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Como Se Faz Uma Tese ECO PDF
Como Se Faz Uma Tese ECO PDF
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EDITORA PERSPECTIVA
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Próximo lançamento
Uma Atriz: Cacilda Becker
Nanci Fernandes e Maria T. Vargas
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alimentam sua relação com alunos na sala de aula, ou a nutrir a
argúcia da sua inVestigação com as sugestões Que brotam do
quotidiano do professor. Em resumo, não se sabe a quem cabe a
estudos
precedência, ao pesquisador ou ao professor; porém Como se Faz estudos
estudos
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uma Tese é, sem sombra de dúvida, o relato da experiência de um
pesquisador traduzida, praticamente, nas· fórmulas didáticas de um
professor que conhece o ofício.'~
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Colcção Estudos
Dirigida por J. Guinsburg Umberto Eco
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Equipe de realização - Tradução: Gilson Cesar Cardoso de Souza; Revisão: Plinio
Martins Filho; Sobrecapa: Adriana Garcia; Produção: Ricardo W. NeveS.
Título do original italiano:
Como se fa una tesi di laurea Sumário
2. A ESCOLHA DO TEMA 7
2.1. Tese monográfica ou tese panorâmica? 7
14" edição 2.2. Tese histórica ou tese teórica . . . . . . 11
Reimpressão 2.3. Temas antigos ou temas contemporâneos? . . . 13
2.4. Quanto tempo é requerido para se fazer uma tese? 14
2.5. É necessário saber línguas estrangeiras? . . . . . . 17
2.6. Tese "científica" ou tese política? ........ . 20
2.6.1. Que é cientificidade?. . . . . ....... . 21
2.6.2. Temas histórico-teóricos ou experiências "quentes"? 25
2.6. 3 .. Como transfonnar um assunto de atualidade em tema
cientifico? ............. . 27
2. 7. Como evitar ser explorado pelo orient3:dor 33
3. A PESQUISA DO MATERIAL 35
3.1. A acessibilid:ade das fontes 3'5
3.1.1. Quais são as fontes de um trabalho cientifico? 35
Reservados todos os direitos para o Brasil à 3.1.2. Fontes de pn"meira e de segunda mão 39
EDITORA PERSPECTIVA S.A. 3.2. A pesquisa bibliográfica . . . . . . . . . . . . . 42
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025 3.2.1. Como usara bibh"oteca . . . . . . . . . ' 42
01401-000- São Paulo- SP- Brasil 3.2.2. Como abordar a bibliografia: o fichário 45
Telefone: (011) 885-8388 3. 2.3. A citação bibliográfica . . . . . . . . . 48
Fax: (011) 885-6878 TA~ELA 1 - _Resumo das Regras para a Citação Biblio-
1998 grafica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
TABELA 2 -Exemplo de Ficha Bibliográfica . . . . . . . . 61
SUMÁRIO VII
VI COMO SE FAZ UMA TESE
161
3.2.4. A biblioteca de Alessandria: uma experiência . 62 6. 2. A bibliografia final 163
TABELA 3 - Obras Gerais sobre. o Barroco Italiano Identi- 6.3. Os apêndices . . . 165
ficadas através do Exame de Três Elementos de Consulta . 69 6.4. O índice . . . . . 166
TABELA 22- Modelos de Índices
TABELA. 4 - Obras Particulares sobre. Tratadistas Italianos
do Século XVII Identificadas através do Exame de Três
Elementos de Consulta . . . . . . . . . .
3.2.5. E se for preciso ler livros? Em qué ordem?
70
77
I ;
o- ~. 7. CONCLUSÕES ............. .
169
outras~ ainda, há diversos níveis de doutorainento, que requerem Numa tese de compilação, o estudante apenas demonstra haver
trabalhos de diferente complexidade. . . Via de regra, porém, a tese compulsado criticamente a maior parte da "literatura" existente (isto
propriamente dita é reseiVada a uma espécie de supraformatura, o é, das publicações sobre aquele assunto) e ter sido capaz de expô-la
doutorado, procurado só por aqueles que desej3.IU aperfeiçoar~se e de modo claro, buscando harmonizar os vários pontos de vista e ofe-
especializai-se como pesquisadores científicos. Esse tipo de douto- recendo assim urna visão panorâmica inteligente, talvez útil sob o
rado possui vários nomes, mas doravante vamos referir-nos a ele com aspecto informativo mesmo para um especialista do ramo que, com
uma sigla anglo-saxônica de uso quase internacional, PhD _(que sig- respeito àquele problema específico, jamais tenha efetuado estu-
nifica Philosophy Doctor, Doutor em Filosofia, embora designe qual- dos ap~_ofun·d-ados..--- -"'-~-~~--------------------------~----.. ___ .. -~-- ________ ---..... _ .-- -·---,_, __
quer espécie de doutor em ciências humanas, do sociólogo ao pro- ~---·E aqui cabe uma primeira advertênciâ.: pode-se fazer uma tese
de compilação ou uma tese de pesquisa; urna tese de Licenciatura ,/
fessor de grego; nas matérias rião-humanistas usatn-se outras siglas, j
como por exemplo Medicine Doctor). ou de PhD.
Ao PhD se opõe algo rr uíto parecido com nossa formatura,- Uma tese de pesquisa é sempre mais longa, fatigante e absor-
e que passaremos a indicar com o termo HLicenciaturan. vente; também uma tese de compilação pode ser longa e cansativa
(existem trabalhos de compilação que demandaram vários anos)~
A Licenciatura, em suas diversas formas, enca!ll}nha o est~:
dan te;: __ para _o exerctcio da profissão; ao contrário, o Piit)_, ·o,_~~-~_Ç.a,. mas em geral exige menor tempo e menor risco.
illi5;1a Para "!_~ atiVI"dide-··ac-a(!er~iíc,a, isto é, quem obtê-m um PhD Não quer isto dizer que quem faz uma tese de compilação feche
quaseTempr-eemPreenaeã~éarrel'fá-Uiliversitária. o caminho para a pesquisa; a compilação pode constituir um ato de
seriedade da parte do jovem pesquisador que, antes de propriamente
Nas universidades deste tipo, a tese é sempre de PhD, tese de
iniciar a pesquisa, deseja esclarecer algumas idéias, documentan·
doutorado, e constitui um trabalho original de pesquisa, com o qual
o candidato deve demon~trar ser um. estudioso capaz de fazer avan- do-se bem.
çar a disciplina a que se dedica. E, com efeito, ela não é elaborada, Por outro lado, existem teses pretensamente de pesquisa que,
como entre nós, aos vinte e dois anos, mas bem mais tarde, às vezes ao contrário, feitas às pressas, são de má qualidade, irritam o leitor
mesmo aos quarenta ou cinqüenta anos (embora, é claro, existam e em nada beneficiam quem as elabora.
PhDs bastante jovens). Por que tanto tempo? Porque se trata efe- Assiin, pois, a escolha entre tese de compilação e tese d~ pes-
tivamente de pesquisa original, onde é necessário conhecer a fundo quisa prende-se à maturidade e à capacidade de trabalho do candi-
o quanto foi dito sobre o mesmo argumento pelos demais estudiosos. dato. Com freqüência - e lamentavelmente - está ligada também
Sobretudo, é necessário "descobrir'' algo que ainda não foi dito por a fatores econômicos, pois sem dúvida um ·estudante que trabalha
eles. Quando se fala em '~desçoberta", em especial no campo huma- dispõe de menos tempo, energia e até dinheiro para se dedicar a
nista, não cogitamos de invenções revolucionários como a -desco- longas pesquisas (que muitas vezes implicam a aquisição de livros
berta da fissão do átomo, a teoria da relatividade- ou uma vacina con- raros e caros, viagem para centros ou bibliotecas estrangeiros~ e por
tra o câncer: Podem ser descobertas mais modestas, considerando-se aí afora).
resultado "científico" até mesmo uma maneira .nova de ler e enten- Contudo, não podemos, no presente livro, dar conselhos de
der um texto clássico, a identificaçáo de um manuscrito que lança ordem econômica. Até há pouco tempo a pesquisa era, no mundo
nova luz sobre a biografia de um autor, uma reorganização e relei- inteiro, privilégio de estudantes abastados. Também nã'o se pode dizer
tura de estudos precedentes que conduzem à maturação e sistema- que a ~siinples existência de·bolsas de estudo, bolsas de viagem, manu-
tização das idéias que se encontravam dispersas em outros textos. tenção em universidades estrangeiras etc., resolvam o problema de
Em qualquer caso, o estudioso deve produzir um trabalho que, teo- todos. O ideal seria uma sociedade mais justa, onde estudar fosse
ricamente, os outros estudiosos do ramo não deveriam ignorar~ por- trabalho pago pelo Estado àqueles que verdadeiramente tivessem
quanto diz algo de novo sobre Oassunto (cf. 2.6.1). vocação para o estudo e em que não fosse necessário ter a todo custo
A tese à italiana é do mesmo tipo? Não necessariamente. Com o Hcanudo" para se arranjar emprego, obter promoção ou passar à
efeito, sendo o mais das vezes elaborada entre os 22 e os 24 anos, frente dos outros num concurso.
ainda durante os exaznes universitários, não pode representar a Mas a universidade italiana, e a sociedade que ela espelha, é
conclusão de um trabalho longo e meditado, prova de uma com- por ora aquilo que sabemos; resta-nos tão-somente fazer votos que
pleta maturação. Sucede, assim, aparecerem teses de formatura (feitas os estudantes de todas as classes consigam freqüentá-la sem sacri-
por estudantes bem dotados) que constituem verdadeiras teses de fícios desgastantes e explicar as maneiras de se fazer uma boa tese,
PhD, e outras que não chegam a esse nível. Nem a universidade quer calculando o tempo e as energias disponíveis e também a vocação
quisa, mas de compilaça_o. ·-..-
.
semelhante coisa a todo custo: P:á boas t~~es__ que J:l~9 --~-ªº~ 9-e pes- de cada um.
4 COMO SE FAZ UMA TESE QUE É UMA TESE E PARA QUE SERVE 5
1.2. A QUEM INTERESSA ESTE LIVRO Mas -há também uma segunda ~aneira, que pode 'ajudar o dire-
tor de um organismo de· turismo local em sua profissão meSIJ1-0 que
Nestas condições, podemos pensar que existem inúmeros tenha elaborado uma tese com o título: "Da Fermo a Lucia" aos "I
dantes obrigados a preparar uma tese, para formar-se logo e promessi Sposi". Com efeito, elaborar uma tese significa: (I) iden-
o scatto di grado que o levou a se matricular na universidade. Alguns ';~_:r tificar um tema preciso; (2) recolher documentação sobre ele; {3)
destes estudantes têm quarenta anos. Eles pedem instruções -·-·----- pôr em ordem estes docUmentos; (4) reexaminar em primeira mao
como preparar uma tese em um mês, para tirarem uma nota o tema à luz da documentação recolhida; (5) dar forma ·orgânica a
quer e sair da universidade. Cumpre~nos esclarecer agora que todas as reflexões precedentes; (6) empenhar-se para que o leitor
livro não é para eles_ Se estas são as suas necessidades, se sao vítimas compreenda o que se quis dizer e possa, se for o caso, recorrer à
de uma legislação paradoxal que os obriga a doutorar-se para mesma documentação a ÍliTI de retomar o tema por conta própria.
ver dolorosas questões econôrnicas. é preferível optarem por F az.er uma tese significa~ pois, aprender a pôr ordem nas pró-
seguintes vias: (1) investir uma quantia razoável para que
outros façam._:{~~J prias idéias e ordenar os dados: é uma experiência de trabalho metó-
a tese por eles; (2) copiar uma tese já pronta há alguns anos em .-.. .. .,. ... .., -,_;-,;;;-.;;- dico; quer dizer, construir um "objeton que, como princípio, possa
universidade {não convém copiar uma obra já publicada, mesmo também servir aos outros. Assim, não importa tanto o tema da tese
língua estrangeira, pois se o docente for razoavehnente bem infor~ quanto a experiência de trabalho que ela comporta. Quem soube
mado deverá saber de sua existência; mas copiar em Milão uma documentar-se bem sobre a dupla redação do romance de Manzoni,
feita em Catânia oferece razoáveis possibilidades de êxito; natural- saberá depois recolher com método os dados que lhe servirão no
mente, é necessário inforinar-se primeiro se o relator da tese, antes organismo turístico. O autor d~stas linhas já publicou uma dezena
de lecionar em Milão, não deu· aula em Catânia: donde mesmo copiar:: de livros sobre vários assuntos, mas se logrou executar os últirno3
uma tese implica um inteligente trabalho de pesquisa). nove é porque aproveitou sobretudo a experiência do primeiro, que
Claro está que os dois conselhos acima são ilegais. Seria como era uma reelaboração de sua tese de formatura. Sem aquele primeiro
dizer: .. Se você for ao pronto-socorro, ferido, e o médico se recusar trabalho, não teria conseguido fazer os demais. E, bem ou mal~ estes
a atendê-lo, meta-lhe uma faca na garganta''. Em ambos os casos, refletem ainda a maneira com que aquele foi elaborado. Com o
trata-se de ates de desespero. Nosso conselho foi dado, a título para- tempo, tornamo--nos mais maduros, vamos conhecendo mais coisas,
doxal, para reafirmar que este livro não intenta resolver os graves porém o modo como trabalhamos nas que sabemos sempre depen-
problemas de estrutura social e de legislação existentes. derá da maneira com que estudamos no início muitas coisas que
Destina-se àqueles que (mesmo não sendo milionários e não ignorávamos.
tendo à disposição dez anos para formar-se, depois de haver corrido Enfrrn, elaborar uma tese é como exercitar a memória. Temo-la
o mundo todo), com uma razoável possibilidade de dedicar algumas boa quando velhos se a exercitarmos desde a meninice. E não importa
horas diárias ao estudo, querem preparar uma tese que lhes dê certa se a exercitamos decorando os nomes dos jogadores dos times da
satisfação intelectual e lhes sirva também depois da formatura. E Divisão Especial, os poemas de Carducci ou a série de imperadores
que, fixados os limites, mesmo modestos, do empenho próprio, que- romanos de Augusto a Rômulo Augusto. Por certo, se o caso for
rem realizar um trabalho sério. Póde-se executar seriamente até uma aprimorar a memória, é melhor aprender coisas que nos interessarn
coleção de figurinhas: basta fixar o tema, os critérios de cittaloga- ou nos sirvam: mas, por vezes, mesmo aprender coisas inúteis cons-
ção, os limites históricos da coleção. Decidindo-se não remontar titui bom exercício. Analogamente, embora seja melhor fazer uma
além de 1960, ótimo, pois de lá para cá as figurinhas não faltam. tese sobre um tema que nos agrade, ele é secundário com respeito
Haverá sempre uma diferença entre essa coleção e o Museu do Louvre, ao método de trabalho e à experiência daí advinda.
mas melhor do que fazer um museu pouco sério é emperihar-se a Ainda mais: trabalhando-se bem, não existe tema que seja ver-
sério numa coleção de figurinhas de jogadores de futebol de I 960 a dadeiramente estúp1do. Conclusões úteis podem ser extraídas de
1970. Tal critério é igualmente válido para uma tese de doutoramento. um tema aparentemente remoto ou periférico. A tese de Marx não
foi sobre economia política, mas sobre dois filósofos gregos, Epicuro
1.3 COMO UMA TESE PODE SERVIR TAMBÉM e Demócrito. E isso não foi um acidente de trabalho. Marx foi tal-
APÓS A FORMATURA vez capaz de analisar os problemas da história e da economia com a
energia teóríca que conhecemos exatamente porque aprendeu a pen-
Há duas maneiras de fazer uma tese que se torne útil também sar sobre os seus !llósofos gregos. Diante de tantos estudantes que se
após a formatura. A primeira é fazer dela o início de uma pesquisa iniciam com uma tese arnbiciosíssima sobre Marx e acabam num
mais ampla, que prosseguirá nos anos seguintes, desde que haja opor- escritório das grandes empresas capitalistas, é preciso rever os conceitos
tunidade e interesse nisso. que se têm sobre utilidade, atualidade e empenho dos temas de tese.
·cT-
6 COMO SE FAZ UMA TESE
mento, dos quais, por explícita limitação do tema, não queria e não 2.2 .. TESE IDSTÚRICA OU TESE TEÓRICA
podia ocupar-se. Ninguém poderia dizer-lhe que não levara em conta o
autor K, porque a tese era sobre X, Y e z. nem que citara o autor J Essa alternativa só vale para algumas matérias. Com efeito,
apenas em tradução, pois se tratara de simples menção, para concluir, em disciplinas corno História da Matemática, Filologia Românica
ao passo que a tese pretendia estudar amplamente e. no original uni- ou História da Literatura Alemã, uma tese só pode ser histórica.
camente os três autores citados no título. Em outras, como Composição Arquitetônica, Física do Reatar
Eis aí corno uma tese panorâmica, sem se tomar rigorosamente Nuclear ou Anatomia Comparada, fazem-se comumente teses teó-
monográfica, se reduzia a um meio termo, aceitável por todos. ricas ou experimentais. Mas há outras disciplinas, como Filosofia
Fique claro, ainda, que o termo Hmonográfico', pode ter uma Teorética, Sociologia, Antropologia Cultural, Estética, Filosofia do
acepção mais vasta que a usada aqui. Uma monografia ~- <!-___é!...b.Qr_d.Ji:- Direito, Pedagogia e Direito Internacional, onde é possível fazer os
gem g~ __-y·~- só_ tema, como tal se opondo a urna "história de'", a um dois tipos de tese.
"iTI'fú1Ual, a urria enciclopédia. Daí ser também monográfico um tema Uma ...t_es_~"~eó_fi?a é aquela que~.J~e..~propõe---atacar._um problema
como O Terna do "Mundo às AvessasH nos Escn·tores Medievais. .... ~!?-~-~~ato, que pode já ter sido ou:-·-:não objeto de outras reflexões:
Muitos são os escritores analisados~ mas apenas do ponto de vista nlitufeia da vontade humana, o conceito de liberdade, a noção de
de um tema específico (isto é, da hipótese imaginária, propostá a: papel social, a existência de Deus, Q código genético. Enumerados
título de exemplo, de paradoxo ou de fábula~ de que os peixes voam, assim, estes temas fazem :i.Jnediatamente sorrir, pois se pensa naqueles
os pássaros nadam etc.). Se bem executado, esse trabalho poderia tipos de abordagem a que Graxnsci charnava Hbreves acenos ao uni-
dar uma ótirna monografia. Mas, para tanto, é preciso levar em conta verso". Insignes pensadores, contudo, se debruçaram sobre estes temas.
todos os escritores que trataram o tema, em especial os menores, Mas, afora raras exceç'ões~ fizeram-no como conclusão de um trabalho
fiqueles de quem ninguém se lembra. Assim, tal tese se classificaria de meditação de várias décadas..
como monográfico-panorâmica e seria dificílima: exigiria uma infi- Nas mãos de um estudante com experiência científica neces-
nidade de leituras. Caso se pretendesse fazê-la dé qualquer modo, . sariamente lim.itada, tais temas podem dar origem a .. duas soluções.
seria então forçoso restringir o campo: O Tema do HMundo às A primeira (que é ainda a me·nos trágica) é fazer a _tese. deflo.ida
Avessas" nos Poetas Caroltngios. Um campo restringe-se quando se (no parágrafo anterior) como '"panorâmicaH. É tratadO o conceito
sabe o que conservar e o que escoimar. de papel social, mas em diveisos autores. E, a este respeito, valem
Claro está que é muito mais excitante fazer a tese panorâ- as observáções já feitas. A segunda solução preocupa mais, porque
mica, pois que antes de tudo parece aborrecido ocupar-se durante o êandidato presume poder resolver, no âmbito de umas poucas
um, dois ou três anos sempre do· mestno autor. Mas deve-se ter erp. páginas, o problema de Deus e da definição de liberdade. Minha expe-
mente que fazer uma tese rigorosamente monográfica não significa riência me diz que os estudantes que escolhem ternas do gênero
perder de vista o panorama. Fazer uma tese sobre a narrativa de acaban1 por fazer teses brevíssinlas, destituídas de apreciável orga-
Fenoglio significa ter presente o realismo italiano, não deixar de ler nização interna, mais próximas de um poema lírico que de um
Pavese ou Vittorini, bem como analisar escritores americanos lidos es~do científico. E, geralmente, quando se objeta ao candidato
e traduzidos por Fenoglio. Só explicamos e entendemos um autor que o discurso está demasiado personalizado~ genérico, informal, pri-·
quando o inserimos num panorama. Mas uma cqis~.· é usar um pano- vado -de verificações historiográficas e citações, ele responde que não
rama como pano de fundo, e outra elaborar u:in quadro panorâmico. foi compreendido, que sua tese é muito mais inteligente que outros
Uma coisa é pintar o retrato de um cavalheiro sobre o fundo de um exercícios de banal compilação. Isto pode ser verdade; contudo, ainda
campo cortado por um regato~ e outra Pintar campos, vales e rega- uma vez~ a experiência ensina ·que quase sempre essa resposta pro-
tos. Tem de mudar a técnica,. tem de mudar, em termos fotogrã~ vém de um candidato com idé-ias confusas, sem humildade cientí-
ficos~ o foco. Partindo-se de um único autor, o panorama pode afiw fica nem capacidade de comunicação. O que se deve entender por
gurar~se um tanto desfocado, incompleto ou de segunda mão. - humildade científica (que não é uma virtúde dos fracos, mas, ao
Em suma, recordemos este princípio fundamental: .Q?UI-nto Contrário, uma virtude das pessoas orgulhosas) será dito no pará-
IJJ!J.is. ___s.~. __!'estringe o campo, melhor e _t;o-'!L/!Jl!.!.S.. -~~gyr._auça.. se-tf:.âbii.lti(Z;·_- grafo 4.2.4. ·Ê certo que não se· pode excluir que o candidato seja
Uma tesé- mOilográfica·-··rpTêfêi1V€il .á.. uiita tese ·panorâmica. É melhor um gênio que, com apenas 22 anos, tenha compreendido tudo, e
que a tese se assemelhe a um ensaio do que a uma história ou a "l,lma é evidente que estou admitindo esta hipótese sem qualquer sombra
enciclopédia. de ironia. Sabe-se que quando um gênio desses surge na face da terra ,;
a humanidade não toma consciência dele de uma hora para outra; i~
sua obra é lida e digerida durante alguns anos antes que se descu-
bra a sua grandeza. Corno pretender que uma banca ocupada em
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12
COMO SE FAZ UMA TESE A ESCOLHA DO TEMA 13
examinar não uma, mas inúmeras teses, se aperceba imediatamente aos ombros de um gigante qualquer, m·esmo se for de altura modesta,
da magnitude desse corredor solitário?
ou mesxno de outro anão. Haverá sempre ocasião de caminhar por si
Mas suponhrunos a hipótese de o estudante estar cônscio de mesmo, mais tarde.
ter compreendido um problema capital: dado que nada_ provém do
nada, ele terá elaborado seus pensamentos sob a influência de outros
autores. Transforma então sua tese teórica em tese historiográfica, 2.3. TEMAS ANTIGOS OU TEMAS CONTEMPORÂNEOS?
. isto é~ deixa de lado o problema do ser, a noção de liberdade ou o
conceito de ação social, para desenvolver temas como O Problema Enfrentar essa questão é corno reavivar a antiga querelle des
do -ser no Primeiro Heidegger, A Noção de Liberdade em Kant ou anciens et des rnodernes. . . Com efeito, o problema inexiste em
O Conceito de Ação Social em Parsons. Se tiver idéias originais, estas muitas disciplinas (se bem que uma tese de história da literatura
virão à tona também no confronto com as idéias do autor tratado: latina possa tratar tão bem de Horácio corno da situação dos estudos
muita coisa nova se pode diZer sobre a liberdade estudando-se a horaciànos nas duas últhnas décadas)_ Em compensação, é por
maneira como outro a abordou. E, se se quiser, aquilo que deveria demais evidente que, quando alguém se forma em história da lite-
ser a tese teorética do candidato se tornará o capítulo final de sua ratura italiana contemporânea, não haja alternativa.
tese historiográfica. O resultado s·e:rá que todos poderão controlar Todavia, não é raro o caso do estudante que, aconselhado pelo
o que ele disse, pois os conceitos (referidÇ>S a um pensador prece-· professor de literatura italiana a fazer sua tese sobre um petrar-
dente) que põe em jogO serão publicamente cOntroláveis. É difícil- quiano quinhentista ou sobre um árcade, prefira temas como Pavese,
mover-se no vácuo e instituir um discurso ab init~o. Cumpre encon- Bassaní, Sanguineti. Muitas vezes essa escolha nasce de Uma autên-
trar um ponto de apoio, principalmente para problemas tão vagOs tica vocação e é difícil contestá-la. Outras, provêm da falsa impres-
como a noção de ser ou de liberdade. Mesmo para o gênio, e sobre- são de que um autor contemporâneo é mais fácil e agradável.
tudo para ele, nada há de humilhante em partii de outro autor, pois Digamos desde já que o autor contempordneo é sempre rnais
isto nãO significa fetichizá-lo, adorá-lo, ou reproduzir sem crítica as difícil. É certo que geralmente existe uma bibliografia mais redu-
suas afirmações; pode-se partir de um autor para demonstrar seus zida, os textos são de mais fácil acesso, a primeira fase da documen-
erros e limitações. A questão. é ter um ponto de apoio. Os medievais, tação pode ser consultada à beira-mar com um bom romance nas mãos,
com seu exagerado respeito pela autoridade dos autores antigos, dízirun em vez de fechado numa biblioteca. Mas, ou se faz urna tese remen-
que os modernos, embora ao seu lado fossem "anões"~ apoiando-se dada, simplesmente repetindo o que disseram outros críticos e então
-neles_.tor_navam-se ··anões em Ombros de gigantes~', e, deste mod·o; Viam nã9 há mais nada a dizer (e, se quisermos, podemos fazer uma
mais além do que seus predecessores. tese ainda mais remendada sobre um petrarquiano quinhentista)
Todas estas obsetvações não são válidas para matérias apli- ou se faz algo de novo, e então apercebemo-nos de que sobre o auto{\
cadas e experimentais. Num_a tese de psicologia a alternativa não é antigo existem pelo menos esquemas interpretativos seguros aos ·quais
entre O Problenza da Percepção em Piaget e O Problema da Percepção podemos nos referir~ enquanto para o· autor moderno as opiniões
(ainda que algum itnprudenfe quisesse propor um tema tão gene- ainda são vagas e contraditórias, a nossa capacidade crítica é falseada
ricamente perigoso). A alternativa para a tese historiográfica é, antes, pela falta de perspectiva e tudo se torna extremamente difícil. --
a tese experimental: A Percepção das Cores em um Grupo de Crian- É fora de dúvida que._p. autor an~~gQ_)g].pQ~_lJma.J.~_itu;.ç·ª-··IQªis
ças Retardadas. Aqui, o discurso muda, pois há o direito de enfren- ., - fatigante, uma pesquisa bibliográfica n13.is atenta, mas os títulos são
tar experimentalmente uma questão a :fun de obter um método de menos dispersos e existem quadros bibliográficos já completos. Con-
pesquisa e trabalhar em condições razoáveis de laboratório, com a tudo, se se entende a tese como a ocasião para aprender a elaborar
devida assistência. Mas----um-estudioso---experimental imbu-ído- de. cora- uma pesquisa, o autor antigo coloca maiores obstáculos.
g~m não começa a controlar. a reação de seus temas sem antes 'haver Se, alé-m disso, o estudante inclinar-se para a crítica contem-
exeCutado pelo menos U}l'L trabalho.. panorâmico (exame de estudos porânea, pode a t~se constituir-se na derradeira oportunidade de
análogos já !êitõS), p·orG_uan to de outra fOrma se arriscaria a desco- um confronto com a liter~tur:a d9 pªssaÇio.•.. _P.ªra exercitar o próprio
brir a América, a demonstrar algo já amplamente demonstrado ou gosto e a. capacidade ·de 'leitura. Eis por que não se deve deixar escapar
a aplicar métodos que já se revelaratn falíveis (embora possa cons- semelhante oportunidade. Muitos dos grandes escritores contempo-
tituir objeto de pesquisa o novo controle de um método que ainda râneos, mesmo de vanguarda, jamais fizeram teses sobre Montale
não tenha dado resultados satisfatórios). Portanto, u_ma tese. de ou Pound, mas sobre Dante ou F oscolo. Não há, decerto, regras ;-.j
caráter experimental não pode ser feita com recursos inteiramente precisas, e um valente pesquisador pode levar a cabo uma análise
próprios, nem o méto<;J.o pode ser -inventado. Mais uma vez se deve histórica ou estilística sobre um autor contemporâneo com a rneSilla
partir do princípio de que, se se é um anão inteligente, é melhor subir acuidade e exatidão :filológica exigidas para um autor antigo. :~
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A ESCOLHA DO TEMA 15
14 COMO SE FAZ UMA TESE
boa e mudar o tema, o orientador e até a disciplina.. E convém não
Por outro lado, o problema varia. de disciplina para disciplina. esquecer que gastar um ano inteiro numa tese sobre literatura grega
Em filosofia, uma tese sobre Husserl coloca mais entraves do que para depois perceber que em realidade se prefere uma sobre história
uma sobre Descartes, invertendo-se a relação de Hfacilidade:n e contemporânea não significa total perda de tempo: ter-se-â ao menos
"leituraH: lê-se melhor Pascal que Carnap. aprendido a formar uma bibliografia básica, a fichar um texto, a
1 Por isso o único conselho que me ·sinto capaz de fornecer é: organizar um sumário. Recorde-se o que foi dito em 1.3: uma tese
L "trabalhe sobre um contemporâneo como se fosse ·um antigo, e vice- serve sobretudo para ensinar a coordenar idéias, independentemente
-versa. Serã mais agradável e você fará um trabalho mais sério. do tema tratado.
Escolhendo~ assim, a tese aí pelo fim do segundo ano do curso,
tem-se um bom prazo para dedicar à pesquisa e mesmo a viagens de
2.4. QUANTO TEMPO É REQUERIDO PARA SE estudo. Pode-se ainda escolher os programas dos exames com vistas
FAZER UMA TESE? à tese. É claro que~ se se fizer uma tese de psicologia experimental,
seria difícil conciliá-la com um exa·me de literatura latina; mas em
Digamo-lo desde já: não mais de três anos e não menos de seis muitas outras disciplinas de caráter filosófico e sociológico é pos-
meses. Não mais de três anos porque, se nesse prazo não se conse- sível chegar-se a· um acorda com o professor sobre alguns textos
guiu circunscrever o terna e encontrar a documentação necessária, talvez em substituição dos· prescritos, que façam inserir a matéria
uma destaS; tiês coisas terá acontecido: do exame no âmbito do interesse dominante. Quando isto é possível
sem contorsionismos dialéticos ou truques pueris, um mestre inteli-
1) escolhemos a tese errada, superior às·nossas forças; gente preferirá sempre que o aluno prepare um exame umotivado"
2) somos do tipo incontentável, que deseja dizer tudo, e continua- e orientado, em vez de um exame casual, forçado, sem paixão, obje-
mos a martelar a tese por vinte anos, ao passo que um estudioso tivando tão-só superar um obstáculo irremovível
hábil deVe ser capaz de ater-se a certos limites, embora modestos, Escolher a. tese no Irrn do segundo ano significa, pois, ter o
·e dentro deles produzir algo de definitivo;
tempo suficiente para se formar no prazo ideal.
3) fornos vítimas da "neurose da tese": deixamo-la de -lado, reto-
Mas nada impede que a tese seja escolhida antes. Nem depois,
matno-la, sentimo-nos irrealizados, entrrunos num estado de depres-
se se aceitar a idéia de gastar fiais algum tempo no curso. Nada,
são, valemo-nos da tese como álibi para muitas covardias, não
nos forman1os nunca. porém, aconsellia a escolhê-la demasiado tarde.
Até porque uma boa tese deve ser discutida passo a passo com
Não menos de seis meses porque, ainda que se queira apre- o orientador, nos limites do possível. E não para lísonjear o mestre,
sentar o equivalente a um bom ensaio de revista com r).ãO mais de mas porque escrever uma tese é como escrever um livro, é um exer-
sessenta laudas, entre o plano- -de trabalho, a pesquisa bibliográfica, cício de comunicação que presume a existência de ·um público: e
a coleta de documentos e a execução do texto passam· facilmente o o:r!_~n_tador -·é .-a· única· .amo_stra ___ _q_~_ .p_ú bliGQ .. ç.omp_S!-_tente _ . à disposiç_~9-
seis meses. Por cert.o, um estudioso mais maduro consegue escrever do ~.l"Y-.!10 no curso de seu trabalho. Uma tese· de última hora obriga
um ensaio em tempo menor: mas conta com uma retaguarda de õ~·-ôl-ieniá_d_Or 'i--devorar rapidamente os capítulos ou a obra já pronta.
anos e anos_ de leitura e conhecimentos, que o estudante precisa edi- Caso a veja no últin1o momento e não goste, poderá criar difiCul-
ficar do nada. dades ao candidato na b.anca examinadora~ com resultados bem
Quando se fala em seis meses _ou três anos, pensa-se natural- desagradáveis. Desagradáveis também para ele, que nunca deveria
mente não no tempo da redação definitiva. que pode levar um mês chegar à banca com uma te_se que não lhe agrade. Isso é motivo de
ou quinze dias, segundo o método adotado; pensa-se naquele período descréc;lito para qualquer orientador. Se este perceber que as coisas
entre o surgimento da primeira idéia da tese e sua apresentação finaL vão mal, deve aconselhar o candidato a partir para uma nova tese
Pode suceder, também, qu"e o estudante trabalhe efetivamente na ou esperar um pouco .. Caso o estudante,_ apesar dos conselhos, achar
tese durante u~ ano apenas, mas aproveitando as idéias e as leituras que o orientador está errado ou que o tempo lhe é adverso, ver-se-á
que, sem saber onde chegaria, acumulara nos dois anos precedentes. da mesma maneira às voltas. com uma discussão tempestuosa, mas
O ideal, a meu ver, seria escolher a tese (com o auxílio do ao menos estará prevenido.
respectivo orientador) por volta do final do segundo ano de estudos. De todas essas observações, _deduz-se que a tese de seis meses,
A esta -altura, o estudante já está mais familiarizado com as diver- mesmo admitida a título de mal menor, não representa de forma
sas matérias, inteirado do tema~ das dificuldades etc. Urna escollia algwna o optimum (a menos que, como se disse, o tema escolhido
tão tempestiva não é nem comprometedora nem irremediável. Tem-se nos últimos seis meses permita a utilização da experiência adquirida
ainda muito tempo pela frente para compreender que a idéia não era nos anos precedentes).
A ESCOLHA DO TEMA 17
16 COMO SE FAZ UMA TESE
Todavia, há casos que precisarrt ser ·solucionados em seis me~ minha decisão teria sido tornada cínica, fria e arriscadamente ao
ses. É então que se deve procurar um tema capaz de ser abordado mesmo tempo.
·de maneira séria e digna em tã"o reduzido lapso de tempo. Gosta- Outra tese de seis meses: A Interpretação da Segunda Guerra
ria que todo esse discurso não- fosse tomado em sentido muito u:co- Mundial nos Livros para o Curso Secundário dos Oltimos Cinco
mercial~~~ como se estivéssemos vendendo ••teses de seis meses'"~ ou Anos. Talvez seja um pouco complicado assinalar todos os livros de
~~teses de seis anos~', a preços diferentes e para qualquer tipo de história em circulação~ mas. as edítoras de livros didáticos não são
cliente. Mas não resta dúvida que é possível ter uma boa tese de seis tantas assim. Com os textos e as fotocópias à mão, descobre-se que
meses. o trabalho ocupará poucas páginas e que a comparação pode ser
Seus requisitos são: feita, e bem, em pouco tempo. Naturalmente. não se pode julgar
a maneira corno um livro aborda a Segunda Guerra Mundial sem
1) o terna deve ser circunscrito; um confronto entre esse discurso específico e o quadro histórico
2) o tema deve ser, se possível, atual, nao exigilldo bibliografia que geral que o livro oferece; exige-se, pois, um trabalho mais apro-
remonte aos gregos; ou deve ser tema marginal, sobre o qual pouca fundado. Também não se pode comêçar sem antes adotar corno
coisa foi esCrita; parâmetro uma meia dúzia de histórias sérias da Segunda Guerra
3) todos os documentos devem estar disponíveis num local deter- Mundial. Mas é claro que se eliminássemos todas essas fonnas de
minado, onde a consulta seja fácil. controle crítico, a tese poderia ser feita não em seis meses, mas numa
semana. e então já não seria uma tese, porém um artigo de jornal
Vamos a alguns exemplos. Se escolho para tema A Igreja de - arguto e brilhante até, mas incapaz de documentar a capacidade
Santa Maria do Castelo de Alexandria, posso esperar encontrar de pesquisa do candidato.
tudo o que preciso para reconstruir a história e as peripécias das Se se quiser fazer uma tese de seis meses gastando apenas
restaurações na biblioteca municipal de Alexandria e ·nos arquivos uma hora por dia, então é inútil continuar a discutir. Lembremos
locais. Digo Hposso ·esperar, porque estou fazendo uma hipótese, os conselhos dados no parágrafo L2. Copiem uma tese qualquer e
e ponho-me na situação do· estudante que procura fazer Uina tese pronto.
de seis meses. Antes, porém, de ir avante com o projeto, devo infor-
mar-me para verificar se tal hipótese é vãlida. E mais: deverei ser
um estudante que mora na província italiana de Alexandria; se moro
em Caltanissetta, terei tido uma péssÍina idéia. E há outro "mas". 2.5. É NECESSÁRIO SABER LÍNGUAS ESTRANGEIRAS?
