenas, tendo estas pouco a oferecer aos europeus,
impossibilita a "colonização" praticada até então. Com essas con-
dições, é preciso povoar; e Portugal é também pioneiro neste se-
tor – primeiramente nas Ilhas do Atlântico – e repetirá o feito na
América.
Pelas características específicas da América, com "territórios
quase desertos e primitivos" (p.16), os gêneros exploráveis pare-
ciam, a princípio, somente os produtos provenientes diretamente
da natureza. Foi o que ocorreu com a extração do pau-brasil nas
áreas que formarão, a posteriori, o Brasil e com o ouro e a prata no
México e no Peru, entre outros.
© Anexo 123

Depois, a agricultura se estabelece em substituição ao extra-


tivismo e às atividades de pesca e caça (peles) como uma atividade
mais estável e mais abrangente.
O autor diferencia a ocupação da América da seguinte forma:
a América temperada é destino de europeus ávidos por refugiar-se
de uma Europa mergulhada em conflitos político-religiosos; eles
encontram nessas áreas características físicas mais assemelhadas
às do continente europeu. Tal ocupação não tem, portanto, inten-
ções puramente comerciais. Diferentemente disso, as áreas sub-
tropicais e tropicais do continente americano repeliam os colonos
por suas características físicas extremamente diferentes de seu lo-
cal de origem. Contudo, é exatamente essa grande diferença que
torna a América atrativa aos colonos, pois ela poderia proporcio-
nar artigos raros na Europa, como, por exemplo, o açúcar e o taba-
co (além de outros que virão a seguir, como o arroz e o algodão). A
América tropical parecia esperar apenas o empenho e o trabalho
do homem. Entretanto, não serão os colonos que despenderão
seu trabalho; os colonos europeus ocupam tais áreas na condição
de dirigentes da produção ou de grandes proprietários rurais.
Apresenta-se, assim, uma peculiar diferença entre os colo-
nos: aqueles com destino à América tropical só o fazem espon-
taneamente em condição de dirigente. Observa-se, portanto, o
reforço da discriminação – entre o europeu que trabalha e aquele
que dirige -; tal caráter define a exploração agrária nos trópicos.
A condição de exploração dos trabalhadores europeus em
terras americanas, que o autor denomina "escravidão temporá-
ria", é totalmente substituída, no século 17, pela importação dos
escravos negros africanos.
Nas terras que formariam o Brasil, sequer cogitou-se o tra-
balho do homem branco. Portugal e Espanha, que detinham o po-
der sobre a maior parte das terras brasileiras, não tinham brancos
disponíveis ou em condições de emigrar à América. Além do mais,
Portugal fazia uso da mão de obra escrava de maneira crescente,

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124 © História da Formação Territorial do Brasil

primeiro dos mouros e prisioneiros da dominação árabe, seguidos


dos negros africanos. Segundo o autor, "[...] os portugueses tinham
sido os precursores desta feição particular do mundo moderno: a
escravidão de negros africanos; e dominavam os territórios que os
forneciam" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 22).
Em suma, o autor aponta as diferenças cruciais do rumo dado
à colonização das colônias tropicais e das colônias temperadas, es-
tas voltadas à formação de uma sociedade que reconstituísse no
novo mundo aspectos da vida europeia; enquanto aquelas, preo-
cupadas, sobretudo, com as atividades mercantis e aproveitando-
-se do trabalho das raças subjugadas – indígenas e negros.
A colonização dos trópicos orienta-se a explorar os recursos
naturais das colônias, com o objetivo de abastecer o comércio eu-
ropeu. Como conclui o autor:
É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil
é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais,
tanto no social como no econômico, da formação e evolução histó-
rica dos trópicos americanos (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 23).

Primeiras atividades: a extração do pau-brasil


As terras que fariam parte do Brasil não davam sinais de
boas perspectivas ao comércio europeu. Contudo, espalhado pela
costa brasileira, observou-se um vegetal relativamente abundan-
te: o pau-brasil. Esse vegetal pareceu-lhes uma boa oportunidade
comercial.
O seu extrativismo exigia nomadismo por parte dos portu-
gueses e franceses para encontrarem mais quantidade. Essa exi-
gência não permitiu a fixação dos europeus na costa brasileira e a
exploração só foi possível graças ao trabalho indígena de cortar e
carregar a madeira em troca de quinquilharias (miçangas, tecidos
etc.).
É importante ressaltar a diferença entre a política de explo-
ração do pau-brasil realizada por Portugal e pela França. Portugal
© Anexo 125

explorava as terras a ele concedidas pela Bula Papal; era a Coroa


Portuguesa a responsável pela empreitada. Enquanto a França ti-
nha uma política mais liberal e essa exploração nunca foi monopó-
lio real – inclusive não foi oficialmente incentivada pelas autorida-
des francesas.
Apesar de as explorações do pau-brasil continuarem até iní-
cio do século 19, elas passam a ser menos intensas e importantes
no comércio com a Europa. Não tarda muito para a decadência
desse negócio.

Ocupação efetiva (1530 – 1640)

Início da agricultura
Ao perceber que os franceses estavam tomando grandes
áreas de suas terras, Portugal trata de iniciar o processo de coloni-
zação efetiva, com povoamento de suas terras na América. Contu-
do, não havia interesse por parte de seu povo em habitar o Brasil;
até mesmo porque os negócios com a madeira já não iam bem.
São 12 os homens que ficarão interessados pelas terras da
colônia e receberão partes da costa brasileira: são as capitanias
(sob regime de posse de propriedade privada alodial e plena). Para
tal empreitada, os tais 12 portugueses angariaram ajuda junto à
Coroa Portuguesa e à Holanda.
As atividades agrícolas serão baseadas na cana-de-açúcar,
pois, além de ser um produto raro na Europa e, portanto, de gran-
de valor comercial, era sabido que as características naturais do
Brasil eram vantajosas para tal cultivo em praticamente toda sua
costa.
A grande propriedade de terra é uma exigência das circuns-
tâncias: do tipo de produto – a cana como, matéria-prima do açú-
car, exige grandes plantações –; e da intenção dos portugueses,
que desejavam vantagens principalmente econômicas, sem inten-

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126 © História da Formação Territorial do Brasil

ção de construir o novo mundo. E será esse modelo de posse de


terra que existirá nas colônias tropicais e subtropicais da América
(também por influência do clima).
Essa característica de propriedade de terras, conforme res-
salta Prado Júnior (1965, p. 34),
[...] será acompanhada no Brasil pela monocultura; os dois ele-
mentos são correlatos e derivam das mesmas causas. A agricultura
tropical tem por objetivo único a produção de certos gêneros de
grande valor comercial e por isso altamente lucrativo [...]. É fatal,
portanto que todos os esforços sejam canalizados para aquela pro-
dução; mesmo porque o sistema da grande propriedade trabalha-
da por mão-de-obra inferior, como é regra nos trópicos, e será o
caso no Brasil, não pode ser empregada numa exploração diversifi-
cada e de alto nível técnico.