Caso haja alguns documentos disponíveis, mas na forma de manus-
Este parágrafo não se dirige àqueles que preparam teses sobre
critos medievais inéditos, deverei conhecer um pouco. de paleo-
línguas ou literaturas estrangeiras. Com efeito, é absolutamente
logia, isto é, dispor de uma técnica de leitura e decifração de manus-
critos. E eis que o tema, que parecia tão fácil, se toma. difícil. Se, desejável que eles conheçam a língua sobre a qual vão discorrer.
pelo contrário, descubro que tudo já foi publicado, pelo menos a Igualmente desejável seria que, no caso de uma tese sobre um autor
partir do século XVIII, sinto-me mais seguro. francês, ela fosse escrita em francês. Acontece isso em muitas uni-
Outro exemplo. Raffaele La Capria é um escritor contempo- versidades estrangeiras, e é justo.
râneo que escreveu apenas três romances e um livro de ensaios. Todos Mas figuremos o problema daqueles que preparam teses em
foram publicados pelo mesmo editor, Bompiani. Imaginemos urna ftlosofia, sociologia, direito, ciências políticas, história, ciências
tese com o título A Obra de Raffaele La Capria e a Crítica Italialia naturais. Há sempre a necessidade de ler um livro escrito em outra
Contemporânea~ Como todo editor constuma· ter, em seus arqui- língua, mesmo que a tese trate de Dante ou do Renascimento, pois
vos, recortes de jornâ.is com todos os artigos e críticas publicadOs ilustres estudiosos desses temas escreverrun em inglês ou alemão.
sobre o autor, posso esperar que umas poucas idas à editora, em Em casos como esse, geralmente se aproveita a oportunidade
Milão, bastem para um fichamento da total~dade dos textos que me da tese para começar o aprendizado de uma língua estrangeira.
interessam. Ademais, o autor está vivo, posso escrever-lhe ou entre- Motivados pelo tema e com um pouco de esforço começa-se a com-
vistá-lo, obtendo outras indicações bibliográficas e, com toda cer- preender qualquer coisa. Muitas vezes é assim que se aprende uma
teza, fotocópias dos textos desejados. Naturalmente, um dado língua. Via de regra não se chega a falá-la, mas consegue-se lê-la com
ensaio crítico me remeterá a outros autores a que La Capria é muita proficiência. O que é melhor do que nada.
comparado· ou contraposto. O campo se dilata um pouco, mas de Se sobre um dado assunto existe apenas um livro em alemão .~
modo razoável. Além disso, se escolhi La Capria, é porque já tinha e o candidato não sabe alemão, o problema poderá ser resolvido ; ~'
<"i
algum interesse pela literatura italiana contemporânea, sem o que pedindo-se a alguém que o saiba para ler alguns capítulos conside~
;:-R
18 COMO SE FAZ UMA TESE A ESCOLHA DO TEMA 19
rados mais itnportantes: será mais honesto não se basear muito obras, pois existem excertos e alusões disponíveis. Geralmente, as
naquele livto, que, não .obstante, poderá ser legitimame-nte inserido revistas científicas soviéticas, búlgaras, checoslovacas, israelenses
na bibliografia~ pois foi efetivarnente consultado. etc. fornecem sumários de seus artigos em inglês ou francês. Assim,
Mas todos estes problemas são secundários. O problema prin- mesmo trabalhando com um autor francês, pode não ser necessário
cipal é: preciso escolher uma tese que não implique o conhecimento saber o russo, mas é indispensável ler pelo menos o inglês, para
de línguas que não sei ou que não estou disposto a aprender. Muitas superar os obstáculos.
vezes escollie-se uma tese ignorando os riscos que se vai correr. Exa- Conclui-se, pois, que antes de estabelecer o tema de uma tese
rninexnos alguns elementos im.prescindíveis: é preciso dar urna olhada na bibliografia existente e avaliar se não
1) Não se pode fazer uma tese- sobre um autor estrangeiro se existem dificuldades lingüísticas significativas.
este não for lido no angina!. A coisa parece evidente se se tratar de Alguns casos são a priori evidentes. É :in1pensável partir para
um poeta, mas muitos supõem que para uma tese sobre Kant, Freud uma tese sobre filologia grega sem saber o alemão, pois é nessa lín-
ou Adam Smith tal precaução é desnecessária. Mas não o é, e por gua que estão escritos alguns. dos mais importantes estudos sobre
duas razões: nem sempre Se traduziram todas as obras daquele a matéria.
autor, e às vezes o desconhecimento de um escrito menor compro- Como quer que seja, a tese se presta a um aprendizado ligeiro
mete a compreensão de seu pensamento ou de sua formação inte- da terminologia geral nas línguas ocidentais, pois mesmo que não
lectual; em seguida, a maior parte da bibliografia sobre determi- se saiba ler o russo, pode-se ao menos reconhecer os caracteres cirí-
nado autor está escrita em sua própria língua, e, se ele é traduzido, licos e descobrir se um dado livro trata de arte ou de ciência. Apren-
o mesmo pode não suceder a seus intérpretes; por fim, nem sempre de~se o alfabeto cirílico numa assentada, e saber que iskusstvo sig-
as traduções fazem justiça ao pensrunento do autor, e fazer uma tese nifica arte e nauka ciência é mera questão de comparar títulos.
significa exatamente redescobrir esse pensamento original lá onde Não é preciso ficar assustado; a tese deve ser entendida como uma
L;
as traduções e divulgações de todo livro o falsearam; fazer uma tese ocasião única para fazer alguns exercícios que nos servirão por
significa ir além das fórmulas popularizadas pelos manuais esco- toda a vida.
lares, do tipo HFoscolo é clássico e Leopardi é romântico'\ ou Tais observações não levam em conta o fato de que o melhor
~·Platão é idealista e Aristóteles é realista,., ou ainda ••Pascal defende a fazer, caso se imponha o confronto com uma bibliografia estran-
o coração e Descartes a razão". geira, é arrumar as malas e passar algum tempo no país em questão.
2) Não se pode fazer uma tese sobre determinado assunto se Tql solução seria dispendiosa, e procuramos aqui dar conselhos tam-
as obras mais importantes a seu respeito foram escritas numa língua bém aos estudantes carentes de recursos.
que ignoramos. Um estudante que soubesse bem o alemão e nada Admitamos, portanto, uma derradeira hipótese, a rriais concilia-
do francês não estaria à altura, hoje, de discorrer sobre Nietzsche, dora. Suponhamos um estudante interessado no problema da percepção
que, não obstante, escreveu em alemão, e isso porque, de dez anos visual aplicada à temática da arte. Ele não conhece Unguas estran-
para cá, algumas das mais interesSantes revalorizações de Nietzsche geiras e não tem tempo de aprendê-las (ou tem bloqueios psicoló-
foratn compostas em língua francesa. O mesmo vale para Freud: gicos: hã pessoas que aprendem o sueco em uma semana e outras
seria difícil reler o mestre vienense sem levar em conta o trabalho que não conseguem falar razoavelmente o francês em dez anos).
dos revisionistas americanos e -dos estruturalistas franceses. Ademais, por motivos econômicos, deve apresentar uma tese de seis
3) Não se pode fazer uma tese sobre um autor ou sobre um meses. Todavia está sinceran1ente. interessado naquele assunto, quer
tema lendo apenas as obras escritas nas Unguas que conhecemos. concluir a faculdade para começar a trabalhar e espera um dia reto-
Quem nos assegura que a obra decisiva não está escrita na única mar o tema e aprofundá-lo mais calmamente. Devemos também
língua que ignoramos? Sem dúvida, considerações dessa espéeie pensar nesse estudante.
podem conduzir-nos à neurose, e convém avançar Com bom-senso. Pois bem, ele pode propor-se um terna do tipo Os Problemas
Há regras de exatidão Científica segundo as quais é lícito, se sobre da Percepção Visual em suas Relações com as Artes Figurativas em
um autor inglês foi escrita qualquer coisa em japonês, advertir que alguns Autores Contemporâneos. Será oportuno, antes de tudo, tra-
se sabe da existêricia daquele estudo, mas que ele não foi lido. Esta
ulicença de ignorar, se estende, em regra geral, ãs línguas· não-oci-
çar um quadro. da problemática psicológica no tema, assunto sobre
o qual abundam obras traduzidas para o italiano, desde Olho e
<L'
dentais e eslavas, de modo que muitos estudos sobre Marx, bastante Cérebro, de Gregory, aos textos maiores da psicologia da forma e
sérios, admitem não se ter tomado conhecimento das obras escritas da psicologia transacionaL Depois, pode-se enfocar a temática de
em russo. Em casos ass:hn, entretanto, o estudioso honesto sempre três autores: Arnheim para a abordagem gestáltic~ Gombrich para
poderá saber. (e demonstrá-lo) o que disseram em síntese aquelas a semiótico-informacional e Panowsky para os ensaios sobre pers~
20
COMO SE FAZ UMA TESE
A ESCOLHA DO TEMA 21
pectiva do ponto de vista iconológico. Este~ três autores debatem ensejar equívocos illvoluntários, seja por riri.stificação ou por suspeitas
a fundo, e sob ópticas diversas, a relação entre naturalidade e .. cul- ilícitas de mumificação da cultura.
turalidade' da percepção das imagens. Para situá-los num fundo pano-
râmico, existem algumas obras auxiliares, como as de Gillo Dorfles.
Uma vez traçadas essas três perSpectivas, o estudante poderá tam- 2. 6 .1. Que é a cientificidade?
bém tentar reler os dados problemáticos obtidos à luz de uma obra
de arte particular, talvez propondo novamente urna interpretação Para alguns, a ciência se identifica com as ciências naturais ou
já clássica (por exemplo, o modo como Longhí analisa Piero della crnn a pesquisa em bases quantitativas: uma pesquisa não -é cientí-
Francesca) e enriquecendcra com os dados mais Hcontemporâneos'' fica se não se conduzir mediante fórmulas e diagrantas·. Sob est,e ponto
que recolheu. O produto acabado não terá nada de original, ficando de vista, portanto, não seria científica uma pesquisa a respeito da moral r
a meio caminho eritre a tese panorâinica e a tese monográfica, mas em Aristóteles; mas também não o seria um estudo sobre Consciên-
'
terá sido possível elaborá-lo com base em traduções italianas. O cia de classe e levantes camponeses por ocasião da reforma pro-
estudante não será reprovado por não ter lido Panowsky inteiro~ ou testante. Evidentemente, não é esse o sentido que se dá ao termO
mesmo o material disponível em alemão ou inglês, pois a tese não é ... científicoH nas universidades. Tentemos, pois, de:Imir a que título
sobre Panowsky, mas sobre um problema onde o recurso a Panowsky um trabalho merece chamar-se científico em sentido lato.
é apenas eventual, à guisa de referência a certas questões. O modelo poderá muito bem ser o das ciências naturais tal
Como ficou dito no parágrafo 2.1, ess~ tipo de tese não é o como foran1 apresentadas desde o começo do século. Um estudo é
mais aconselhável, por sujeitar-se ã incompletude e à generalização; científico quando responde aos seguintes requisitos:
insistimos em que se trata de um exemplo de tese de seis meses para
estudantes interessados em recolher COin urgência dados prel:hninares 1) O estudo debruça-se sobre um objeto reconhecível e defi-
acerca de um ·problema qualquer. Ê uma solução apressada, mas que nido de tal maneira que seja reconhecz'vel igualmente pelos outros_
pode ser resolvida de maneira pelo menos digna. O termo objeto não tem -neceSsari3lllente um significado físico. A
raiz quadrada também é um objeto, embora ninguém jamais a tenha
Em todo caso~ não se sabendo outras línguas e na inlpossibi- visto. A classe social é utn objeto de estudo~ ainda que algumas pes-
lidade de aproveitar a preciosa ocasião da tese para aprendê-las, a soas possam objetar que só se conhecem indivíduos ou médias esta-
solução mais razoável é trabalhar sobre um tema especificarnen te tísticas e não classes propriamente ditas. Mas, nesse sentido, nem
pátrio, que não remeta a literaturas estrangeiras, bastando o -recurso a classe de todos os números inteiros superiores a 3 725, de que um
a uns poucos textos já traduzidos. Assim, quem pretendesse falar matemático p~de muito bem .se ocupar, teria realidade física. Definir
dos Modelos do RomanCe Histórico na Obra Narrativa de Gan"baldi o objeto significa então delmir as condições sob as quais podemos
deveria, é claro, ter algumas noções básicas sobre as origens do romance falar, com base em certas regras que estabelecemos ou que outros
histórico e sobre Walter Scott (além, naturalmente, da polêmica oito- estabeleCerrun antes de riós. Se I1Xarmos regras com base nas quais
centista italiana sobr·e o .mêsmo terna)~ mas poderiá encontrar algu- um número inteiro superior a 3 725 possa ser reconhecido onde quer
mas obras de consulta ém língua italiana e, também nela, ao menos que se encontre, teremos estabelecido as regras de reconhecimento
os livros -mais famosos de .ScOtt. Menores seriam ainda os problemas de nosso objeto. É claro que surgirão problemas se, por exemplo,
de um assunto como A Influência de Guerrazzi na Cultura Renas- tivermos de falar de um ser fantástico, como ó centauro, cuja inexis-
centista Italiana. Isso, é óbvio, sem jamais partir de otimiSrllos precon- tência é opinião geral. Temos aqui três alternativas. Em primeiro
cebidos, sendo ainda· conveniente investigar bem a bibliografia para lugar, podemos falar dos centauros tal como estão representados na
ver se e quais autores estrangeiros trataram tal terna. · mitologia clássica, de modo que nosso objeto se torna publicamente
reconhecível e identificável, porquanto trabalh3.Illos com textos
(verbais ou visuais) onde se fala de centauros. Tratar-se-ã, então, de
2.6. TESE "CIENTÍFICA" OU TESE POLÍTICA? dizer quais as características que deve ter um ente de que fala a mito-
logia clássica para ser reconhecido como centauro.
Após a contestação estudantil de 1968, frutifícou a opinião Em segundo lugar, podemos ainda decidir levar a cabo uma
de que não se devem fazer teses "culturais" ou livrescas~ mas teses pesquisa hipotética sobre as características que, num mundo pos-
diretamente ligadas a interesses políticos e sociais. Se tal é o .caso,
sível (não o real), uma criatura viva deveria revestir para poder ser
então o título deste par~grafo é provocador e equívoco, pois faz pensar
um centauro. Temos então de definir as condições de subsistência
que uma tese Hp_olítica'~ não é "científican. Ora, fala-se freqüente-
deste mundo possível, sem jamais esquecer que todo o nosso estudo
mente nas universidades em ciência, cientificismo, pesquisa cientí-
se desenvolve no âm.bito daquela hipótese. Caso nos mantenhan1os
ficà, Valor científico de um trabalho, e semelhantes termos podem
rigorosatnente fiéis à premissa original; estaremos à altura de falar
.-\_'
-~
-··--~--~··, "..,;:J~
A ESCOLHA DO TEMA 23
22 COMO SE FAZ UMA TESE
mas, se não o fizerem, o mundo não se acabará. Recentemente,
num "objeto', com possibilidades de tornar·se objeto de pesquisa publicaram-se cartas que James Joyce escreveu à esposa sobre pican-
científica. tes problemas sexuais. Por certo~ quem estudar amanhã~ a gênese da
Em terceiro lugar, podemos concluir que já possuímos prova~ personagem Molly Bloom no Ulisses, de Joyce, poderá valer-se do
suficientes para demonstrar que os centauros existem de fato. NeSse conhecimento de que, em sua vida privada, Joyce atribuía à esposa
caso, para Constituirmos um objeto viável de discurso. deveremo~ urna sensualidade vivaz e desenvolvida como a_ de Molly. Trata-se,
coletar provas (esqueletos, fragmentos ósseos, fósseis. fotografias portanto, de uma útil contribuição científica._.-Por outro lado, exis-
infravermelhas dos bosques da Grécia ou o mais que seja), para que tem admiráveis interpretações do Ulisses ·onde a personagem Molly
também os outros concordem que, absurda ou correta, nossa hipo foi focalizada com exatidão sem o recurso àqueles dados. Trata-se,
tese apresenta algo sobre o qual se possa refletir. por conseguinte, de uma contribuição dispensáveL Ao contrário,
Naturalmente, esse exemplo é paradoxal, e não creio que va quando se publicou Stephen Hero, a primeira versão do romance de
alguém fazer teses sobre centauros, em especial no que respeita a Joyce Retrato do Artista quando Jovem, todos concordaram que
terceira alternativa; o que pretendi foi mostrar como se pode sem· era funda.tnental tê-lo em conta para a compreensão do desenvol-
pre constitUir um objeto de pesquisa reconhecível publicamente sob virn.ento do escritor irlandês. Era uma contribuição científica indiS-
certas condições. E, se se pode fazê-lo com centauros, por que não pensável.
com nOções como comportamento moral, desejos, valores ou a idêJa Analogamente, qualquer um poderia trazer à luz um daque-
de progresso histórico? les documentos, freqüentemente iionizados, a propósito de rigoro-
2) O -·~§tudo deve dizer do objeto_ algo que ainc!_a não foi. _tjit&- . síssimos filólogos alemães, chamados ·~notas de lavanderia,,. São
ou rever Sob _uma óptica diferente o que. já se disse:- Um traballiO textos de valor ínfimo, notas que o autor havia tomado das des-
-matematicamente exato visando demonstrar com métódos tradi- pesas a serem feitas naquele dia. Às vezes, dados deste gênero tam-
cionais o teorema de Pitágoras não seria científico, uma vez que naaa bém são úteis, ·pois podem conferir um tom de humanidade sobre
acrescentaria ao que já sabemos. Tratar-se-ia, no máxilno, de um o artista, que todos supunham isolado do mundo, ou revelam. que
bom trabalho de divulgação, como um manual que ..msinasse a cons- naquele momento ele vivia na mais extrema pobreza. Outras vezes,
truir uma casinha de cachorro usando madeira, pregos, serrote e porém, nada acrescentam ao que já se sabia, constituem insigni-
martelo. Como já dissemos em 1.1., mesmo uma tese de compilação ficantes curiosidades biográficas e carecem de qualquer valor cien-
_pode.ser cientificamente útil I1-ª.. medi9a, ·em que o compilador reuniu tifico, mesmo havendo pessoas que ganham fama de pesquisadores
·e -felacionqu de modo orgânico as opiniões ji•. expressas por_ outi'óS incansáveis trazendo à luz se1nelhantes ninharias. Não é que se deva
sObre o rneSITio tema. Da mesma maneira, um manual de instruções desencorajar aqueles que se divertem fazendo tais peSquisas, mas
sobre como fazer uma casinha de cachorro não constitui trabalho não é possível falar aqui em progresso do conhecimento humano,
científico, mas uma obra que confronte e discuta todos os métodos sendo bem mais útil (se não do ponto de vista científico, pelo menos
conhecidos para con$truir o dito objeto já apresenta algumas modes- do pedagógico) escrever um bon1 livrinho de divulgação que conte
tas pretensões à cientificidade. a vida e fale das obras daquele autor.
ApenaS uma coisa cumpre ter presente: um trabalho de com- 4) O estudo deve fornecer elementos para a verificação e a
pilação só tem utilidade científica se ainda não existir nada de pare- contestação das hipóteses apresentadas e, portanto, para urna conti-
cido naquele campo. Havendo já' obras comparativas sobre sistemas nuidade pública. Esse é um requisito fundamental. Posso tentar
de construção de câ.sinhas de cachorro, fazer outra igual é pura perda demonstrar que existem centauros no Pelo9oneso, mas para tanto
de tempo, quando não plágio. devo: (a) fornecer provas (pelo menos um osso da cauda, como se
3) O estudo deve ser útil aos demais. Um artigo que apresente disse); (b) contar como procedi para achar o fragmento; (c) infor-
nova descoberta sobre o comporta.tnento das partículas elementares mar como se deve fazer para achar outros; (d) ·dizer, se possível, que
é útiL Um artigo que narre como foi descoberta uma carta inédita tipo de osso (ou outro fragmento qualquer) mandaria ao espaço
de Leopardi e a transcreva na íntegra é útil. Um trabalho é cientí- minha hipótese, se fosse encontrado.
fico se (observados os requisitos 1 e 2) acrescentar algo ao que a Desse modo, não só forneci as provas para minha hipótese,
comunidade já sabia~ e se todos os futuros trabalhos sobre o mesmo mas procedi de maneira a permitir que outros continuem a· pesqui-
tema tiverem que levá-lo em conta, ao menos em teoria. Natural- ,,
sar, para contestá-la ou confirmá-Ia. it
mente, a importância científica se mede pelo grau de indispensabi- ~: ~
O mesmo sucede com qualquer outro _tema. Suponhamos que
lidade que a contribuição estabelece. Há contribuições após as quais eu faça uma tese para demonstrar que, num movimento extraparla-
t
os· estudiosos, se nãO as tiverem em conta, nada poderão dizer de mentar de 1969, havia dois componentes, um leninista e ou~ro
positivo. E há outras que os estudiosos fariam bem em considerar.
24 A ESCOLHA DO TEMA 25
COMO SE FAZ UMA TESE
trotskista, embora se supusesse que ele fosse homogêneo~ Devo apre- cimento); mas, por outro, cumpre dizer que toda empresa política
sentar documentos (panfletos, atas de assembléias, artigos, etc.) para com possibilidade de êxito deve possuir uma base de seriedade cien-
demonstrar que tenho razãO; terei de dizer como procedi Para encon- tífica.
trar aquele material e onde o encontrei, de modo a que outros possam. E, corno- se viu, é possível fazer-se uma tese Hcientífica" mesmo
continuar a pesquisar naquela direção; e devo mostrar ainda que cri- sem utilizar logaritmos e provetas.·
tério adotei para atribuir o dito material probatório aos membros
daquele grupo~ Por exemplo, se o grupo se desfez em 1970, preciso
dizer se considero como expressão do grupo apenas o material teó- 7
rico produzido por seus membros até aquela data (mas então, deverei 2.6.2. Temas histórico-·teóricos ou experiências ''quentes ?
mostrar quais os critérios que me levaram. a ·considerar certas pes--
soas como membros do grupo: inscrição, participaçã"o em assem- A esta altura, porém, nosso problema inicial se mostra refor-
bléias, suposições da polícia?), ou se considero também os textos mulado: será mais útil fazer uma ·tese de erudição ou uma tese ligada
produzidos pelos ex-membros do grupo após a sua disSolução, par- a experiências práticas~ a empenhos sociais diretos? Em outras pala-
. tindo do princípio· de que, se eles expressarmn depois aquelas idéias, vras, é mais útil fazer uma tese que fale_ de autores célebres ·ou de
isso significa. que já as tinham. em mente, talveZ camufladas, durante textos antigos, ou uma tese qU:e imponha uma intervenção direta
o período ativista do grupo.. Só assirÍl fornecerei aos outros a possi- na atualidade, seja sob o aspecto teórico (por exemplo, o conceito
bilidade de encetar novas investigações e mostrar, por exemplo, que de exploração na ideologia neocapitalista) ou de ordem prática (por
minhas observações estavam_ erradas_ porque, digamos, não se podia exemplo, estudo das condições da submoradia rios arredores de Roma)?
considerar corno membro .do grupo Um indiv-íduo que fazia parte dele A pergunta é-, por si mesma, ociosa. Cada um faz aquilo que
segundo a polícia, mas que nunca fora reconhecido como tal pelos lhe agrada, e se um estudante passou quatro anos debruçado sobre
outros metnbros, a julgar pelos documentos disponíveis. Terei assim :filologia românica, ninguém pode pretender que pass~ a se ocupar
apresentado uma hipótese, provas e proceditnentos de conf'liiilaçã'o de barracos, tal como seria absurdo pretender um ato de Hhl.llllildade
e contestação.
o acadêmican da parte de quem passou quatro anos com Danilo Dotei,
Escolhi de _propósito temas bizarros jUstamente para demons- pedindo-lhe uma tese sobre os Reis de França.
trar que os requisitos de cientificidade podem aplicar-se ·a qualquer Mas suponhamos que a pergunta vise a um estudante em crise,
tipo de pesquisa. a indagar-se para que lhe servem os estudos universitários e, em
Tudo o que disse nos reporta à artificiosa oposição entre· tese especial, a experiência da tese .. Suponhrunos que esse estudante tenha
ucientíficau e tese "política~'. Pode-se fazer uma tese politica obser- interesses políticos e sociais precisos e receie trair sua vocação dedi-
vanc;li:J todas as regras de cientificidade necessárias. Pode haver tam- cando-se a temas "livrescos''.
bém uma tese que narre umà experiência de inforniaçã4? alternativa Ora, ·estando já mergulhado numa experiência político-social
mediante sistemas audiovisuais numa comunidade operária: ela será que lhe permita entrever a possibilidade de fazer um discurso con-
científica na medida em que documentar, de. modo público e con- clusivo, seria bom que ele se colocasse o problema de como abordar
trolável, a minha. experiência e permitir a alguém refazê-la_ quer cientificamente sua experiência. ·
para obter os mesmos resultados, quer para descobrir que os meus Porém, se tal experiência não foi feita, então me parece que
haviam. sido casuais e de fato não se devirun à minha intervenção, a pergunta exprime apenas uma inquietude nobre, mas ingênua. Já
mas a outros fatores que não considerei. dissemos que a experiência de pesquisa imposta por uma tese serve
O bom de um procedimento científico é que ele nunca faz os sempre para nossa vida futura (profissional ou política, tanto faz),
outros perderem tempo: até mesmo trabalhar na esteira de uma hipó- e não tanto pelo tema escolhido quanto pela preparação que isso
tese científica para depois descobrir que ela deve sei refutada signiw impõe, pela escola de rigor, pela capacidade de organização do mate-
fica ter feito algo positivo sob o impulso de uma proposta anterior. rial que ela requer.
Se minha tese serviu para estimular alguém a começar novos expe- Paradoxahnente, poderemos dizer que um estudante com
rimentos de contra-informação entre operários (mesmo sendo ingêw interesses políticos não os trairá se fizer urna tese sobre a recorrên-
_nuas as minhas presunções), obtive qualquer coisa de útiL cia dos pronomes demonstrativos num escritor de botânica setecen-
Nesse sentido, vê-se que não existe oposição entre tese cientí- tista. Ou sobre a teoria do impetus na ciência antes de Galileu. Ou
fica e tese política. Por um lado, pode dizer-se que todo trabalho sobre geometrias não-euclidianas. Ou sobre os primórdios do direito
científico~ na medida em que contribui para o desenvolvimento do eclesiástico. Ou sobre a seita mística _dos Esicastos. Ou sobre medi-
conhechnento geral, tem sempre um valor político positivo (tem cina ãrabe medieval. Ou sobre o artigo do código de direito penal
valor negativo toda ação que tenda a bloquear o processo de conhe- concernente à hasta pública.
.,.,
A ESCOLHA DO TEMA 27
26 COMO SE FAZ UMA TESE
1nesa de botequim, . que entre doze pessoas a maioria prefere assistir
Pode-se cultivar interesses políticos (sindicais, por eXemplo) a uma partida de futebol em transmissão direta. Portanto, apre-
mesmo fazendo uma boa tese histórica sobre os movitnentos ope- sentar uma pseudopesquisa de trinta páginas para chegar a esse bri-
rários do século passado. Pode-se entender as exigências contem- lliante resultado é uma palhaçada. É, além do mais, um auto-engano
porâneas de contra-infOrmação junto às classes inferiores estudando para o estudante, qUe acredita ter obtido dados '~objetivos', quando
o estilo, a difusão, as modalidades produtivas das xilografias popu- apenas comprovou, de· maneira- .apr.oxiinada, s~~s próprias. opiniões.
lares no período renascentista. Ora, o risco de superficialidade existe especialmente para as ·1:
E, se se · qUiser ser polêmico, aconselharei ao estudante que teses de caráter político, e por duas razões: (a) porque numa tese
até hoje só tenha se dedicado a atividades políticas e sociais preci- histórica ou filológica existem métodos tradicionais de pesquisa a
que o autor não pode se subtrair, enquanto para os· trabalhos sobre
srunente uma destas teses, e não o relato de suas próprias experiên-
cias diretas, pois é claro que o trabalho de tese será a derradeira fenômenos sociais em evolução muitas vezes o método precisa ser '
ocasião para obter conhecimentos históricos, teóricos e técnicos, inventado (razão pela qual freqüentemente uma boa tese políticá
e para aprender sistemas de documentação (além de refletir. a partir é mais difícil que uma tranqüila tese histórica); (b) porque muita
de uma base mais runpla sobre os pressupostos teóricos oú históricos metodologia da pesquisa social Hà an1ericana" fetichizou os méto-
do próprio trabalho político). dos estatístico-quantitativos, produzindo vastas pesquisas que não
Trata~se~ naturalmente, de uma opinião pessoal. E é por: respei- se. prestam à compreensão dos fenômenos reais e, em conseqüên-
tar uma opinião diferente que me coloco no ponto de vista de quem~ cia, muitos jovens politizados assumem uma atitude de descon- 5
me_rg~lhado numa atividade política, queira acabar sua tese com fiança perante essa sociologia que, no mãxitno, é uma "sociometria ,,
esforço próprio e experiências. próprias de atuação política, ~o redi- acusando-a de servir pura e sitnplesmente o sistema de que consti-
gu a obra. tuem a cobertura ideológica. No entanto, a reação a esse tipo de pes~
Isto é possível~ e os resultados podem ser ótimos: mas cumpre quisa leva às vezes a não se fazer pesquisa alguma, transformando
diZer algumas coisas~ com clareza e severidade, em defesa da respei- a tese numa seqüência de panfletos. apelos ou assertivas mera-
tabilidade de uma empresa deste tipo. mente teóricas. ·
Sucede às vezes que o estudante atu~ha uma centena de páginas Como evitar esse risco? De mui tas maneiras: analisando estu-
com o registro d·e folhetos, atas de discussões, listas de atividades, dos '~sérios'~ sobre temas sexnelhantes, não se metendo num trabalho
estat1stícas porventura tomadas de empréstimo a trabalhos prece- de pesquisa social sem pelo menos ter acompanhado a atividade de
Ull1 grupo com alguma experiência, munindo-se de alguns métodos
dentes, -e apresenta o resultado como Htese política". E trunbém,
por vezes, acontece de a banca examinadora, por preguiça, dema- de cole ta e análise de dados~ não presumindo fazer em· poucas sema-
gogia ou incompetência, considerar bom o .trabalho. Mas, ao con- nas trabalhos de pesquisa que comumente são longos e difíceis ... Mas,
trário, trata-se de uma palhaçada, não só pelos critérios universi- como os problemas variam. conforme os campos, o tema e a .prepa-
-·i
tários, como pelos políticos também. Há um modo sériO e um modo ração do estudante - e não se podem dar consellios genéricos -,
irresponsável de fazer política. Um político que se decide por um limitar-me-ei a Uill exemplo. Escolherei um tema ''novíssimo",
plano de desenvolvimento sem possuir informações suficientes sobre para o qual não parece existirem precedentes de pesquisa, um ten1a
a situação social é pouco mais que um truão, quando não um cele- de candente atualidade e incontestáveis conotações políticas. ideo-
rado. E pode-se prestar um péssimo serviço à causa política elabo- lógicas e práticas - e qúe muitos professores· tradicionalistas defi-
rando uma tese política destituída dos requisitos científicos. niria.tn como "meramente jomalísticon: o fenômeno das estações de
Já dissemos em 2.6.1. que requisitos são esses e como são rádio independentes.
essenciais até para uma intervenÇão política séria. Certa vez, vi um
estudante que prestava exan1es sobre problemas de cOmunicação 2.63. Como transformar um assunto de atualidade em tema científico?
de massa asseverar que fizera uma "pesquisa" sobre público de TV
junto aos trabalhadores de uma dada zona .. Na realidade, interrogara, Sabemos que, nas grandes· cidades,_ surgiram dezenas e dezenas
de gravador em punho meia dúzia de gatos-pingados durante duas dessas estações; que existem duas, três quatro até nos centros com
viagens de trem. Era natural que o que . transpirava dessa transcrição cem·· mil habitantes; que elas surgem em toda parte. Que são de natu-
de opiniões não fosse uma pesquisa. E não apenas porque não apre- reza política ou comercial~ Que têm problemas legais, mas que a
sentava os requisitos de verificabilidade de uma pesquisa que se legislação é ambígua e ainda em evolução, e, entre o momento em (
preze, mas também porque oS resultados que daí se tiravam eram coisas qu~ escrevo (ou faço a ·tese) e o momento em que este livro for publi- t·
que poderiam muito bem ser imaginadas sem necessidade de pes- cado (ou a tese for discutida), a situação já terá mudado.
quisa alguma. Como exemplo, nada mais fácil que prever, numa
0
28 A ESCOLHA DO TEMA 29
COMO SE FAZ UMA TESE
Devo, pois, antes de tudo, delimitar com precisão o âmbito delas trabalham profissionais em tempo integral e em outras mili-
geográfico e cronológico do meu estudo. Poderá ser apenas As Esta- tantes em sistema de rodízio, terei de construir urna tipologia organi-
ç6es de Rádio Livres de 1975 a 1976, desde que completo. Se eu zativa. Deverei indagar se todos esses tipos possuem características
decidir exam.inar apenas as emissoras -de Milão, ótitno - mas que comuns que sirvam para definir um modelo abstrato de rádio inde-
sejam todas! De outra forma, meu estudo será incompleto, pois pendente, ou se. o termo ~'rádio livre" cobre uma série multiforme
terei talvez descurado as estações ·mais significativas quanto a pro- de experiências muitQ diferentes. $ facilmente compreensível como
gramas, índices de audiência, formação cultural de seus animadores, o rigor científico dessa análise pode ser útil também para efeitos
alvos (periferia, bairros, centro). práticos, pois, se eu- qui~er montar Uma rádio livre, deverei saber quais
Se decidir trabalhar sobre uma amostra nacional de trinta esta- são as condições ideais para seu funcionamento.)
ções, isto seria perfeitamente válido: mas -terei de estabelecer os Para- construir uma tipologia fidedigna, poderei, por exemplo,
critérios de escolha da ~ostra, e, se á realidade nacional for três proceder à elaboração de uma tabela que considere todas as carac-
emissoras comerciais para cada cinco políticas (ou um~ de extrema terísticas possíveis em função das ·várias rádios que examino, tendo
direita para cada cinco de esquerda), não deverei escolher uma na vertical as características de uma dada rádio e na horizontal a
amostra de trinta estações onde vinte e nove são políticas e de freqüência estatística de uma dada característica; O exemplo seguinte
esquerda (ou vice~versa)~ porque desse modo a imagem que dou do destina-se meramente a orientar, e é de dimensões modestíssimas~
fenômeno refletirá meus desejos ou temores-, e não a situação reaL no que respeita aos quatro parâmetros: presença de operadores pro~
Poderei ainda decidir (corno no caso da tese sobre a existên- fissionais, proporção música- fala~ .presença de publicidade e caracte~
cia de centauros num mundo possível) renunciar aO estudo sobre rização ideológiCa, aplicados a sete emissoras imaginárias.
as emissoras tais quais são e propor~ ao contrário, um projeto de Uma tabela assim revel3.ria, por exemplo, que a Rádio Pop é
emissora livre ideal. Mas, nesse caso, o projéto deve ser orgânico e conduzida por um grupo não-profissional, com caracterização ideo-
realista~ por um lado {não posso pressupor a existência de equipa- lógica explícita, que transmite mais música que conversa e aceita
mentos inexistentes ou inacessíveis a um grupo modesto e privado), publicidade. Ao mesmo tempo, dir-me-ia que a presença de publi-
e~ por outro~ nãO posso elaborar um projeto ideal sem levar em conta cidade e a preponderância da música sobre a fala não estão neces-
as tendências do fenômeno real, pel9 que, neste caso ainda, um sarirunente em. conflito com a caracterização ideológica, dado que
estudo preliminar sobre as rádios existentes é indispensáveL encoritrrunos pelo menos duas rádios nestas condições, enquanto
Em seguida, cabe-me tornar públicos os parâmetros de defi- só uma única com caracterizaçã9 ideológica e prep9nderância da
nição de "rádio livre"', ·ou seja, tornar publicrunente identificável fala- sobre a música: Por out;ro lado, nãq há nenhuma ~em caraCte-
o objeto do estudo. rização ideológica que não tenha publicidade e ein que prevaleça
Entendo por rádio livre apenas urna rádio de esquerda? Ou a fala. E assim por diante. Essa tabela é pu_ramente hipotética e
uma rádio montada por um ·pequeno grupo em situação semilegal considera poucos parâinetros e poucas emissoras: portanto, não
no país? Ou uma rádio não dependente do monopólio, ainda que permite tirar conclusões estatísticas seguras. Trata-se apenas de
porventura se trate de uma rede articulada com propósitos meta- urna sugestãO.
mente comerciais? Ou devo ter presente o parâmetro territorial e
só considerar rádio- livre uma rádio de_ San Marino ou de Monte Rádio Rádio Rádio Rádio Rádio Rádio Rádio
Beta Gama Delta Aurora Centro Pop Canal 100
Carlo? Como quer que seja, terei de explicar os meus critériOs e
explicar por que excluo certos fenômenos do campo de pesquisa.
Operadores +
Obviamente, tais critérios precisam ser razoáveis e os· termos que profissionais
uso terão de ser definidos de modo não-equívoco: posso decidir que,
para mim, são rádios livres apenas aquelas que exprinlem uma posi- Preponderân-
+ + + + + +
ção- de extrema esquerda; mas então devo levar em conta que, corou- cia de música
mente, com o termo Hrádio livre" se referem também outras rádios,.
e n~o posso ludibriar meus leitores fazendo-lhes crer ou que também
Presença de
+ + + + +
publicidade
falo delas ou que elas não existem~ Cumpre--me, em tal caso, especi-
ficar que contesto a designação uorádio livre~' para as rádios que não Caracterizada
quero· exruninar (mas a exclusão precisa ser justificada), ou escolher ideologica-
+ + + :·i
para as emiSsoras de que me. ocupo um termo menos genérico~ mente de + i,l'
modo explí-
Neste ponto preciso descrever a estrutura de uma rádio livre rj:-
cito
sob o aspecto organizacional, económico, jurídico. Se em algumas
30 COMO SE FAZ UMA TESE A ESCOLHA DO TEMA 31
Mas corno se obtêm estes dados? As fontes são três: dados determinada canção ou notícia de atualidade foram apresentadas
oficiais, declarações dos interessados e boletins de escuta. por duas ou mais rádios diferentes.
Dados oficiais. São sempre os mais seguros, mas, no caso de Poderíamos ainda comparar os programas das emissoras mono~
rádios independentes, bastante raros. Via de regra, existe um regis- polistas com os das rádios independentes: proporção música-fala,
tro junto ao órgão de segurança pública. Deve haver também, num proporção notícia~entretenimento, proporção _ programas-publici-
tabelião qualquer, uma ata constitutiva da sociedade, ou algo assim, dade, proporção música erudita-música popular, música nacional-
mas é pouco provável que possa ser consultada. Quando houver uma ~música estrangeira, música popular tradicional-música popular de
regulamentação mais precisa, outros dados estarão disponíveis, mas vanguarda etc. Como se vê, a partir de uma audiência sistemática,
de momento is_so é tudo. Lembremos, todavia, que dos dados ofi- munidos de um gravador e de um lápis, podem-se tirar inúmeras
ciais fazem parte o nome, a faixa de transmissão e as horas -de ativi- conclusões que nem sempre se manifestariam nas entrevistas com
dade. Urna tese que fornecesse pelo menos esses três elementos para os responsáveis.
todas as rádios constituiria já urna contribuição útil. Por vezes, o sírnples confronto entre diversos anunciantes (pro-
Declarações dos interessados. Aqui, são interrogados os res- porções entre restaurantes, cinemas, editoras etc.) pode nos dizer
ponsáveis pelas emissoras. Tudo o que disserem constitui dados algo sobre as fontes de financiamento (de outra forma ocultas) de
objetivos, desde que fique claro tratar-se daquilo que disseram, e uma determinada rádio.
desde que os critérios cte obtenção das entrevistas sejam homogê- A única exigência é que não introduzamos impressões ou indu-
neos. Será o caso de elaborar um questionário de modo que todos ções do tipo "se ao meio-dia transmitiu música pop e publicidade da
respondam a todos os temas julgados importantes, registrando-se Pan-American, então é uma emissora :filo-americana", pois convém
sempre a recusa de responder a esta ou àquela pergunta. Não quer saber também o que foi transmitido a uma, às duas ou às três, na
qJzer que o questionário deva ser seco e conciso, à base do sim e não. segunda, na terça e na quarta- feira.
Se todos os diretores fizerem uma declaração programática, o regis- Sendo muitas as emissoras, só temos dois caminhos: ou ouvir
tro de todas estas declarações poderá constituir um documento útil. todas ao mesmo tempo, forr:nando um grupo de escuta com tantos
Que fique bem clara a noção de "'dado objetivo" num caso desse registradores quantas forem as rádios (solução mais séria, porquanto
tipo. Se o diretor diz: "Não temos objetivos políticos e não somos permite comparar as várias rádios numa mesma semana), ou ouvir
financiados por ninguém~~. não significa que esteja dizendo a ver- uma por semana. Neste úl-tinlo caso, porém, é necessário trabalhar
dade; mas é um dado objetivo o fato de aquela pessoa apresentar-se soz_inho e ouvir uma rádio após outfa sem tornar heterogêneo o
publicamente com esse aspecto. No máximo poder-se-á refutar seme- período de escuta, que de maneira alguma pode cobrir o espaço de
lhante afirmativa por- meio de uma análise critica do conteúdo dos seis meses ou um ano, dado que neste crunpo as mutações são rápi-
programas transmitidos pela emissora em questão. Com o que che- das e freqüentes, e não teria sentido comparar os programas da Rádio
gamos à terceira fonte informativa. Beta em janeiro com os da Rádio Aurora em agosto porque, entre-
Boletins de escuta. Ê o aspecto da tese onde se pode assi- mentes, ninguém sabe o que aconteceu à Rádio Beta.
nalar a diferença entre trabalho sério e trabalho diletante. Conhe- Admitindo-se que todo esse trabalho tenha sido bem feito, que
cer a atividade de uma rádio independente significa tê-la acompa- restará por fazer? Muitas coisas. Vejamos algumas delas:
nhado durante alguns dias . . .,. uma semana~ digamos -, de hora em
hora, elaborando uma espécie de "rádio--correion que mostre o que
Estabelecer índices de audiência; não há dados oficiais e não se
é transmitido e quando, qual a duração dos programas, a quantidade pode confiar apenas nas declarações dos responsáveis; a única alter-
de música e fala, quem participa dos debates, se existem e quais os nativa é uma sondagem pelo método do telefonema ao acaso ("Que
assuntos tratados etc. etc. Não se pode colocar na tese tudo quanto rádio você está escutando neste momento?")- É o método seguido
foi transmitido durante a semana~ mas é possível recorrer àqueles pela _RAI, mas requer uma organização especial. um tanto dispen-
elementos significativos (comentários sobre músicas, debates, modo diosa. Ê melhor renunciar a essa pesquisa do que anotar hnpres-
de dar uma notícia) dos quais emerja um perfil artístico~ lingüístico sões pessoais como "a maioria ouve a Rádio Delta" só porque
e ideológico da emissora em apreço. meia dúzia de runigos afirma ouvi~la. O problema dos índices de
Existem modelos de boletins de escuta, para rádio e televisão audiência informa como se pode trabalhar cientificamente mesmo
elaborados durante alguns anos pela ARCI de Bolonha, opde os ouvin- sob-re um fenômeno tão contemporâneo e atual, mas como isso é
tes cronometravam a duração das notícias, a recorrência de certos difícil: é melhor uma tese sobre história romana, bem mais fáciL
termos~ e assim por diante. Uma vez realizado este estudo com várias Registrar a polêmica na imprensa e os eventuais juízos sobre cada
emissoras, poderemos proceder às comparações: por exemplo, como emissora.
A ESCOLHA DO TEMA 33
32 COMO SE FAZ UMA TESE
Recolher e comentar organicamente as leis pertinentes a esta ques- te!'>e que, a julga! pelo título, teria todos os atributos para pare-
tão, de modo a explicar corno as várias emissoras as ludibriam ou cer científica.
as obedecem e que problemas daí advêm:
Documentar as posições relativas dos diversos partidos.
2.7. COMO EVITAR SER EXPLORADO PELO ORIENTADOR
Tentar estabelecer tabelas comparativas dos custos publicitários.
É possível que os responsáveis pelas rádios escondam esse detalhe, Por vezes o estudante escolhe um tema de seu próprio inte-
ou mintam, mas, se a Rádio Delta faz publicidade do restaurante resse. Outras vezes, ao contrário, aceita a sugestão do professor a
Ai Pini, poderia ser fácil obter o dado- desejado junto ao proprie-
quem pede a tese.
tário do Ai Pini.
Ao sugerirem temas, . os professores podem seguir dois crité-
Fixar um evento-amostra (eleições são um assunto exemplar) rios diferentes: indicar um assunto que conheçam bem e onde não
e registrar a maneira como foi tratado por duas, três ou mais terão dificuldades em acompanhar o aluno, ou recomendar um tema
rádios. que conhecem pouco e querem conher mais.
Analisar o estilo lingüístico das diversas emissoras (irni tação dos Fique claro que, contrariamente à prilneira impressão, esse
locutores de grandes rádios, imitação dos disk-jockeys america- segundo critério é o mais honesto e generoso. O professor raciocina 1
nos, uso de terminologias de grupos políticos, adesão a falares que, acompanhando uma tese dessas, terá seus próprios horizontes
regionais. etc.). alargados, pois se quiser avaliar bem o candidato e ajudá-lo em seu
Analisar a maneira como certas transmissões das grandes rádios trabalho. terá de debruçar-se sobre algo novo. Em geral, quando o
foram influenciadas (quanto à escolha dos programas e dos usos professor opta por essa segunda via, é porque confia no candidato.
lingüísticos) pelas transmissões das rádios livres. E- normalmente lhe diz explicitamente que o tema é novo para ele
Recolher organicaxnente opiniões sobre rádios livres por parte de também e que está interessado em conhecê-lo melhor. Existem pro-
juristas, líderes políticos .etc. Três opiniões apenas fazem um artigo fessores que se recusam a Orientar teses sobre assuntos surrados,
de jornal, cem opiniões fazem uma pesquisa. mesmo na atual situação da universidade de massa, que contribui
Coleta de toda a bibliografia existente sobre o assunto, desde livros para temperar o rigor de muitos e incliná-los a uma maior compreeÍlsão.
e artigos sobre experiências análogas em outros países até os arti- Há, no entanto, casos específicos em que o professor está
gos dos mais remotos jornais de interior ·ou de pequenas revistas, fazendo uma pesquisa de grande fôlego, para a qual são necessários
de modo a obter a documentação mais Completa possív~l. iriúlneros dados, e decide valer-se dos candidatos· como membros
de sua equipe de trabalho. Ou seja, durante alguns anos, ele orienta
Convém deixar claro que você não deve fazer todas essas coisas. as teses numa direção específica. Se for um economista interes-
Apenas uma, desde que bem beita e completa, já constitui um ·tema sado na situação da indústria em um dado período, determinará
para uma tese. Também não se perise que essas são as únicas coisas teses concérnentes a setores particulares, com o fito de estabelecer
a fazer. Delineei somente alguns exemplos p~ra -mostrar corno até um quadro completo do assunto~ Ora, tal critério é não apenas legí-
sobre um tema tão pouco Herudito'" e pobre em literatura crítica timo mas também cientificaniente útil: o trabalho de tese contribui
se pode executar um trabalho científico, útil aos outros, inserível para uma pesquisa mais ampla, feita no interesse coletivo. E isso é
numa pesquisa mais ampla e indispensável a quem queira aprofun- útil até . didaticarrtente porque o candidato poderá valer-se de Con-
dar o tema, sem itnpressidnisrno, observações casuais ou ex trapo- selhos da parte de um professor muito bem informado sobre o
lações arriscadas. assunto, e utilizar como material de fundo e de comparação as teses
Para concluir: tese científica ou tese política? Dilema falso. já elaboradas por outros estudantes sobre temas afins. Assim, caso
É tão científico fazer uma tese sobre a doutrina das Idéias em Platão execute um bom trabalho, o candidato pode esperar urila publi-
como sobre a política da Lotta Continua na Itália entre 1974 e 1976. cação ao menos parcial de seus resultados, talvez no âmbito de uma
Se você é uma pessoa que pretende trabalhar a sério, pense bem obra coletiva. Há aqui, entretanto, alguns inconverrientes possíveis:
antes de escolher, pois a segunda tese é sem dúvida mais difícil que
a primeira e requer maior maturidade científica. Quanto mais não 1. O professor está entusiasmado com seu próprio tema e violenta
seja porque não terá uma biblioteca em que se apoiar, mas antes uma o candidato que, por seu lado, não tem o mínimo interesse naquela
biblioteca para organizar. direção. O estudante torna-se, nesse caso, um carregador de água
Como se vê, é possível conduzir de modo científico uma tese que se limita a recolher penosamente material que depois outros irão
que outros definiriam, ·quanto ao terna, como puramente '_'jornalís- interpretar. Como sua tese será modesta, sucederá que o professor,
tica"'. E é possível conduzir de modo puramente jornalístico uma ao elaborar a tese definitiva, talvez só use algumas partes do mate-
34 COMO SE FAZ UMA TESE
3.A Pesquisa do Material
rial recolhido, não citando sequer o estudante, até porque não se
lhe pode atribuir nenhuma idéia precisa.
2. O professor é desonesto, põe os estudantes a trabalhar, apro~
va-os e utiliza desabusadamente o trabalho deles corno se fosse seu.
Às vezes .se trata de uma desonestidade quase de boa fé: o mestre
acompanhou a tese·- com paixão, sugeriu várias idéias e, algum tempo
depois, não mais distingue sua contribuição da do estudante, tal
como, depois de uma acalorada discussão coletiva, não consegui-
mos mais recordar quais as idéias que perfilhávamos de início e quais
as que assumimos depois por estímulo alheio.
-~
A PESQUISA DO MATERIAL 37
36 COMO SE FAZ UMA TESE
ao caso precedente. Na falta de livros ou artigos de revista~ haverá em condições de aceder às fontes, e é preciso saber: (I) onde podem
artigos de jornal ou documentos de outro gênero. ser encontradas, (2) se são facilmente acessíveis, (3) se estou em
A distinção entre as fontes e a literatura crítica precisa estar condições de compulsá-las.
bem clara, porquanto esta últimd, freqüentemente~ reporta excer- Com efeito, posso aceitar imprudentemente uma tese sobre
tos das fontes, mas - como veremos no parágrafo seguinte - estas certos manuscritos de Joyce sem saber que se encontram na Univer-
são fontes de segunda mão. Ademais, um estudo apressado e desor- sidade de Buffalo, ou sabendo muito bem que nunca poderei ir
denado pode facilmente fazer com que se confunda o discurso sobre àquela cidade. Poderei aceitar com entusiasmo o trabalho sobre uma
as fontes com o discurso sobre a literatura crítica. Se escolhi como série de documentos pertencentes a uma família local e depois des-
tema O Pensamento Econômico de Adam Smith e me dou conta cobrir que essa família é extremamente ciosa de tais documentos,
de que, à medida que o trabalho avança, envolvo-me na discussão das só ·os mostrando a estudiosos de grande fama. Poderei aceitar tra-
interpretações de um determinado autor e descuro a leitura direta balhar sobre certos documentos medievais acessíveis, mas sem pen-
de Smith, posso- fazer duas coisas: ou retornar à fonte oU modificar sar que jamais fiz um curso que me habilitasse a ler manuscritos
o tema para As Interpretaç6es de Smith no Pensamento Liberal antigos.
Inglês Contemporâneo. Isso não me isentará de saber o que disse Sem querer procurar exemplos tão sofisticados, poderei acei-
Smith, mas é claro que a esta altura meu interesse é o de discutir tar -abordar um autor ignorando que seus textos originais são rarís-
não tanto o que ele disse, mas o que outros disseram inspirando-se simos, e que terei de arl.dar como um louco de biblioteca em biblio-
nele. Contudo, é óbvio que, se pretendo criticar em profundidade teca e de país em país. Ou pensar que é fácil obter os· microfilmes
seus intérpretes, terei de confrontar suas interpretações com o de todas as suas obras sem calcular que em minha universidade não
texto original. existe equipamento para leitura de microfilmes, ou que sofro de con-
Mas poderia suceder o pensamento original me interessar juntivite e não posso suportiu trabalho tão desgastante.
muito pouco. Admitamos que comecei uma tese sobre a filosofia Será inútil que eu, fanático por cinema, éscolha uma tese sobre
Zen na tradição japonesa. Claro está que preciso saber japonês e não uma obra menor de um realizador dos anos vinte, para depois des-
me fiar nas raras traduÇõ_es ocidentais ao meu dispor. Mas suponha- cobrir que dela só resta uma cópia nos Film Archives de Washington.
mos que, ao examinar a literatura crítica, fiquei interessado pelo Uma vez solucionado o problema das fontes, idênticas ques-
uso que certa vanguarda literária e artística americana fez do Zen tões surgem para a literatura crítica. Poderei optar por uma tese
nos anos cinqüenta. Logicamente, a esta altura, não me interessa sobre um autor menor do século XVIII porque, casualmente, a biblio-
mais saber com absoluta exatidão teológica e filológica qual seja o tecâ de minha cidade possui .a primeira edição de sua obra, para
sentido do pensamento Zen, mas de que maneira as idéias originais depois dar-me conta de que o melhor da literatura crítica sobre aquele.
do Oriente se tornaram elementos de uma ideologia artística oci- autor só é acessível a peso de ouro.
dental. Portanto, o tema da tese passará a ser O UsO de Sugest6es
Tal problema nã"o se resolve com a decisão de só trabalhar com
Zen na «San Francisco Renaissance., dos Anos Cinqüenta; minhas
o que se tem, porquanto, da literatura crítica, deve-se ler, se não tudo,
fontes, por seu turno, passarãq a ser os textos de Kerouac, Ginsberg,
pelo menos o mais importante, sendo necessário abordar as fontes
Ferlinghetti e assiin por diante. Estas são as fontes sobre as quais
terei de trabalhar, ao passo que, quanto ao Zen, bastar-me-ão alguns diretamente (ver parágrafo seguinte).
livros seguros e algumas boas traduções, desde que, naturalmente, Em lugar de cometer imperdoáveis negligências, é melhor esco-
eu não tenha intenção de demonstrar ·que os californianos tenham lher outra tese, conforme os critérios expostos no Cap. 2.
compreendido mal o Zen original, circunstância em que se tornaria A título de orientação, eis algumas teses a cuja discussão
obrigatório o confronto com os textos japoneses. Mas, se me limito_ assisti recentemente, cujas fontes eram identificadas de maneira muito
a tomar por ponto pacífico que eles se inspiraram livremente em precisa, limitavam-se a âmbitos verificáveis e estavam claramente
traduções do japonês, o qu·e passa a me interessar é o que fizeram ao alcance dos candidatos, que sabiam como manipulá-las. A pri-
do Zen e não aquilo que o z:en era originalmente. meira versava sobre A Experiência Clérigo-Moderada na Adminis-
Tudo para dizer que é muito importante definir logo o verda- tração Municipal de Módena ( 1889-1910). O candidato, ou o docente,
deiro objeto da tese, já que, desde o início, im.põe-se o problema havia limitado com bastante exatidão a amplitude do trabalho. O
da acessibilidade das fontes. candidato era- de Módena e, portanto~ trabalhava in loco. A biblio-
grafia se dividia em geral e sobre Módena. Presumo que, quanto à
No parágrafo 3.2.4. encontra-se um exemplo de como se pode
última, ele tenha podido trabalhar nas bibliotecas locais. Quanto
partir praticamente do nada para a descoberta: das fontes adequadas
à ·primeira, deve ter precisado fazer algumas incursões fora. Com
ao nosso trabalho, mesmo numa biblioteca modesta. Mas trata-se
respeito às fontes propriamente ditas, dividiam-se em fontes de arquivo
de um casowlimite. Em geral, aceita-se o tema sem saber se se está
r
_,L_ C.i.:
38 COMO SE FAZ UMA TESE
A PESQUISA DO MATERIA L 39
e jornalísticas. O candidato tudo vira e folheara todos os jornais
da época. mesn1o tempo, corno se pode executar com bom nível científico
A segunda era sobre A Política Escolar do PCI: Da Centro- um tema que, de início, apenas parece suscetível de uma honesta
-Esquerda à Contestação Estudantil. Tan1bérn aqui se pode ver como compilação. O título era A Problemática do Atar na Obra de Adolphe
o terna foi delimitado com exatidãp e, direi mesmo, com prudên- Appia. Trata-se de um autor famoso, bastante estudado pelos histo-
cia: após 68, o estudo se torna~Ía complicado demais. As fontes riadores e críticos de teatro, e sobre o qual parece que nada mais se
eram o jornal- oficial do PC, as atas parlamentares, os arquivos do pode dizer de Original. No entanto, o candidato lançou-se à pesquisa
partido e outro jornal. Posso imaginar que, por mais exata que tenha nos arquivos suíços, percorreu várias bibliotecas, não deixou inex-
sido a pesquisa, muitas coi.sas de outros jornais escaparam, mas plorado nenhum lugar onde Appia -trabalhou, conseguindo assim
tratava-se indubitavehnente de fonte secundária, da qual era possí- elaborar uma bibliografia dos escritos de e sobre Appia (inclusive
vel obter opiniões e ·críticas. Quanto ao resto, bastavam as decla- artigos n1enores, jamais lidos por qualquer pessoa). Com isso, pôde
rações oficiais para definir a política escolar do PC. Observe-se que exarrlinar o tema com uma amplitude e precisão que, no dizer do
a coisa teria sido bem outra caso a tese abordasse a política escolar orientador, fazia da tese uma contribuição definitiva illtrapassou-se
da Democracia Cristã, ou seja, de um partido do governo: de um a mera compilação, tornando públicas certas fontes até então
lado, as declarações oficiais, de outro os atos efetivos do governo, inacessíveis.
que poderiam contradizer aquelas, fazendo com que a pesquisa
assumisse ditnensões dramáticas. Cumpre ter presente ainda que,
se o período ultrapassasse o ano de 68, seria necessário classificar 3.1.2. Fontes de primeira e de segunda mão
entre as fontes de opiniões não-oficiais todas as publicações dos .,
grupos extraparlamentares que daquele_ ano em diante começaram Quando trabalhamos sobre livros, uma fonte de primeira mão
a proliferar. Novamente, a pesquisa seria árdua. Para concluir, imagino é uma edição original ou uma edição crítica da obra em apreço.
que o candidato tenha tido a possibilidade de trabalhar em Roma, ou __ lj:çzdu.ç:.f!_q_ nã~[9.JJ.t..e.;___ é uma prótese, como a dentadura ou
de receber fotocópias do material de que precisava. os óCulos, um meio de atingír de forma limitada algo que se acha
A terceira tese era sobre história medieval e, aos olhos dos fora do alcance.
profanos, parecia muito mais difícil. Abordava as vicissitudes dos Antologia não é fonte: é um apanhado de fontes, que pode
bens da abadia de San Zeno em Verona, na Baixa Idade Média. O ser útil num primeiro momento, mas fazer uma tese sobre determi-
núcleo do trabalho Consistia na transcrição, nunca feita antes, de nado autor significa tentar ver nele coisas que outros não viram, e
algumas folhas do registro da abadia no século XIII. Impunha-se, uma antologia só me mostra o que ninguém ignora.
naturalmente, que o candidato tivesse noções de paleografia, isto é,
soubesse ler e transcrever manuscritos antigos. Mas, uma vez de posse Resenhas efetuadas por outros autores, mesmo completadas
dessa técnica, tratava-se apenas. de trabalhar com seriedade e comen- pelas mais amplas citações, não são fontes: são, quando muito, fontes
tar o resultado da transcrição. No entanto, a tese apresentava em de segunda mão.
rodapé uma bibliografia de trinta obras, sinal de que o proQlema Uma fonte é de segunda mão por várias razões. Se pretendo
específico fora enquadrado historicamente na literatura precedente. fazer uma tese sobre os discursos parlamentares de Palmira Togliatti,
Suponho que o candidato fosse de Verona e tivesse escolhido um os discursos publicados pelo. Unità constituem fonte de segunda
trabalho que pudesse fazer sem precisar viajar. mão. Ninguém me garante que o redator não tenha feito cortes ou
A quarta tese versava sobre Experiências de Teatro _em Prosa cometido erros. Fontes de· primeira mão serão as atas parlamentares.
no Trentino. O candidato, habitante daquela região, sabia que por Caso eu conseguisse obter o texto escrito diretamente por Togliatti,
lá essas experiências· tinhan1 sido poucas, e P<:l-SSOU a reconstituí-las teria então uma fonte de pr:irneiríSs:irna mão. Se desejo estudar a decla-
por meio de consultas aos jornais, arquivos municipais, dados esta- ração de independência doS Estados Unidos, a única fonte de pri-
tísticos sobre a freqüência de público. Não é muito diferente o caso meira· mão é o documento autêntico. Mas trunbém posso considerar
da quinta tese, Aspectos da Politica Cultural em Budrio com Espe- de primeira mão uma boa fotocópia. O mesmo se diga do texto ela-
cial Atenção à Atividade da Biblioteca Municipal. Trata-se de dois borado criticamente por qualquer historiógrafo de seriedade indis-
exemplos de teses com fontes de fácil verificação, mas muito úteis cutível (Hindiscutível", aqui, quer- dizer: jamais discutido pela
por fornecerem documentação estatístico-sociológica utilizável por literatura crítica existente).~~--~..::-$Jà~ÇL~---() cOnceito de "prirn_~ita,.~~-_e__ ,
pesquis_adores -posteriores. ''s~gunda'_: __ wão---depe.nde-··ao ângulo da iêS:e;:s~.--~.esTa-·irltenta discutir
Ao contrário, a sexta tese constitui exemplo de uma pesquisa as ediÇÕes críticas existentes, é preciso Temontàr-· ·aos ong1na1s; se
feita com certa disponibilidade de "tempo e meios, mostrando, ao pretende discutir o sentido político da declaração de independên-
cia, urna boa edição crítica é mais que suficiente.
40 COMO SE FAZ UMA TESE A PESQUISA DO MATERIAL 41
Caso pretenda fazer uma tesé sobre As Estruturas Narrativas Se alguém pretendesse estudar mesmo a data da morte de Napoleão,
em "Promessi sposr,, uma edição qualquer da obra de Manzoni deveria procurar documentos da época. Mas se você está tratando
será suficiente. Se, no entanto, minha intenção for discutir proble- da influência da morte de Napoleão sobre a psicologia dos jovens
mas lingüísticos (digamos, Manzoni entre Milão e Florença), então liberais europeus, poderá confiar num livro qualquer de história e
deverei ter à mão boas edições críticas das várias redações da cita- acatar a data como boa. O problema, quando. se recorre a fontes de
da obra. segunda mão (declarando-o)~ é controlar sua multiplicidade e averi-
Digamos agora que, nos limites Fzxados pelo objeto de meu guar se uma dada citação ou menção de um fato são confirmadas
estudo, as fontes devem ser sempre de primeira mão. A única coisa por diferentes autores. De outro modo, é preciso ter cuidado: ou
que nào posso fazer é citar o meu autor por meio da citação feita se descarta aquele fato ou se recorre aos originais.
por outro. Em teoria, um trabalho científico sério não deveria Por exemplo: tendo aludido ao pensamento estético de São
jamais citar um~ citação, mesmo não se tratando do autor direta- Tomás, direi que alguns textos contemporâneos que discutem esse
mente estudado. Contudo, existem certas exceções, especialmente problema partem do pressuposto de que São Tomás afirmou:
para uma tese. Hpulchrum est id quod visum placet". Ora, eu próprio, que fiz minha
Se, por exemplo, você escolher O Problema da Transcenden- tese sobre esse tema, esmiucei os textos originais e descobri que
talidade do Belo na "Sumrna Theologica" de São Tomás de Aquino, Sa:o Tomás nunca dissera semelhante coisa. Dissera, sim, que «pulchra
a fonte primária há de ser a Summa de São ·Tomás; e digamos que dicuntur quae visa placent", não pretendo, no momento, explicar
a edição Marietti atualmente no mercado. basta, a menos que se por que as duas formulações podem levar a conclusões interpreta-
venha a suspeitar que trai o original, caso em que será necessário tivas diversas. QUe sucedera? A primeira fõrmüla fora proposta, há
recorrer a outras edições (mas aí a tese assumirá caráter Íllológico, muitos anos, pelo filósofo Maritain, que presumia estar fielmente
e não estético-filosófico). Em seguida, você descobrirá que o pro- interpretando o pensamento de São Tomás, e a partir daí outros
blema da transcendentalidade do Belo é também abordado por São estudiosos tinhrun se remetido àquela fórmula (extraída de uma
Tomás no Comentário ao De Divinis Nominibus, do Pseudo-Dionísio: fonte de segunda mão) sem se preocuparem em recorrer à fonte
e, apesar do título restritivo de seu trabalho, você precisará com- de primeira mão.
pulsar também esta última obra. Enfim, descobrirá que São Tomás Idêntico problema se coloca· também quanto âs citações biblio-
retomava aquele tema de toda uma tradição· teológica anterior e que gráficas. Precisando acabar logo a tese, você decide encaixar na
encontrar todas as fontes originais demandaria toda uma vida de bibliografia coisa que não leu, ou mesmo falar dessas obras em notas
trabalho erudito. Mas descobrirá que uma obra assim já existe, e que de ·rodapé (ou, no corpo do texto, o que é ainda pior); utilizando
foi feita por Henry Pouillon, o qual, em seu vastíssinlo trabalho, refere informações colhidas aqui e ali. Poderia então acontecer de você faZer
longos excertos de todos os autores que comentaram o Pseudo-Dio- uma tese sobre o Barroco, tendo lido o artigo, de Luciano Anceschi,
nísio, sublinhando relações, derivações e contradições. É certo que, "Bacone tra Rinascirnento e Baroccon, in Da Bacone a Kant (Bolo-
nos limites de sua tese, você poderá utilizar o material recolhido nha, MulinÇJ, 1972). Você o cita e depois, para mostrar sapiência,
por Pouillon sempre que quiser referir-se a Alexandre de Rales ou após deparar com algumas notas num outro texto, acrescenta: "Para
a Hilduíno. Caso perceba que o texto de Alexandre de Hales é outras observações pertinentes e estimulantes sobre o mesmo tema,
essencial ao desenvolvimento do discurso, é melhor consultá-lo dire- ve:r, do mesmo autor, 'L'Estetica de Bacone', in L 'Estetica delrem-
tamente na edição da Quaracchi; mas, se for apenas o caso de reme- pirismo inglese, Bolonha, Alfa, 1959". Você fará triste figura quando
ter a algumas breves citações, bastará declarar que a fonte foi obtida alguém lhe observar que se trata do mesmo ensaio, republicado
através do texto de Pouillon. Ninguém dirá que você agiu com levian- treze anos depois, tendo aparecido da primeira vez numa edição
dade, pois Pouillon é um estudioso sério e o texto que você colheu universitária de tiragem limitada .
. dele não constituía o alvo direto de sua tese. Tudo quanto foi dito a respeito das fontes de primeira mão·
A única coisa que não deverão fazer é citar uma fonte de continua válido se o objeto da tese não for uma série de textos, mas
segunda mão fingindo ter visto o original. E isto não apenas por razões um fenômeno porventura em curso. Se quero falar sobre as reações
de ética profissional: imaginem o que aconteceria se alguém lhe pergun- dos camponeses de uma dada região aos telejornais, é fonte de pri-
tasse como conseguiran1 consultar diretam.ente o tal manuscrito, meira mão a pesquisa que terei feito in loco, entrevistando, segundo
quando todos sabem que o mesmo foi destruído em 1944! as regras, uma amostra fidedigna e suÍiciente de camponeses. Ou,
Convém~ no entanto, não se deixar levar pela neurose da no máximo, uma pesquisa análoga, recém-publicada, de uma fonte
primeira mão. O -fãto de Napoleão ter morrido a 5 de maio de 1821 fidedigna. Mas, se eu me limitasse a citar dados de uma pesquisa de
é conhecido de todos, geralmente através de fontes de segunda mão dez anos atrás, é claro que estaria agindo erradamente, quando mais
(livros de história escritos com base em outros livros de história). não fosse porque,. de então para cá, mudaratn tanto os camponeses
_,L
42 COMO SE FAZ UMA TESE
A PESQUISA DO MA TERIA L 43
quanto os telejornais. Seria difetente se eu fizesse uma tese sobre mas bibliOtecas existem catálogos separados para diferentes temas.
As Pesquisas sobre a Relação entre Público e Televisão nos Anos Em outras, autores e assuntos aparecem num só. Em outras, ainda,
Sessenta.
há catálogos distintos para livros e revistas (divididos por assuntos
e autores). Em suma, é preciso estuda! o funcionamento da biblio-
teca onde se trabalha e decidir em conformidade. Poderá ainda acon-
3.2. A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
tecer que se encontre uma biblioteca que tem ·livros no primeiro
pavimento e as revistas no segundo.
3.2.1. Como usara biblioteca Uma certa intuição também é necessária. Caso o catálogo antigo
seja muito velho e estejam. os procurando o verbete "Retórica H~
De que maneira se faz uma pesquisa preliminar na biblioteca? será melhor dar urna olhada em · "RethóricaH também 1 pois talvez
Quando já se dispõe de uma bibliografia segura, o passo óbvio é um classificador meticuloso tenha adotado a grafia antiga em todos
dirigir-se ao catálogo por autores e. verificar o que a biblioteca em os títulos.
questão pode fornecer. Em seguida, outras bibliotecas são visitadas, Note-se em seguida que o catálogo por autOres é sempre mais
e assim por diante. Mas esse método pressupõe uma bibliografia já seguro que o catálogo por assuntos, dado que sua compilação inde-
pronta (e o acesso a urna série de bibliotecas, talvez uma em Roma pende da interpretação do bibliotecário, sempre presente naquele.
e outra em Londres). Não d-eve ser esse o caso de meus leitores. Não Com efeito, se a biblioteca possuir um livro de Rossi Giuseppe,
se pense tanibém que seja o dos estudiosos profissionais. O interes- esse nome constará inevitavehnente no catálogo por autores. Mas
sado poderá vez por outra dirigir-se à biblioteca à cata de um livro se Rossi Giuseppe escreveu um artígo sobre «O Papel de Odoacro
que sabe existir, mas em geral não vai ali com a bibliografia, mas na Queda do Império Romano do Ocidente e o Estabelecimento dos
organizar uma. Reis Romanos--Bárbaros", o bibliotecário poderá tê-lo inserido em
Organizar uma bibliografia significa buscar aquilo cuja exis- "Roma (História def' ou HOdoacro'', enquanto você procura em
tência ainda se ignora. O bom pesquisador é aquele que é capaz de Hlmpério do Ocidente". .
entrar numa biblioteca sem ter a mínima idéia sobre um tema e sair Mas pode ocorrer o caso de o catálogo não me dar as infor-
dali sabendo um pouco mais sobre ele. mações que procuro. Então, preciso começar de bases mais elemen-
tares. Em qualquer biblioteca há uma seção ou sala de Consultas,
O catálogo - Para procurarmos aquilo cuja existência ainda
ignoramos, a biblioteca oferece certas facilidades. A primeira é~ natu- on.de se encontram as enciclopédias, histórias universais_ e catálogos
ralmente, o catálogo por assuntos. O catálogo alfabético por autores bibliográficos. Caso eu busque algo sobre o hnpério Romano do
se destina àqueles que já sabem o que querem. Para quem ainda não Ocidente, deverei investigar o que existe sobre história romana, ela-
o sabe, há o catálogo por assuntos. Por meio dele, uma boa biblio- borar uma bibliografia básica a partir dos volumes de consulta à minha
teca informa tudo o que posso encontrar em suas salas - a queda disposição e prosseguir, a partir daí, verificando o catálogo por autores.
do Império Romano do Ocidente, por exemplo.