Como o europeu não se subjugava ao trabalho braçal na


colônia, tampouco Portugal tinha condições demográficas de po-
voar a América. Assim, tentou-se manter o trabalho indígena na
agricultura como se tinha conseguido na exploração do pau-brasil.
No entanto, a benevolência dos indígenas só foi possível por um
tempo, já que eles não eram afeiçoados ao trabalho organizado,
sedentário e disciplinado da agricultura.
Tem-se, portanto, terreno fértil para o trabalho escravo de
indígenas. A escravidão na lavoura ocorre pela mesma razão em
todas as colônias tropicais da América: a necessidade de grande
contingente de mão de obra para os latifúndios monocultores,
como no caso do Brasil.
A caça aos índios permanecerá mesmo depois da proibição
de sua escravização. E as conquistas das terras do interior do Bra-
sil pelos bandeirantes acontecerão, principalmente, porque estes
avançam as fronteiras espanholas em perseguição e captura de
índios.
Mas, são os caros negros africanos, comercializados há muito
pelos portugueses (desde o século 15), que oferecerão o trabalho
desejado pelos colonos. Mais aptos ao trabalho da lavoura, eles
serão muito numerosos no Brasil a partir de meados do século 16.
© Anexo 127

Por mais de um século, o Brasil será o grande produtor mun-


dial de açúcar, proveniente de seus grandes engenhos movidos
pelo trabalho escravo negro, com destaque para as regiões da
Bahia e Pernambuco, e, em segundo plano, São Vicente (atual São
Paulo). Logo abaixo na escala de produção da colônia, cultiva-se
o tabaco, de grande aceitação na Europa, e usado no escambo de
escravos africanos.

Atividades acessórias
O caráter da economia da colônia, segundo Prado Júnior, é:
[...] fornecer ao comércio europeu alguns gêneros tropicais de
grande expressão econômica. É para isso que se constituiu. A nos-
sa economia se subordinará por isso inteiramente a tal fim, isto é,
organizará e funcionará para produzir e exportar aqueles gêneros
(1965, p. 33).

Simultaneamente à agricultura de larga escala, voltada à ex-


portação, existe a agricultura de subsistência, voltada a atender as
necessidades dos engenhos, dos pequenos centros urbanos. A agri-
cultura de subsistência, juntamente com a pecuária, ocupa lugar
secundário nos interesses dos donos de engenhos, que reservam
as melhores terras e grande parte dos investimentos na cultura da
cana. Existe, portanto, um grande problema de subnutrição – pela
falta de alimentos – nas áreas rurais e, principalmente, nas urbanas.
Esses fatos explicam os dois lados da colonização brasileira: "[...]
de um lado abastança, prosperidade e grande atividade econômi-
ca; doutro, a falta de satisfação da mais elementar necessidade da
grande massa da população: a fome" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 44).

Expansão da Colonização (1640 – 1770)

Novo Sistema político e administrativo da colônia


Nessa parte da obra, o autor trata de apresentar as caracte-
rísticas da colonização das regiões brasileiras: Centro-Sul, Nordes-
te e Amazônia.

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128 © História da Formação Territorial do Brasil

Entre 1580 e 1640, o reino português esteve unido ao es-


panhol; foi um momento complicado para Portugal, a quem só
restaram as posses da América (Brasil) e algumas da África – es-
pecialmente para fornecer os escravos para o Brasil. Mais do que
nunca, os portugueses tiram proveito das atividades econômicas
da colônia. A emigração de portugueses para a colônia é intensifi-
cada; eles estavam à procura de condições de vida que já não havia
em sua nação. Essa intensa emigração é grande responsável pelo
povoamento e ocupação das terras que formam o Brasil: "A ruína
de Portugal significara o desenvolvimento desmesurado do nosso
país" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 50).
Com isso, o controle sobre a colônia se intensifica; a partir do
século 18, as capitanias voltam aos domínios do reino português.
Registra-se a centralização do poder em benefício do poder régio,
enquanto há o detrimento do poder e autonomia locais, inclusive
com a proibição e controle severo de comércio entre a colônia e
outros países, com exceção feita àqueles que exerciam imposições
ao rei de Portugal. Com o fechamento das Câmaras locais, são no-
meados pelo rei juízes-de-fora do Brasil.
A era colonial é marcada por controle e restrições por parte
do Reino de Portugal às ações da colônia. Tinha-se como desejo, e
é isso que se efetiva, que a colônia fosse "[...] uma simples produ-
tora e fornecedora de gêneros úteis ao comércio metropolitano e
que se pudessem vender com grandes lucros nos mercados euro-
peus" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 55).

A mineração e a ocupação do Centro-Sul


Os metais preciosos são de interesse de Portugal desde
quando se sabe sobre as descobertas no México e Peru. E é no
final do século 17 que se encontram as jazidas auríferas de valor
considerável. O século 17 é, então, marcado pelo auge da explora-
ção econômica das minas auríferas.
Localizadas onde hoje é o Estado de Minas Gerais, todo o
© Anexo 129

controle da exploração do minério é encabeçado pela Coroa. Os


exploradores recebiam suas "datas" (nome das propriedades mi-
neradoras) de acordo com o número de escravos e eram obrigados
a pagar à Coroa um tributo sobre todo o ouro explorado; era o
chamado "quinto".
Praticamente desde meados do século 18, inicia-se a deca-
dência da mineração do ouro no Brasil. São duas as razões mais
importantes que explicam tal fato: a pobreza das concentrações
deste minério na colônia e a falta de conhecimento técnico para
explorá-lo. Justifica o autor:
O baixo nível intelectual da colônia, que não tem talvez paralelo
na América não cabe em nosso assunto; mas é preciso lembrá-lo
porque interfere aqui diretamente com a economia do país. Não
resta a menor dúvida que a ignorância dos colonos portugueses
sempre constituiu um óbice muito sério oposto ao desenvolvimen-
to de suas atividades econômicas; na mineração como em outras
também (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 62).

Com relação aos diamantes, o Brasil foi o grande produtor


moderno dessa pedra, tendo seu monopólio durante o século 18.
Porém, a decadência de sua exploração teve causas semelhantes
às do ouro, além de ter seu valor diminuído no mercado europeu.
A mineração do ouro e de diamantes é responsável pelo po-
voamento da região Centro-Sul da colônia; povoamento este es-
parso, com imensas terras desabitadas entre um e outro núcleo.
Tal característica persiste até o século 20 e é o principal ônus lega-
do pela mineração do século 18.
A ocupação do centro do território que virá a se tornar Brasil
acontece graças à mineração, e altera o eixo econômico da colô-
nia, o qual passa da economia açucareira da Bahia e Pernambuco
para a mineração no Centro-Sul. Fato esse que faz dessa região a
primeira em grau de importância da colônia, depois do auge da
atividade açucareira. Há, ainda, a transferência da capital de Sal-
vador para Rio de Janeiro e o desenvolvimento agrícola e pecuário
(Sul de Minas Gerais, São Paulo) para provimento do sustento dos
envolvidos na mineração nessas áreas.

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130 © História da Formação Territorial do Brasil

A pecuária e o progresso do povoamento no Nordeste


O autor passa rapidamente por esse assunto. Ele descreve o
povoamento do interior do Nordeste, que acontece, principalmen-
te, às margens dos rios São Francisco, Itapicuru e Parnaíba, sob
a base econômica da pecuária – de má qualidade, por sinal, em
razão das características semiáridas dessa região.

A colonização do vale amazônico e a colheita florestal


A ocupação da região do rio Amazonas se dá depois da me-
tade do século 17; seus precursores são os jesuítas e os carmelitas
– que não deixam claro até que ponto sua missão era puramente
religiosa nessas áreas. Os colonos chegam atrás dos missionários
e, como estes já haviam tecido boas relações com os indígenas,
os colonos têm caminhos facilitados para usar dos conhecimentos
indígenas e de sua força de trabalho (semiassalariados quase ser-
vis) para as empreitadas de pesca e caça nas áreas alagadiças da
bacia hidrográfica do rio Amazonas e da densa floresta Amazônica.
Ou seja, a ocupação dessa área se dá via colheitas naturais e não
constitui uma colonização efetiva: "[...] a colonização amazônica
[é] muito mais uma aventura que a constituição de uma sociedade
estável e organizada" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 77).

Apogeu da Colônia (1770 – 1808)

Renascimento da agricultura
A partir de meados do século 18, veem-se o renascimento da
agricultura, com destaque para o cultivo de algodão, o retorno da
cana-de-açúcar e a tentativa frustrada do anil. Destaca-se, a pos-
teriori, a cultura do café. Lembrando que a agricultura brasileira
é totalmente voltada a atender às demandas europeias, ou seja,
voltada à exportação.
São a pecuária e a mineração que possibilitam o desbrava-
mento do interior, pois a agricultura (para exportação) tinha no
© Anexo 131

litoral as características naturais mais propícias aos diferentes cul-


tivos. A proximidade aos portos era outra característica fundamen-
tal para a exportação.
Além do Pacto Colonial, o desenvolvimento da população
europeia e o prenúncio da Revolução Industrial dão força à agri-
cultura da colônia pela perspectiva do aumento do mercado con-
sumidor para os produtos ali cultivados.
É o algodão, produzido em larga escala, o precursor desse
momento de renascimento da agricultura brasileira, o qual se es-
tendeu por todo o território brasileiro. As regiões que mais se des-
tacam nessa produção são Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de
Janeiro e Minas Gerais. Contudo, o aumento da produção no norte
da América, a queda do preço no mercado internacional e o fato
da colônia não acompanhar o avanço das técnicas de produção
fazem com que, no início do século 19, o algodão perca o brilho
entre os produtos cultivados no Brasil.
O açúcar volta a destacar-se na Bahia, Pernambuco e Rio de
Janeiro, além de alavancar a economia de São Paulo.
A restauração e o progresso agrícola de São Paulo aconte-
cem, excepcionalmente, no planalto, fugindo à regra das lavouras
na faixa litorânea de todo Brasil.
É necessário esclarecer que as técnicas agrícolas, desde a
colonização, são as mesmas, baseadas, principalmente, no esgota-
mento de cada região usada para a lavoura e a queimada de outro
pedaço de terra. A fonte de energia utilizada nos engenhos era a
lenha; quando faltava em um lugar, procurava-se em outro.
Tais razões explicam, no fim do século 18, a queda da produ-
tividade da agricultura brasileira e a exaustão dos terrenos férteis.
Desse modo, o autor conclui que:
[...] é em condições precárias, apesar do bafejo providencial de
conjunturas favoráveis, que a economia brasileira entra no século
XIX; século em que a liberdade e a livre concorrência a poriam, em

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132 © História da Formação Territorial do Brasil

campo aberto, em face de adversários infinitamente mais bem apa-


relhados. A sua derrota era inevitável [...] (PRADO JÚNIOR, 1965,
p. 94).

Incorporação do Rio Grande do Sul: estabelecimento da pecuária


O território do atual estado do Rio Grande do Sul é brava-
mente disputado, depois da restauração do Reino de Portugal,
entre portugueses e espanhóis. É no princípio do século 18 que
se estabelece a fronteira meridional da colônia brasileira, com a
incorporação do território do Rio Grande do Sul.
Esse pedaço da colônia tem como base econômica a pecuá-
ria – já que não conta com as características naturais necessárias
para as grandes lavouras tropicais. A pecuária desenvolve-se mui-
to bem, com a rápida multiplicação dos animais.
Como era interesse de Portugal não perder tais terras para
os espanhóis, que ainda contestavam o domínio dessa área, houve
vários incentivos para atrair os colonos para essas localidades: o
Estado se responsabilizaria pelo transporte; as terras seriam de-
marcadas em pequenas parcelas; haveria fornecimento de ins-
trumentos, sementes e animais para o trabalho etc. Os colonos
escalados para povoar essa região são trazidos do Açores e vem
com suas respectivas família – o autor destaca a singularidade da
colonização dessa região, praticamente sem diferenciações sociais
ou raciais, sem uso do trabalho escravo, o que destoava das carac-
terísticas da colonização do restante da colônia.
Até o fim do século 18, é de exportação de couro que se ba-
seia a região. Aos poucos, o charque toma espaço e, em 1793, já é
grande o destaque das exportações na colônia.

Súmula geral econômica no fim da era colonial


Esse capítulo trata de condensar a era colonial brasileira.
Assim, o autor afirma que:
© Anexo 133

Não se chegara a constituir na era colonial uma economia propria-


mente nacional, isto é, um sistema organizado de produção e distri-
buição de recursos para a subsistência material da população nela
aplicada [...] (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 104).

O traço principal da economia colonial brasileira é o fato de


as atividades estarem destinadas a atender o interesse dos euro-
peus no comércio internacional.
Ele ainda esclarece que "[...] a colonização ocupava, então,
de uma forma efetiva, apenas uma pequena parte do território
que politicamente constituía o país" (PRADO JÚNIOR, 1965, p.
103). Os núcleos de povoamento se concentram mais no litoral: do
Rio Amazonas até o Rio Grande do Sul, porém de maneira esparsa.
Destacam-se, também, alguns núcleos em torno de Pernambuco,
Bahia e Rio de Janeiro.
Prado Júnior considera o fim da era colonial brasileira o mo-
mento da chegada do rei de Portugal e sua corte, em 1808, no Rio
de Janeiro. É, portanto, até esse momento que o autor analisa no
capítulo.
Faremos, contudo, apontamentos sobre as questões reto-
madas pelo autor nesse capítulo.
• Indústrias extrativas: consistem, basicamente, na explo-
ração direta da natureza. Entre os gêneros explorados
estão: ouro, diamantes, produtos da Amazônia, madeira,
pesca de baleia, sal, salitre e erva-mate.
• Artes e manufaturas: ocupam lugar secundário, mas de-
vem ter destaque por conter características próprias. Des-
taque para: olarias, caieiras, curtumes, cordoarias, têxteis
e ferro.
• Transportes e comunicações: por conta de características
naturais – o relevo acidentado, o litoral pouco endentado,
as muitas florestas impenetráveis, os rios de traçados difí-
ceis – os transportes e as comunicações no Brasil são, nes-
se momento, complicados e morosos, formados por vias