Catálogos bibliográficos - São os mais seguros para quern já
Mas o catálogo por assuntos- exige que se saiba como con-
tenha uma idéia clara do tema que pretende trabalhar. Para algumas
sultá-lo. Ê claro que não hav.erá o título "Queda do Império Romano.,
disciplinas, existem manuais Célebres onde se encontram. tqdas. as
na letra Q (a menos que se trate de uma biblioteca com um fichário
informações bibliográficas necessárias. Para outras, existem publi-
muito sofisticado). Será ·preciso procurar em "'Império Romano",
cações continuamente atualizadas de catálogos ou mesmo de revistas
depois em HRorna", depois em "História (romana)". E se caso já
[ dedicadas exclusivamente à bibliografia dessa matéria. Pará outras,
dispomos de algumas informações preliminares do curso secundá-
ainda, há revistas que trazem a cada número um apêndice informa-
rio teremos o cuidado de procurar em "Rôrnulo Augusto" ou "Au-
tivo sobre as publicações mais recentes. A consulta dos catálogos
gusto (Rômulo)'\ ."Orestes", "Odoacro'', '"Bárbaros" e "Roma-
bibliográficos - na rriedida em que estiverem atualizados - é essen-
no-bárbaros (Reinos)". Mas os problemas não param aí. Acontece
que, em muitas bibliotecas, existem dois catálogos por autores e I cial corno complemento da pesquisa no catálogo· da biblioteca. Com
efeito, a biblioteca pode ser muito bem servida no que diz respeito
dois por assuntos, isto é, o antigo, que vai até uma certa data, e o a obras mais antigas e ser carente de trabalhos mais novos. Ou pode
\
novo, talvez em vias de complementação e que mais tarde incluirá proporcionar-nos histórias e manuais da disciplina em questão data-
o antigo, mas não por enquanto. E não quer isto dizer que a Queda
do Império Romano se encontre no antigo só por ter acontecido I dos~ por exemplo, de 1960, com utilíssimas indicações bibliográ-
ficas, mas sem que se possa saber se saiu algo interessante em 1975
há muito tempo; pode haver um livro sobre o assunto publicado há (talvez a biblioteca possua estas obras recentes, mas as tenha classi-
apenas dois anos e incluído unicamente no catálogo novo. Em algu- ficado num assunto em que não se tenha pensado). Ora, urri catá-
I
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logo bibliográfico atualizado dá-nos exata:mente essas informações esse livro (algumas só fornecem cópias), razao pela qual se deve
sobre as últimas contribuições na matéria. estudar as possibilidades para cada caso, se possível com o auxílio
O modo mais cômodo de escolher os catálogos bibliográficos do professor. De qualquer forma, lembre-se de que muitas vezes as
é, em pr:iJ:neiro lugar, solicitar os títulos ao orientador da tese. Em instituições existem ma~ não funcionam _porque não as acionarn.os.
segunda instância, pode-se recorrer ao bibliotecário (ou ao encar- Por exemplo, na Itália, para saber se determinado livro existe,
regado do departamento de informações), o qual provavelmente nos e em que biblioteca, podemos nos dirigir ao
indicará a sala ou a estante em que estes catálogos estão à dispo-
sição. Não é possível dar mais conselhos sobre este ponto, pois, como Centro Nazionale de lriforrnazioni Bibliografiche
Biblioteca Nazionale Centrale Vittorio Emanuele II
se disse, o problema varia muito de disciplina para disciplina. 00186- ROMA- Itália
O bibliotecário - É preciso superar a timidez, pois, com fre-
qüência, o bibliotecário nos orientará com segurança, fazendo-nos ou ao
ganhar muito tempo. Devemos pensar que (afora casos de diretores
muito ocupados ou neuróticos) um diretor de biblioteca, principal- Consiglio Nazionale delle Riccerche
Centro Nazionale Documentazione Scientifica
mente se for pequena, se delicia em demonstrar duas coisas: a exce- Piazzale delle Scienze 7 - teL 490151
lência- de sua memória e de sua erudição e a riqueza da biblioteca ROMA- Itália
que dirige. Quanto mais longe do centro e menos -freqüentada, mais
ele se preocupa por ela ser desconhecida. E, naturalmente, rego- Lembre-se também de que muitas bibliotecas possuem uma
zijar-se-á por urna pessoa pedir ajuda. lista das novas aquisições, ainda não inseridas no catálogo. Final-
É claro que, se por um lado se deve contar muito com a ajuda
mente, não se esqueça de que, se se está. fazendo um "t;rabalho sério,
do bibliotecário, por outro, não convém confiar nele cegamente. no qual o próprio orientador está interessado, talvez se possa con-
Escute seus conselhos, mas procure também outras coisas por conta vencer sua faculdade a adquirir alguns textos importantes que, de
própria. O bibliotecário não é um perito universal e além do mais outro rnod<;>, não se pode ter acesso.
ignora que tratan1ento específico queremos dar ao nosso estudo.
Pode considerar fundamental uma obra que nos servirá muito pouco 3.2.2. Como abordar a bibliografia: o fichário
e não outra. que nos será, ao contrário, utilíssirrla, mesmo porque
não existe a priOri uma hierarquia de obras: úteis e importantes. Para N aturahnente, para organizar uma bibliografia de base, cum-
os objetivos de nossa pesquisa, uma idéia contida quase por engano pre manusear muitos livros. E muitas bibliotecas só liberam um ou
na página de um livro de outra forma inútil (e considerado irrele- dois, de cada vez, resmungam se você volta depressa demais para
vante por quase todos) pode revelar-se decisiva; tal página precisa trOcá-los, fazem-no perder muito tempo entre uma requisição e outra.
ser descoberta por nós, com empenho e um pouco de sorte, sem
Por isso, é aconselhável não procurar ler, na primeira assen-
esperar que alguém lha ofereça numa bandeja de prata.
tada, todos os livros encontrados, mas elaborar a bibliografia básica.
Consultas interbibliotecaS, catálogos computadorizados e Neste sentido, a consulta preliminar dos catálogos pennitirá que se
el?J.préstimos de outras bibliotecas - Muitas bibliotecas publicam faça os pedidos quando já se dispõe da Íista. Mas a lista obtida dos
catálogos atualizados de suas aquisições: portanto, em algumas delas catálogos poderá não dizer coisa alguma, e ficamos· sem saber qual
e para certas disciplinas é possível consultar catálogos que informam o livro a ser pedido em primeiro lugar. Por isso, a consulta dos catá-
sobre o que se pode encontrar em outras bibliotecas nacionais e até logos deverá ser acompanhada de um. a averjg:uação-preliminar ···dos--~-·
mesmo estrangeiras. Também aqui convém pedir informações ao __!ivros da sala de con~ult~.:.... Quando se--e-ríêõntra um capítulo sobre
bibliotecário. Existem bibliotecas especializadas ligadas por compu- o tema€:sco~ com a respecti~a bibliografia, pode-se lê-lo rapi~
tador a centrais de memória, que nos podem dizer em poucos segun- damente {para retomá-lo mais tarde), mas deve-se p_~ssa! imediata-
dos onde um determinado livro se encontra. m~QJ~- . -à--- bibliografia_ -e-~.c_o.piá::la __ in.teira--. Ao fazê-lo, entr-e· c;-· capítüló'
Será difícil encontrar uma biblioteca com semelhantes faciM ,...---êonsuhado e as eventuais notas qUe acompanham a bibliografia, se
!idades em nosso país, mas convém informar-se antes. for organizada racionalmente, far-se-á uma idéia de quais são os
Uma vez detectado o livro em outra biblioteca, nacional ou livros, dentre os enumerados, que o au~or considera básicos, e poderá
estrangeira, não se esqueça que em geral existe um serviço de elJ?-_P..!:.ti§:., __ depois pediMlos. Além disso, se se examinar não uma, mas várias
timos interbilJUqt_t;cas.,_ nacional ou internacionai:--1SS0---·1eVi.' algum obras de consulta, já terá feito um con~role cruzado das bibliogra-
... _tempo~--- maS:·· em se tratando de livros muito raros, vale a pena tentar. fias e descoberto quais as obras mais citadas por todos. Terá, assim~
Tudo depende de se a biblioteca a quem se dirige o pedido empresta estabelecido uma hierarquia inicial. Semelliante hierarquia talve~
'
~-.
f
46 COMO SE FAZ UMA TESE A PESQUISA DO MATERIAL 47
l, seja questionada no curso de seu trabalho, mas por enquanto é um fichas é o melhor e poderá servir-lhe para outro trabalho quando
}{ bom ponto de partida. você tiver terminado a tese, ou ser emprestado a outra pessoa que
Objetar~se-á que~ se há dez obras de consulta, copiar a biblio- vá trabalhar com o mesmo tema.
grafia de cada uma é trabalho longo e estafante; ademais, arrisca- No Cap. 4 falaremos de outros tipos de arquivos, corno o
Ino-nos a ter de consultar centenas de livros, mesmo fazendo uso arquivo de leitura, o arquivo de idéias, ou o arquivo de citaç6es (e
do controle para eliminar os repetidos (colocando a primeira biblio- veremos também em qué casos semelhante proliferação de fichas
grafia etn ordem alfabética, o controle das outras é facilitado). Mas se faz necessária). Aqui, cumpre insistir em que o arquivo biblio-
toda biblicteca que se preze dispõe de uma copiadora xerográfica, gráfico não deverá ser identificado com o de leitura, e por isso ante~
fornecendo cópias a baixo preço. Uma bibliografia específica numa ciparemos desde já algumas idéias a respeito deste último.
obra de consulta. salvo casos excepcionais, ocupa poucas páginas. O arquivo de leitura compreende fichas, de preferência em
Com uns poucos cruzeiros você poderá xerocar uma série de biblio- formato grande, dedicadas aos livros (ou artigos) que você de fato
grafias e depois, em casa, organizá-las com calma. Somente depois h leu: nelas você registrará ___ l.W.1!..:g},9.§_,__9_gt!_lj_~~-S.i-. ta.ç_9~-~ •.. __~'H!Üm......l!-1-.2?
disso você voltará à biblioteca para averiguar o que realmente lhe \ que puder servir p~ra _ref~r~r _o_ livro _lido_ no mo:rnento da -~t;_dação
será possível obter. A esta altura, ter uma ficha para cada livro se ÇCla1ese·-rqUaildõ'"'jà- J:Yaô ··:rer~r· O··1ivró ·à sua disposição) e. da btblio-
mostrará útil, uma vez- que, em cada uma delas, você poderá anotar Cifl-ãfiit final. Esse arquivo não precisa ser portátil e, ao invés de fichas,
a sigla da biblioteca e onde ele se localiza (uma ficha poderá conter poderá ser formado de folhas grandes (embora o formato de ficha
também ~siglas-e-v.áriaUQf:?Uz.açõ..e.s_on.de_~j!.YIQ.s__~~!lcon trai11; facilite o manuseio).
mas também haverá fichas sem siglas e isso será urna desgáiç·a, -iiásS'it O arquivo bibliográfico já é diferente: registrará todos os livros
ou da nossa tese). a serem· procurados, e não s6 os que você encontrou e leu. Pode-se
ter um arquivo bibliográfico de dez mil títulos e um de leitura de
Ao procurar uma bibliografia, à medida que v·ou deparando
dez - apesar de tal situaÇão sugerir que a tese começou muito bem
com os títulos, ver-me-ei tentado a anotá-los num caderno. A seguir,
quando for verificá-los num catálogo por autores, se os liVros iden- e acabou muito maL
tificados na bibliografia estão disponíveis in loco, anoto ao lado do O arquivo bibliográfico deve nos acompanhar sempre que for~
título a localização. Mas, se tiver anotado muitos títulos (e, numa mos a uma biblioteca. Suas fichas registram apenas os dados essen-
primeira pesquisa sobre determinado terna, facilmente podem chegar ciais do livro em questão e a sua localização nas bibliotecas explo-
a centenas), - a menos que depois se decida que muitos são parà radas. No máximo, conterão anotações do tipo "muito importante
pôr de lado. segUndo o autor x~~ ou "a ser encontrado de qualquer maneira" ou
ainda "fulano disse que é obra de pouca valia'~ e até Ha set com·
Portanto, o sistema mais cômodo é o de um pequeno arquivo prado". Isto é tudo. Uma ficha de leitura pode ser múltipla (um livro
de fichas. À medida que vou encontrando os livros, uma ficha é aberta
pode dar origem a várias fichas de anotação), P.~-ªJ:.?ib!}girslftca é_ªQ?..~
para cada um. Ao descobrir que um livro existe em dada biblioteca,
·~~":1§__\nna.
·anoto esse fato. Tais fichas são encontradas em qualquer papelaria
e ~ão baratas. Mas pode-se fazê-las em casa. Cem ou dezentas ·delas Quanto melhor elaborado for o fichário, mais um arquivo biblio-
ocupam pouco espaço e podem ser levadas na bolsa toda vez que gráfico poderá ser conservado e integrado por pesquisas posteriores,
se for à biblioteca. No Irm, você terá urna imagem clara do que ou emprestado (ou mesmo vendido): raz_ões de sobra para elaborá-lo
poderia encontrar e do que já encontrou, tudo em ordem alfabé~ bem e de forma legíveL Nã_o ·convém garatujar um título, porventUra
tica e de fácil acesso. Querendo, você poderá organizar a ficha de -errado, em caracteres estenográficos. Freqüenternente o arquivo bibliO-
modo que· no alto, à direita, conste a localização na biblioteca; no gráfico inicial (após terem sido assinalados nas fichas os livros encon-
alto, à esquerda, urna sigla convencional que informa se o livro lhe trados, lidos e classificados no arquivo de leitura) pode constituir a
interessa como referência geral, corno fonte para um capítulo etc. base para a redação da bibliografia final.
É._cJ.?:_ro_qy~~ se não se tiver paciénci3!-~Par.a_manter um fichário, São estas, pois, as nossas instruções para o registro correto dos
poderá recorrer aÕ-~CàClerno:--Mas os· ·ifiê:onvenientes·-sacf·--eviâehtes:·~ títulos, ou seja, as normas de citação bibliográfica. Elas são válidas
~fâ1Vé"ZVOce-anote -na··prúneifa página os <autores-~qué' começam com para:
A, na segunda os que começatn com B, e, após preencher a primeira,
não saberá mais onde enfiar um artigo de Azzimonti Federico ou 1) A ficha bibliográfica
de Abbati Gian Saverio. Melhor seria 3.dotar o 1nétodo das listas tele- 2) A ficha de leitura
fônicas. Abbati não virá antes de Azzirnonti, mas ambos estarão nas 3) A citação dos livros em notas de rodapé
quatro páginas reservadas à letra A. Em todo caso, o arquivo de 4) A redação da bibliografia final, 'i
!
-----·-----·-~··'-;
48 COMO SE FAZ UMA TESE A PESQUISA DO MATERIAL 49
e deverão ser retomadas nos diversos capítulos em que nos ocupar- Feltrinelli, Vallardi? Como poderá o livreiro ajudá-lo? E se a indi-
IDos dessas fases do trabalho. Mas são fixadas aqui de uma vez por cação for: "Paris, 1976'', para onde você escreverá? O nome da cidade
todas. Trata-se de normas muito inlportantes e você deverá ter a paciên- só bastará-> se se tratar de obras antigas C~Amsterdã, 1678"), encon-
cia de familiarizar-se com elas. N oh~ que são acima de tudo nol)Tias tráveis só em bibliotecas ou em circuitos restritos de antiquários.
funcionais por permítirem a qualquer um identificar o livro de que Se um livro -trouxer a indicação "Cambridge'', de que cidade se tratà?
se fala. Mas são também normas, por aSsim dizer, de etiqueta eru- De Cambridge da Inglaterra ou dos Estados Unidos? Há muitos auto-
dita: sua observação revela que a pessoa familiarizada com a disci- res importantes que só mencionam a cidade nos livros. A menos que
plina, quando violadas, traem o parvenu científico e, por vezes, lança se trate de verbetes de enciclopédia (que usam critérios de brevi-
uma sombra de descrédito sobre um trabalho em tudo o mais bem dade para economizar espaço), esteja certo de que se trata Qe autores
feito. Não são, pàis, normas vãs desprovidas de conteúdo, meros capri- esnobes, que desprezam seu público.
chos de teóricos. No esporte, na filatelia, ·no bilhar, na política, quem 4) De qualquer forma a citação "'Oxford, está errada. Tal livro
quer que empregue mal as «expressões-chaven é olhado com suspeita, nao foi editado em Oxford. Foi, como está no frontispício, pela
como uma espécie de intruso, alguém que não é Hdos nossos". É pre- Oxford University Press, que é uma editora com· sede em Londres
ciso amoldar-se às regras do grupo a que se deseja pertencer: uchi (bem como em Nova Iorque e em Toronto). Além do mais, foi
non piscia in compagnia o e un ladro o e una spia n. impresso em Glasgow, mas menciona-se sempre o local da edição,
Além disso, para violar regras ou opor-se a elas importa antes não o da impressão (salvo para os livros antigoS, quando os dois locais
de tudo conhecê-las e, eventualmente, saber mostrar sua_ inconsis- coincidem, pois o editor era ao mesmo tempo impressor e livreiro).
tência ou função meramente repressiva. Antes de afirmar que não é Encontrei numa tese um livro indicado como "Bompiani, Farigliano''
necessário sublinhar o título de um livro, é mister saber que se sublinha porque tinha sido impresso (como se evidenciava pelo Hacabado de
e por que se sublinha. imprirrlir") em Farigliano. Quem comete tais disparates dá a im-
pressão de nunca te:r visto um livro em sua vida. Para sua segurança,
não se contente com os dados do frontispício, mas vá até a página
3.2.3. A citação bibliográfica seguinte, a do copyright. Lá você encontrará o l-ec.al vex:dadeira____ dp. __,
ediç__ãQ~ data e o núme.r.CL.daMJção. \ --
Os livros - Eis um exemplo de citação errada:
Linlitando-se ao frontispício, poderá incorrer em erros paté-
Wilson, J ., "Philosophy and religion,., Oxford, 1961. ticos, como aqueles d~savisados que, para os livros publicados pela
Yale University Press~ Cornell University Press e Harvard University
~citação está errada pelas seguintes razões: Press, indicam como local de publicação Yale, Cornell e Harvard:
l)__f_Q_mece ....-apenas .. -a ~Jnic.t~L_Qg ___ prenome____ 4o_ .autor.-- A inicial nomes não de localidades, mas de célebres universidades particu-
não baSta, sobietudo porque, de uma pessoa, quero sempre saber lares. Os locais são New Haven, Cambridge (Massachusetts) e lthaca.
o nome e o sobrenome; depois, porque pode haver dois autores com Seria o mesmo se um estrangeiro. deparasse com um livro editado
o mesmo sobrenome e com a 1nesma iniciaL Se leio que o autor do pela Università Cattolica e o desse como publicado na jovial cida-
livro Clavis universalis é P. Rossi, jamais saberei se se trata do filó- dezinha balneária da costa adriática. Última advertência: é_º-.O_E1 men-,.
sofo Paolo Rossi, da Universidade de Florença, ou do filósofo Pietro ciona_r__a...._c.id.:tc;l_e~_da-edição_s_eropr.e-na-lín.gua.. el'iginaf.:.~P-or--tanto, Mila:rtd
Rossi, da Universidade de Turim. Quem é J. Cohen? O crítico e este- é" não Milão, London e não Londres.
tólogo francês Jean Cohen ou o Illósofo inglês J onathan Cohen? 5) Quanto à data, es-tá certa por acaso. Nem sempre a assina-
2) ~ç_QLoJ~~~illrSL._~§p_as___ p_titulo_d_QJíy_r.o_,._J?.<:?Js. _é lada no frontispício é a verdadeira. Pode ser a da última edição.
.co.stl!me-qu.a.ssLun.iY~~.SSD-com..!-it.!Jlos de capJ.tltlQ_s_.ou. artigos-·--·
Apenas na página do copyright você encontrará a data da prinleira
_de ... -revista.___Em todo caso, seria mellior escrever Religion com R edição (e poderá descobrir que a primeira edição foi publicada por
maiúsculo, porquanto os titules anglo-saxões empregrun com maiús- outra editora). A diferença às vezes se revela importante. Suponha-
culas substantivos, adjetivos e verbos, e com minúsculas artigos, par- mos que você depare com uma citação assim:
tículas, preposições e advérbios (exceto quando constituem a última Searle, J., Speech Acts, Cambridge, 1974.
palavra do título: The Logical Use of Ii).
3) Ê errado dizer onde um livro foi publicado e não esclarecer Afora outras inexatidões, se consultarmos o copyri!fht_, deSC9-
pdr quem. Suponha que você encontre um livro que considere briremos que a primeira edição é de 1969. Ora, pode ser que, em
importante, que gostaria de comprar e que traga a indicação: «Milão, sua tese, se trate de estabelecer se Searle falou ·dos speech lzcts _antes
1975,. Qual a editora? Mondadori, Rizzoli, Rusconi, Bompiani, ou depois de outros autores, razão por que a data da primeira edição
50 COMO SE FAZ UMA TESE A PESQUISA DO MATERIAL 51
é fundamental. Alé1n disso se se ler com atenção o prefácio do livro, Em todo caso~ consideramos válidos esses cinco exemplos. Dei-
dar-se-á conta de que sua tese principal foi apresentada como disser- xamos de parte, por ora, o exemplo 5, caso de bibliografia especia-
tação de PhD em Oxford no ano de 1959 (dez anos antes, portanto) lizada (sistema de referência autor-ano), do qual falaremos mais
e de que, no entretempo, várias partes do livro aparecerrun em inú- adiante, tanto a propósito das notas quanto da bibliografia final.
meras revistas fllosóficas. O segundo exemplo é tipicamente americano, sendo mais usado em
Ninguém pensaria em fazer uma citação destas: notas de rodapé do que em bibliografias finais. O terceiro, alemão
por excelência, é muito raro hoje em dia, e não acho que ofereça
Manzoni, Alessandro, I promessi sposi, Malfetta, 1976. qualquer vantagem. O quarto é bastante usado nos Estados Unidos
e considero-o ex tremam.ente antipático, pois não permite distinguir
apenas por ter em mãos uma edição recente aparecida em Malfetta. logo o título da obra. Já o sistema número 1 nos diz tudo o que é
Ora, quando se trabalha sobre um autor Searle equivale a Manzoni: preciso, informa com clareza que se trata de um livro e qual a espes-
você não deve difundir idéias erradas sobre seu trabalho, jamais. E sura desse livro.
se ao estudarmos Manzoni, Searle ou Wilson utilizarmos uma edição
posterior, revista e aumentada, precisaremos especificar a data da As revistas - Veremos quão cômodo é esse sistema procurando
primeira ediÇão tanto quanto a da que você utilizou. citar de três modos diferentes um artigo de revista:
'·j
Agora que já vírnos como não se deve citar um livro, exami-
nemos a seguir cinco maneiras de citar corretamente os dois livros ANC~&CHI, Luciano. "Orizzonte della poesia". II Verri 1 (NS), fevereiro 1962:
i·r
que mencionamos. Fique. claro que existem outros· critérios, cada 6-21.
ANCESCHI, Luciano. '"Orizzonte della poesia", Il Verri 1 (NS), pp. 6-21.
um dos quais válido enquanto permitir: (a) distinguir livros de· arti- ANCESCHI, Luciano, Orizzonte de !la ·poesia, in "Il Verri", fevereiro 1962,
gos ou de capítulos de outros livros; (b) determinar sem equívocos pp. 6-21.
o nome do autor e o título; (c) determinar o local de publicação,
editora e edição; (d) determinar, eventualmente, a espessura ou a
dimensão do livro. Deste 1nodo, os exemplos que dan1os são todos bons Haveria ainda outros sistemas, mas vejamos desde já o primeiro
e o terceiro. O primeiro coloca entre aspas o artigo e em grifo a revista;
de um modo geral, embora prefiran1os o primeiro por várias razões:
o terceiro traz o artigo em grifo e a revista entre aspas. Por que o
L Searle, John R. Speech Acts ~ An Essay in the Philosophy of Language. primeiro é preferível? Porque permite, à primeira olhada, saber que
1.a ed., Cambridge, Cambridge University Press, 1969 "Orizzonte della poesia'' não é um livro e sim um texto curto. Assim~
(5.a ed., 1974), pp. VIII-204. os~ artigos de revista entram ná mesma categoria (como se verá) dos
Wilson, John. Philosophy and Religion - The Logic of Religious Belief. capítulos de livros e de atas de congressos. É claro que o segundo
London, Oxford Universiiy Piess, 1961, pp: VIII-120.
exemplo é uma variação do primeiro; elimina apenas a referência
2. Searle, John R., Speech Acts (Cambridge: Cambridge, 1969).
Wilson, John, Philosophy and Religion (London, Oxford, 1961). ao mês de publicação. Mas, se o prirrleiro me fornece até a data do
3. Searle, John R., Speech Acts, Cambridge, Cambridge University Press, La ed.,
artigo e o segundo não~ este é defeituoso. Teria sido melhOr colo-
1969 (5.a ed., 1974), pp. VI!l-204. car, pelo menos: ll Verri 1, 1962. Você notará que ali consta tam-
Wilson, John, Philosophy and Religion, London, Oxford Universíty Press, bém a indicação (NS), ou seja, «Nova Série". E isso é írnportantís- ·
1961, pp. VJII-120. sinlo porque Il Verri teve uma primeira série com outro número 1,
4. Searle, John R., Speech Acts. London: Cambridge University Press, 1969. de 1956. Sendo preciso citar aquele número (que, obviamente, não
Wilson, John, Philosophy and Religion. London: Oxford University Press, poderia trazer a indicação "série antiga"), o melhor será proceder assim:
1961.
5. SEARLE, John R. GORLIER, Claudio. "L'Apocalisse di Dylan Thomas". ll Verri I, 1, outono
1969 Speech Acts - An Essay in the Philosophy o[ Language. 1956, pp. 39-46,
Cambridge, Cambridge University Press (5.a ed., 1974),
pp. VII- 204. onde, como se vê, além do número, está especificado a ''safra". A
WILSON, John
1961 Philosophy and Religion - The Logic of Religious Belief outra citação poderia ser reformulada como segue:
London, Oxford University Press, pp. VIII-120.
ANCESCHI, Luciano. "Orizzonte della poesia". fl Verri VII, i, 1962, pp. 6-21
Existem, naturalmente, soluções mistas: no exemplo 1, o nome
do autor poderia aparecer em maiúsculas, como no 5; no exemplo Note-se, ademais, que certas revistas numeram os fascículo:-.>
4, o subtítulo poderia constar, como no 1 e no 5. E há também, como progressivamente, durante o ano (ou por volume: e, num ano,. po- -~
veremos, sistemas ainda mais complicados, que chegam a mencio- dem ser publicados mais volumes). Assim, se se quiser, o número
nar o nome da coleção. do fascículo pode ser omitido, bastando registrar o ano e a página.
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52 COMO SE FAZ UMA TESE A PESQUISA DO MATERIAL 53
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54 COMO SE FAZ UMA TESE A PESQUISA DO MATERIAL 55
ter o leitor à literatura específica, em que se inspirará. Lembremos disciplinares - que constituem um segundo critério, mas não menos
apenas que, no âmbito de uma dada disCiplina, certas abreviaturas importante.
são de uso corrente e você não precisará dar outros esclarecimentos. Naturalmente, é preciso ficar atento aos casos ambíguos. Por
Para um estudo sobre as atas do congresso americano, um manual exemplo, os Pensamentos de Pascal trazem um número diferente
aconselha citações 'assim: conforme se trate da edição de Brunswick ou de outra, pois sua
ordenação difere. Tais coisas se aprendem na leitura da literatura
S. Res. 218, 83d Cong., 2d Sess., 100 Cong. Rec 2972 (1954).
crítica sobre o próprio tema_
que os especialistas lêem como: Citações de obras inéditas e documentos privados - Teses,
manuscritos e similares sao especificados como tais. Dois exemplos:
Senate Resolution number 218 adopted at the second session of the Eighty-
-Third Congress, 1954, and recorded in volume 100 of the Congressional LA PORTA, Andrea. Aspetti di una teoria dell'esecuzione nel linguaggio natu-
Record beginning.on page 2972. rale. Tese apresentada à Faculdade de Letras e Filosofia, Bolonha, A.A.
1975·76.
VALESIO, Paolo. Novantiqua: Rhetorlcs as a Contemporary Lingulstic Theory_
Analogarnente, num estudo sobre. I.tlosofia medieval, quando Original datilografado em curso de publicação (gentileza do autor).
se indicar um texto como encontrável em P.L. 175, 948 (ou PL,
CL:XXV, col. 948), qualquer pessoa saberá que a referência é à Asshn também se podem citar cartas e comunicações pessoais.
coluna 948 do 175.0 volume da Patrologia Latina de Migne, urna Sendo de inlportância secundária, basta dedicar-lhes uma nota, mas
coletânea clássica de textos latinos do Medievo cristão. Mas, Se se se tem uma importância decisiva para nossa tese, integrarão tam-
estiver elaborando ex novo urna bibliografia em fichas, será conve- bém a bibliografia:
niente que, da primeira vez se anote a referência completa da obra,
mesmo porque na bibliografia geral será melhor citá-la por extenso: Smith, John, Carta pessoal do autor (5/1/1976).
Na Tabela 2, como conclusão, acha-se um exemplo de ficha o livro na biblioteca e marquei no canto superior direito a sigla da
para o fichário bibliográfico. Como se vê, no curso da pesquisa biblio- biblioteca e os dados para a localização do volume. Enfun, encontrei
gráfica comecei identificando a tradução italiana. Depois encontrei o volume e retirei, da página do copyright, o título e o editor origi-
nais. lnexistiam referências à data, mas deparei com uma ao virar a
capa e a anotei com reservas. A seguir informei por que o livro deve
Tabela 1: RESUMO DAS REGRAS PARA A CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA ser levado em consideração.
Ao final dessa longa resenha sobre usos bibliográficos, procuramos listar todas
as indicações que uma boa citação bibliográfica deve apresentar. Sublinhamos Tabela 2: EXEMPLO DE FICHA BIBLIOGRÁFICA
(o que equivale ao itálico na forma impressa) o que deve ser sublinhado e
pusemos entre aspas o que assim deve ser. Há pontos, vírgulas e parênteses onde
eles devem estar.
O que marquei com um asterisco constitui indicação essencial que jamais deve (3/.>. con.
ser omitida. As demais são facultativas e dependem do tipo de tese.
_!07-SfU
LIVROS
*1. Nome e sobrenome do autor (ou autores, ou organizador, com eventuais
indicações sobre p$eudônimos ou falsas atribuições).
*2 . .Tftulo e subtftulo da obra,.
AVERBAC!-1 E.a<.Jz.
3. ( .. Coleção"),
4. NúmerO da edição (se houver várias),
~mU,_ib- J! /U.a6;,rrzo n e tfo_ ~tt;;la..-
*5. Local da edição: não existindo no livro, escrever s.l. (sem local),
*6. Editor: não existindo no livro, omiti-lo, ~c:{_ oc..c-i.dent:í:"& f CYT.Lno .5.:naud<.·
*7. Data da edição: não existindo no livro, escrever s.d. (sem data),
8. Dados eventuais sobre a edição mais recente, ./9'56 .2 vvÍó. k:JD .XX )(f .X - .28'1 e 350
I I
9. Número de páginas e eventual número de volumes de que a obra se compõe,
10. (Tradução: se o título era em língua estrangeira e existe uma tradução
na nossa, especifica-se o nome do tradutor, o título traduzido, local de .
edição, editor, data da edição e número de páginas. eventualmente). ~{o oU.C,úw.f
/1im~. PQ/Zqei~ tuirtJu!lch..izef
ARTIGOS DE REVISTA
*1. Nome e sobrenome do autor. '
:i-
6. (Eventual nome do organizador se primeiro foi colocado VV AA),
*7. Eventual número do volume da obra onde se encontra o ensaio citado,
*8. Local, Editor, data, número de páginas, como no caso de livros de um
só autor.
;:
,-_
L
63
A J?ESQUISA DO MATERIA L
62 COMO SE FAZ UMA TESE
estética e retórica: sei por exemplo que na Itália apareceram, nos
3.2.4. A biblioteca de Alessandria: uma experiência últimos decênios, livros sobre o Barroco de Giovanni Getto, Luciano
Anceschi, Ezio Rairnondi. Sei que existe um tratado. do século XVII~
Alguém poderia objetar que os conselhos dadOs vêm a calhar n cannochiale aristotelico, de Emanuele Tesauro, onde tais concei-
para um estudioso especializado e que um jovem sem "preparação tos são amplamente discutidos. Mas isto é o mínimo que deveria saber
específica encontra muitas dificuldades ao ·aprestar-se para a tese: nosso estudante, pois no fim do terceiro ano já terá prestado alguns
exames e, se teve mesmo contato com o aludido professor~ lido algo
não tem à sua 9-isposição uma biblioteca bem dotada, pois talvez que este escreveu e onde tais coisas são ao menos mencionadas. Em
viva numa cidade pequena; todo caso, para tornar a experiência mais rigorosa, assumo nada saber
possui idéias muito vagas a respeito do que procura e nem sequer do que de fato sei. Linüto-me aos conheciinentos de segundo ciclo:
sabe por onde começar no catálogo po.r assuntos Porque não· rece- sei que o Barroco é algo que tem muito a ver com a arte e a litera-
beu instruções suficientes do professor; tura do século XVII e que a metáfora é uma· figura de retórica. E
não pode ir de urna biblioteca a outra (não tem dinheiro nem tempo~ é tudó.
está adoentado etc.). Resolvo dedicar à pesquisa preliminar três tardes, das três às
seis. Tenho nove horas à minha disposição. Nesse tempo não se lêem
Tentemos agora ímaginar uma . situação-litnite. Suponhamos ltvros~ mas pode-se fazer um levantamento bibliográfico. Tudo o que·
um estudante que trabalha,_ que nQs prinleiros quatro anos do curso. eu disser nas primeiras páginas a seguir foi feito em nove horas. Não
foi muito poucas vezes à universidad,e. Teve coníatos esporádicos é meu intento apresentar o modelo de um trabalho completo e bem
com um único professor, por exeinplo, o de estética ou de história feito, mas o de um trabalho de orientação que deve servir para a tomada
da literatura italiana. Já um pouco atrasado para elaborar a tese, só
de outras decisões.
dispõe do· último ano acadêmico. Em setembro, conseguiu aproxi..., Ao entrar na biblioteca encontro-me, de acordo com o que
mar-se d-Õ · professor ou de um seu assistente, mas como era época
se disse em 3.2.1., perarite três caminhos:
de exames a conversa· foi r~pidíssima. O professor lhe dissera: '"Por
que não faz uma tese sobre o conceito de metáfora nos tratadis- 1) .wC"o.m.~.ç-ªr__ ,._Q_ .~~i;lP:le_d.o._catáloge~por--assun.tos.: ___ posso procurar
tas do barroco italiano?'' A seguir, o estudante regressou à sua ci- nos verbetes "'Italiana (literatura)'\ "Literatura (italiana)'\ "Estética'',
dadezinha de mil habitantes, sem biblioteca ·municipal. A locali- ''Século XVII'', ''Barroco'', "Metáfora'', ''Retórica'', ''Tratadistasn,
dade mais inlportante (noventa mil habitantes) está a meia hora de "Poética" 1 . A biblioteca tem dois catálogos, um antigo e um atuali-
viagem. Lá existe uma biblioteca, aberta de manhã" e à tarde. A ques-· Zado, ambos divididos por assuntOS· e autores. Não ·estando . ainda
tão é, com· duas licenças de meio expediente do trabalho, procurar integrados, preciso procurar _eii?- ambos. Poderei fazer um cálculo
ver se consegue encontrar lá algo .com que possa formar uma pri- imprudente: querendo urna obra ·do século XIX, devo ir~- ao catálogo
meira idéia da tese e talvez · até executar o trabalho todo sem mais antigo. Errado. Se a biblioteca a adquiriu há um ano num antiquá-
subsídios. Está fora de cogitações a coni.pra de livros caros ou a requi~ rio, ela está no moderno. A única coisa de que posso estar seguro é
sição de microf"Ihnes. No máximo, irá ao centro universitário (com que, se busco um livro aparecido. no último decênio, ele só pode estar
suas bibliotecas mais completas) duas ou três vezes entre janeiro e· no catálogo moderno.
abriL Mas por ora deve- arranjar-Se in loco. Se for a_bsoluta:mente 2) ,çorneç:':l:r _a_ ç:_ofiSYltªc.enciclopédias.-..e-histó.r.ias..-da,-.liter~ÇlJ!JI-ª·
necessário, comprará alguns livros recentes, em edições econônricas, Nas histófiãS"'literárias (ou da estética) devo ír ao capítulo sobre O
gastando o mínimo possíveL século XVII ou do Barroco. Nas enciclopédias posso procurar: Seis-
Este o qp.adro hipotético. Procurei co~ocar-me nas condições centismo, Barroco, Metáfora, Poética, Estética etc_., tal como no
dess"e estudant~ e"screve~do as presentes linhas num lugarejo do alto catálogo por assuntos.
Monferrato, distante. vinte e três quilômetros de Alessandrj.a (noventa
mil habitantes, uma bibloteca municipal-pinacoteca-museu). O centro
universitário mais próximo é Gênova (uma hora de viagem), mas com
uma hora e meia chega-se . a Turim ou a Pávia. A Bolonha, em três 1. Embora procurar "Seicento", "Barroco" ou "Estética" me pareça
horas. É já uma situação privilegiada, mas não cOnsideraremos os bastante óbvio~ a idéia de procurar em «Poética" parece um pouco rUais sutil.
Justifico-me: não podemos imaginar um estudante que chegue a este tema a
centros universitários. Ficaremos só com Alessandria. partir do nada, nem tampouco conseguiria formulá-lo; portanto, a sugestão
Em segundo lugar, procurei um tema sobre o qual jamais fiz deve ter sido feita ou por um professor, ou por um amigo ou por uma leitura
estudos específicos e que me encontro muito mal preparado. Trata-· preliminar. Portanto, terá sentido falar das "poéticas do Barroco" ou das poé-
ticas (ou programas de arte) em geral. Partimos, pois, do princípio de que o
-se, pois~ do conceito de metáfora na tratadística barroca italiana. É
estudante está de posse deste dado;
claro que nãO sou de todq virgem no assunto, pois já me ocupei de
A PESQUISA DO MATERIAL 65
64 COMO SE FAZ UMA TESE
de Sansoni. De interessante encontro os verbetes '"'"Metáfora,. e EXEMPLO DE FICHA A COMPLETAR, REDIGIDA COM BASE
HBarroco~'- -oprllneiro não dá indi~ações bibliográficas aproveitá- NUMA PRIMEIRA FONTE BIBLIOGRÁFICA COM LACUNAS
veis mas esclarece (e mais adiante dar-me-ei conta de quão impor-
tante é tal advertência) que tudo começa com a teoria da metáfora
de Aristóteles. O segundo menciona alguns livros que depois encon-
trarei em obras de consulta mais específicas (Croce, Venturi, Getto,
Rousset, Anceschi~ Raimondi) e faço bem em anotar todos; com
efeito, descobrirei mais tarde que aí está registrado um estudo muito
ICoB~~J9 I
importante de Rocco Montano, o qual as fontes posteriormente
consultadas omitem, quase sempre por serem anteriores.
A esta altura penso ser mais produtivO enfrentar uma obra de
RAIMONDI E
consulta mais aprofundada e mais recente, e vou à Storia della Lette-
ratura Italiana organizada por Cecchi e Sapegno, publicada pela Lo. /.. e tf:&z_ a !LiÃo.- ~u:..a__ ~>.e
Garzanti.