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134 © História da Formação Territorial do Brasil

fragmentadas. Por razões já esclarecidas anteriormente,


o desenvolvimento das comunicações acompanha o sen-
tido do povoamento: do litoral ao interior. Verifica-se uma
concentração no transporte por terra em detrimento do
transporte por via fluvial. (Na página 113 do livro, encon-
tra-se um esquema cartográfico com informações sobre
tais vias de transporte).
• Comércio: a análise desse ponto é sintetizada da seguinte
forma:
[...] deriva imediatamente do próprio caráter da colonização, orga-
nizada como ela está na base da produção de gêneros tropicais e
metais preciosos para o fornecimento do mercado internacional. É
a exportação destes gêneros, pois, que constituirá o elemento es-
sencial das atividades comerciais da colônia (PRADO JÚNIOR, 1965,
p. 116).

A Era do Liberalismo (1808 – 1850)

Libertação econômica
A partir da metade do século 18, a situação das metrópoles
ibéricas muda. O Pacto Colonial entra em declínio nos domínios
coloniais ibéricos (Portugal e Espanha) e o capitalismo industrial
surge, tomando o lugar do antigo capitalismo comercial. Começa,
então, a desaparecer o artesanato, a produção do pequeno produ-
tor direto ao seu consumidor e iniciam-se as grandes produções
manufatureiras, com grande número de trabalhadores assalaria-
dos, sob a gerência de um patrão dono do capital.
No contexto em que se inicia o capitalismo industrial, não há
interesse no Pacto Colonial – meramente comercial. É de interesse
da Europa, então, conseguir acessar os mais diferentes mercados
internacionais de forma livre, com o maior intercâmbio possível,
ou seja, sem as restrições impostas pelo Pacto (este, vale lembrar,
consistia na restrição comercial das colônias; estas só poderiam
comercializar com suas respectivas metrópoles).
© Anexo 135

A independência das colônias americanas está fortemente


atrelada à situação de desagregação dos impérios ibéricos que não
conseguem acompanhar as exigências da nova conjuntura econô-
mica imposta pela criação da indústria.
A presença do poderio inglês no Brasil, concedido pelo rei de
Portugal em troca de permanecer com sua coroa e título, é fator
determinante para a futura independência do Brasil. À Inglaterra
interessava o livre comércio com o Brasil, pois era sua primeira
beneficiária.
A situação interna da colônia brasileira também não conse-
guiria manter por muito tempo a vinculação com sua metrópo-
le – a qual, por sua vez, estava empobrecida e sem condições de
instrumentalizar uma reforma econômica aqui. São essas transfor-
mações, juntamente com as pressões sofridas por Portugal pela
Inglaterra, que farão não tardar a eclosão de um movimento por
autonomia nacional da, até então, colônia.

Efeitos da libertação
Esse momento presencia um progresso econômico geral do
país. Entretanto, de 1821 a 1860 a balança comercial brasileira se
desequilibra e tem, ao final deste período, um déficit muito gran-
de.
Segundo Prado Júnior,
O déficit será saldado pelo afluxo de capitais estrangeiros, sobre-
tudo empréstimos públicos, que efetivamente começam a encami-
nhar-se para o Brasil desde que o país é franqueado ao exterior [...]
(1965, p. 136).

Não há ainda, portanto, a possibilidade de uma estabilidade


monetária; o dinheiro se desvaloriza ao passo que o ouro desapa-
rece de circulação.
A incipiente indústria brasileira não tem condições de com-
petir, igualmente, com as mercadorias estrangeiras – que se tor-
nam mais baratas e melhores –; as importações permanecem em

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136 © História da Formação Territorial do Brasil

crescimento e as exportações brasileiras sobrevivem, basicamen-


te, daqueles produtos legados pelos três séculos de colonização.
Os ingleses tornam-se os árbitros da vida econômica do país,
instalando empresas privadas no Brasil e fornecendo empréstimos
públicos que terão grande importância no desenvolvimento eco-
nômico do país.
O autor ressalta que:
O Brasil viverá um déficit orçamentário forçoso e permanente. Des-
de a transferência da corte em 1808, pelos anos afora, as contas pú-
blicas se saldarão cada ano, quase sem exceção, em débito (PRADO
JÚNIOR, 1965, p. 142).

As razões para essa situação econômica são muitas: entre


elas, o elevado gasto público com os parasitas que acompanharam
o soberano de Portugal à colônia; o deslumbre das populações
com o luxo e conforto trazidos pelas relações com o exterior etc.
Em resumo,
[...] o que se verifica é que a transferência da corte portuguesa para
o Rio de Janeiro, a nova política por ela aqui inaugurada e a sub-
seqüente emancipação da colônia, assinalam uma nova fase bem
caracterizada em nossa evolução econômica. Embora se conserve
a estrutura anterior e fundamental que presidiu à formação e evo-
lução colonial brasileira (isto é, um organismo econômico primário,
destinado a produzir alguns gêneros tropicais para o comércio in-
ternacional), entramos então nitidamente num período diferente
do anterior (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 142-143).

A evolução dos ocorridos estará baseada na contradição da


conservação de características herdadas do colonialismo e a ne-
cessidade de uma nação livre e emancipada politicamente.

Crise do regime servil e abolição do tráfico


O trabalho servil passa por uma crise que indica seu iminente
fim. Contudo, os escravos africanos não lutam por essa causa – por
razões tais como: a presença de diferentes etnias trazidas da África,
inclusive etnias hostis entre si; pelo fracionamento das remessadas
trazidas em diferentes momentos para o Brasil, entre outras.
© Anexo 137

Esse tipo de trabalho não é mais, teoricamente, aceito pelo


senso comum. Ele contradiz as novas aspirações do Império, por
ser marca do sistema colonial. Como explica o autor:
A contradição estrutural que representa a escravidão para a jo-
vem nação recém-libertada do regime colonial se tornará patente
quando se trata de organizá-la politicamente em Estado autônomo
(PRADO JÚNIOR, 1965, p. 147).

Além disso, a escravidão brasileira é fortemente atingida


pela oposição internacional ao tráfico de escravos. É a Inglaterra
que, por anos a fio, tenta, via acordos internacionais, extinguir o
tráfico de escravos.
No Brasil, em 1834, a situação ainda é contraditória:
O tráfico, embora condenado pela lei e pela opinião confessada de
todo mundo (já ninguém mais ousava defendê-lo), se mantinha
como dantes, protegido pela tolerância das autoridades e da gene-
ralidade do país (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 153).

Os últimos desembarques de escravos africanos no Brasil,


embora já clandestinos, datam de 1855, em Pernambuco, e de
1856, em Espírito Santo, respectivamente.
Com a abolição do tráfico de escravos encerra-se a fase de tran-
sição que se estende desde a transferência da corte portuguesa
para o Brasil em 1808. Ela será o último toque desta série de re-
formas consideráveis que se sucedem desde aquele momento e
que modificariam tão profundamente o país tornando-o de colônia
inteiramente submetida ao exclusivismo mercantil da metrópole
portuguesa, em Estado soberano aberto à livre concorrência inter-
nacional (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 156).

O Império Escravocrata e a Aurora Burguesa (1850 – 1889)

Evolução agrícola
O autor elucida duas transformações ocorridas na área agrí-
cola: a decadência das lavouras tradicionais, ao passo em que há
desenvolvimento da cafeicultura, e o "[...] deslocamento da prima-
zia econômica das velhas regiões agrícolas do Norte para as mais
recentes do Centro-Sul" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 165). A partir da

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138 © História da Formação Territorial do Brasil

metade do século 19, o Centro-Sul vai progressivamente tomando


a dianteira nas atividades econômicas do país.
É a partir do século 18 que o café começa a ter importância
no mercado internacional, sendo artigo de luxo no Ocidente – fato
que estimula sua produção na América e na Ásia. Os Estados Uni-
dos, autônomos desde 1786, pregando liberdade e afastamento
da Europa, passam a ser compradores do café brasileiro.
A cultura do café no Brasil destaca-se em Rio de Janeiro, São
Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.
Essa atividade econômica constitui a terceira aristocracia
do país: depois dos senhores de engenho e dos mineradores, os
fazendeiros de café tornam-se a elite brasileira responsável pela
ascensão, desenvolvimento e fortalecimento político do estado de
São Paulo.

Novo equilíbrio econômico


A partir de 1860, o Brasil vive um momento de restauração
de sua economia, com superávit na balança comercial, devido ao
volume, sempre crescente, de exportação do café. Tal fato permi-
tiu uma melhoria na condição de vida da população e, também, o
investimento para melhorias técnicas tanto nas áreas rurais como
nas manufaturas.
É também um momento em que o país receberá "[...] afluxos
de capitais estrangeiros (o que permitirá) equilibrarem as finanças
externas sem sacrifícios das importações [...]" (PRADO JÚNIOR,
1965, p. 174). A não existência de importações de escravos tam-
bém contribui para desafogar as dívidas do Brasil.

A decadência do trabalho servil e sua abolição


Apenas a partir de 1850, com a repressão do tráfico de escra-
vos, o debate aberto sobre a escravidão inicia-se no Brasil.
© Anexo 139

A falta de escravos é sentida, principalmente, na lavoura. Fal-


tam trabalhadores e começa a migração de escravos do Norte para
o Centro-Sul do país para atender a demanda por trabalho no café.
Houve uma tentativa de manter, ao mesmo tempo, traba-
lhadores europeus livres e escravos nas lavouras de café; contudo,
percebe-se que eram formas de trabalho incompatíveis, o que au-
menta o descrédito na escravidão.
Não se empregam, nas indústrias manufatureiras, o trabalho
servil; em outros países já havia sido demonstrada sua ineficiência.
Brasil e Cuba, depois da abolição da escravidão nos Estados
Unidos, em 1865, passam a ser os únicos países a conceber este
tipo de trabalho no lado ocidental do mundo; sofrem, portanto,
hostilidade de outros países. E vem da França um pedido de recon-
sideração sobre esse tipo de trabalho.
Em 1871, o país institui a Lei do Ventre Livre, em que se de-
clara liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir da data da
lei. Mas, isso pouco influencia o movimento a favor da abolição.
Pelo contrário, "[...] bloqueou muito mais que favoreceu a evolu-
ção do problema escravista no Brasil" (PRADO JÚNIOR, 1965, p.
184).
Somente a partir de 1880, com os problemas resultantes da
proibição do tráfico de escravos (como a falta de mão de obra para
a lavoura), a questão começa realmente a ganhar espaço nas de-
cisões políticas.
Depois de 1885, grupos organizados e agitos populares em
geral, fazem com que a abolição irrestrita e verdadeira seja a or-
dem do dia. A partir daí, os escravos também começam a agir,
abandonando a disciplina das senzalas.
É assim que, em março de 1888,
[...] cai o último governo escravocrata do Brasil; dois meses depois,
a Assembléia Geral, abrindo suas sessões, vota em poucos dias,
com uma quase unanimidade, a lei de 13 de maio que de uma pe-
nada punha termo à escravidão no Brasil (PRADO JÚNIOR, 1965,
p. 186).

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140 © História da Formação Territorial do Brasil

Imigração e colonização
Com o burburinho sobre a questão da escravidão, por volta
de 1840,
[...] reativa-se a política de povoamento, e a par das colônias ofi-
ciais, ou mesmo particulares, mas organizadas segundo o sistema
tradicional que consistia em distribuir aos colonos pequenos lotes
de terra agrupados em núcleos autônomos, aparece um novo tipo
de colonização: fixação dos colonos nas próprias fazendas e gran-
des lavouras trabalhando como subordinados e num regime de
parceria (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 190).

Surge, então, o problema da falta de mão de obra.


As correntes migratórias são mais fortes no Centro-Sul do
Brasil e praticamente nulas no Norte. Nesse momento, os traba-
lhadores já são assalariados livres e não mais parceiros.
"A presença do trabalhador livre, quando deixa de ser uma
exceção, torna-se forte elemento de dissolução do sistema escra-
vista" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 195).

Síntese da evolução econômica do Império


A primeira metade do século 19 é de transformação e ajusta-
mento por conta da emancipação da colônia de sua metrópole. É,
portanto, a partir de meados desse mesmo século que o Brasil vive
suas grandes transformações econômicas até então vivenciadas.
A guerra travada contra o país vizinho, Paraguai, custará caro
ao Brasil, que encerrará o período do Império sem se reequilibrar.
Entretanto, entre 1870 e 1880, o Brasil viverá um crescimen-
to material importante, com "[...] diferentes empreendimentos
industriais, comerciais e, sobretudo, agrícolas [que] continuam a
se multiplicar em ritmo crescente [...]" (PRADO JÚNIOR, 1965, p.
199).
Existe um movimento de sincronização da economia do Bra-
sil com a economia mundial capitalista: surgem bancos, segurado-
ras, empresas financeiras com negócios na bolsa de valores etc. O
© Anexo 141

Império, segundo o autor, cumpre uma importante etapa da eco-


nomia do país.
Caio Prado detalha, em poucas palavras, o desenvolvimento
da indústria, dos transportes e das redes telegráficas legadas pelo
Império. Contudo, reafirma as características da base econômica
brasileira, ainda calcada na agricultura de exportação.
A fase do Império é de grande instabilidade financeira, no
entanto sua maior contradição será o trabalho, exatamente pela
transição do trabalho servil ao regime livre assalariado; o que cus-
tou alguns ajustes ao Império.
Sobre a ocupação do território, o autor destaca a progressiva
ocupação do Centro-Sul e o grande vácuo deixado nos povoados
de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, principalmente.