_/<?Ç_i
Além de capítulos de vários autores sobre poesia, prosa, teatro,
viajantes etc., encontro um capítulo de Franco Croce, "Critica e
trattatistica del Baroccd' (cerca· de cinqüenta páginas). Limito-me
a isso. Percorro-o por alto (não estou lendo textos, mas elaborando
uma bibliogràfia) e dou-me cOnta de que a discussão crítica começa
com Tassoni (sobre Petrarca), continua com uma série de autores
que discutem o Adone de Marino (Stigliani, Errico, Aprosio, Aleandri,
Villani etc.), passa pelos tratadistas a que Cioce chama barroco-mode-
rados (Peregrini, Sforza Pallavicino) e pelo texto-base de Tesauro,
que constitui. o verdadeiro tratado em defesa do engenho e perspi-
cácia barrocos (Htalvez a obra mais exemplar de todo o preceituário
barroco, mesmo no plano europeu'') e termina com a crítica do
Seiscentismo tardio (Frugoni, Lubrano, Boschini, Malvasia, Bellori .
e outros). Percebo que o núcleo de meus interesses deve incidir sobre
Sforza Pallavicino, Peregrini e Tesauro e passo à bibliografia, que
compreende uma Centena de títulos, organizada por temas, e não
por ordem alfabética. Devo então recorrer-.. às . fichas para organi-
zá-la. Notamos que Franco Croce se ocupa de vários críticos, de
Tassoni a Frugoni, e no fundo seria conveniente fichar todas as
referências bibliográficas que ele indica. Pode ser que, para a tese,
s6 sirvam as obras sobre tratadistas moderados e sobre Tesauro, mas
para a introdução ou para as notas podem ser úteis as referências a
outras discussões do período. Cumpre ter presente que .esta biblio-
grafia inicial deverá ser depois discutida pelO menos uma vez, quando
estiver pronta, com o orientador. Ele sem dúvida conhece bem o
assunto e assinl será capaz de di~er, desde logo, o que pode ser descar-
tado e o que se deve efetivarnente ler. Em todo casO, ·para nossa expe-
riência, limito-me às obras ·gerais sobre o Barroco e à bibliografia espe- cientemente, acrescentei depois a sigla ao alto, quando compulsei
cífica sobre os tratadistas. o catálogo por autores de Alessandria (BCA: Biblioteca Cívica de
Já dissemos como se devem fazer as fichas dos lívros quando Alessandria é a sigla que escolhi) e descobri que o livro de Raimond i
nossa fonte bibliográfica é incompleta: na ficha reproduzida na (Ezio!!) tem a seguinte localização: "'Co D 119~'.
página 67, deixei espaço para o nome pr6prio do autor (Ernesto? E assim farei com os demais livros. Nas páginas seguintes, porén1,
Epaminondas? Evaristo? Elio?) e do editor (Sansoni? Nuova Italia? agirei de moJo mais rápido, citando títulos e autores sem outras
Nerbini?). Depois da data, fica espaço para outras indicações. Evi- indicações. "·;
r,:
L
68 COMO SE FAZ UMA TESE A PESQUISA DO MATERIAL 69
:g
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J
Resumindo, consultei até agora os verbetes da Treccani e da ~
Grande Enciclopedia Filosofica (e decidi regiStrar apenas obras sobre .g
~ ~
a tratadística italiana), bem. Como o ensaio de Franco Croce. Nas
Tabelas 3 e 4, encontra-se a lista do que fichei. (ATENÇÃO: a cada
~
§
i g ~
..!l
I
meiro ficharnento, concedi-me uma diversão e passei a folhear o catá-
-=-~
.ug.-s::.u
logo. Assim, sei agora que outros livros posso consultar com vistas "'<! ;(l 5_, 8.o8o
c:.-
a completar minha bibliografia. wE
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Como se pode observar, de trinta e oito obras fichadas, encon- ~~
trei vinte e cinco. Quase setenta por ç_ento. Incluí tan1bém obras não-
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uma encontrei tarnbé:m, ou em vez dela, outra)~ """"
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Deixei claro ter limitado a escolha unicam.ente aos títulos refe- ;2 -~
rentes aos tratadistas. Destarte, deixando de lado outros críticos, não ,....,;:;
registrei, por exemplo, a Idéia de Panofsky que, mais tarde, viria a
descobrir, em outra fonte, que era igualmente itnportante para o
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Problema teórico que me interessa. Ao ver depois o ensaio HLe poe- u<3 irJ ~ ll:,
tiche dei barocco in Italian, do mesmo Franco Croce, no volume ti:
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de VV AA, Momenti e problemi di storia delrestetica, perceberia
que nesse _mesmo volume existe um ensaio, três vezes maior, de
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à bibliografia, não se pode exigir muito de uma obra geral que se <Z><l
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detém em 1940, mas ainda .assim ericontro, confirmados, algunS textos <&:; 8 =-~'"tiCI:::;:: ~
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clássicos, já citados. Chama-me a atenção o nome de Eugenio D'Ors.
Devo procurá-lo. Sobre Tesauro, encontro os nomes de Trabalza,
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Passo agora a consultar O volume de VVAA, Momenti e pro-
blemi di storia de/Cestetica~ Encontro-o e verifico que é de Marzorati,
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e completo a ficha (Croce dizia apenas: Milano). o o
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Aq1,1i, deparo com o ensaio de Franco Croce sobre poéticas do -E:=
Barroco literá:do na Itália, análogo ao que já tínhrunos visto, salvo o:G:
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por ser anterior, de modo que a bibliografia está menos atualizada. ~~I
No entanto, o tom é. mais teóÍ"ico, o que me é vantajoso. O tema, além -~-~ .l]l.§
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70 COMO SE FAZ UMA TESE A PESQUISA DO MATERIAL 71
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um ensaio (quase um livro por si só) de Anceschi, "Le poetiche del
barocco letterario in Europan. Vejo que é estudo de grande impor-
tância, pois não só enquadra fllosoficrunente a noçãó de barroco em
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devem sexvir-me de pano de fundo. De qualquer forma, terei de ter
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uma bibliografia completa sobre todas essas coisas. O texto. de Anceschi
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g forneceu-me cerca de 250 títulos~ Deparo com uma primeira lista
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de livros anteriores a 1946 e a seguir com outra, dividida por anos,
de 1946 _a 1958. Na primeira seção volto a confirmar a importância
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SSJ -~ ~§ dos estudos de Getto e Hatzfeld, do volume R e to rica e Barocco (e
.~~ ;;<-g t3 aqui descubro que foi organizado por Enrico Castelli); enquanto o
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texto- já me havia remetido às obras de WOlfflin, Croce (Benedetto)
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tirem alguns autores estrangeiros que trataram o problema sob vários
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;:; as POéticas artísticas, reconfifmo a importância de Morpurgo-Tagliabue
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(ainda no volume de Marzorati que tenho em mãos) o amplo ensaio
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Pelos verbetes de enciclopédia já examinados sobre a metáfora, con-
cluo - e devo ter registrado - que o problema surge já na Poética
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f§;á' ·C.:g....l2_;d_- <!.) :' o-=- 00 ~~- ci e na Retórica de Aristóteles: e agora aprendo em Vasoli que, no
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- ..,- "" a século XVI, houve uma coorte de comentadores dessas duas obras;
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e mais, que entre esses comentadores e os tratadistas barrocos situam-se
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.c:Gl~ "'"' "'"' os teóricos do Maneirismo, que já abordam o problema do engenho
e da idéia - coisa que já tinha visto aflorar nas páginas lidas suma-
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riamente sobre o Barroco. Impressiona-me, entre outras coisas~ a
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'!õ -~ -~ -~ '!õ interesse e só trabalhar sobre um aspecto específico, pois de outro
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72 COMO SE FAZ UMA TESE A PESQUISA DO MATERIAL 73
modo teria mesmo de ver tudo; mas, por outro lado, não deverei Praz, Ulivi, Marzot, Rairnondi. O círculo aperta-se. Certos nomes
perder de vista o panorama global, de modo que muitos desses textos· são citados por todos.
precisatn ser exatninados, ao menos para obter informações de Para torriar fôlego, volto a folhear o catálogo por autores: vejo
segunda mão. que o célebre livro de Curtius sobre literatura européia e Medievo
O amplo texto de Anceschí leva-me a ver também suas obras latino existe em tradução francesa, em vez de em alemão; a Literatura
sobre o assunto. Registro de pronto Da Bacone a Kant, Idea del Art[stica de Schlosser, como vimos~ tru:nbém existe. Ao procurar
Barocco e um artigo sobre "•Gusto e genio del Bartoli''. Em Ale- a História Social da Literatura e da Arte, de Arnold Hauser (é curioso
xandria só encontrarei este últirrlo e o livro Da Bacone a Kant. não existir aqui, pois saiu até em edição de bolso), encontro, do
mesmo autor, a tradução italiana do volume fundamental sobre o
A esta altura, consulto o estudo de Rocco Montano, "L'estetica
Maneirismo e ainda a Idéia, de Panofsky.
del Iinascimento e dei barocco", no volume XI da Grande antologia
filosofica Marzorati, dedicado ao Pensiero dei Rinascimento. e della Deparo com La Poetica deZ 500, de Della Volpe, n secentismo
Riforma. nella critica, de Santangelo, o artigo HRinascimento, aristotelismo
e barocco", de Zonta. Através do nome de Hehnuth Hatzfeld descu-
De repente percebo que não se trata apenas de um estudo, mas bro um volume de vários autores, precioso sob muitos aspectos, La
de uma antologia de excertos, muitos dos quais utilíssinlos para meu critica stilistica e il barocco letterario, Atas do II Congresso Interna-
trabalho. E mais uma vez constato quão estreitas são as relações entre cional de Estudos Italianos, Florença, 1957. Frustra-me a ausência
os estudiosos renascentistas da Poêtica, os maneiristas e os tratadis- de uma obra que parece iinportante, de Carmine J annaco, além do
tas barrocos. Encontro ainda urna referência a uma antologia da volume Seicento da história literária de Vallardi, os livros de Praz,
Laterza em dois volumes, Trattatisti d'arte tra Manierismo e Con- os estudos de Rousset e Tapié~ a já citada Retorica e Barocco com
troriforma. Enquanto procuro esse título no catálogo, esmiuçando o ensaio de Morpurgo-Tagliabue, as obras de Eugenio D'Ors e de
aqui e ali~ descubro que em Alessandria existe outra antologia publi- Menéndez y Pelayo. Em suma, a biblioteca de Alexandria nao é a
cada pela Laterza, Trattati di poetica e retorica del 600. Ignoro se Biblioteca do Congresso de Washington, nem mesmo a Braidense
devo recorrer a informações de primeira mão sobre esse tema, mas
de Milão, mas o fato é que já consegui trinta e cinco livros certos,
por prudência ficho o livro. Agora sei que ele existe.
o que não é nada mau para começar. Mas a coisa não acaba aí.
Voltando a Montano e à sua bibliografia, preciso fazer um
Com efeito, às vezes, basta encontrar um único texto para resol-
certo trabalho de reconstituição, pois as indicações estão espalhadas
v~r urna série inteira de problemas. Continuando no _catálogo por
por vários capítulos. Reencontro muitos dos nomes já anotados,
autores, resolvo dar uma espiada (visto existir e parecer-me obra de
vejo que deverei procurar algumas histórias clássicas da estética,
consulta fundamental) em "La polemica sul barocco", de Giovanni
como as de Bosanqttet, Saintsbury, Gilbert e Kuhn. Descubro que,
Getto, em VVAA, Letteratura italiana - Le correnti, vol. 1, Milano,
para conhecer suficientemente o barroco espanhol, preciso encon-
Marzorati, 1956. Percebo logo trdtar-se de um estudo de quase cem
trar a itnensa Historia de las ideas estéticas en Espafia, de Marcelino
páginas e de excepcional importância - porque aqui se narra a polê-
Menéndez y Pe!ayo.
n1ica sobre o barroco de então até nossos dias. Verifico que todos
Anoto, por prudência, os nomes dos comentadores quinhen- discutiram- o assunto, desde Gravina, Muratori, Tiraboschi, Bettinelli,
tistas da PoétiCa· (Robortello, Castelvetro, Escalígero, S"egrii, Caval- Baretti, Alfieri, Cesarotti, CantU, Gioberti, De Sanctis, Manzoni,
canti, Maggi, Varchi, Vettori, Speroni, Minturno, PiCcolomini, Çirardi Mazzini, Leopardi e Carducci, até Curzio Malaparte e autores que
Cinzio e outros). Verei depois ·que alguns deles estão reunidos em já havia registrado. Da maior parte deles Getto transcreve longos
antologia pelo próprio Montano~ outros por Della Volpe~ outros excertos, de tal modo que me surge um problema: se vou apresentar
airida no volume antológico da Laterza. uma tese sobre a polêmica histórica envolvendo o Barroco, preci-
Vejo-me remetido ao Maneirismo. Emerge agora, vigorosa- sarei procurar todos estes autores. Mas se trabalhar sobre textos .da
mente, a referência a Idéia de Panofsky. Uma vez mais a obra de época, ou sobre interpretações contemporâneas, ninguém me exigir::!
Morpurgo-Tagliabue. Indago-me se não se devia saber mais sobre os trabalho de tanto fôlego (que, ademais, já foi feito, e muito bern:
tratadistas maneiristas, Sedio, Dolce, Zuccari, Lomazzo e Vasari, a menos que pretenda fazer uma tese de alta originalidade cientí-
mas isso levar-me-ia às artes figurativas e à arquitetura, e talvez bastem fica, que demandará anos a fio de trabalho só para demonstrar que
alguns textos históricos corno Wõlfflin, Panofsky, Schlosser ou, mais a pesquisa de Getto é insuficiente ou mal abordada; contudo, traba-
recentemente, Battisti. Não posso deixar de registrar a i.m.portância lhos assim requerem maior experiência). E assim a obra de Getto
de autores não-italianos como Sidney, Shakespeare, Cervantes... me propicia uma docUmentação suficiente sobre tudo quanto nao
Volto a encontrar, citados como autores fundrunentais, Curtius, constituirá tema específico da minha tese, mas que não poderá
Schlosser, Hauser, autbres italianos como Calcaterra, Getto, AnCeschi, faltar. Trabalhos do gênero devem, pois, dar lugar ? 1 tma série de
A PESQUISADO MATERIAL 75
74 COMO SE FAZ UMA TESE
aristotelico; Nicola Peregrini, Delle Acutezze e I fonti dell'ingegno
fichas próprias. Isto é~ farei urna ficha sobre Muratori, outra sobre ridotti a arte; Cardeal ·Sforza Pallavicino, De! Bene e Trattato dello
Cesarotti, outra sobre Leopardi e assim por diante, anotando a obra stile e deZ dialogo.
onde expenderam juízos sobre o Barroco; em cada uma delas, copia- Vou ao catálogo por autores, seção antiga, e descubro duas
rei o resumo respectivo fornecido por Getto, com as citações (real- edições do Cannocchiale, uma de 1670 e outra de 1685. É pena que
çando, evidentemente, em rodapé, que o material foi extra~do deste não haja a primeira edição de 1654, tanto mais que não sei onde ter
ensaio de Getto). Se depois utilizar esse material na tese, uma vez lido que houve acréscimos de uma edição para outra. Encontro duas
que constitui informações de segunda mão, deverei sempre assi- edições do século XVIII da obra completa de Sforza Pallavicino. Não
nalar em nota: "cit. in Getto, etc.", e isso não só por honestidade, encontro Peregrinl (é uma lacuna, mas consola-me o fato de possuir
mas também por prudência, já que uma eventual imperfeição nas uma· antologia dele em Raimondi, com oitenta páginas).
citações não ficará sob minha responsabilidade; referirei lealmente Diga-se de p~sagem que encontrei aqui e ali, nos textos crí-
que as tirei de outro estudioso, não fingirei eu próprio ter visto tudo ticos, fragmentos de Agostino MaScardi e do seu De rarte istorica,
e ficarei tranqüilo. É claro que, mesmo quando confiamos num de 1636, uma obra com muitas observações sobre a arte que, entre..
estudo precedente desse tipo, o ideal seria averiguar novan1ente nos tanto, . não é considerada como integr_ante da tratadística barroca:
originais todas as citações utilizadas, mas aqui, convém insistir, esta- aqui em AlesSandria há cinco edições dela, três do século XVII e duas
mos fornecendo um modelo de pesquisa feita em poucos meses e do século XVIII. Conviria fazer uma tese sobre Mascardi? Pensando
com tempo exíguo. bem, a ·pergunta não é frívola. Se alguém não pode deslocar-se, o
Neste caso, porém, a única coisa que não posso permitir-me é mellior é trabalhar com o que há in loco.
ignorar os autores originais sobre os quais farei a tese. Devo então ir ao Certa vez um professor de tllosofia disse-me ter escrito um
encalço dos autores barrocos, pois, como dissemQS em 3.2.2., uma tese livro sobre determinado filósofo alemão apenas porque seu depar-
deve apresentar também material de primeira mão. Não posso falar dos tamento comprara a obra completa dele em nova edição. Do con- ·
tratadistas sem lê-los. Posso não ler os teóricos maneiristas das artes trário, teria estudado outro autor. Não é um belo exemplo de can-
figurativas, confiando em estudos críticos, uma vez que não consti- dente vocação científica, mas vem a propósito.
tuem o cerne de minha pesquisa, - mas não posso ignorar Tesauro.
PonhamOs os pingos nos ii. O que é que fiz em Alessandr_ia?
Tendo compreendido que devo ler de qualquer maneira a Reuni uma bibliografia que, no mí-nimo, compr~ende. uns trezentos
Retórica e a Poética de Aristóteles, aproveito para verificar esse ver- títulos, e registrei as indicações que encontrei. Desses, deparei em
bete. E com surpresa encontro umas boas quinze edições antigas da .AleSsailêlria com cerca de trin t~ afora os textos originais de pelo menos ·
Retórica, de 1515 a 1837, comentadas por Ermolao Barbara, tra- dois autores que poderei . estudar, Tesauro e Sforza Pallavicino. Não
dução de Bernardo Segni, com paráfrase de Averróis e Piccolom.ini; é nada mau . para uma. capital de província, mas bastará para a
além da edição bilíngüe de Loeb (inglês e grego). Falta a edição minha tese?
italiana da Laterza. Quanto à Poética, há também aqui várias edições, Falemos claro. Se eu quisesse fazer uma tese de três meses,
com comentários de Castelvetro e Robortelli, a edição de Loeb com só ·com material de segunda mão, bastaria. Os livros que não encon-
o texto grego e as duas traduções modemas ítalianas de Rostaglli trei serão citados nos que encontrei, e se elaborar bem a minha rese-
e Valgimigli. É mais que suficiente, a pontÓ de vir-me o desejo de nha, poderei daí extrair um discurso aceitáveL O problema seria,
fazer uma tese sobre um comentário renascentista ã Poética. Mas contudo, a bibliografia. Pois, se coloco apenas o que li realme.nte,
não divaguemos. o examinador poderia me atacar com base num texto fundamental
Em várias referências dos textos consultados verifiquei que que ignorei. Se. trapaceio, já vilnos como tal procedimento é errôneo
também seriam úteis para o meu estudo algumas observações de Milizia, e imprudente.
Muratori e de Fracastoro, e vejo que em Alessandria existem edições Porém, uma coisa é certa: nos primei:ios três meses posso' tra-
antigas desses autores. balhar tranqüilo ·sem deslocar-me das vizinhanças, entre sessões na
Mas passemos aos tratadistas barrocos. Antes de tudo, há a biblioteca e empréstimos. Devo ter presente que os livros de con-
antologia da Rícéiardi, Trattadisti e narratori de! 600, de Ezio Rai- sulta e os livros antigos não são erriprestados, assim. como os anais
mondi, com cem páginas do Cannocchiale aristotelico, sessenta pági- de revistas (mas para os ·artigos posso trabalhar com fotocópias). Outros
nas de Peregrini e outras sessenta de' Sforza Pallavicino .. Se ao invés livros· Podem: Se conseguir planejar algumas sessões intensivas no
da tese fosse meu alvo uma dissertação de trinta laudas para um exrune, centÍ'o universitário para os meses seguintes, de setembro a dezem-
seria mais do que suficiente. bro, poderei trabalhar tranqüilamente no Piemonte. Ademais, pode-
Entretanto, interessam-me também os teXtos completos e, entre rei ler toda a obra Tesauro e Sforza Ou melhor, devo indagar-me
estes, pelo menos os seguintes: Emanuele Tesauro, n Cannocchiale se não conviria antes centrar-me num só desses autores, ·lidando dire-
77
A PESQUISA DO MATERIAL
76 COMO SE FAZ UMA TESE
ou quase nada sobre um tema e ter, em três- tardes, idéias suficien-
tamente com o texto original e utilizando como fundo o materiai temente claras e completas. Por isso, não vale dizer que «estou no
bibliográfico. Depois será o caso de determinar os livros que não posso interior, não tenho livros, não sei por onde começar e não tenho
deixar de consultar e ir-lhes ao encalço em Turinl ou Gênova. Com
quem me ajude".
um pouco de sorte, encontrarei tudo o que preciso. Graças ao fato Naturalmente, é preciso escolher temas que se prestem a esse
de ter-me linlitado ao tema italiano, evjtarei de ir, quem sabe, a Paris jogo. Suponhamos que eu tivesse_ decidido escr~ver sobre a lógica
ou a Oxford. dos mundos possíveis em Kripke e Hintikka. Também fiz essa prova,
Mas tais decisões são difíceis de tomar. O mais sábio seria, uma e ela me custou pouquíssimo tempo. Urna primeira inspeção no
vez feita a bibliografia, fazer uma visita ao professor e mostrar-lhe catálogo por assuntos (verbete "'Lógican) revelou-me ciue a biblio-
o que tenho. Ele poderá ac.onselhar-me uma solução cômoda que teca possui pelo menos _quinze livros muito conhecidos de lógica for-
restrinja o quadro, e dizer-me quais os livros absolutrunente indis- mal (Tarsk.i, Lukasiewicz, Quine, alguns manuais, estudos de Casari,
pensáveis. Quanto a -estes, se em Alessandria, faltam alguns, posso Wittgenstein, Strawson etc.). Mas nada, evidentemente, sobre as
falar com o bibliotecário e saber_ se ele poderá pedi-los em ernprés- lógicas modais mais recentes, material que só se encontra, na maior
thno a outras bibliotecas. Num só dia no centro universitário serei parte dos casos, em revistas especializadíssimas e às vezes. falta até
capaz de identificar urna série de livros e artigos sem ter tido tempo em bibliotecas de institutos de filosofia.
de lê~ los. Para os artigos, a biblioteca de Alessandria poderá escrever Mas escolhi de propósito um tema que ninguém pensaria em
e solicitar fotocópias. Um artigo importante de vinte páginas me cus- abordar no último ano, ignorando-o de tOdo e sem ter em casa
taria pouco, incluindo as despesas postais. textos-base. Não quero dizer que seja uma tese para estudante
Em teoria, poderei tomar ainda outra decisão. Tenho em Ales- rico. Conheço um, nada opulento, que apresentou uma tese sobre
sandria os textos de dois autores principais e um número suficiente tema semelhante hospedando-se num pensionato religioso e com-
de textos críticos. Suficiente para entender aqueles dois autores, não prando pouquíssimos- livros. Mas era uma pessoa que optara por
para dizer algo de novo no plano hístoriográfico ou filológico (se ao empenhar-se em tempo integral e, embora sacrificando-se, não tinha
menos dispusesse da primeira edição de Tesauro, poderia fazer uma uma situação familiar precária a. exigir-lhe que trabalhasse. Não exis-
comparação entre três edições seiscentistas).- Suponhamos agora que tem teses que, por si mesma, sejam de estudantes ricos, pois mesmo
alguém me aconselhe a tomar no máximo uns quatro ou cinco livros um tema como As Variações· da Moda de Praia em Acapulco em Cinco
onde se exponham teorias contemporâneas da metáfora. Pessoal- Anos pode encontrar uma instituição disposta a financiar a pesquisa.
mente aconselho: Ensaio de Lingüistica Geral, de J akobson, a Retó- É claro, porém, que existeni teses impossíveis de ser feitas quando
rica Geral do Grupo f.l de Liêge e Metonímia e Metáfora de Albert se está em situaÇão particularmente difícil. E é por ísso que aqui
Henry. Tenho elementos para esboçar uma teoria estruturalista da procuramos estudar como levar a cabo trabalhos dignos, se não pro-
metáfora. E esses livros são fáceis de encontrar em tradução italiana priamente com figos secos, pelo menos sem frutos ~xóticos.
e a baixo custo.
Neste ponto, já posso comparar as teorias modernas com as
barrocas. Para um trabalho do gênero~ com os textos de Aristóteles,
Tesau,ro e uns trinta estudos sobre este, bem como os três livros con- 3.2.5. E se for preciso ler livros? Em que ordem?
temporâneos de referência, tenho a possibilidade de construir uma
tese inteligente, com alguma originalidade e nenhuma pretensão de O Capítulo sobre pesquisa na biblioteca e o exemplo de pes-
descobertas f"Ilológicas (apenas com a pretensão de ser exato no que quisa ab ovo que apresentei podem fazer pensar que fazer uma tese
respeita ãs referências ao Barroco). E tudo sem arredar pé de Ale- significa amealhar montes de livros.
xandria, a não ser para procurar em Turim Ç>U Gênova uns dois ou Mas urna tese é sempre feita sobre livros e com livros? Já vimos
três livros fundamentais. que também há teses expe'rirnentais onde se registram pe:squisas de
Mas tudo· isso são hipóteses. Poderia mesmo suceder que, fasci- campo~ fruto às vezes de meses e meses de observação do compor-
nado com a pesquisa, descobrisse (;'!Star tentado a dedicar não um tamento de um casal de ratos num labirinto. Sobre esse tipo de tese
mas três anos ao estudo do Barroco, pedindo crédito ou bolsa para não me aventuro a falar, uma vez que o método depende da disci-
estudar por conta própri;:t_ etc._, etc. Quanto ao leitor, não deve plina, e ademais quem costuma fazer pesquisas do gênero já vive em
esperar . que o presente livro .lhe vá. dizer o _que colocar em sua tese laboratórios, convivendo com oUtros pesqUisadores, e não precisa
ou o que fazer de sua vida. deste livro. Só sei, como já disse, é que mesmo neste gênero de tese
O que . queríamos demonstrar (e pensamos ter demonstrado) a experiencia deve ser enquadrada numa- discussão da literatura cien-
é que se pode ·chegar a uma biblioteca de interior sem saber nada tífica prec-edf"nte, de sorte que também aí os livros entram ein jogo.
iL
78 COMO SE FAZ UMA TESE A PESQUISA DO MATERIAL 79
O mesmo acontecerá a uma tese de sociologia que exija do um conselho teórico demais. Na realidade, cada um estuda ao ritmo
candidato um longo contato com situações reais. Também aqui pre- do objetivo e, nesse caso, Hcomer" desordenadamente não faz maL
cisará de livros, quando menos para saber como. se ÍIZeram pesqui- Pode-se avançar em ziguezague, alternar os objetivos, desde que uma
sas análogas. rigorosa rede de anotações pessoais, possivelmente sob a forma de
Há teses que se fazem folheando jornais ou atas parlamentares, fichas, dê consistência ao resultado destes movimentos "aventureiros".
mas elas também exigem uma literatura de apoio. Naturalmente, tudo depende também da estrutura psicológica do
En!nn, existem outras onde apenas se fala de livros, como em pesquisador. Existem pessoas monocrónicas e policrónicas. As pri-
geral as de literatura, filosofia, história da ciência, direito canônico meiras só trabalham bem quando começam e acabam uma coisa por
ou lógica formal. Nas universidades italianas, em especial nas facul- vez. Não conseguem ler ouvindo música, não conseguem interrom-
dades de ciências hUmanas, constituem maioria. Até porque um estu- per um romance para ler outro, senão perdem o fio da meada e, nos
dante americano que estude antropologia cultural tem os índios em casa casos extremos, nem sequer conseguem responder a urna pergunta
ou encontra quem lhe financie pesquisas no Congo, enquanto, de um enquanto fazem a barba.
modo geral, o italiano se contenta em analisar o pensamento de Franz Os policrônicos são o contrário. Só trabalham bem quando
Boas. Existem, está claro, e cada vez mais, boas teses de etnologia calcaR conduzem várias atividades concomitantemente e, se se concentram
das no estudo da realidade do país, mas mesmo aí se exige certo trabaR numa delas, tornam-se opressos e entediados. Os n1onocrônicos são
lho de biblioteca, ao menos para procurar repertórios de folclore mais metódicos, mas sua fantasia é ãs vezes limitada. Os policrônicos
anteriores. parecem mais criativos, não raro se revelam atabalhoados e incons-
Digamos, de qualquer forma, que o presente livro tem em mira, tantes. Mas se formos analisar a biografia dos grandes homens, veremos
por razões compreensíveis, a grande maioria de teses feitas sobre que entre eles havia tanto mol)ocrônicos quanto policrônicos.
livros e utilizando exclusivamente livros.
A este propósito, contudo, convém recordar que em geral uma
tese sobre livros recorre a dois tipos de livi:os: os livros de que se fala
e os livros -com a ajuda dos quais se fala. Em outras palavras, exis-
tem os textos-objeto e a literatura sobre eles. No exemplo do parãR
grafo anterior, tínhamos, pOr um lado, os tratadistas do Barroco e,
por outro, todos os que escreverarn sobre esses tratadistas. Devemos,
pois, distinguir os textos da literatura crítica.
Uma pergunta oportuna é, portanto, a seguinte: cumpre enfren-
tar iinediatamente os textos ou passar primeiro pela literatura crí-
tica? A questão pode ser· desarrazoada por dois motivos: (a) porque
a decisão depende da situação do estudante, que pode jã conhecer
bem o autor e decidir aprofundar-se, ou estar pela primeira vez aborR
dando um autor difícil e ã primeira vista incompreensível; (b) o cír-
culo é em si vicioso, pois sem literatura crítica preliminar o_ texto
pode parecer ilegível, e sem seu conhecimento não se pode aquilatar
a literatura crítica.
Mas a pergunta tem seu fundamento quando provém de um
estudante desorientado, o de nosso exemplo anterior, por exemplo,
a enfrentar pela primeira vez os tratadistas barrocos. Ele pode inda-
gar-se se deve começar a ler de imediato Tesauro ou familiarizar-se
antes com Getto, Anceschi, Raimondi etc.
A resposta mais sensata me parece esta: abordar em primeiro
lugar dois ou três textos críticos dos mais gerais, o suficiente para
formar uma idéia do terreno onde estã se. movendo; passar depois
ao autor original, procurando entender algo do que ele diz; a seguir,
examinar o resto da literatura crítica; por fim, voltar ao autor ori-
ginal e reexaminá~lo à luz das novas idéias adquiridas. Mas este é
'''l
conseguir escrever o prefácio, isto significa que ·não tem ainda idéias (Nacionalismo e Populismo na Literatura Italiana no Período da
claras sobre como começar. E, se as tem, é porque pode pelo menos Grande Guerra). Numa tese de caráter experimental você terá um
ususpeitar" onde chegará. Com base nessa suspeita, precisatnente, plano indutivo, onde se parte de algumas provas para a proposição
é que deverá rascunhar a introdução,· como se se tratasse de um de uma teoria; numa tese de caráter lógico-matemático, um plano
resumo do trabalho já feito. Não tenha medo de avançar demasiado. do tipo dedutivo, onde aparece primeiro a proposição teórica e depois
Sempre poderá alterar seus passos. suas possíveis aplicações a exemplos concretos... Direi que a lite-
Fica, pois, claro que introdução e íridice serão continuamente ratura crítica~ a que já nos referinlos, pode oferecer bons exemplos
reescritos à medida que o trabalho progride. É assim que se faz. O de· plafios de trabalho, bastando utilizá-la criticamente, comparando
índice e a introdução finais (que aparecerão no trabalho datilogra- os vários autores e vendo quem responde melhor às exigências do
fado) serão diferentes dos .iniciais. É normal Do contrário, pareceria problema formulado no título usecreto,, da te~e.
que toda a pesquisa não trouxera nenhuma idéia nova. O índice já estabelece qual será a subdivisão lógica da tese em
O que distinguirá a primeira e a última redação da introdução_? capítulos, parágrafos e subparágrafos. Sobre as modaiidades dessa
O fato de, na última, você prometer muito menos que na primeira, subdivisão~ vejam-se 6.2.4. e 6.4. Também aqui, uma boa Subdivisão
mostrando-se bem mais cauteloso. O objetivo da introdução defi- em disjunção binária permite acréscim.os sem que se altere demais
nitiva será ajudar o leitor a penetrar fia tese: mas nada de prome- a ordem iniCial. Por exemplo, se seu índice for:
ter~lhe o que depois você será incapaz de cumprir~ .. 0 ideal de uma
boa introdução definitiva é que o leitor se contente com ela~ entenda 1. Problema central
L2. Subproblema principal
tudo e rião leia o resto. Trata~ se;:: de_ um paradoxo~ mas muitas vezes 1.3. Subproblema secundário
wna boa introdução, num livro publicado, dá uma idéia exata ao
2. Desenvolvimento do problema central
crítico~ levando-o a. falar dele como o autor desejaria. Mas o que
2.1. Primeira ramificação
aconteceria se o orientador (ou _outro qualquer) lesse a tese e desco- 2.2. Segunda ramificação
brisse que você apregoou na introdução resultados a que em ver~
. dade não chegou? Eis a razão por que esta última redação deve ser cau- esta estrutura pode ser representada por um diagrarna em árvore,
telosa e só prometer o que a tese for capaz de dar. onde as linhas indicam sucessivas sub-rarnificações ·que poderão sei
A introdução serve também para estabelecer qual será o núcleo introduzidas sem perturbar a organização geral do trabalho:
e a periferia da tese, distinção irilportante não só por razões de mé~
todo. Será exigido mais de voCê no que ficou definido como núcleo
PROBLEMA CENTRAL
do que como periferia. Se numa tese sobre a guerra de guerrilha em PC
Monferrato ficar estabelecido. que o núcleo são os movimentos das
formações de Badoglio, serão perdoadas algumas inexatidões ou apro-
ximações a propósito das brigadas garibaldinas, mas exigir-se-á com-
SUBPROBLEMA SUBPROBLEMA DESENVOLVIMENTO
pletude absoluta sobre as formações de Franchi e Mauri. Natural- PRINCIPAL SECUNDÁRIO DO PROBLEMA
mente, o inverso também é verdadeiro. SP ss CENTRAL
Para decidir qual o núcleo (oU foco) d~ tese, você deverá saber DPC
algo sobre o material de que dispõe. Eis poi que o título "secreto",
a introdução fictícia e o índice-hipótese se contam. entre as primei-
ras coisas a fazer, J:9-aS não a primeira. PRIMEIRA
RAMIFICAÇÃO
A primeira coisa a fazer é a pesquisa bibliográfica (e já vimos PR
em 2.2.4. que é possível fazê-la em menos de uma semana, mesmo
numa cidadezinha). Lembremo-nos do exemplo de Alexandria: três SEGUNDA
dias bastariam para alinhavar um índice razoável.· RAMIFICAÇÃO
SR
Que lógica Presidirá ~.' construção do índice-hipótese? A esco-
lha depende do .tipo de tese. Numa tese histórica poderia haver um
plano cronológico (por exemplo: A Perseguição dos Valdenses na As siglas sob cada subdivisão estabelecem a correlação entre
ltdlia) ou de causa e efeito (por exemplo: As Causas do Conflito índice e ficha de trabalho, e serão explicadas em 4. 2.1. ·
Árabe-israelense). É possível um plano espacial (A Distribuição das Uma vez disposto o índice como hipótese de trabalho. tis fi-
Bibliotet;as Circulares no Canavesano) _ou comparativo-contrastante chas e outros tipos ·de documentação deverão sempre se referir aos
86 COMO SE FAZ UMA TESE O PLANO DE TRABALHO E O FICHAMENTO 87
que a tese seja A Idéia dos Mundos Passiveis na Ficção Cientzjica o tema e a seguir um para cada autor principal (Sheck.ly, Heinlein,
Americana e que a subdivisão 4.5.6. do plano seja ~~Inversão do tempo Asirnov, Brown etc.), ou então urna série de capítulos dedicados
como passagem entre mundos possíveis,'. Lendo Troca Mental cada qual a um romance-modelo. Nesse caso, mais do que um fichá-
(Mindswap) de Robert Sheckly, verá no capítulo XXI, página 137 rio temático, é necessário um fichário por autores. Na ficha Sheckly
da edição Omnibus Mondadori (título italiano Scambio Mentale), você terá todas as remissões que o ajudarão a encontrar as passagens
que o tio de Marvin, Max, foi colhido por uma inversão de tempo en- dos livros que tratam. dos mundos possíveiK Talvez a ficha esteja
quanto jogava golfe no Fairhaven Count:ry Club de Stanhope e se viu subdividida em Inversões de Tempo, Paralelismos, Contradições etc.
arremessado ao planeta Clesius. Você assinalará à margem da página 13 7: Suponhamos agora que sua tese aborde o problema de maneira
mais teórica, utilizando a ficção científica como ponto de referên-
T. (4.5.6.) inversão de tempo cia, mas discutindo de fato a lógica dos mundos possíveis. As refe-
rências à ficção científica serão puramente casuais, servindo para
que significará que a nota se refere à tese (pois dez anos depois você inserir citações textuais essencialmente ilustrativas. Nesse caso, terá
poderá usar o mesmo livro para outro trabalho, e é bom saber a qual necessidade de· um fichário de citações onde, na ficha Inversões de
.deles se refere determinada nota) e àquela subdivisão em particular. Tempo, registrará uma frase de Sheckly particularmente significa-
Da mesma forma~ marcará · no plano de trabalho, ao lado do pará- tiva; na ficha sobre Paralelismos, anotará a descrição de Brown de
grafo 4.5.6.: dois universos absolutaxnente idênticos, onde a única variação é o
laço dos sapatos do protagonista, e assim por diante.
cf. Sheckly, Mini:tswap, 137.
Mas tenha em mente a possibilidade de não possuir o livro de
num lugar onde já existem remissões ao Universo Absurdo de Brown Sheckly e que o leu na casa de um ãinigO residente em outra cidade,
e A Porta para o Verão de Heinlein. bem antes de idealizar um plano de trabalho que previsse os temas
;
das_ inversões de tempo e ·do paralelismos. Faz-se necessário então i
Mas tal procedimento pressupõe: (a) que você tenha o livro um fichiirio de leitura com uma ficha sobre. Troca Mental, os dados
em casa; (b) que possa rabiscâ-Io; (c) que o plano de trabalho jâ esteja bibliográficos desse livro, o resumo geral, uma série de avaliações
elaborado de modo definitivo. Suponha agora que não tenha o livro, sobre sua im.portância e várias citações textuais que de imediato lhe
porque é raro e só se encOntra na biblioteca; que ele é emprestado, e
pareçam significativas.
não se pode rabiscá-lo (ou poderia até ser seu, mas você não se atreve
a danificá-lo por ser de valor inestuná.el); ou ·que tenha de reestru- Acrescentemos as fichas de trabalho, que podem ser de vários
turar o plano: você está em dificuldades. O últiino caso é o mais ~tipos, fichas de ligação entre idéias e seções do plano, fichas proble- :t
normal. máticas (como abordar tal problema?), fichas de sugestões (que reco-
lhem idéias de outros. sugestões de desenvolvimentos possíveis) etc.,
À medida que você avança, o plano se enriquece e se reestru-
tura, impedindo que as anotações nas margens dos livros sejam alte- etc. Tais fichas deveriam. ter cores diferentes para c.ada série e conter
rados constantemente. Portanto, essas anotações devem ser gené- no topo da margem direita siglas que as relacionem com as fichas de
ricas, do tipo: "muridos possíveis!'' Como, pois, superar essas im- outras cores e com o plano geraL Coisa majestosa.
precisões? Fazendo, por exemplo, um fichário de idéias: terá uma Portanto: no parágrafo anterior~ :ilnaginamos a existência de
série de fichas com títulos como Inv.ersões de Tempo, Paralelismos um fichário bibliográfico (pequenas fichas com simpl~s ·dados biblio-
entre Mundos Passiveis, Contraditoriedade, Variações de Estrutura gráficos de todos os livios úteis conhecidos); agora, pesquisa-se a
etc., assinalando a referência precisa a Sheckly na primeira. TOdas existência de toda uma série de fichários complementares:
as referências a inversões de tempo poderão ser feitas num dado ponto a) fichas de leitura de livros ou artigos
do plano definitivo, mas a ficha poderá mudar de lugar, fundir-se b) fichas temáticas
com outras, posta antes ou depois de outra. _ c) fichas por autores
Eis, pois, que se esboça a existência de um primeiro fichário, d) fichas de citações
e) fichas de trabalho
o das fichas temáticas, que é perfeitamente adequado, por exemplo,
para uma tese de história das idéias. Se seu trabalho sobre mundos Mas precisrunos me~mo fazer todas estas fichas? Claro que
possíveis na ficção científica americana discrinlina as várias maneiras não. Bastará um fichário simples de leitura, com todas as Outras
pelas quais diversos autores abordaram os problemas lógico-cosmo- idéias registradas em _cadernos; ou apenas as fichas de citações se
lógicos, o fichário temático é ide?J. a tese (sobre a Imagem da Mulher na Literatura Feminina dos Anos 40,
Mas suponhan1os que você._ tenha decidido organizar a tese de por exemplo) partir já de .um plano muito preciso, tiver pouca lite-
modo diferente, ou seja, por retratos: um capítulo iritrodutório sobre ratura crítica a examinar e necessitar apenas da coleta de um abun-
·:1
i
dante material narrativo pata ser citado. Corno se vê, Q número e a Tabela 5: FICHAS DE CITAÇÕES
natureza dos fichários dependem do tipo de tese.
A única coisa que posso suge{"jr é que um dado fichário seja
completo e unificado. Suponhamos, por exemplo, que sobre o tema CIT
escolhido você tenha em casa os livros de Smith, Rossi, Braun e
De Gomera, e tenha lido na biblioteca os de Dupont, Lupescu e Vida como arte N~
Nagasaki. Se fichar apenas os três últimos e confiar na memória para
os outros quatro (e na segurança de tê-los ao alcance), como fará Whistler
no momento da redação? Trabalhar em parte com os livros e em parte
com as fichas? E se precisar reestruturar o plano de trabalho que
terá em mãos? Livros, fichas, cadernos, folhetos? Será mais útil fichar 11
Em geral a natureza se engana 11
por extenso, e com abundância de citações, Dupont, Lupescu e
Nagasaki, mas· elaborar ta:mbém fichas sucintas para Smith, Rossi,
?
Braun e De Gomera, talvez sem copiar as citações importantes e apenas
assinalando as páginas onde se encontram. Assim fazendo, traba- Original
lhará com material homogêneo, facilmente transportável e mane-
11
jável. E com um simples· passar de olhos saberá o que leu e o que Nature is usually wrong 11
resta a consultar.
J_A. McNeill Whistler
Há casos em que é mais cômodo e útil fichar tudo. Pense numa
tese literária onde deverá encontrar e comentar inúmeras citações The gentle art of making enemies
significativas de diversos autores sobre um mesmo tema. Suponha-
mos que o título seja O Conceito de Vida como Arte entre Roman- 1890
tismo e Decadentismo. Na Tabela 5 aparece" um exemplo de quatro
fichas que reúnem cit~ções a serem utilizadas.
Como se vê, a ficha traz no altO a sigla CIT (para distingui-la
de outros eventuais tipos de ficha) e a seguir o tema uVida como
arte'. Por que motivo especifico aqui o tema uma vez qÚe já o
conheço? Porque a. tese poderia desenvolver-se de maneira que Vida
H
cÁc
92 COMO SE FAZ UMA TESE O PLANO DE TRABALHO E O FICHAMENTO 93
"Podemos perdoar a um homem que faça uma coi- As fichas de leitura servem para a literatura crítica. Não usa-
rei esse tipo para aS fontes primárias. Em outras palavras, se você
sa útil fingindo que a admira? A única des - prepara uma tese sobre Manzoni, é natural que fiche todos os livros
e artigos sobre esse autor que puder recolher, mas seria estranho
culpa para fazer uma coisa Úti I é ·que ela S!:_ fichar I promessi sposi ou Carmagnola. Dar-se-ia o mesmo no caso
ja admirada infinitamente. Toda arte é com- de uma tese sobre alguns artigos do Código Civil.
O ideal, para as fontes primárias, é tê-las à mão. O que não é
pletamente inút>J." difícil em se tratando de autor clássico, sobre o qual existe abundân-
cia de excelentes edições críticas, ou moderno, cujas obras estão nas
livrarias. Em qualquer caso, trata-se um investimento necessário. Um
(Prefácio a O Retrato de livro ou livros seus podem ser sublinhados, até em cores diferentes.
Dorian Gray, edição tal E vejamos para quê.
Sublinhar personaliza o livro. Marca o seu interesse. Permite~lhe
pág. tal) voltar ao livro depois de muito tempo e encontrar imediatamente
o que outrora despertou seu interesse. Mas cumpre sublinhar com
critério. Há pessoas que sublinham tudo. Isso equivale a não subli-
94 C0\.10 SF FAZ FMA TFSF O PLANO DE TRABALHO E O FICHAMENTO 95
Tabela 6: FICHA DE REMEMORAÇÃO nhar nada. Por outro lado, pode acontecer qUe, numa mesma pág1na,
surjam informações que lhe interessam em níveis diferentes. Aqui,
cabe diferenciar os traços.
REM. Use lápis de cor, de ponta filia. Atribua a cada assunto uma
N'? cor: essas cores reaparecerão no plano de trabalho e nas fichas. Terão
t muita valia no momento da redação, quando você não terá problema
em reconhecer que o vermelho se refere aos trechos relevantes do
P9ss9gem do tátil ao visual primeiro capítulo, o verde aos do segundo, e assim por diante.
Associe uma sigla às cores (ou use siglas em vez de cores).
Voltando ao nosso tema dos mundos possíveis na ficção científica,
Cf. Hauser, História social da arte I I, 267, utilize a sigla IT para as inversões de tempo, C para as contradições
entre mundos alternativos. Se a tese aborda vários autores, use uma
onde cita welfflin para a passagem do tátil sigla para cada um.
ao visual entre o Renascimento e o Barroco: Use siglas para sublinhar a relevdncia das informações. Um sinal
vertical à margem com a anotação' IMP esclarecerá que o trecho é
linear versus pictõrico, fechado versus muito importante, tornando-se desnecessário sublinhar todas as
aberto, clareza absoluta versus cl.areza r e linhas. CIT poderá significar que o trecho merece ser citado por
inteiro. CIT/IT significará que a citação é ideal para explicar o pro-
1ati va, multiplicidade versus unidade. blema das inversões de tempo.
Essas idéias encontram-se em Raimondi, Coloque siglas nos pontos a retomar. Numa primeira leitura,
certas páginas lhe parecerãO obscuras. Nesse caso, coloque à margem
11 romanzo senza idillio, ligadas às e ao alto um grande R {"rever''), e assim saberá que precisa voltar
a elas, para aprofundar seu conteúdo, depois que a leitura de outros
recentes teorias de Mcluhan (A Galáxia livros esclarecer aquelas idéias. ··
de Gutenberg) e Walther Ong. ~ Quando não se deve sublinhar? Quando o livro não for seu,
naturalmente, ou se tratar de uma edição rara, de grande valor comer-
cial, que perderá muito desse valor se rabiscada. Neste caso, o melhor
é tirar fotocópias das páginas relevantes e sublinhá-las. Ou trans-
crever num caderno os_ trechos i.tnportantes, intercalando-lhes comen-
tários. Ou ainda elaborar um fichário também para as fontes primá-
rias, trabalho fatigante já· que você precisará fichar praticamente
página por página. Será ótimo se a tese for sobre Le grand Meaulnes,
livro bem curto: mas se for sobre A Ciência da Lógica, de Hegel?
E se, voltando à nossa experiência na biblioteca de Alexandria
(3.2.4.), você precisar fichar a edição seiscentista do Cannocchiale
aristotelico de Tesauro? A solução é a fotocópia ou o caderno de
apontamentos, também este controlado por cores e siglas.
Complete os trechos sublinhados com marcadores de página, ano-
tando na ex tremida de saliente as siglas e as cores.
Cuidado com o alibi das fotocópias! As fotocópias são um
instrumento indispensável, seja para que você conserve um texto
já lido na biblioteca, seja para que leve para casa algo que ainda não
leu. Mas às vezes as fotocópias funcionam como alibi. Alguém leva
para casa centenas de páginas fotocopiadas e a ação manual que
exerceu sobre o livro lhe dá a impressão de possuí-lo. E a posse exime
da leitura. Isto acontece a muita gente. Uma espécie de vertigem do
- ,,.~,.---~
acúmulo, um neocapitalismo da informação. Cuidado com as foto- extrair dele todas as indicações possíveis, tais como número de
cópias: leia-as e anote-as logo após tirá-las. Se não tiver apressado, páginas, edições, dados sobre a editora etc.;
não tire fotocópias de textos novos antes de possuir (isto é, ler e b) infonnações sobre o autor, quando não se tratar de autori-
anotar) a fotocópia anterior. Há muitos casos que ignoro porque dade notória.
f(•tocopiei certo trecho: sinto-me tranqüilo como se o tivesse lido. c) breve (ou longo) resumo do livro ou dp artigo.
Se o livro for seu e não tiver valor de antigüidade, não hesite d) citações extensas, entre aspas, dos trechos que você pre-
em anotá-lo. Não dê crédito àqueles que dizem que os livros são sume. dever citar (e até de outros), com indicação precisa da página
intocáveis. Maior respeito é usá-lo, não pô-lo de lado. Mesmo sé você ou páginas; cuidado para não confundir citação com paráfrase (ver
os vender a um sebo, não obterá mais que alguns tostões, pouco 5.3.2.)!
importando se deixou nele ou não o sinal de sua posse. e) comentários pessoais no começo, meio e fim do resumo;
Leve tudo isso em conta antes de escolher o terna da tese. Se para não confundi-los com obra do autor, coloque-os entre colchetes.
este obrigá-lo à consulta de livros inacessíveis, de milhares de pági- f) coloque no canto superior da ficha uma sigla ou cor que
nas, sem possibilidade de fotocopiá-los ou transcrevê-los em cader- a aproxime da parte do plano de trabalho exata; ·se se referir a mais
nos e mais cadernos, a tese não serve para você. de uma parte, use várias siglas; se se referir à tese em seu conjunto,
assinale-o de qualquer maneira.
4.2.3. As fichas de leitura Para não contiÍl.Uar com conselhos teóricos, passemos a exem-
plos práticos. Nas Tabelas 7-14 você encontrará alguns exemplos
A ficha mais comum e mais indispensável é a de leitura: ou de fichas. Para não inventar temas e métodos, procurei as fichas de
seja, aquela em que você anota com exatidão todas as referências minha tese de licenciatura, que era sobre o Problema Estético em
bibliográfica·s concernentes a um livro ou artigo, explora-lhe o con- São Tomás de Aquino. Não pretendo afirmar que o meu -método
teúdo, tira dele citações-chaves, forma um juízo e faz observações. de fichamento seja o melhor, mas estas fichas dão o exemplo de um
Em suma, a ficha de leitura constitui um aperfeiçoamento da método que contemplava diversos tipos de fichas. Ver-se-á ainda que,
ficha bibliográfica descrita em 3.2.2. Esta última contém apenas as naquela época, eu não era tão meticuloso como agora aconselho os
indicações úteis para encontrar o livro, ao passo que a de leitura outros a serem. Faltam muitas indicações, outras são excessivamente
contém todas as informações sobre o livro ou artigo, e, portanto, deve elípticas. Tais coisas aprendi depois. Mas não quer dizer que você
ser muito maior. Você poderá usar as- de formato padrão ou fazê-las deva incidir nos meus erros. Não alterei, de resto, nem· o estilo nem
pessoalmente; em geral, contudo, devem ter o tamanho de uma folha a ingenuidade. Tire do exemplo aquilo que julgar vantajoso. Notara
que optei por fichas breves e que não forneço exemplos de algumas
de caderno na horizontal ou de meia folha de papel ofício. Convém
que se referiam a obras que, posteriormente, se mostrar3.IIl funda-
que seja de cartolina para ser facilmente consultada no fichário ou
mentais para o meu trabalho. Elas chegaram a ocupar dez fichas
reunida em pacotes ligados com elástico; não deve borrar, permitindo
cada uma. Vejamo-las de per si:
que a pena deslize suavemente sobre ela. Sua estrutura deve ser mais
ou menos a das fichas exemplificativas propostas nas Tabelas 7-14. Ficha Croce - Tratava-se de urna breve recensão, inlportante por
Nada impede, antes se aconselha, que para livros importantes causa do autor. Só reportaVa uma opinião muito significativa. Observe
se preencham várias fichas, devidamente numeradas e contendo cada os colchetes finais: assim procedi de fato, dois anos depois.
uma, no anverso, indicações abreviadas do livro ou artigo em exame. Ficha Biondolillo - Ficha polêmica, com toda a irritação· do
As fichas de leitura servem para a literatura crítica. Não são neófito que vê desprezado o seu tema. Era útil anotá~la dessa ma-
aconselháveis para as fontes primárias em virtude do que ficou dito neira para inserir eventualmente uma nota polêmica no trabalho.
no parágrafo precedente. Ficha Glunz - Livro volumoso~ consultado rapidamente junto
Muitas são as maneiras de fichar um livro. Depende muito da com um amigo alemão para a boa compreensão do que dizia. Não
memória de cada um, pois há indivíduos que precisrun escrever tudo tinha interesse imediato para meu trabalho, mas talvez valesse a pena
e outros que não carecem senão de apontamentos. Digamos que o citá-lo pelo menos em nota. ·
método ideal seja este: Ficha Maritain - Autor de quem eu já conhecia a obra funda-
a) indicações bibliográficas precisas, possivelmente mais com- mental Art et Scdlastique, mas que me inspirava pouca confiança.
pletas do que as da ficha bibliográfica; esta lhe servia para procurar Assinalei ao Imal não dever aceitar suas citações sem pesquisa pOsterior.
o -livro, a de leitura para falar do livro e citá-lo como deve ser na Ficha Chenu - Breve ensaio de um estudioso sério sobre assunto
bibliografia final; ao elaborá-la, tem-se o livro nas mãos~ podendo muito inlportante para meu trabalho. Tirei dele tudo quanto foi pos-
Tabela 7: FICHA DE LEITURA
Realça o cuidado e a modernidade de convicções estéticas com que Sei la aborda o tema.
Com relação a S.T., Croce afirma:
11
o fato é-que suas Idéias sobre o belo e a arte não são falsas,.mas muito gerais, e por Is
,,,
so pode-se sempre, num certo sentido, aceitá-las ou adotá-las. Como as que atribue~ à pulcrit~
de ou beleza a Integridade, perfeição, ou·cansonância, e a~~ isto é, a nitidez das co-
res. Ou como essa outra, segundo a qual o belo diz respeito ao poder cognoscitivo; e mesmo a
doutrina para a qual a be1ez~ da criatura é a semelhança da beleza divina presente nas coisa;,
O ponto central é que os problemas estéticos n~o constitufam objeto de um verdadeiro interesse
nem para a Idade Média em geral, nem para São Tr,más em particular, cujo espfrito se voltava P!
ra o~tros caminhos: daí estarem condenados à generalidade; E por Isso os trabalhos em torno
da estética de São Tomás e de três filÓsofos medievais sao pouco frutfferos e tediosos, qua~
do não são (em geral não são} tratados com a discrição e a elegância com que Sella escreveu o
seu11 •
~refutação dessa tese pode Servir-me como tema intro~utório.As palavras cohclusivas como hip~
tec'!].
Blondolillo ou o gentllismo.mfope
Passamos por cima da 'introdução, vulgarização para almas jovens do verbo gentlliano,. Vejamos o C!
pftulo sobre a Idade Hédla; S.T. é liquidado em 18 linhas. "Na Idade Média, com o predomfnio da
teologia, da qual a filosofia foi considerada serva ••• o problema artfstlco perdeu a importân •
ela que tinha ascendido especialmente por obra de Aristóteles e de Plotino."~arêncla cultural
ou mâ·fé? Culpa sua ou da escola?] Continuemos: "Isto é, estamos com o Dante da Idade .madura que,
no Convlvlo (11, 1), atrlbufa ã arte pelo menos quatro slgnificados[expõe a teoria dos quatro
senti dos, Ignorando que Seda já a repeti a; não sabe mesmo. nad<3- .. E Dante e outros acred.l taram
que esse significado quádruplo existia na Divina C., a qual, pelo contrário, só tem valor artf!
tlco apenas quando, e só enquanto, é expressão pura e desinteressada de um mundo Interior pró-
prio, e· Dante se abandona por inteiro em sua visão~
(Pobre .Itália! E pobre Dante, toda uma vida esforçando-se na busca de supra-sentidos e para ao
final esse sujeito afirmar que não estavam lá! A ser citado como teratologia hlstorlográflcaj
Tabela 9: FICHA DE LEITURA o
o
A sensibi \idade estética existia na Idade Média e é à sua luz que devem ser vistas as obras dos
poetas medievais. O centro da pesquisa é a consciência de que o poeta podia ter então sua pró ~ 8:;:
pria arte. o
Ul
Vislumbra-se uma evolução do gosto medieval i m
sec. Vll e VIII as doutrinas cristãs são reduzidas .às formas vazias da classicidade. ~N
séc. IX e X as fábulas antigas são uti Ji~adas na perspectiva da ética cristã. c
:;:
séc. XI e seg. aparece o ethos cristão propriamente dito (obras lJtúrgicas, vidas de santos, )o
Tabela 9 {Continuação)
o
"''"'
)o
Glunz 2 z
o
tJ
m
épocas não é muito seguro porque as diversas correntes estão sempre simultan~amente (pre- ~
)o
sentes[ê a sua tese do~ t'tudes: suspeitar dessa carência de senso histórico; ele confia muito ~
na Philosophia Perennis!],A civl"lização artfstica medievaJ .. é polifônica. ~
o
De Bruyne critica Glunz porque não se detev~ no prazer formal da poesia: os medievais tinham ·a m
esse respeito um seDtido rnuito·vtvo; basta pensar nas artes poéticas. Ademais, urna estética Ji- o
terâria fazia parte de urna visão estética mais geral que Glunz negligenciaria, estética em que ~
convergiam a teoria das proporções, a estética qualitativa agostiniana (~, species, ~} ~
:;:
e a dionisiana _(claritas,~). Tudo sustentado pela psicologia dos Vittorinos pela visão cris .. M
tã do universo. ~
~
c
~
Tabela 10: FICHA DE LEITURA
Na expectativa de uma pesquisa profunda sobre o tema (da Idade Média até hoje), propõe-se che-
gar a uma teoria filosófica do signo e a. reflexões sobre o sign.o mágico.
ITnsuportâvel como sempre: moderniza sem fazer fi Jologia; não se refere, por exemplo, .a São T~
mas, mas a João de São TomásÜ
11
Desenvolve a teoria deste Último (ver minha ficha}: Signum est ld quod repraesentat allud a se
potentiae cognoscenti" (Lôg. !I, P, 21, 1).
"(Signum) essentialiter consistit ln ordine ad signatunl'.
Mas o signo não é sempre a imagem e vice~versa {o Filho ê a imagem e não signo do. Pai, o grito
é o signo e não imagem da dor). João de S. Tomás acrescenta:
11
Ratio ergo imaginis consistit in hoc quod procedat ab alio ut a principio, et in simllltudinem
ejus, ut docet S.Thomiis,!. 35 e XCXIII (11?)11,
Diz então Maritain que o símbolo é um signo-imagem: 11 quelque chose de senslble signifiant un
objet en raison d'une rélation presupposée d'analogie" (303).
Isto deu-me à ideia de consultar st, De Ver. VIII, 5 e s..§_. III, 49.
Maritain desenvolve ainda id~ias sobre o signo formal, instrumental, prático,, etc., e sobre o
Maritain 2
spéculatif qui par surabondance est virtuellement pratique: et elleMmême, sans le vouloir, et à
condition de ne pas le voulofr, est aussi une sorte designe magique (elle séduit, elle ensorce,!
I e)" (329).
o
w
~
Tabela II: FICHA DE LEITURA
~
so de formatio mística aparece também em Bonaventura (!tinerarium}: sensus, im. (= sensualitasL ~01
ratio, intellectus, intelligentia, apex mentis. A im. intervém na feitura do inteligível, objeto
do intellectus, ao passo que a intelligentia completamente purificada de ligações sensíveis~~
globa o intelectibile.
A mesma distinção adota Boécio. O intelligibile é o mundo sensível, enquanto o intellectibile é
Deus, as idéias, a~~ os primeiros princfpios.
Ver Comm. in lsaq. Porph. (1,3). Ugo di San Vittore no~· retoma esta posição. Gilbert de
la Porrée recorda que ímaginatio e inte\lectus são chamados opinio por muitos: assim faz G~Í~
o
Chenu 2
"
lnnn~ . • • _
lherme de Conches .. A imago e forma, mas imersa na materia, nao forma pura.
~o
tl
Vejamos agora S. To~ás! -~ornás 01
Para ele, de acordo com-os á_rabes (De ver. __ ,_ 14, 1), a_ imago é apprehensi'o guidditatis simplicis,
quae alio etiam nomine formatio dicitur (in ~' 19, 5, I ad 7). [Mas então é a simplex ap-
~
~
prehens i o!! G Imag i nat i o traduz o árabe ta~awor, der i bado de sur.at (imagem): quer dIzer também ~
~~ do verbo 1awara {formar, modelar) e também. des~rever e conceber. (Muito importante, a re~
o
01
tomar~~] .
o
'l1
Avó'l_O'Ç de Aristóteles torna-se formatio: formar em si mesmo uma representação ~a coisa. i)
:c
Pelo que e~ ST {1 Sent., 8.1,_9}: Primo quoçl cadit in imaginatione intellectus est ens11 •
11 )>
Aristóteles com o De Anima .introduz a ·(affiosa definição de fantasia. Mas para os medievais fant! ~
si a significava sen.sus communis, _e imagi_natio era a virtus cogitativa. 3
SÓ Gundisa\vi tenta dizer: 11 sensus communi.s g virtus imaginativa= fantasia 11
•
o
"'
Tabela 12: FICHA DE LEITURA
Curtius 2
vi, Pulchritudo tam antique e.t tam nova, diz Santo Agostinho a Deus (Conf. X, 2), 38). Aqui se
fala de uma beleza que a estética desconhece por inteiro (mas e o problema da participação do
Belo diVino nos seres?] . Quando a escolástica. fala da Beleza, está é pensada como atributo ~e
Deus. 11A metafÍsi.ca do Belo (ver Platino) e a teoria da arte nada têm a ver urna com a ou -
trau [é verdade, mas se encontram no terreno neutro de uma teoria da forma!]
[Atenção, este autor não é como Biondolillo! Ignora alguns textos filosóficos de ligação, ma.s
sabe das coisas. A refutar com respeitoJ
~
Tabela 13: FICHA DE LEITURA o
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o
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Marc 2 z
o
o
m
[aqui, aproxima-se multo de Grenet,ou vlcewv~rsa]
Ato e potência
~
Ser e essêncl a >
3) As categorias: o ser na medida em que o afirmamos é we afirmamowlo na medida em que é "'r
>
":X:
substância: caracterização etc. o
A relação
m
o
Pela oposição e pela composição de todos os contrários c~ega-se à unidade. :!!()
O que era escândalo para o pensamento acaba por conduziwlo ao sistema.
~
~
[a ser utilizado para algumas idéias·sobre os transcendentais.
Ver também as idéias sobre a alegria e a complacência para o capítulo sobre visão ~stética pela
qual pulchra dlcuntur guae visa placentJ.
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110 COMO SE FAZ UMA TESE O PLANO DE TRABALHO E O FICHAMENTO 111
., ~
o Não se deixe impressionar pelo título deste parágrafo. Não
se trata de uma discussão ética, mas de métodos de leitura e ficha-
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mente.
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E Viu-se, nos exemplos de fichas que forneci, um no qual, pes-
quisador jovem, embirrei com um autor e dei cabo dele em poucas
"".,o ·~
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linhas. Ainda hoje estou convencido de que tinha razão e, em todo
o caso, minha atitude se justificava porque ele próprio, em dezoito
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,;; linhas, liquidara um assunto tão _importante. Mas era um caso-linüte.
=., o Como quer que seja, fichei-o e levei em conta sua opinião, não só
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porque é preciso registrar todas as opiniões expressas sobre o nosso
--o " tema, mas potque nem sempre as melhores idéias nos vêm dos auto-
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! res maiores. E agora vou contar a história do Abade Vallet.
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Para entendê-la bem, cumpre dizer-lhes qual era o problema
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de minha tese e o escolho in terprefativo com que me via às voltas
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~ e há cerca ·um ano. Como o problema não interessa a todos, digamos
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~ ro t sucintamente que para a estética contemporânea o momento da per-
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<>. ! cepção do belo é em geral intuitivo, mas em São Tomás não existe
- -~ .ro a categoria da intuição. Vários intérpretes modernos se esforçaram
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~ I'' por demonstrar que ·ele de algum modo falara de intuição, o que era
deturpá-lo. Por outro lado, o momento da percepção dos objetos
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~ era, em São T_omás, tão rápido e instantâneo que não explicava ·a
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AREDAÇÃO 115
114 COMO SE FAZ UMA TESE
A história dos estudos sobre Giovan Battista Andreini com~ça com uma Não escreva:
lista de suas obras elaborada por Leone Allacci, teólogo e erudito de origem
grega (Quios 1586-Roma 1669) que contribui para a história do teatro ... etc. O escritor 'irlandês havia renunciado à família,. à pátria e à igreja e con-
fiava em seu propósito. Daí não se pode concluir que fosse um escritor enga-
É desapontador para qualquer pessoa ser informada com tama- jado, embora alguns lhe descubram propensões fabianas e "socialistas". Ao
nha precisão sobre Allacci, que estudou Andreini, e não sobre o pró- eclodir a Segunda Guerra Mundial, tende a ignorar deliberadamente o drama
prio Andreini. Mas - dirá o autor .......: Andreini é o herói de minha que saCode a Europa e preocupava-se unicamente com .a redação de sua
Última Obra.
tese! Justrunente, se é o seu herói, a primeira coisa a fazer é torná-lo
familiar _a quem quer que vá ler sua tese; não basta que o examina- Mas:
doi o conheça. Você não está escrevendo urna carta pessoal ao exa-
minador, mas um livro potencialmente endereçadO a toda a huma- Joyce tinha renunciado à família, à pátria e à igreja. E manteve-se fiel
nidade. ao desígnio. Não se pode dizer que Joyce fosse um escritor ~·engajado", embora
/ haja quem tenha. falado de um Joyce fabiano e «socialista". Quando eclode
/_./ A segunda tese, com mais propriedade, principia assim.: a Segunda Guerra Mundial, Joyce tende a ignorar deliberadamente o drama
; que convulsiona a Europa, preocupando-se unicamente com a redação do
O. objeto de nosso estudo é um texto publicado na França, em 1747, Finnegans Wake.
I
, escrito por um autor que não deixou muitos outros traços de sua existência,
\ Pierre Rémond de Sainte-Albine... Por favor, não escreva, ainda que pareça mais "literário'':
após o que se começa a explicar de que texto se trata e qual a sua Quando Stockhausen fala de «grupos'' não tem em mente a série de
importância. Parece-me um começo correto. Sei que Sainte-Albine Schoenberg. nem tampouco a de Webern. O músico alemão, . frente à exigência
viveu no séCulo XVIII e que, se tenho pouquíssirn.as idéias a seu res- de não repetir nenhuma das doze notas . antes da série terminar, não a acei-
peito, isso se justifica pelo fato de haver deixado pouCos traços de taria. lt a noção mesma de .. cluster" que é mais isenta estruturalmente que a
sua vida. de série.!
116 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 117
Por outro lado, Webem também não seguia os rígidos princípi<,>s do em pÚ:>sa e com clareza. Quando Marx falava dos operários, não
autor do Sobrevivente de Varsóvia.
escrevia como um operário de sua época~ mas como um filósofo. Mas
Ora, o autor de Mantra vai mais além. Quanto ao prinleiro, cabe distin-
guir entre as várias fases de sua obra. Também Berio afirma: não se pode con- quando, de parceria com Engels, redigiu o Manifesto de 1848, empre-
siderar esse autor um serialista dogmático. gou um estilo jornalístico, de períodos curtos, muitíss:irrlo eficaz
e provocatório. Diferente dO estilo de O Capital, destinado a eco-
Verifica-se que, a certa altura, não se sabe mai_$.de quem se fala. nomistas e políticos. Não diga que a violência poética "'brota de
E definir um autor por meio de um~' de··sua·s·ob~a~---~ãõ-é-logiCamente· deritroH· de você e que se sente incapaz de submeter-se às exigências
correto. É verdade que os críticos menores, para se referirem a da simples e banal metalinguagem da crítica. É poeta? Não se forme.
Manzoni (e temendo repetirem o nome muitas vezes, o que parece Montale não se formou e nem por isso deixa de ser um grande poeta.
ser altatnente desaconselhado pelos manuais de "bem escrever,) Gadda (formado em engenharia) escrevia como escrevia, tudo regio-
djzem "o autor dos Promessi sposi,~ Mas o aUtor dos Promessi sposi nalismos e rupturas estilísticas; porêm, quando precisou elaborar um
não é o personagem biográfico Manioni em sua totalidade: tanto decálogo para quem redigia notícias de rádio, saiu-se com um deli-
mais que, num certo contexto, podemos afirmar que existe uma dife- cioso, agudo e reto receituário em prosa clara e compreensível a todos.
rença sensível entre o autor dos Promessi sposi e o autor de Adelchi, Quando Montale escreve um artigo crítico, procede de maneira que
apesar de biográfica e anagraficamente falando tratar-se sempre do tod:os o ent~ndarn, mestno aqueles que não entendem sua poesia.
mesmo :personagem. Por isso, eis corno eu escreveria o trecho supra- Abra parágrafos com freqüência. Quando for necessário, para
citado: arejar o texto, mas quanto mais vezes melhor.
-Escreva o que lhe vier à cabeça. mas apenas em rascunho. Depois
Quando Stockhausen fala de "'grupos", não tem em mente nem a serte
de Schoenberg nem a de Webern. Stockhausen, frente à exigéncia de não repe- perceberá_ que o ímpeto lhe arrebatou a mão e o afastou do núcleo
tir nenhuma das doze notas antes de a série terminar, nã'o a aceitaria. É a noção do tema.· Elimine então as partes parentéticas e as divagações, colo-
mesma de «cluster", que é estruturalmente mais isenta do que a de série. Por cando-as em nota ou em apêndice (ver). A finalidade da tese é demons-
outro lado, Webern também não seguia os rígidos princípios de Schoenberg. trar umá.· hipótese que se elaborou iniciahnente, e não provar que
Ora, Stockhausen vai mais além. E quanto a Webern, é preciso distinguir as
várias fases de sua obra. Também Berio af'urna que não se pode corisiderar ".se sabe tudo. ·
Webem um serialista dogmático. // Usé o orientador como cobaia. Faça-o ler os primeiros capí-
tulos (e depois, aos poucos, o resto) com boa antecedência antes da
Nilo pretenda ser e.e. cummings. Curnmings era um poeta ame- enti'ega da tese·. As reações dele poderão ser de grande utilidade. Se
ricano que assinava com as iniciais nllnúsculas. E~ naturalmente, usava ·o orientador for uma pessoa muito ocupada (ou preguiçosa) recorra
vírgulas e pontos com muita parcitnônia, cortava os versos, em suma, a um amigo. Verifique se qualquer pessoa entende o que você escre-
fazia tudo aquilo que um poeta de vanguarda pode e deve fazer. Mas veu. Não se faça de gênio solitário. / 7
você nao é um poeta de vanguarda. Nem sua tese versa sobre poesia
de vanguarda. Se escrever sobre Caravaggio, põr-se-á de súbito a
Não se obstine em iniCiar no primeiro cap{tulo. Talvez esteja
mais preparado e documentado para o quarto capítUlo. Comece por
pintar? Portanto, ao falar do estilo dos futuristas, evite escrever como
aí, com a desenvoltura de quem já pôs em ordem os capítulos ante-
um deles. Esta é uma recomendação itnportante, pois hoje em dia
riores. Ganhará conf1ança. Naturalmente você conta com um ponto
muita gente se mete a fazer teses Hde rupturaH, onde não se res-
de apoio no índice-hipóteSe, que vai. orientá-lo desde o começo (ver
peitam as regras do discurso crítico. A linguagem.da_te"s~-~ urna meta-
linguagem, isto é, urna linguagem qUe- fala de outras lingllãge-y1s.-- Um 4.1.).