A República Burguesa (1889 – 1930)

O apogeu de um sistema
Os anos que iniciam a República contam com o apogeu da
economia baseada na produção em larga escola de produtos tro-
picais destinados ao mercado externo.
Externamente, alguns fatores contribuem para essa ampla
perspectiva da economia, principalmente, o liberalismo econômi-
co que coloca todos os países em concorrência equitativa no mer-
cado internacional.
A conjuntura interna também é promissora: resolvida a
questão do trabalho (agora livre da escravidão) e a falta de mão
de obra, com a vinda subvencionada de europeus, alivia-se dos
grandes empecilhos para o desenvolvimento econômico do Brasil.
Os indivíduos passam a ter "necessidade" de enriquecer; a
política será usada para favorecimento próprio. Isso é algo nunca
visto no Império.

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142 © História da Formação Territorial do Brasil

Nenhum dos freios que a moral e a convenção do Império antepu-


nham ao espírito especulativo e de negócios subsistirá; a ambição
do lucro e do enriquecimento se consagrará como um alto valor
social (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 215).

Característica desse momento é também o grandioso surto


econômico verificado, principalmente, no comércio externo:
Ao café acrescentam-se, na lista dos grandes produtos exportáveis,
a borracha, que chegará quase emparelhar-se a ele, o cacau, o
mate, o fumo. O Brasil se tornará neste momento um dos grandes
produtores mundiais de matérias-primas e gêneros tropicais (PRA-
DO JÚNIOR, 1965, p. 216).

A economia dependente das exportações de alguns gêneros


específicos, como os descritos anteriormente, torna-se frágil e ins-
tável. Os primeiros anos do século já trazem complicações para
a cafeicultura, tais como: superprodução, queda de preços, difi-
culdade de escoamento normal da produção. A crise da borracha
é ainda mais séria, pois é excluída do mercado internacional em
favorecimento da comercialização desse gênero com o Oriente.
O trabalho assalariado é, então, a contradição maior na eco-
nomia brasileira e apresenta, nessa conjuntura, uma instabilidade
na mão de obra ainda não conhecida por aqui. Enquanto os es-
cravos eram obrigados a aceitar todas as condições impostas por
seus donos, os trabalhadores livres, principalmente os europeus,
podiam, a qualquer momento, deixar de trabalhar para este ou
aquele fazendeiro, fato que comprometia o desenvolvimento da
lavoura. Esses trabalhadores têm também a possibilidade de re-
tornar ao seu país.
São as novas determinações impostas pelo trabalho livre
que provocam as mudanças na economia que culminarão na crise
de transição para a República.
Vê-se, assim, que muitos são os fatores que interagem e aca-
bam por desintegrar o sistema econômico brasileiro baseado no
latifúndio agrário com produção extensiva de alguns produtos ex-
portáveis para o mercado internacional.
© Anexo 143

A crise de transição
Os anos iniciais da República representam anos de sérios
problemas com as finanças; principalmente pela relativa escassez
de moedas – não há um sistema organizado de emissões que man-
tenha o equilíbrio monetário com as necessidades financeiras.
Porém,
[...] são dois os fatores – a situação folgada do comércio interna-
cional e o reforçamento das inversões de capital estrangeiro – que
permitirão ao Brasil equilibrar sua vida financeira e consolidar sua
posição econômica. Este será o traço característico do período, bri-
lhante para a nossa história econômica que se abre com o século
atual (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 228).

Note que, com a expressão "século atual", o autor refere-se


ao século 20. O autor salienta que a difícil e tormentosa transição
do Império para esse momento de restauração nada mais significa
que uma crise em prol do crescimento. São as imposições mun-
diais da nova ordem que chega ao Brasil no final do século 19.

Expansão e crise da produção agrária


O autor debruça-se sobre o estudo de cada gênero agrícola:
o café, a borracha, o cacau, o açúcar.
• A crise do café (resumidamente): de todos os produtos
brasileiros modernos, o café é o de maior visibilidade.
Desde o Império desenvolve-se em ritmo crescente e
torna-se uma das melhores e principais atividades econô-
micas do país. Contudo, com o craque da Bolsa de Nova
Iorque, em 1929, as atividades brasileiras com o café no
comércio internacional não suportam o abalo. Os preços
do café não são mais suficientes para superar os gastos
dos lavradores. Rui-se o império do café.
• A crise da borracha: a borracha brasileira, extraída primi-
tivamente da Amazônia, passa a concorrer com produções
de países com tecnologia mais avançada, como é o caso
de Inglaterra, França e Holanda. Outro fator complicador

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144 © História da Formação Territorial do Brasil

pauta-se no fato de o Brasil ser unicamente produtor da


matéria-prima, não dominando toda a economia que en-
volvia a produção da borracha. Portanto, a concorrência
torna-se cada vez mais acirrada e a produção brasileira
perde seu espaço.
• A crise do cacau: auge do cacau acontece no século 19,
quando do progresso da indústria do chocolate na Euro-
pa e nos Estados Unidos. Entretanto, o cacau, produzido
principalmente no Nordeste brasileiro, encontra na costa
da África (Costa do Ouro – colônia inglesa) sua concorren-
te fatal. O Brasil ainda permanece em segundo lugar nas
exportações mundiais, contudo não se abre ao cacau a
possibilidade próspera que teve, por exemplo, o café.
• A crise do açúcar: a produção de açúcar, nesse momento,
já perdeu seu mercado externo e tentará sobreviver, por
compensação, da demanda do mercado interno – prin-
cipalmente porque aquelas regiões, a exemplo de São
Paulo, que eram suas concorrentes internas, estão, no
momento, direcionando suas atividades econômicas para
outros gêneros. Entretanto, com a crise do café, São Paulo
passa a produzir açúcar e se torna autossuficiente; é a ca-
tástrofe para as regiões açucareiras do Nordeste do Brasil.
Logo depois, assistirão a concentração da produção açu-
careira nos domínios das usinas.

Pequena propriedade
Fato muito importante da era moderna brasileira é o retalha-
mento da propriedade fundiária. Contudo, esse processo não está
a salvo de complicações. Fato é que as propriedades que sofrem
o retalhamento são aquelas mais empobrecidas pela exaustão do
solo em razão das grandes monoculturas. Além disso, o homem
que deve conduzir essa nova forma de economia – lembrando
que, até o dado momento, a economia baseia-se na produção em
© Anexo 145

larga escala dos latifúndios – é o homem egresso do trabalho ser-


vil, sem tradição camponesa.

A industrialização
O maior empecilho para o desenvolvimento da indústria mo-
derna no Brasil é a falta de mercados consumidores. Entretanto,
a presença de uma numerosa população de homens livres à mar-
gem das produções agrícolas serve de mão de obra barata à indús-
tria nascente.
É o estado de São Paulo que se destaca, principalmente por-
que o café atraiu população e riquezas para tal região, e a mão de
obra local é formada por trabalhadores europeus mais instruídos
tecnicamente que os ex-escravos locais.
A Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) traz condições fa-
voráveis à indústria brasileira, pois os países diretamente envol-
vidos passam de fornecedores a consumidores de produtos do
Brasil.
O mercado interno passa a ser alimentado pela indústria na-
cional, dispensando, assim, importações correspondentes de arti-
gos estrangeiros.
A indústria toma relevo na economia do país e não pode
mais ser descartada sem grandes complicações para a estabilidade
econômica do Brasil.