--cpSiqU.iatra·- que descreve doentes mentais não se exprhne · córno os Não use reticências ou pontos de exclamação, nem faça ironias.
doentes mentais. Não quero dizer que seja errado exprimir-se como Pode-se falar uma linguagem absolutamente referencial ou uma
eles: pode-se, e razoavelmente, estar convencido de que os doenteS linguagein figurada. Por linguagem referencial entendo urna lingua-
mentais são os únicos a exprimir-se corno deve ser. Mas então terá gem onde todas as coisas são chamadas pelo seu nome mais comum,
duas alternativas: ou não fazer uma tese e manifestar o desejo de o mais reconhecível por todos e que não se presta a equívocos. HO
ruptura recusando os títulos universitários e começando, por exemplo, trem_ Veneza-Milãon indica de modo referericíal aquilo que ~·~a flecha
a tocar guitarra; ou fazer a tese, mas explicando por que motivo a da laguna, indica de modo figurado. Mas este exemplo mostra-nos
linguagem dos doentes mentais não é uma linguagem ''de loucos'\ que· mesmo numa comunicação ~~cotidiana,' se pode empregar uma
e para tal precisará empregar uma metalinguagem crítica compreen- linguagem parcialmente figurada. Um ensaio crítico ou um texto
sível a todos. O pseudopoeta que faz sua tese em versos é um palerma científico deveriam de p_x:eferência~ s.e:t:,_ escritos em .linguagerrr---rêfe::-·
(e com certeza mau poeta). De Dante a Eliot e de Eliot a Sanguineti, re!lcial __ _(coín.t"trdos-~õS-termos bem defiiíldos···-e-- iiÍlívocos), mas às
Os poetas de-.~~~~~!9-~, __ qu~ndo queri~ falar de sua poesia, faziam-no veZes é Ütil empregar uma metáfora, uma ironia ou uma litotes. Eis
118 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 119
um texto referencial seguido da transcrição em termos suportavel- e de sorrisos de desculpas. Exagerei (e desta vez digo-o porque dida-
meflte figurados: ticamente é importante que a paródia seja entendida como tal). No
entanto, este terceiro trecho contém, de forma condensada, muitos
Versão referencial - Krasnapolsky não ·é um intérprete muito perspicaz da obra vezos feios do escritor diletante. Antes de mais nada, a utilização
de Danieli. Sua interpretação extrai do texto do autor coisas que este prova- de reticências para advertir Hatenção que agora vem chumbo grosso!"
velmente não pretendia dizer. A propósito do verso '"e a sera a nrirar le nuvole'\
Ritz entende-o como uma anotação paisagística normal, enquanto Krasnapolsky Puerilidade. As reticências, como veremos, só se empregam no corpo
vê aí uma expressão simbólica alusiva à atividade poética. Não devemos confiar de uma citação para assinalar os trechos omitidos e, no máximo, no
na agudeza crítica de Ritz, mas de igual modo devemos desconfiar de Krasna- final de um período para indicar que nem tudo terminou, que ainda
polsky. Hilton observa que Hse Ritz parece um folheto turístico, Krasnapolsky haveria algo a dizer. Em segundo lugar, o uso do ponto de excla-
lembra um sermão da <iuaresma". E acrescenta: '"Na verdade, dois críticos
perfeitosH. mação para enfatizar uma assertiva. Fica mal, pelo menos num ensaio
Versão figurada - Não estamos convencidos de que Krasnapolsky seja o mais
crítico. Se se der ao trabalho de pésquisar o presente livro, verá que
perspicaz dos intérpretes de DaniélL Ao ler o seu autor~ dá a impressão de só uma ou duas vezes effipreguei um ponto de exclamação. Urna ou
forçar-lhe a mão. A propósito do verso «e a sera mirar le nuvole'\ Ritz entende-o duas vezes é lícito, quando se -trata de fazer' o leitor pular da cadeira
como wna anotação paisagística normal, enquanto Krasnapolsky carrega na ou de sublinhar uma afirmação vigorosa do tipo: "Atenção, nunca
tecla do simbólico e vê aí uma alusão à atividade poética. Não é que Ritz seja cometam este erroP' Mas é melhor falar em voz baixa. Se disser coisas
um prodígio de penetração crítica, mas Krasnapolsky também não é brilhante!
Como observa Hilton, se Ritz parece um folheto turístico, Krasnapolsky lembra importantes, conseguirá maior efeito. Em terceiro lugar, o ·autor do
um sennão da quaresma: dois modelos de perfeição crítica. últitno trecho desculpa-se -por usar a ironia (mesmo de outro). Certo,
se lhe parecer que a ironia de Hilton é demasiado sutil, poderá escre-
Vimos que a versão figurada utiliza vários artifícios retóricos. ver: "Hilton af'uma, com sutil ironia, que estamos perante dois crí-
Antes de tudo a litotes: dizer que não estatnos convencido de que ticos perfeitosH. Mas a ironia tem que ser verdadeiramente sutiL No
fulano seja um intérprete perspicaz significa dizer que estamos conven- Caso em questão, depois de Hilton falar em folheto turístico e sermão
cido que ele não é um intérprete perspicaz. A seguir, vêm as metáforas: da quaresma, a ironia era por demais evidente e não valia a pena expli-
forçar a mão, carregar na tecla do sitnbólico. Ou ainda, dizer que Ritz cá-la com todas as letras. O mesmo vale para o gracejos à parte".
H
não é um prodígio de penetração significa que é um modesto intérprete Por vezes, isso pode ser útil para mudar bruscamente o tom do dis-
(litotes ). A referência ao folheto turístico e ao sermão da quaresma são curso, mas é necessário ter-se de fato gracejado. No caso, o que se
duas similes, ao passo que a observação sobre serem os dois aut<?res crí- fez foi ironizar e metaforizar, e isso não são gracejos, mas artifícios
ticos perfeitos é um exemplo de ironia: diz-se uma coisa para signi- retóricos seríssimos.
ficar o seu contrário. Poderão observar-me que neste livro expressei pelo menos duas.
Ora, as figuras de retôrica ou se usam ou não se usa:m. Se se vezes um paradoxo, e a seguir adverti que se tratava de paradoxos.
usam é porque se presume esteja o leitor à altura de comPreendê-las Mas não o fiz por julgar que não o haviam. entendido. Fi-lo, ao con-
e porque se supõe que com elas o assunto pareça mais incisivo e con- trário, por temer que· houvessem entendido demais e, daí, deduzis-
vincente. Daí não ser preciso envergonhar-se ou explicar tais figuras. sem que não devirun levar em conta esses paradoxos. O que fiz foi
Se se considera que o leitor é um idiota, hão se recorre às figuras de insistir em que, malgrado a forma paradoxal, minha afirmação encer-
retó.dca, pois utilizá-las, explicando-as, equivale a fazer. o leitor de rava uma verdade importante. Esclareci bem as coisaS porque este
idiota. E este se vingará chamando de idiota ao autor. Aqui está corno é um livro didático, onde, mais que a beleza do estilo, me importa
um estudante tímido tentaria neutralizar e desculpar as figuras que que todos entendam o que quero dizer. Caso tivesse escrito um ensaio,
emprega: enunciaria o paradoxo sem denunciá-lo logo em seguida.
Versão figurada com reserva Não estamos convencido de qUe Krasnapolsky seja Defina sempre um termo ao introduzi-lo pela primeira vez.
o mais perspicaz dos intérpretes de Danieli. Ao ler o seu autor. ele dá a impressão Não sabendo definiMlo, evite-o. Se for um dos ·terrrios principais de
de ... forçar-lhe a mão. A propósito do verso «e a sera mirar le nuvole ... Ritz en- sua tese e não conseguir defini-lo, abandone tudo. Enganou-se de
tende-o como uma anotação "paisagística" normal. enquanto Kxasnapolsky car-
rega na... tecla do simbólico e vê aí uma alusão à atividade poética. Não é <iue Ritz tese (ou de profissão).
seja um ... prodígio de interpretação crítica, mas K.rasnapolsky também não Não comece a explicar onde fica Roma para depois não expli-
é ... brilhantet Como observa Hilton. se Ritz parece um ... folheto turístico, car onde fica· Timbúctu. Dá-nos calafrios ler teses-com frases do tipo:
Krasnapolsky lembra um. . . sermão da quaresma, e define-os (mas irOnica-
mente!) como dois modelos de perfeição crític~ Ora gracejos à parte. a ver- "O filósofo panteísta judeu-holandês Spinoza foi definido por
dade é que .. _etc.• etc... Guzzo .. .'' Alto lá! Ou você -está fazendo uma tese sobre Spinoza
e então o leitor sabe quem é Spinoza e que Augusto Guzzo escreveu
Não creio que alguém seja tão intelectualmente pequeno-bur- um livro sobre ele, ou está citando por acaso essa afirmação numa
guês a ponto de elaborar um trecho de tal modo cheio de hesitações tese sobre física nuclear e então não deve preswnir que o leitor ignore
120 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 121
quem é Spinoza mas saiba quem é GuzZo. Ou, ainda, trata~se de uma vesse uGiuseppe de Alencar',? No entanto, alguns livros de filosofia
tese sobre a IIlosofia pós-gentiliana na Itália; e todos saberão quem referem "Bento Espinosa', ao invés de "Baruch Spinoza,'. -Os israelen-
é Guzzo, mas a esta altura também quem é Spinoza. Não diga, nem ses deverirun escrever HBaruch Croce'? Naturalmente, se se escreve Abe-
mesmo numa tese de história: ·~- S. Eliot, poeta inglêsu (à parte o lai:"do em vez de Abélard, deverá usar trunbém Pedro em ve"z de Pierre.
fato de ter nascido nos Estados Unidos). Parte-se do prin.cípio de .?~o . pe.nnitidos--exceções, a p:çinçip_al~dela~-é-a que_se reJere aos nomes
que Eliot é unive-rSalmente conhecido. Quando muito, se quiser gregos e latinos, comO Platão, Virgílio, Horáçio.
sublinhar que foi mesmo wn poeta inglês a dizer determinada coisa, Só 'se deVe --apOiii.igUesar -os -sobrenomes ·estrangeiros em caso
é melhor escrever: ''Foi um poeta inglês, Eliot, quem disse que .. _, de tradição consagrada. Admitem-se Lutero, Confúcio, Tomás de
Mas, se a tese for sobre Eliot, tenha a humildade de fornecer todos Aquino, num contexto normaL Pode-se dizer Maomé, a menos que
os dados, se não no texto, pelo menos numa nota logo no início: se trate de uma tese em filosofia árabe. Se, porém, se aportuguesar
em dez linhas condensará, com precisão e honestidade, os dados bio- o sobrenome, deve trunbém aportuguesar-se o nome: Tomás Morus.
gráficos necessários. Não se deve exigir do leitor,_ ainda que especia- Mas numa tese específica dever-se-á usar Thomas Moore.
lizado, que se lembre de quando Eliot nasceu. Isso vale ainda mais
para autores menores de um século passado. Não presuma que todos
saibatn de quem se trata. Diga logo quem era, sua posição. etc. Mas, 5.3. AS CITAÇÕES
ainda que fosse Moliête, que custa alinhavar uma nota com duas
datas? Nunca se sabe. 5.3.L Quando e como citar: dez regras
Eu ou nós? Deve-se, na tese, introduzir as opiniões próprias
na pritneira pessoa? Deve-se dizer '~penso que ... ''? Alguns acham Em geral citam- se muitos textos alheios numa tese: o texto
isso mais honesto -do que apelar para o noi majestatis. Não concordo. objeto do trabalho, ou a fonte primária, e a literatura crítica sobre
·Qizewos .. '_'nós~·- poc.-presu:tnir-·que_o___que_ ~ir.rnamos_possa- ..ser---CQJ11.- o assunto, ou as fontes secu_n!=lárias ..
__pa!-tillun:lo~pelos--leitQ_!:~S. Escrever é uffi~ã{o social: escrevo para que· Portanto, as citações são praticamente de dois tipos: (a) cíta-se
o leitor aceite aquilo qUe lhe proponho. Quando muito, deve-se pro- um texto a ser depois interpretado e (b) cita-se ur:n texto em apoio
curar evitar o pronome pessoal ·recorrendo a expressões mais iinpes- a: nossa interpretação.
soais, como ''cabe, pois, concluir que'', Hparece acertado que'\ Ê difícil dizer se se deve citar com profusão oU com parci-
Hdever-se-ia dizer'', Hé lícito supor", Hconclui-se daí que'\ uao exame mônia. Depende do tipo de tese. Uma análise crítica de um escritor
desse texto perc~be-se que' etc_. Não é necessário dizer Ho artigo ~requer, obviamente, que se transcrevrun e analisem longos trechos de
que citei anteriormente•, ou "o artigo que citamos anteriormente'", sua obra. Outras vezes, a citação pode ser uma manifestação de
basta dizer "o artigo anteriormente citado". Entretanto, é válido preguiça: o candidato não quer ou não é capaz de resumir uma deter-
escrever '"o artigo anteriormente citado nos demonstra que", pois minada série de dados e deixa a tarefa aos cuidados de ou trem.
expressões assim não implicam nenhuma perSonalização do discurso Vejamos, pois, dez regras para a citação.
cientí.fíco.
Regra 1 - Os textos objeto de análise interpretativa são cita-
Nunca use artigo diante de nome próprio. Não existe justifi-
cativa para dizer "o Manzoni .. , o Dante,, ou "o Stendhar•. De qUal-
H
dos com razoável amplitude.
quer forma, soa um. pouco antiquado. Imagine .um jornal escrevendo Regra 2 - Os textos da..literatuca_crí.tica só são citados quando_,
Ho Berlinguer" e "o Leone\ a menos que esteja ironizando? Não vejo com sua autoridade, corrohoram ____ ?~-- ç9rifirmam· afirinação nossa.:
porque não escrever como diz De Sanctis... n
H Essas duas regras irnplicam alguns corolários óbvios. Antes de
Duas exceçOes: quando o nome próprio indica um manual tudo, se o trecho a analisar ultrapassa meia página, é sinal de que
"célebre, uma obra de consulta ou um dicion.ário ("segundo o Aulete~') algo não vai bem: ou tomou-se uma unidade de análise muito grande
e quando, numa resenha crític~ citatn-se os estudiosos menores ou e, portanto, não podemos comentá-la ponto por ponto, ou nao esta-
pouco conhecidos e~comentrun a este propósito o Caprazzoppa e o mos falando de um trecho, mas de um texto inteiro e então, mais
Bellotti-Bon"), mas até isso faz sorrir e lembra as falsas citações de que uma análise, estamos fazendo um juízo global. Nestes casos, se
Giovanni Mosca; melhor seria dizer: "como comenta Romualdo o texto for importante, mas muito longo, é me1hor transcrevê-lo por
Caprazzoppa'', dando em nota a referência bibliográfica. extenso em apêndice e citar ao longo dos capítulos .apenas breves
-.Não aportuguese jamais os nomes próprios estrangeiros. Há períodos.
quem diga HJoão Paulo Sartre,., ou HLudovico Wittgenstein'\ o que Em segundo lugar, ao citar a literatura crítica deve-se estar
é ridículo. Imagine-se um jornal que escrevesse "Henrique Kissinger, seguro de que a citação diga algo de novo º-!::t. ~onfir~t::_, ..O- que fora
ou "Valério Giscard d'Estaing''. Gostaria que um livro italiano escre- d!to com autoridade. Vejamo~, por exemplo, duas-citações inúteis:
122 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 123
As cornunicaçoes de massa constftuem, corno diz McLuhan, "um dos cita-se a primeira se as seguintes. foreni meras reirnpressões, a última
fenômenos centrais do nosso tempo,. Recorde-se que, somente na Itália, se a obra tiver sido refundida, revisada, àtnpliada ou atualizada. Em
segundo Saroy, dois indivíduos em cada três paSsam um terço do dia em qualquer caso, especificar .que ·existe uma priineira e uma enésirna
frente do televisor. edição, esclarecendo qual a que se cita (ver 3.2.3.).
O que há de errado ou de ingênuo nestas duas citações? Em Regra 6 - Quando se estuda um autor estrangeiro, as citações
primeiro lugar, que as comunicações de massa sejam um fenômeno devem ser na língua original. Esta regra é taxativa em se tratando
central do nosso tempo é algo tão 6bvio que qualquer um poderia de obras literárias.. Nestes casos pode ser mais ou menos útil fazer
tê-lo dito. Não se exclui que também McLuhan o tenha dito (não seguir a tradução entre p3rênteses ou em nota. Para isso, siga as indi-
averigüei, inventei a Citação), mas não é preciso apoiar-se na au ter cações do orientador. Se se tratar de um autor do qual não se ana-
ridade de quem quer que seja para demonstrar coisa tão evidente. lisa o estilo literário, mas de quem se quer apreender a exata expres-
Em segundo lugar, é possível que o dado que referi.tnos seguidamente são do pensamento em todos os seus matizes lingüísticos, tem urna
sobre a audiência de televisão seja exato, mas Savoy não é uma auro- certa importância (o comentário a um excerto íllosófico, por exem-
ridlzde (é um nome que inventei, um equivalente a fulano). Dever-se-ia, plo); é conveniente trabalhar com o original. Aqui, porém, é alta-
em vez disso, ter citado Urna pesquisa sociológica assinada por estu- mente aconselhável acrescentar entre parênteses ou em nota a tra-
diosos renomados e insuspeitos, dados por órgãos oficiais de esta- dução, pois isso constitui trunbém um exercício interpretativo de
tística, resultados de uma pesquisa que você mesmo fez, fornecidos sua parte. Finalmente, se se citar um autor estrangeiro, mas tão-
em· tabelas anexas. Em vez de citar um Savoy qualquer, seria pre- -somente para tirar uma informação, dados estatísticos ou históricos,
ferível ter dito ufacilmente se presume que duas pessoas em cada um juízo de caráter geral, poderá recorrer a uma boa tradução ou
três etc.n mesmo traduzir o trecho, para não obrigar o leitor a constantes saltos
de uma língua para outra. Basta citar bem o título original e expli-
Regra 3 - A citação pressupõe que a idéia do autor citado seja
citar qual a tradução utilizada. Pode ainda suceder que se fale de
compartilhada, a menos que o trecho seja precedido e seguido de
um autor estrangeiro, quer este autor seja um poeta ou um nove-
expressões críticas.
lista, mas que se exarrlinem seus textos não por razões de estilo, mas
Regra 4 - De todas as citações devem ser claratnente reconhe- de conteúdo filosófico. Neste caso, se as citaçõeS forem muitas e
cíveis o autor e a fonte impressa ou manuscrita. Este reconhecimento contínuas, pode-se recorrer a uma boa tradução para tornar o dis-
pode dar-se de várias maneiras: curso mais fluente, apenas inserindo breves trechos no original quando
se quiser ressaltar o uso específico de uma certa palavra. É este o
a) com chamada e refeiência em nota, principalmente quando
exemplo de. Joyce fornecido na Tabela 15. Veja também o ponto
se trata de autor mencionado pela priineira vez;
(c) da regra 4.
b) com o nome do autor e a data de pubHcação da obra entre
parênteses, após a citação (ver 5.4.3.); · Regra 7 - A remissão ao autor e à obra deve ser clara. Para
entender-se o que queremos dizer, valha o seguinte exerhplo (errôneo ):
c) com simples parênteses, onde se menciona o número da
página quando o capítulo ou toda a tese tratam da mesma obra do Concordamos com Vásquez quando sustenta que .. o problema em exame
mesmo autor. Veja-se, pois, na Tabela 15, corno poderia ser estruturada está longe de ser resolvido.. I, e, apesar da conhecida opinião de Braun2, para
uma página de tese com o título O Problema da Epifania no ~"Portraitn quem ua luz se fez em de:flnitivo sobre essa antiga questão'\ consideramos
de James Joyce, onde a obra sobre a qual versa. a tese, uma vez defi- com nosso aUtor que ..resta ainda percorrer um longo carrrinho antes que se
chegue a um estádio de conhecimento satisfatório''.
nida a edição a que nos referimos e quando se tiver decidido utili-
zar, por comodidade, a tradução italiana de Cesare Pavese, é citada A primeira citação é decerto de Vásquez e a segunda de Braun,
com o número da página entre parênteses no texto, ao passo que mas a terceira será mesmo de Vásquez, como insinua o contexto?
a literatura crítica é citada em nota. E uma vez que na nota 1 reportamos à prinl.eira citação de Vásquez
Regra 5 - As citações de fontes primárias devem de preferên- na página 160 de sua obra, deveremos supor que também a terceira
cia ser cOlhidas da edição crítica o~ da edição mais conceituada: esteja na mesma página do mesmo livro? E se a terceira citação fosse
numa tese sobre Balzac seria desaconselhável recorrer à edição Livre de Braun? Eis como o trecho deveria ter sido redigido:
de Poche; pelo menos recorra-se à obra cOmpleta de Plêiade. Para
autores antigos e clássicos, em geral basta citar parágrafos, capí-
tulos ou versículos, conforme os usos correntes (ver 3.2.3.). Para
autores contemporâneos, citar, se possível, se há várias edições, a 1. Roberto Vásquez, Fuzzy Concepts, London. Faber, 1976 .. p. 160.
primeira ou a últim.a edição revista e corrigida, conforme o caso; 2. Richard Braun, Logik und Erkenntnis, München, Fink, 1968, ~- 345.
A.REDAÇÃO 125
124 COMO SE FAZ UMA TESE
A subdivisão em parágrafos da fonte original deve ser mantida na
Concordamos com Vásquez quando sustenta que "o problema em exrune citação. Os parágrafos que se sucedem na fonte permanecem separados
está longe de ser resolvido" 3 e, apesar da conhecida opinião de Braun, para por um só espaço, bem como as linhas. Os parágrafos citados a partir
quem ..a luz se fez em definitivo sobre esta antiga questãoH4 • sustentamos de duas fontes diversas e .não separados por um texto de comentário
com nosso autor que ..resta ainda percorrer um longo caminho antes que se
chegue a um estádio de conhecimento satisfatório'' s. devem ser separados por espaço duplos.
~· L. Hancock, A Word Index to J. Joyce~s Poi-tralt of the Artistn, C3.r-. se o núcleo da tese for a noção de Hdisparidaden~ especificar sempre:
bondale, Southern Illinois University Press, 1976. Hgrifo nosso,.
128 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 129
5.4. NOTAS DE RODAPÉ o texto com observações que~ embora importantes, são acessórias
em relação ao tema ou apenas repetem sob um diferente ponto de
5.4.1. Para que servem as notas vista o que já fora _dito de maneira essencial.
Uma opinião muito difundida pretende que não apenas as teses, f) As notas servem para corrigir as afirmações do texto: você.
mas também os livros com muitas notas, denunciam um esnobismo está seguro do que afirma mas, ao mesmo tempo, consciente de que
erudito e~ com freqüência, urna tentativa de lançar fumaça nos olhos pode haver quem não esteja de acordo, ou considerá que de um certo
do leitor.- Por certo, não se deve excluir que muitos autores amon- ponto de vista, se poderia fazer uma objeção à nossa assertiva. Seria
toam notas para conferir um tom inlportante ao seu trabalho, ou então prova não só de lealil.ade científica. mas também espírito crí-
que recheiam as notas com informações desnecessárias, às:vezes sub- tico inserir uma no~a explicativa 14 •
traídas sub-repticia:mente da literatura crítica examinada. Mas isso g) As notas pódem servir para dar a tradução de urna citação
não impede que as notas, quando utilizadas na justa medida, sejatn que era essencial fornecer em língua estrangeira, ou a versão on"ginal
importantes. Qual seja essa justa medida depende do tiPo de tese. de uma citação que, por razões de fluência do discurso, era mais
Não obstante, procuraremos ilustrar os casos onde as notas se impõem, cõmodo fazer em tradução.
e corno se elaboram. h) As notas servem para pagar as dividàs. Citar um livro donde
a) As notas servem para indicar as fontes das citações. Se a se extraiu uma frase é pagar urna dívida. Cítàr um autor do qual se
fonte tivesse de ser indicada no próprio texto, a leitura da página utilizou uma idéia ou urna informação é pagar uma dívida. Às vezes,
seria difícil. Há sem dúvida maneiras de fornecer referências essen- porém, é preciso também pagar dívidas cuja .documentação não é
ciais no texto, sem recorrer às notas, como no sistema autor-data fácil, e pode ser norma de correção científica advertir em nota, por
discutido em 5.4.3. Mas, em -geral, a nota se presta maravilhosamente exemplo, que uma série de idéias originais ora expostas jamais teria
a este Iun. Se for nota de referência bibliográfica, convém que apa- vindo à luz seffi o estímulo recebido da leitura de -determinada obra ou
reça em rodapé e não no fim do livro ou do capítulo, pois desse das conversações privadas com tal estudioso.
modo com- um simples golpe de vista pode-se controlar o que se está Enquanto as notas do tipo a. b, e c são mais úteis em rodapé,
discutindo. as do tipo d, h podem aparecer ·também no Inn do capítulo ou da
b) As- notas. servem para acrescentar ao assunto discutido no tese, principalmente se forem muito longas. Contudo, diremos que
texto outras indicações bibliográficas de reforço: "ver taJnbém, a uma nota nunca deveria ser excessivamente longa, do contrário não
esse respeito, a obra talH. Aqui também é mais cômodo colocá-las será uma nota, mas um apéndice que, como tal, deve aparecer no
em rodapé. Irm da obra, numerado. De qualquer forma, é preciso ser coerente:
ou todas as notas em rodapé ou no Iun do capítulo, ou breves notas
c) As notas servem para remissões internas e externas. Tratado
em rodapé e apêndices no Iun da obra.
wn assunto, pode-se pôr em nota um ucf.'' (que quer dizer Hcon-
frontar" e que remete a outro livro ou a outro capítulo o:u parágrafo Convém lembrar mais uma vez que, se se está examinando uma
de nosso próprio trabalho). __A-_s _remi~_$ões.--inteTnas---também ... p.odem fonte homogênea, a obra de um só autor. as páginas de U:m diário,
aparecer no texto,_ quando _ess:enCiâiS: _sirva de exemplo o presente uma coleção de manuscritos, cartas ou documentos etc., poder-se-á
surgem·
liVi"O-, onde vez· Pár-OU.úii a
reiTiiSSiies· outro parágrafo. evitar as notas simplesmente fornecendo nO início do trabalho abre-
viatura,s para as fontes e inserindo entre parênteses, no texto, urna
d}As notas servem para introduzir uma citação de reforço sigla com o número de página ou do documento para cada citação
que, no texto, atrapalharia a leitura. Quer dizer, no texto você faz ou outra remissão qualquer. Veja o parágrafo 3.2.3., sobre as citações
uma afirmação e, para não perder o fio da meada, passa à afirmação
seguinte, remetendo em seguida à primeira nota onde se demonstra
como uma célebre autoridade confirma a afirmação feita 12 • que é útil colocar em nota discussões técnicas, comentários incidentais, coro-
e) As notas servem para ampliar as afirmações que se fez no lários e informações adicionais.
texto 13 : nesse sentido, são úteis por permitirem não sobrecarregar 14. De fato, depoís de· haver dito que é útil fazer as notas, ressaltemos
que, como lembram ainda Campbell e Bailou (op. cii., p. 50)... o uso das notas
12. ..Todas as airrmações ilnportantes de fatos que não são matéria com vista à elaboração do trabalho requer certa Prudência. É preciso ter cui-
de conhecimento- geral ... devem basear-se numa evidência da sua validez. Isto dado em não transferir para as notas informações importantes e significativas:
pode s~r feito no texto, na nota de rodapé ou em ambosn (Crunpbell, op. cit., as idéias diretamente relevantes e as informações essenciais devem aparecer
p. 50). no texton. Por outro lado, como dizem os mesmos autores (ibidem), ..qualquer
13. As notas de conteúdo podem ser usadas_ para discutir ou atnpliar nota de rodapé deve justificar praticamente sua ptópria existência'!~--. ~.ãP._ bá
pont~s .do texto. Por exemplo, Campbell e Ballou (op. cit., p. 50) lembran-:;
nada .. mais· irrit~te do que as __ notas que. _par~ce~. _ii!S~r.idas_ só_ parª_.(ftZ~~ figura
e .q~-~ _n~~ dizem nada de importante para os f"ms daquele discurso. .,.._ · ·
132 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 133
de clássicos, e atenha-se àqueles usos. Numa tese sobre autores medie- Tabela 16: EXEMPLO DE PÁGINA COM' SISTEMA CITAÇÃü-NOTA
vais publicados na patrologia latina de Migne evitar-se-ão centenas
de notas colocando no texto parênteses do tipo (PL, 30, 231). Deve-se
Chomsk:Y 1 • embora admitindo o princípio da semântica interpreta-
proceder da mesma maneira para remissões a quadros, tabelas, figu- tiva de Katz e FodorZ, segundo o qual o significado do enunciado é a soma
ras_no texto ou em apêndice. dos significados de seus constituintes elementares. Não renuncia, porém.
a reivindicar em todos os casos o primado da estrutura sintática profunda
como determinante do significado3.
5.4.2. O sistema citação-nota Natura,lmente. a partir dessas primeiras posições, Ç]J9msky chegou a
uma posição mais articulada, prenunciada já em suas primeiras obras através
Consideremos agora o uso da nota como meio de referência de discussões de que dá conta no ensaio "Deep Structure, Surface Structure
and Semantic Interpretion"4, colocando a interpretação semântica a meio
bibliográfica: se no texto se fala de algum autor ou se. citam algumas caminho entre a estrutura profunda e a estrutura superficial. Outros autores,
passagens suas, a nota correspondente fornece a referência biblio- LakoffS, por exemplo, tentam construir uma semântica gerativa onde a
gráfica adequada. Este sistema é bastante cômodo porque, com a forma Iógico-semân tica gera a própria estrutura sín tá tica6.
nota em rodapé, o leitor fica sabendo logo .. à ___gue· obra nos referinlos.
Mas este método itnpõe u~a d_uplicação> as _obras citadas em 1. Para uma boa visão panorâtnica dessa tendência, ver Nicolas Ruwet.
nota deverão reaparecer depois llã" -bíbliografia final ( exceto nos Introductlon à la grammalre génératlve, Paris, Plon, 1967.
raros casos em que a nota cita um autor que nada tem a ver com a 2. Jerrold J. Katz e Jerry A. Fodor, "The Structure of a Semantic
bibliografia específica da tese, como se, num trabalho de astrono- Theory", Language 39, 1963.
3. Noam Chomsky, Aspects of a Theory of Syntax, Cambridge M.I.T.,
mia, me ocorresse citar ··r Amor che muove il sole e Paltre stelle', 15 ; 1965, p. 162.
a nota bastaria). 4. No volume Semantics, org. por D. D. Steinberg e L. A. Jakobovíts,
Com efeito, não se pode dizer que se as obras citadas já apa- Cambridge University Press. 1971.
recerem em nota, não será necessária a bibliografia final; na verdade, 5. ..On Generative Semantics", in VV AA, SemantiCs, cit.
a_Qiblio_gra~a_ final serv~--- para_se .. ter- uma panorâtnica_do _Il_l.a.terial con":
6. Na mesma linha ver: James McCawley, ..Where do noun phrases
suh~-dO _é ..--pâia:: d_ai- itÍforrnações globais sobre_ a literatur~~_r_ef~:çente
come from?''. in VVAA, Semantlcs, cit.
~~~-~~ t~m·a.~~-S~õ.dO··- pÕllcà gentileza -·para- COffi" o· leitor obrigá-lo a pro-
curar os textos página por página nas notas.
Tabela 17: EXEMPLO DE BIBLIOGRAFIA PADRÃO CORRESPONDENTE
Ademais, a bibliografia f'mal fornece, relativarnente à nota,
informações mais completas. Por exemplo, ao cit~ um autor estr~n
geiro~ pode-se dar em nota apenas o título na língua original, ao VV AA, Semantlcs: An lnterdiscipllnary Reader in Philosophy, Linguistics
and Psychology, organizado por Steinberg, D. D. e Jakobovits, L. A .•
passo que a bibliografia mencionará também a existência de urna Cambridge, Cambridge University Press, 1971, pp. X-604.
tradução. E mais: costuma-se citar em nota o autor pelo nome e CHOMSKY, Noam. Aspects of a Theory of Syntax. Cambridge, M.LT. Press,
sobrenome, enquanto na bibliografia o encontraremos em ordem 1965, pp. XX-252 (trad. it. in Saggi Llnguistiei 2, Turim, Boringhieri,
alfabética pelo sobrenome e nome. Além dissO, existindo uma pri- 1970).
meira edição .de um artigo em revista e depois urna reedição, muito - - - . «De quelques constantes de la théorie linguistique". Diogêne 51,
1965 (trad. it. in VVAA. I problemi attuali della linguistica, Milão, Bom-
mais acessível, num volume coletivo, a nota poderá citar apenas a piani, 1968).
segunda edição, com a página do volume coletivo; enquanto a biblio- - - - · "Deep Structure, Surface Structure and Semantic Interpretation". ln:
grãfia deverá citar sobretUdo a primeira ediçãó. Uma nota pode abre- VVAA·, Studies in Orlental and General Llngulstics, organizado por
viar· certos dados, eliminar o subtítulo, omitir de quantas páginas é o J3kobso~ Roman, Tóquio, TEC Corporation for Language. and Educa.
tional Research, 1970, pp. 52-91; agora in VVAA, Semantics (v.), pp.
volume, e1,1quanto a bibliografia deve fornecer todas essas informações. 183-216. .
Na Tabela 16 apresentamos um exemplo de uma página de KATZ, Jerrold J. e FODOR, Jerry A. "The Structure of a Semantic Theory".
tesei com várias notas em rodapé, e na Tabela 17 fornecemos as mesmas LOnguage 39, 1963 (ou in VVAA, The Structur_e of Language, orga-
referências bibliográficas tal corno aparecerão na bibliografia final, nizado por Katz, J. J. e Fodor, J. A., Englewood Cliffs, Prentice-Hall,
1964, pp. 479-518).
de modo a mostrar as diferenças. LAKOFF, GeOrge. ••on Generative Semantics". ln: VVAA, Semantlcs (v.),
Advertimos desde já que o texto proposto à guisa de exem- pp. 232-296.
plo foi concebido ad hoc de modo a apresentar inúmeras referências McCAWLÉY. James. "Where do noun phrases come from?". ln: VVAA, Seman~
tics (v.), pp. 217-231.
RUWET, Nicolas. Introduction à la grammalre générative. Paris, Plon. 1967,
pp. 452.
15. Dante, Par. :XXXIII, 145.
134 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 135
de tipos diferentes~ razão pela qual não aposto em sua verossimi- O que faz o leitor? Vai à bibliografia final e percebe que a indi-
lhança ou clareza conceptual. cação "(Corigliano, 1969:73)" significa "página 73 do JivroMarketing,
Advertimos ainda que, por razões de simplificação, a biblio- etc., etc.·~.
grafia foi limitada aos dados essenciais, ignorando as exigências de Este sistema permite simplificar enormemente o texto e eli-
perfeição e completude descritas em 3.2.3. minar oitenta por cento das notas. Ademais, obriga-nos, na fase da
Aquilo que, na Tabela 17, chamamos bibliografia padrão, pode- redação, a copiar os dados de um livro (ou de muitos livros, quando
ria assumir formas variáveis: os nomes dos autores em minúsculas, a bibliografia for bastante ampla) um~ só vez~
os livros assinalados com VVAA sob o nome do organizador etc. Trata-se, pois, de um sistema particularmente (ecornendável
Vemos que as notas são menos precisas do que a bibliografia, quando se· faz necessário citar uma sucessão de livros, e com freqüen-
não se preocupam em citar a prbneira edição e apenas intentam tornar cia o mesmo livro, evitando destarte as aborrec'ldas notinhas na base
determinável o texto de que se fala, reservando para a bibliografia de ibidem. op. cit. e assim por diante~ É mesmo um sistema indis-
as informações completas; s6 dão a página em caso de absoluta .neces- pensável quando se faz um resumo compacto da literatura referente
sidade, não dizem de quantas páginas é o volume que referem nem ao teina. Tomemos por exemplo uma frase como esta:
se está traduzido. Para isso existe a bibliografia final.
o problema foi amplamente discutido por Stumpf (1945:88-100), Rigabue
Quais são os defeitos desse sistema? Tomemos para eXemplo (1956), Azziti-wnti (1957), Forlim}lopoli (1967), Colacicchi (1968), Poggibonsi
a nota 5. Informa-nos que o artigo de- Lakoff está no volume de VVAA, (1972) e Gzbiniewsky (1975), mas totalmente ignorado por Barbapedana (1950),
Semantics, cit. Onde foi citado? Na nota 4, por sorte. E se tivesse Fugazza (1967) e Ingrassia (1970).
·sido dez páginas antes? Repete-se, por comodidade, a citação? Deixa-se
que o leitor vá verificar na bibliografia? Nesse caso, é mais cômodo Se, para cada -uma dessas citações, se tivesse de colocar uma
o sistema autor-data que falaremos a seguir. nota com a indicaçã"o da obra, a página ficaria absurdamente cheia,
sem que~ por outrq 'laçio~ o leitor percebesse a seqüência temporal,
o desenvolvimento dO interesse para o problema em questão.
5.4.3~ O sistema autor-data No entanto, este_, sistema só funciona sob certas condições:
a) se se tratar de uma bibliografia muito homogênea e espe-
Em muitas disciplinas (e cada vez mais nos últitnos anos) usa-se cializada, de que os prováveis leitores do trabalho já estão a par. Se a
um sistema que.. permite eli:Jninar todas as J:lOtas <}e refer~:qcia biblio- iesenha acima se referir, vamos dizer, ao comportarnerito sexual dos
gráfica, cons~ryándó ap~n~~- as _çle __ d.i~CtiS~s-ã?~e. -~eri!~_?.$~o." batráquios (terna esp~cializado ), presume-se que o leitor saiba à pri-
Este sistema pressupõe que a bibliografia final evidencie o meira vista que Hlngrassia, 1970'' significa o volume O Controle da
nome do autor e a data de publicação da primeira edição do livro Natalidade entre os Batráquios (ou que pelo menos conclua que se
ou artigo. A bibliografia assume portanto uma das seguintes formas, trata de um dos estudos de Ingrassia do últllno período, portanto
a escolher: diferente dos já famosos estQdos do Ingrassia dos anos cinqüénta).
Mas se, ao contrário, se fizer uma tese ·sobre a cultura italiana da pri-
Corigliano, Giorgio meira metade do século, onde serão citados romancistas, poetas, polí-
1969 Marketing-Strategie e tecniche~ Milano, Etas Kornpass S.p~A. (2.a ed., ticos, I:rlósofos e econo.tnistas, o sistema torna-se inviável porque nin-
1973, Etas Kornpass J;..ibri), ·pp. 304. · guém está habituado a reconhecer um livro pela data, e se alguém fOr
CORIGLIANO, Giorgio capaz disso num campo específico, não o será em todos.