O Imperialismo
Nesse pequeno trecho da obra, o autor aprofunda a análise
da intervenção do capital estrangeiro durante toda a história da
economia do país. Destaca-se, portanto, apenas o ponto principal:
a formação do país, baseada em uma economia de exportação,
a qual apresenta, basicamente, características de uma economia
colonial e não nacional. Tal fato deixa o Brasil extremamente vul-
nerável a influências de penetrações de capitais estrangeiros.

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146 © História da Formação Territorial do Brasil

Conforme resume o autor:


A evolução do imperialismo no Brasil (como no resto do mundo)
é assim contraditória. Ao mesmo tempo em que estimulou as ati-
vidades e energias do país, e lhe forneceu elementos necessários
ao seu desenvolvimento econômico, foi acumulando um passivo
considerável e tornou cada vez mais perturbadora e onerosa a sua
ação (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 287).

A crise de um sistema (1930 – ?)

A crise de um sistema
Com a penetração do capital financeiro e o imperialismo no
Brasil, ocorrem novas necessidades e exigências que alteram as
questões econômicas brasileiras.
A contradição entre essas novas exigências e o modelo pro-
dutivo do Brasil (mero produtor de matérias-primas) torna-se es-
tridente.
O Brasil estava participando de novas condições mundiais;
tal fato torna impossível manter a base econômica existente no
país.
A produção cafeeira vinha sofrendo grandes entraves e as
soluções artificiais para eles não passam de medidas paliativas.
Também se reconhece o desgaste das outras atividades econômi-
cas – produtos naturais e culturas de menor importância, como o
cacau.
A seguir, um trecho do autor refere-se a esse singular mo-
mento da história da crise econômica do Brasil:
"Estes fatos comprovam que não era mais possível manter-
-se a economia brasileira e alimentar a vida do país dentro do seu
antigo sistema produtivo tradicional" (PRADO JÚNIOR, 1965, p.
292). Estava posto o princípio da decadência.
Germina um novo tipo de economia pautada, por sua vez,
no mercado interno, no consumo da população brasileira. O cres-
© Anexo 147

cimento da população, sua melhoria de vida e a libertação dos es-


cravos fazem aumentar o número de consumidores brasileiros.
Os avanços tecnológicos, de transporte e comunicações,
"[...] tornam acessíveis às grandes massas de consumidores os
mais variados artigos antes fora de seu alcance ou mesmo inexis-
tentes" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 293).
A produção interna, lentamente, dá conta de atender às
demandas internas de consumo, as importações diminuem. Todo
esse processo de desenvolvimento e transformação econômica
acentua-se depois de 1930.
Vê-se, então, o início das aglomerações urbanas em virtude
do progresso da indústria.
A crise mundial de 1929 torna instável a agenda financeira
do país. Os investimentos estrangeiros no Brasil diminuem con-
sideravelmente e as exportações também sofrem com a falta de
compradores. Há desvalorização da moeda nacional em relação à
libra-esterlina; o déficit se torna insanável.
A nacionalização da economia do país é acentuada, pois os
países que exportavam para o Brasil não estão em condições de
manter o ritmo de suas produções – em decorrência da crise de
1929.
Segundo o autor,
A grave crise que sofria seu sistema tradicional de fornecedor de
matérias-primas e gêneros tropicais resultava no progresso de sua
nova economia voltada para necessidades próprias (PRADO JÚ-
NIOR, 1965, p. 296).

Por conta do desequilíbrio na balança comercial brasileira, as


dívidas com os credores estrangeiros aumentam e o país deixa de
cumprir suas obrigações.
São essas circunstâncias que obrigam o país a
[...] refazer-se sobre outras bases, deixar de ser um simples for-
necedor do comércio e dos mercados internacionais, e tornar-se
efetivamente o que deve ser uma economia nacional, a saber, um

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148 © História da Formação Territorial do Brasil

sistema organizado de produção e distribuição dos recursos do país


para a satisfação das necessidades de sua população (PRADO JÚ-
NIOR, 1965, p. 301).

As raízes do passado colonial são forças antagônicas a esse


novo processo econômico que resultam em um
[...] crescimento industrial desordenado, desconexo, mal estrutura-
do e fundamentado [...] E por isso é ainda do jogo das contradições
entre o passado colonial que resiste e as forças de renovação que
impulsionam o país por novos rumos que resulta o processamento
de nossa evolução econômica (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 302-303).

A crise em marcha
A Segunda Guerra Mundial altera o rumo da vida de todos os
países do mundo, modificando a história da humanidade. Contu-
do, ela não altera a situação de transformação da economia que o
Brasil vinha sofrendo; a crise do sistema colonial acentua-se pro-
fundamente a partir desse momento.
Durante a guerra, e nos anos posteriores ao seu fim, há uma
grande demanda internacional por gêneros alimentícios e por ma-
térias-primas. O Brasil vê uma nova possibilidade de retomar seu
tradicional sistema econômico: exportar produtos primários. Essa
possibilidade de obter vantagens com o comércio já conhecido é
estimulada, principalmente, pelos altos preços de tais produtos no
mercado internacional em decorrência da situação pós-guerra.
Ao passo em que há aumento das exportações, o cenário
internacional não propicia a produção. Logo, as importações no
Brasil diminuem, já que os países europeus não se encontram em
situação de produzir para exportar.
Nesse momento, a grande contradição da economia brasi-
leira – tratada anteriormente – perde sua força, pois a balança co-
mercial se reequilibra com o aumento das exportações e declínio
das importações. A moeda brasileira também adquire estabilidade
no mercado cambial.
© Anexo 149

No entanto, as autoridades monetárias lançam mão de


emissões para aquisição de divisas dos saldos sem compradores
no mercado: esse é o ponto de partida do processo inflacionário a
que se assistirá adiante na história econômica do Brasil.
Semelhante ao do pós-Primeira Guerra Mundial, o mercado
interno brasileiro encontra-se privado do abastecimento de pro-
dutos importados e, forçosamente, tem aberta a grande perspec-
tiva para sua própria atividade industrial. Porém, esse é diferente
momento, porque as condições industriais do país são melhores e
a demanda do mercado interno é maior – o que não impede que
alguns produtos industriais sejam também exportados para África
do Sul, América Latina e Estados Unidos.
Portanto, apesar dos sacrifícios do país, a Segunda Guerra
Mundial traz à economia brasileira um equilíbrio momentâneo.
Por conta do encarecimento do custo de vida e do achata-
mento dos salários, verifica-se um forte aumento da exploração
dos trabalhos e consequente acumulação capitalista das classes
abastadas (ou "classes possuidoras", como se refere o autor).
As velhas contradições voltam a assombrar a vida econômi-
ca do país, demolindo o equilíbrio artificial que se viveu no pós-
-guerra.
As exportações, mesmo incentivadas, já não mais contraba-
lançam as importações; em 1947, o déficit da balança comercial
é considerável. E até 1949 só faz aumentar: "[...] em conseqüên-
cia da posição pesadamente deficitária de nossas contas externas,
acumulam-se no após guerra atrasos comerciais [...]" (PRADO JÚ-
NIOR, 1965, p. 310).
Em tal situação, a partir de 1948, o país recorre legalmen-
te ao controle das importações com um sistema de licença pré-
via para importações. Nesse contexto, setores essenciais para o
desenvolvimento do Brasil são atingidos e têm suas importações
também atingidas, como a expansão das estradas de ferro.

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150 © História da Formação Territorial do Brasil

Uma melhora se ensaia com a revalorização do café e a alta


dos preços de matérias-primas e gêneros alimentícios. Tal situação
coincide com o novo governo Vargas (1951), que aproveita para
fomentar a atividade industrial brasileira.
Abrem-se novamente as importações e acumulam-se esto-
ques de produtos em razão da previsão de uma nova guerra. Sobre
tais fatos, Caio Prado Júnior afirma:
[...] constituía tudo isso [...] um jogo muito perigoso, pois em vez
de aproveitar a ocasião para marchar no sentido de uma remode-
lação profunda e de base da economia brasileira, única maneira
de assegurar um desenvolvimento sólido e de reais perspectivas,
preferiu-se assentar o projetado desenvolvimento industrial nos
fundamentos precários de uma conjuntura apenas momentanea-
mente favorável e prenhe de incertezas (1965, p. 311).

Não houve um plano de desenvolvimento industrial com a


preocupação de aproveitar recursos disponíveis sem desperdícios.
Foram os estímulos imediatistas e especulativos que basearam as
distribuições de licenças para importações.
Boa era a intenção do desenvolvimento industrial, ruins fo-
ram os caminhos percorridos.
O déficit comercial acentua-se e acumulam-se atrasos nos
pagamentos. A expansão dos negócios e a desenfreada emissão
para saldar os gastos públicos inflacionam a economia brasileira,
iniciando um processo que acarretará sérios danos futuros à eco-
nomia do país.
A partir dos anos 1950, o governo retoma as restrições de
importações, visando a corrigir o desequilíbrio da balança, e li-
bera, ao mesmo tempo, o câmbio. Para o autor, isso é reflexo da
mentalidade colonialista das autoridades brasileiras.
Em 1953, o regime cambial é alterado e apenas as transa-
ções financeiras têm taxas livres. Em 1961, retorna-se à liberdade
cambial; o comércio exterior fica sujeito ao jogo livre do mercado.
© Anexo 151

Tais reformas culminam num desajuste econômico do país,


consequência da liberdade do comercio exterior: "[...] entregue
aos impulsos imediatistas da especulação mercantil e dos azares de
circunstâncias ocasionais contra uma débil e incipiente economia
como a nossa não logra se defender" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 315).
Um novo desequilíbrio assola o Brasil: em 1953, o café tem
seu valor aumentado no mercado por causa da estocagem dos Es-
tados Unidos, contudo, no ano seguinte, a procura por esse produ-
to diminui, ou seja, novamente a economia fica deficitária. Tal fato
compromete a importação dos equipamentos industriais necessá-
rios ao desenvolvimento da indústria do Brasil.
Lança-se mão, novamente, dos afluxos de capital estrangeiro
– o autor avalia que a melhor atitude seria poupar a economia do
país das instabilidades do comércio sem freio; como não foi o que
se viu, seu saldo será, no futuro, negativo.
Vantagens são oferecidas ao capital estrangeiro em prejuízo
da indústria nacional. Um exemplo disso é a não cobrança cambial
na entrada de equipamentos que correspondessem a inversões
estrangeiras. Vê-se, a partir de então, negativas associações entre
o capital nacional e o estrangeiro: "[...] são as empresas brasileiras
que se diluem dentro das grandes organizações financeiras inter-
nacionais" (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 318).
Assinala o autor que, em detrimento dos produtores inde-
pendentes, o cenário internacional do início do século 20 é mar-
cado pela organização dos monopólios e trustes – movimento
natural e espontâneo do capitalismo desse momento. São essas
organizações que se instalam no Brasil; portanto, não são coopera-
dores, tampouco impulsionadores do desenvolvimento econômi-
co brasileiro. Em vez disso, tornam-se obstáculos.
A economia brasileira fica, então, engessada pela ação dos
trustes; seus lucros, obviamente, são remetidos a seus países de
origem, inclusive por meio de importações, e a qualquer momento
podem se retirar do país.

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152 © História da Formação Territorial do Brasil

A participação da iniciativa estatal no desenvolvimento da


indústria brasileira é marcadamente acentuada na indústria de
base, como na siderurgia e na energia (petróleo).
Mas, a industrialização brasileira se conserva desordenada,
desconectada das necessidades fundamentais do país; atende,
preferencialmente, às circunstancias imediatas de consumo das
classes com elevado poder aquisitivo.
Para o autor, fatores naturais, agrários, técnicos do país, são
entraves ao progresso da indústria brasileira; ele cita como exem-
plo a questão das ferrovias, que serviam, basicamente, para esco-
ar a produção agrícola até os portos de exportação.
A raiz da economia brasileira é colonial; ou seja, é somente
nesse sentido, como foi aqui tratado, que se orientam as ações
econômicas brasileiras.
O autor finalmente conclui:
Alcançamos com isso o ponto nevrálgico da economia brasileira: a
estrutura agrária do país, responsável principal, sem dúvida, pelo
baixo nível e padrão econômico da população brasileira; e, portan-
to, entre outras conseqüências, das insuficiências quantitativas e
qualitativas do mercado interno do país (PRADO JÚNIOR, 1965, p.
333).

Sua obra finda com a descrição dos fatos ocorridos entre os


anos de 1940 e 1960 com a economia agrária do Brasil, apresen-
tando a expansão geográfica da ocupação rural. Com destaque
para regiões entre Espírito Santo e Minas Gerais; sul de Goiás; de
São Paulo ao sul; noroeste do Paraná e sul do Mato Grosso. Nada
de novidade, portanto. Verifica-se a manutenção dos métodos
tradicionais de agricultura itinerante até o momento histórico em
que a obra do autor é concluída (anos 1960).
Encontram-se, nas reminiscências do passado colonial brasi-
leiro, as raízes das dificuldades econômicas estudadas pelo autor
até a década de 1960, e que atingem a vida de todo o povo brasi-
leiro.
© Anexo 153

4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ANDRADE, M. C. de A. A questão do território no Brasil. São Paulo/Recife: Hucitec/
Ipespe, 1995.
PRADO JÚNIOR, C. História Econômica do Brasil. 9. ed. Brasiliense: São Paulo, 1965.
PRADO JÚNIOR, C. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1945.

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