1969 Marketing-Strategie e tecniche, Milano, Etas Kompass S~p-A. (2.a ed.,
1973, E tas Kompass Libri), pp. 304. b) se se tratar de uma bibliografia moderna, ou pelo menos
Corigliano, Giorgio, 1969, Marketing-Strategie e tecn_iche, Milano, Etas Kompass dos dóis últimos séculos. Num estudo sobre Itlosofia grega não se
S.p.A. (2.a ed., 1973, E tas Kompass Libri), pp. 304. costume citar um livro de Aristóteles pelo ario de publicação (por
razões assaz compreensív~is )~
O que permite esta bibliografia? Permite, quando se tem de
falar desse livro no texto, proceder do seguinte modo, evitando a c) se se tratar de bibliografia cientzjzco-erndita: não é costume
chrunada, a nota e a citação em rodapé: escrever HMoravia, 1929" para indicar Gli indifferenti. Se seu tra-
balho satisfaz estas condições e corresponde a esses limites, então
Nas pesquisas sobr.e produtos existentes, .. as dimensões da amostra estão, o sistema autor-data é aconselháveL
elas próprias, em função das exigências específicas da provaH (Corigliano~ 1969:
73). Mas o mesmo Corigüano advertira que a de:f'mição da área é comodista Na Tabela 18 ·vê-se a mesma página da Tabela 16 reformulada
(1969;71). segundo o novo sistema: e vemos, como primeiro resultado, que ela
136 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 137
fica mais curta, com. apenas uma nota ao invés de seis. A bibliogra- Tabela 19' EXEMPLO DE BIBLIOGRAFIA CORRESPONDENTE
fia correspondente (Tabela 19) é um pouco mais extensa, porém COM O SISTEMA AUTOR-DATA
mais clara.- A sucessão das obras de um mesmo autor salta aos olhos
(note-se que, quando duas obras do mesmo autor-aparecem no mesmo CHOMSKY, Noam
ano, costuma-se especificar a data acrescentando-lhe uma letra alfa- 1965a Aspects of a Theory of Syntax, Cambridge, M.I.T. Press, pp. XX-
bética), as remissões internas à própria bibliografia tornarn-se mais -252 (trad. it. in Otomsky~ N., Saggt Linguistici 2, Turim, Boring-
hieri, _1970).
rápidas,.
1965b "De quelques constantes de la théorie linguistique", Diogene 51
Repare que, nessa bibliografia, foram abolidos os VV AA, e (trad. it. in VVAA, I problemi attuali de lia linguistica, Milão, Bom-
os livros coletivos aparecem sob o nome do organizador (com efeito, piani, 1968). ·
uyyAA, 1971 '' não significaria nada, poís poderia referir-se a vários 1970 «Deep Structure, Surface Structure and Sernantic Interpretation ",
livros). in J akobson, Rornan, org., Studies in. Orlental and General Lin-
Veja ainda que, além de registrar artigos publicados num volume guistics, Tóquio, TEC Corporation for Language and Educational
Research, pp. 52-91; ou in Steinberg & Jakobovits, 1971, pp.
coletivo, às vezes se colocou também na bibliografia - sob o nome 183-216.
do organizador ...:_ o volume coletivo donde. foram extraídos; outras
KATZ, Jerrold J. & FODOR, Jerry A.
vezes, ao contrário, o volume citado apareceu apenas no verbete refe- 1963 "The Structure of a Semantic Theory", Language 39 (ou in Katz,
rente ao artigo. A razão é simples. Um volume coletivo corno Stein- J. J. & Fodor, J. A., The Structure of Language, Englewood Cliffs,
berg & Jakobovits, 1971, já vem citado porque vários artigos (Chomsky, Prentice--Hall, 1964, pp. 479-518).
1971; Lakoff, 1971; McCawley, 1971) se referem a ele. Um volume LAKOFF, George.
como The Structure of Language, organizado por Katz e Fodor, vem, 1971 "On Generative Semantics". ln: Steinberg & Jakobovits, 1971,
ao contrário, citado no corpo do verbete referente ao artigo HThe pp. 232-296.
Structure of a Semantic Theory'' dos mesmos autore~ porque não McCAWLEY, James.
há na bibliografia outros textos que se refiram a ele. 1971 ·~where do noun phrases come frorn?" ln: Steinberg & Jakobovits,
1971, pp. 217-231.
RUWT, Nicolas.
1967 Introduction à la grammaire générative. Paris, Plon, pp. 452.
STEINBERG, D. D. & JAKOBOVITS, L.A., orgs.
• 1971 Semantics: An Interdisciplinary Reader in Philosophy, Linguistics
and Psychology, Cambridge, Cambridge University Press, pp. X-604.
Chomsky (1965a:162), embora admitindo o princípio da semântica Por fhn, note-se que este sistema permite ver imediatamente
interpretativa de Katz e Fodor (Katz & Fodor, ·1963), segundo o qual o quando um texto foi publicado pela primeira vez, mesmo se já o conhe~
significado do enunciado é a soma dos significados de seus constituintes cemos em reedições sucessivas. Por isso, o sistema autor~data é útil
elementares, não renuncia, porém~ a reivindicar em todos os casos o primado nos trabalhos homogêneos sobre uma disciplina específica, porquanto
da estrutura sintática profunda como determinante do significado 1 .
Naturalmente, a partir destas primeiras posições, Chomsky chegou a
nestes domínios é com freqüência importante saber quem propôs
uma posição mais. articulada, prenunciada já em suas primeiras obras (Choms- pela primeira vez determinada teoria ou fez pela primeira vez uma pes-
ky, 1965a:163), 3.través de discussões de que dá conta em Chomsky, 1970, quisa empírica.
onde coloca a interpretação semântica a meio caminho entre a estrutUra Há Uma derradeira razão em apoio do sistema autor-data. Supo-
profunda e a estrutura superficial. Outros autores (Lakoff, 1971, por exem-
plo) tentam construir uma semântica gerativa onde ·a forma lógico-semân- nha ter acabado de datilografar uma tese com inúmeras notas de
tica do enunciado gera a própria estrutura sintática (cf. também McCawley, rodapé, de sorte que, mesmo numerando~ as por capítulo; elas cheguem
1971). a 125. De repente se dá conta de que esqueceu de citar um autor
importante~ o qual não pode permitir~se ignorar: e deveria citá~lo
1. Para urna boa visão panorâmica dessa tendência, ver Ruwet, 1967. exatarnente no começo do capítulo. Cumpre inserir _nova nota e alte-
rar toda a numeração até 125!
AREDAÇÂO 139
138 COMO SE.FAZ UMA TESE
Com o sistema autor-data este problema não existe: você insere de modo legível para a datilógrafa), tenha de eliminar uma nota equi-
no texto parênteses com nome e data, pura e simplesmente, e depois vocada ou acrescentar outra ~ todo ·custo. Neste caso, toda a nume-
ração ficaria errada, e tanto melhor se tiver sido feita capítulo por
acrescenta o item ã bibliografia. geral (à mão, ou rebatendo uma só
capítulo e não do princípio até o fhn .da tese (urna coisa é corrigir
página). de um a dez, -e -outra de um a cento .e cinqüenta). Você se sentiria
Mas não é preciso chegar à tese já datilografada: acrescentar tentado, para evitar mudar todos os números, a inserir uma nota de
notas ainda na fase de redação já coloca desagradáveis problemas compensação ou a eliminar uma. Muito humano. Mas seria melhor
de renumeração, inexistentes com o sistema autor-data. acrescentar signos adicionais como 0 , 00 , +, ++, a~ b etc. Certo, isso
Se ele for reservado a teses bibliograficamente muito homogê- parece. precário e algum orientador poderia não gostar. Assim, se
neas, a bibliografia final pode também valer-se de múltiplas abrevia- estiver disposto, refaça toda a numeração.
tUras no que diz respeito a revistas, manuais ou ãtas. Aqui vão dois
Hd um método para citar a partir de fontes de segunda mão.
exemplos cte bibliografias, uma de ciência ·natural, outra de medicina:
observando-se as regras de correção cientifica. Ê sempre melhor não
MESNIL, F. 1896. lttudes de morphologie_ externe chez les Annelides. Bull. citar fontes de segunda mão,· mas às vezes isso é inevitável. Há quem
Sei. France. Belg. 29:110.287. aconselhe dÜis sistemas. Supon-hamos que Sedanelli cite, de Smith,
ADLER, P. 1958. Studies on the Ernption of the Permanent Teeth. Acta Genet. a afirmação de que Ha linguagem das abelhas é traduzível em ter-
et Statist. Med., 8: 78:94. mos de gramática transformacional''. Primeiro caso: interessa-nos
acentuar o fato de que Sedanelli se responsabiliza por essa afirma-
Não me pergunte o que isto quer dizer. O princípio é que _quem ção; diremos então, em nota, em fórmula pouco elegante:
lê esse tipo de publicação sabe do que se trata.
1. C. Sedanelli, II linguaggio ·delle api, M"ilano, Gastaldi, 1967, p. 45
(transcreve C. Smith, Chomsky and Bees., Chattanooga, Vallechiara Press, 1966,
5.5. ADVERT:e.NCIAS, ARMADILHAS, USOS p. 56).
Inúmeros são os artifícios usados num trabalho científico e Segundo caso: interessa-nos esclarecer o fato de que a afirmação
inúmeras são as armadilhas em que se pode cair. Nos limites deste é de Smith e só citamos Sedanelli para ficar com a consciência tran-
breve estudo, limitruno-nos a fornecer, sem ordem predeteminada, qüila de que estamos nos. servindo de fonte de segunda mão; escre-
uma série de advertências que não exaurem o "mar dos Sargaças'' veremos então em nota:
que é necessário atravessar durante a redação da tese. Estas breves
advertências servirão apenas para tornar o leitor consciente de uma 1. C. Smith, Chomsky and Bees, Chattanooga, Vallechiara Press, 1966,
p. 56 (citado por C. Sedanelli, II linguaggio delle api, Milano, Gastaldi, 1967,
vasta ·quantidade de outros perigos que terá de descobrir sozinho. p. 45).
j\fão_ _forneça __rt!fe,-~ncüzs e fontes_ P(lra -~()Ções de conhecimento
ge.r~z~.-~]~tlfigl.ié:ffi ·perisâdâ.·--ern-·ésêTever:-'"i<Nap·oreão qtie~- como informa Dar sempre ·informações precisas sobre edições críticas, revisões
· · ·Ludwig, morreu em Santa Helena'', mas ingenuidades desse tipo não e similares. Precisar se uma edição é crítica e org-anizada por quem.
são raras. É fácil deixar escapar «o tear mecânico que, como disse Precisar se uma segunda ou enésima edição é revista, aumentada e
Marx,· assinalou o advento da revolução industrial", quando se trata corrigida, do contrário pode" suceder atribuir-se a um auto r opiniões
de uma noção universalmente aceita, mesmo antes de Maxx. que ele só expressou na edição revista de 1970 de uma obra escrita
Não atribua a um autor_uma idéia que ele apresenta _como de em 1940, qu~ndo talvez certas descobertas não tinham ainda sido
outro. Não· só porque você dará a irrlpressão de hayer se servido feitas.
inconscientemente de urna fonte de segunda mão, mas porque aquele Cuidado ao citar um autor antigo de font-es estrangeiras. Cul·
autor pode ter transmitido a idéia sem tê-la aceitado. Num pequeno turas diversas dão nomes diferentes ao mesmo personagem. Os fran-
manual que escrevi sobre os signos, forneci, entre as várias classifi- ceses dizem MichelwAnge enquanto nós dizemos Michelangelo. Dizem
cações possíveis, a que divide os signos em expressivos e comunica- Scot Erigêne e
nós dizemos Escoto Erígena. -Se se encontrar em
tivos, e num trabalho universitário achei escrito que Hsegundo Eco, inglês Nicholas of Cues, trata~se do alemão Nicolaus Cusanus (it,
os signos se dividem em ~xpressivos e comunicativos": ora, eu sempre Niccolà Cu sano). Naturalmente, tal como saberá com certeza reco-
fui avessO a essa subdivisão e a citei por mera objetividade, sem nhecer personagens corno Pétrarque (Petrarca), ~occace (Boccaccio),
perfilhá-la. Camoens (Camões). Albert Le Grande ou Albert the Great são para
Não acrescente ou corte notas apenas p"ara acei-tar a numeração. nós Alberto Magno. Um misterioro Aquinas é São Tomás de Aquino.
Pode suceder que, após datilografada a tese (ou mesmo após redigi-la Aquele que para os ingleses e alemães é Ansehn de (of, von) Canterbury
140 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 141
é Santo Anselmo. Nunca fale de dois pintores a propósito de Roger rabugento, lívido e dogmático - pessoa que jamais se deveria ter
van der -Wayd€:n e Rogier de la Pasture, pois são uma só pessoa. E, escolhido para orientadQr:
é claro, :G-iove é Júpiter, Atenção esp~cial na transcrição de nomes Mas se quiser fazer mesmo a tese com ele porque, .apesar de
russos a partir de fontes francesas: terá ímp~to de escrever Oupensky, seus defeitos, lhe parece um bom protetor, então seja coerentemente
quando a transcrição em português seria Upensky. O mesmo vale desonesto, não cite o outro, pois optou por ser da mesma estirpe
para as -cidades: Den Haag, The Hague e La Haye são Haia. que o mestre.
Como aprender todas essas coisas, que são centenas e cente·
nas? Lendo, sobre um mesmo tema, vários textos em línguas díver-
sas. Fazendo parte do "'clube". Qualquer rapazola sabe que Satchrrio
é Louis Annstrong e qualquer cinéf'Ilo sabe que Carlito ·é· Charles 5.6. O ORGULHO CIENTÍFICO
Chaplin. Quem ignora coisas assinl faz figura de quem chegou por
último, de provinciano. No caso de uma tese (como aquela em que Em 4.2.4. falamos da humildade científica, que diz respeito
o candidato~ após folhear uma fonte secundária qualquer, analisava ao método de pesquisa e leitura de textos. Falemos agora do orgulho
as relações entre Arouet e Voltaire), ao invés de '"provinciano'' diz-se científico, que se refere à coragem durante a redação da-tese.
"ignorante'.
Não existe nada mais irritante do que aquel3.s teses (coisa que
Decida como formar os adjetivos a partir dos nomes próprios também sucede a muitos livros impressos) onde o autor adianta conti-
estrangeiros. Se escrever ''voltairiano•• terá de escrever ''rimbaudiano''. nuamente excusationes non petitae:
40
É tradicional a forma Cartesiano" em lugar de "descartesiano''.
Não estamos à altura de afrontar tal assunto, mas arriscaremos a
Cuidado quando encontrar números em livros em inglês. Num hipótese .. -.
livro runericano, 2,625 significa dois mil seiscentos e vinte e cinco,
e 2.25 significa dois vírgula vinte e cinco. Como não está à altura? Dedicou-se meses, às vezes anos, ao
tema escolhido, leu talvez tudo o que era preciso ler sobre ele, medi-
Os italianos escrevem Cinquecento, Settecento, Novecento quan-
tou, tomou notas, e vem agora com essa -conversa de não estar à
do em português escrevemos século XVI, século XVIII, século XX. Mas
altura? Mas que diabo esteve fazendo todo esse tempo? Se não se
se um livro francês ou inglês fala em HQuattrocento", em italiano, está
sentia qualificado, não apresentasse a tese. Se a apresentou, é por-
se referindo a um período preciso da cultura italiana e geralmente flo-
que se sentia preparado e, em qualquer caso, não tem _direito a des-
rentina. Nada de estabelecer equivalências fáceis entre termos de línguas
culpas. Assim, uma vez expostas as opiniões alheias, uma vez expres-
diferentes. A "renaissance, em. inglês cobre um período diferente
sas as dificuldades, uma vez esclarecido se sobte determinado tema
do renascim.ento italiano, incluindo tan1bém autores do século XVII. são possíveis respostas alternativas, vá em frente. Diga tranqüila-
Te1n10s como "mannerismn ou "Manierismus,. são enganosos, não mente: "julgarnos que"' ou ·~pode-se concluir qUe". Ao falar, você
se referindo, por exemplo, ao que a história da arte italiana chama é a autoridade. Se for descoberto que é um charlatão, pior para
de "manierismo, (em português "maneirismo"). você, mas não tem o direito de hesitar. Tem o papel de funcionário
Agradecimentos - Se alguém, além do orientador, o tiver aju- da humanidade, falando em nome da coletividade sobre aquele
dado com conselhos orais, emprést:hno de livros raros, ou com apoio assunto. Seja modesto e prudente antes de abrir a boca, mas, depois
de qualquer outro gênero é costume inserir no começo ou no Iun de abri-la, seja arrogante e orgulhoso. ·
da tese uma nota de agradecimento. Isto serve também para mostrar Fazer uma tese sobre o tema X significa presumir que até então
que você batalhou, consultando muita gente. É de mau gosto agradecer ninguém tivesse dito nada de tão completo e claro sobre o assunto.
dem:asia~o ao orientador. Se o aj1:1dou, fê-lo, em parte, por ob~igação. O presente livro lhe ensinoU que deve ser cauteloso ao escolher o
Pode ocorrer-lhe agradecer ou declarar seu débito pai-a com tema, ser suficientemente perspicaz para optar por algo liinitado,
um estudioso que seu orientador odeia, abomina e despreza~-~ Grave talvez muito fácil, talvez ·ignobilmente setorial. Mas, sob rê o que
incidente açadêmico. Mas a culpa cabe iri.teirarnente a você. Deve escolheu, nem que tenha por título Variações na Venda de Jornais
confiar no orientador, que lhe dissera ser a,quele sujeito um imbecil na Esquina da Avenida Ipiranga com a Avenida São João de 24 a
(razão pela qual não o deveria ter consultado). Mas pode suceder 28 de agosto de 1976, você deve ser a máxima autoridade viva.
que esse orientador seja uma pessoa aberta, que aceita o fato de seu Mesmo que tenha escolhido uma tese de compilação, que
aluno recorrer até mesmo a fontes de que ele discorde e, neste caso, resuma tudo quanto foi dito sobre o assunto sem nada acrescentar
jamais fará deste fato matéri~ de discussões durante a defesa da tese. de novo, você é uma autoridade sobre o que foi dito por outras auto-
Ou então, não se deve descartar a eventualidade de ser ele um velho ridades. Ninguém deve conhecer melhor tudo o que foi dito a respeito.
142 COMO SE FAZ UMA TESE
I
é trabalho manual. Mas as coisas não são bem assilrz. Dar forma
datilografada a uma tese significa também fazer algumas escolhas de
método. Se a datilógrafa o faz por você, conforme seus próprios
critérios isso não impede que a tese apresente um método gráfico-
-expositivo com repercussões sobre o conteúdo. Mas se, conforme
é esperado~ tal escolha for feita por você mesmo, não importa o tipo
de exposição adotado (manuscrito, à máquina com dois dedos, ou
- horror! - em gravação), ela deve já conter as instJUções gráficas
para a datilógrafa.
Eis por que, neste capltulo, se encontrará recomendações grá-
ficas que implicam tantq uma ordem conceptual quanto uma "fachada
comunicativa'' da tese.
Até porque não afirmamos que se deva necessariamente entre-
gar a tese a uma datilógrafa. Poderá fazer o trabalho pessoalmente,
em especial quando se tratar de obra que exija convenções gráficas
especiais. Além de tudo, pode suceder que você seja capaz de bater
sozinho uma primeira versão, deixando à datilógrafa a incumbência
de refazer mais caprichadamente aquilo que lhe foi entregue já esque-
matizado até sob o ponto de vistq datilográfico.
O problema é se você sabe ou pode datilografar: de resto. uma
máquina portátil de segunda mão, às vezes. custa menos do que o
trabalho da datilógrafa.
VI. A REDAÇÃO DEFINITIVA
fica que um período contínuo, composto de várias :frases" a) palavras estrangeiras de uso pouco comum (não se su-
chegou organicamente ao seu termo e que se inicia uma parte blinham as aportuguesadas ou de uso corrente: chance_,
do discurso .. É como se, ao :falar .7 nos interrompêssemos a reprise); numa tese sobre astronáutica_, não se subli-
dada altUra para dizer: ''Compreendeu? De acordo? Então nham palavras comuns naquele ãmbi to, como splash down;
continuemos'' .. Estando todos de acordo:~ abre-se novo pa- b) nomes científicos como fe~is cactus~ eug~ena viri-
dis~ c~erus apivorus;
rágrafo e se vai em frente, exatamente como estamos fa-
zendo agora .. c) termos técnicos que se queira acentuar: 1 'o método de
Findo o parágrafo, deixa-se entre a última linha e o caro-tagem nos procedimentos de prospecção
título do novo parágrafo ou subparágraf'o outras três li- petrolífera . . . ' ' ;
nhas (três espaços). d) :frases inteiras (desde que não mui to longas) que cons-
Esta página está datilografada em espaço dois. Mui- tituam o enunciado de uma tese ou sua demonstração con-
tas teses o são em espaço três, pois isso-as faz mais legí- clusiva: 1 'queremos, pois, demonstrar que processa-
veis, dá-lhes aparência mais volumosa, torna mais fácil ram profundas mudanças na definição das doenças
substituir uma página a refazer. No caso de teses escri- mentais'';
tas em espaço três, a distância entre o título de capítu- e) títulos de livros (não de capítulos ou de ensaios de
lo_, título de parágrafo e outras eventuais titula:ções au- :Cevist~s);
menta de uma linha .. f') títulos de poesias, obras teatrais, quadros e escul-
Se a tese for datilografada por um profissional, ela turas:- ' 1 Lucia Vaina-Pusca se ref'ere a Know~edge and
Be~ief de Hintikka para demonstrar, em seu ensaio 'La
sabe que margem é necessária deixar dos quatro lados .. Se
você mesmo :for datilograf'ar a tese_, considere que as pá- théorie des mondes possibles dans l ' étude des textes
ginas serão encadernadas de qualquer maneira e que por isso -Baudelaire lecteur de Brueghel', que a poesia Les
aveug~es de Baudelaire se inspira na Pará.bo~a dos ce-
deverão permanecer legíveis do lado em que forem coladas
ou grampeadase Recomenda-se também um certo espaço à gos de Brueghel 1 1 ;
dire:ita;. g) t i tulos de jornais e semanários: ' 'veja o artigo 'E de-
Este capítulo sobre cri-térios gráf'icos, repetimos, pois das eleições? ' publicado pelo L' Expresso em 24 de
não está em caracteres tipográficos, mas reproduz em com- junho de 1976' ';
patibilidade com o formato deste livro as páginas dati- h) títulos de filmes, canções e óperas.
lograf'as de uma tese. Trata-se_, portanto, de um capítulo Atenção: não sub~inhe as citações çie outros autores,
que, enquanto :fala de sua tese, fa~a -também de si mesmo. às quais se aplicam as regras enunciadas em 5.3.; não su-
Sublinham-se aqui certos termos para mostrar como e quando blinhe também trechos acima de duas ou três linhas: su-
eles deve.m ser sublinhados, inserem-se notas para mostrar blinhar mui to é como gritar ' 'fogo' ' a todo instante_, nin-
como devem ser inseridas, subdividem-se capí~ulos e pa- guém mais dá atenção. O ato de sublinhar deve correspon-
rágraf'os para evidenciar o critério de subdivisão de ca- der sempre àquela entonação especial que você daria à voz
pitulas, parágrafos e subparágrafos. se lesse o texto; deve chamar a atenção do seu destinatá-
rio mesmo que, pqr acaso, ele estivesse distraído.
VI-1.2. Quando sublinhar e usar maiúsculas Em mui tos livros, ao lado dos grif'os (isto é, dos su-
blinhados), utiliza-se também o versalete, que é uma
A ·máquina de escrever comum não possui caracteres em maiúscula em corpo menor do que o usado no início da :frase:
grifo, apenas redondos. Por isso, aquilo que nos livros_ ou para nomes próprios. A máquina de escrever não possui
aparece em grifo veni sublinhado na tese. Se a tese fosse versalete, mas você pode usar (com mui ta parcimónia!) as
um trabalho datilografado para publicar, o tipógrafo com- maiúsculas para paJ...aVras iso~adas de particular impor-
poria em grifo todas as palavras sublirihadas. tância técnica. Nesse caso, você escreverá em MAIÚSCULAS
O que se sublip.ha? Depende do tipo de tese, mas em ge- as palavras-chave do trabalho e sublinhará as frases ou
ral os critérios são os seguintes: p'alavras estrangeiras e os títulos. Exemplo:
148 COMO SE FAZ UMA TESE A REDAÇÃO 149
Hjelmslev chama FUNÇÃO SÍGNICA à correlação entre rágrafo em questão. O título demonstra que o parágrafo t i -
dois FUNTIVOS pertencentes aos dois planos, de nha uma razão de ser enquanto parágrafo ..
forma independentes, da EXPRESSÃO e do CONTEÚDO. Es- Com títulos ou sem eles:~ ós números que assinalam ca-
sa def'inição põe em causa a noção de signo como enti- pítulos e parágrafos podem ser de natureza diversa.
dade au-tônoma.
Remetemo-lo ao parágrafo VI .4. :~ 'r o índice t ' , onde encon-
Fique claro que toda vez que você i_ntroduzir um termo trará alguns modelos de numeração .. Mandamo-lo para lá por-
técnico em versalete (o que vale também para o método de que a organização do índice deve refletir com exatidão a
sublinhar)~ o termo introduzido em versalete deve ser de-
organização do texto e vice-versa.
finido imedia-tamen-te an-tes ou imediatamente depois. Não
use versalete por razões enfáticas ( r r o que descobrimos
nos parece DECISIVO para a finalidade do nosso discur- VI.1.4. Aspas e outros sinais
so r '). Em geral_, jamais enfatize de forma alguma.., não use
ponto de exclamação nem reticências (a não ser para indi- As aspas duplas (também chamadas ing~esas) são usa-
car a interrupção de um texto citado). Pontos de exclama- das nos seguintes casos:
ção, reticências e maiúsculas em termos não-técnicos são a) citações de :frase ou breve período de outro autor no
próprios de esc ri tores diletantes e só aparec~m em edi- corpo do parágrafo:~ como :faremos agora:~ recordando que,
ções do autor. segundo Campbel e Ballou 7 r 'as citações diretas que não
ultrapassarem as três linhas datilografadas aparecem
VI.l.J. Parágrafo entre aspas duplas:~ e no texto ' r 1.;
b) citações de palavras isoladas de outro autor:~ como :fa-
Um parágrafo pode ter subparágrafos, como neste ca- zemos agora recordando que:~ segundo os citados Camp-
pítulo. Se o título do parágrafo estiver sublínhado, o do bell e Ballou, nossas aspas duplas se chamam • • quota-
subparágrafo se distinguirá por não sê-lo, e isso basta- tion marks' ' (mas:~ como se trata de palavras estran-
rá, mesmo sendo a distância entre ele e o texto a mesma. geiras, podemos escrever também ''quotation marks' ') ..
Por outro lado 7 como se pode ver:~ para distinguir o pará- Decorre que, se aceitarmos a t;ermino~ogia de nossos au-
grafo do subparágraf'o intervém a numeração. O leitor per- tores e adotarmos este termo técnico, não escrevere-
cebe mui to bem que o algarismo romano indica o capítulo, mos mais ' 'quot;at;ion marks' ', mas quot;ation marks, ou
o primeiro algarismo arábico o parágraf'o e o segundo o sub- mesmo:~ num tratado sobre os usos tipográficos angl.o-
parágrafo. IV. J.. J.. Parágrafos - Repete-se aqui o título saxões, QUOTATION MARI<S (porque aqui se trata de termo
do subparágraf'o para :rrlostrar um outro sistema: o título técnico que constitui uma das categorias do nosso
faz parte do corpo do páragraf'o e é sub~inhado .. -Este sis- trabalho);
tema é ótimo, salvo que o impede de .Usar idêntico artifí- c) termos de uso comum ou de outros autores a quem desejamos
cio para uma ulterior subdivisão dos subparágrafos:~ coi- atribuir a conotação de· 1 'assim chamado r ' ~ Ou seja, es-
sa que às yezes é útil (como veremos neste mesmo capítulo). creveremos que o que a estética idealista chamava ' 'poe-
Poder-se-ia usar um sistema de numeração sem títulos. sia' r não tinha a mesma extensão que o termo técnico POE-
Eis como o subparágraf'o que você está lendo tt- . . .'ia podido SIA assume no catálogo de uma editora, por oposição a
ser introduzido: PROSA e ENSAÍSTICA. Analogamente, diremos que a noção
hj elmsleviana de FUNÇÃO SÍGNICA põe em causa a noção
IV .1. l. O texto começaria logo depois dos núr..-.,ros e toaa correü.te de ' r signo r ' • Não aconselhamos o uso de aspas
a linha ficaria separada do parágrafo anterior por dois para enfatizar um termo:~ como querem alguns, porque nesse
espaços,. Contudo:~· a presença de 'f:!ítulos não só ajuda o lei- caso basta sub~inhar ou recorrer às aspas • simples • ;
tor como estabelece uma exigência de coerência ao autor:~
obrigando-o a definir com um títuio (e portanto a justi-
1. Y .G. Campbell. e S.B. Bal.lou, Form and St;y~e- Theses~ Report;s~ Term
ficar com a relevância de uma questão essencial) o pa- Papers, 4a. ed., Boston, Houghton Mifflin, 1.974, p. 40
!50 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 151
d) citações de falas de peças teatrais. Pode-se dizer de pode-se t;rans~i t;erar a palavra segundo critérios inter-
Hamlet pronuncia a f'ala ' 'Ser ou não ser? Eis a ques- nacionais (ver Tabela 20); enquanto no caso de fórmulas
tão' ' , mas eu aconselharia a escrever, na transCrição lógico-matemáticas, existem freqüentemente grafemas al-
de um trecho teatral: terna t i vos que a máquina pqde produzir. Você deve, é cla-
Hamlet;- Ser ou não ser? Eis a questão .. a menos que ro~ i:pf'ormar-se com o orientador sobre a possibilidade de
a literatura crítica específica a que se recorre use fazer tais substituições ou consultar a literatura sobre
tradicionalmente outro sistema .. o tema.
Como f'azer para citar, num texto de outrem entre as- Mas, à guisa de exemplo, vejamos uma série de expres-
pas um outro texto também entre aspas? Usam-se as aspas sões lógicas (à esquerda) que podem ser transcritas com·
simples, como ao dizer que, segundo Smith, 1 'a célebre f'ala menos esforço na f'orma à direita:
'Ser ou não ser' tornou-se o cavalo de batalha de todos
OS intérpreteS ShakespearianOS I t .. p:Jq torna-se p-> q
E se Srni th disse que Brown disse que Wolfrarn disse al- p/\.q '' p.q
go? Há quem resolva este problema escrevendo que, segun- pvq '' pyq
do a conhecida afirmação de Smith, ' 'todos aqueles que se o p '' Lp
op Mp
re:ferem a Brown quando af'irma 1 refutar o princípio de Wol- ''
fram, para quem <<o ser e o não-ser coincidem>> , incorrem -P '' -p
num erro injustificável''. Mas se consultarmos 5 .3.1. (re- (Yx) '' (Ax)
gra 8) veremos que, se a citação de Smith vier em corpo me- (3 x) '' (Ex)
nor.? com en-trada, não será necessário recorrer às aspas
angulares, bastando as duplas e simples .. As primeiras cinco substituições seriam também acei-
Todavia,. no exemplo anterior, encontramos também as táveis mesmo num trabalho impresso; as últimas três, ape-
cham.adas aspas «angulares»-> , de sargen-to ou 1. talianas. nas no ãmbi to de uma tese datilografada, talvez acompa-
Raramente são usadas, mesmo porque a máqUina de es- nhadas de uma nota inicial justificando e esclarecend::> sua
crever não as possui. Num texto meu vi-me obrigado a usá- decisão.
las porque, empregando aspas duplas para citações breves Problemas análogos poderiam haver com teses de lin-
e para conotaç5es· de ' r assim chamado r ' , tinha que distin- güistica, onde um fonema tanto pode ser representado co-
guir o uso de um termo enquanto significante (pondo 1 en- rno [b] quanto corno /b/.
tre barras/) e o uso de um termo enquanto -<<significado» .. Em outros tipos de formalização, sistemas de chaves
Disse assim, então, que a palavra 1 cão 1 significa ' r ani- e colchetes podem ser reduzidos a seqüências de parênte-
mal carnívoro quadrúpede, etc .. r r Trata-se, porém de um ca":"" ses simples, pelo que a expressão
so raro, no qual você precisa tpmar uma decisãO de acordo
com a literatura crítica com a qual trabalha, utilizando [[(p:Jq) A (q:Jr)] :J (p:Jr) pode tornar-se
depois a caneta para corrigir a página datilograt'ada, tal (((p-->q) . (q--+r)-->(p-->r))
como acabei de fazer.
~ Temas específicos requerem outros sinais, e não é pos- Da mesma forma, quem faz uma tese de lingüística trans-
síyel dar instruções de ordem geral. Para certas teses de formacional sabe que as disjunções em árvore podem ser eti-
lógica, matemática ou línguas não-européias, na falta de quetadas como parênteses. Mas qUem empreende trabalhos
máquinas eletr6nicas especializadas onde você poderá in- do gênero já sabe disso.
serir diferentes alfabetos, só resta escrever à mão, ta-
ref'a cértamente Cansativa. Nos caso~, porém, em que se deve VI .1.5. Sinais diacrí ticos e transli terações
escrever uma fórmula (ou uma palavra grega ou russa) una
-tant;um, além de ·escrevê-la à mão existe ainda outra pos- Trans~iterar significa transcrever um texto adotan-
sibilidade: tratando-se do alfabeto grego ou cirílico, do um sistema alfabético diferente do original. A tr.ans-
AREDAÇÃO 153
152 COMO SE FAZ UMA TESE
literação não pretende interpretar fôneticamente um tex- Na Tabela. 20 damos as regras de transcrição diacrí-
to, mas reproduzir o original letra por letra de modo que tica dos alfabetos grego (que pode ser transli terado em
seja possível a qualquer um reconstituir o texto em sua teses de filosofia) e cirílico (que serve para o russo e
grafia primitiva:~ mesmo conhecendo apenas os dois outras línguas eslavas, naturalmente em teses que não se-·
alfabetos. j am de eslavistica) .
·Recorre-se à tranSli teração. para a maioria dos nomes
históricos e geográficos, como também para as palavras que Tabela 20: COMO TRANSLITERAR ALFABETOS NÃO LATINOS
não possuam correspondência em nossa língua.
ALFABETO RUSSO
Os sinais diacríticos são sinais que se acrescentam
às letras normais do alfabeto para dar-lhes um particu- Transl.
M/m Transl. M/m
lar valor fonético .. São, pois, sinais diacríticos os nos-
sos acentos comuns (por exemplo 7 o acento agudo 1 t ' ' ' dá ao A a a n n p
t 'e r r final da palavra t 1 pé 1 t urna pronúncia aberta), bem b p p r
B 6
como, a cedilha, o t i l e também o trema alemão de ' 'ü 1 r, B B v c c s
e os sinais menos conhecidos de out ......os a~fabet;os: 1 r~' ' r r g T T t
d y y u
russo 7 ' '9S' ' dinamarquês, ' 1 ;:r' r polonês etc. . .ll
Numa tese que não seja de l itera.tura polonesa, você E "'e e .<I> q, f
poderá, por exemplo, eliminar a barra do l: ao invés de E. e e X X eh
escrever ' 1 ~odz r ' , escreverá ' 'Lodz r r , como fazem os j or- >K "' z u " c
nais .. Mas, para as línguas latinas, as exigências costu- 3 3 z 'I
" c
mam ser maiores. Vejamos alguns casos .. .!1 H í lllw s
VI ;; j lllm M
Respe-itamos, em qualquer livro, o uso de todos os si-
K k bl bl y
nais particulares do alfabeto francês .. Eles possuem to- K
,)l l b b
dos uma tecla correspondente, para as minúscu~as, nas má- "
MM 3 e
quinas de escrever comuns .. Para as nia.iúscu~as, escreve- m
}010
" ju
mos Ça ira, mas.Eco~e, não É c o~ e, A ~a recherche, não À ~a H H n
o o o .li J<- ja
recherche ...... , porque, em francês, mesmo em tipografia,
não se acentuam as maiúsculas ..
Respeitamos sempre, quer para as minúscu~as quer pa-
ra as maiúscu~as, o uso ·dos três sinais particulares do
alfabeto alemão: ã, õ, ü .. E escrevemos sempre ü, não ue
( Führer, não Fueher) .
Respeitamos, em qualquer l:i.vro, t;ant;o para as minús-
cti~as como para as maiúscu:J.as, o uso dos sinais particu-
lares do alfabeto espanhol: as vogais com acento agudo e
o n com til: fi.
Quanto às outras linguas, é preciso decidir caso por
caso, e, como s_empre, a solução será diferente conforme
Se c i te uma palavra isolada ou se faç-a a tese sobre essa
língua específica. Para casos isolados, pode-se recor-
rer às convenções adotadas pelos jornais ou pelos livros
não-c:i.entíficos .. A letra dinamarquesa S. aparece às vezes
como aa, o y tcheco como ;Y, o J__ polonês co~o ~, e assim por
diante ..
.,;,A.·
154 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 155
)<Fk-'_
~
Tabela 21: ABREVIATURAS MAIS USUAIS PARA UTILIZAR EM NOTA OU NO TEXTO "'"'
Anon. Anónimo
art. artigo (não para artigos de jornal, mas para artigos de leis e similares)
I. livro (por exemplo, vo\.1, t. 1, 1.1)
cap. capítulo, plural caps. (por vezes também c., mas em certos casos c. quer dizer coluna)
co\. colun~ plural coll. (ou c.)
cf. confrontar, ver também, referir~se a ()
ed. edição (primeira, segunda; mas em bibliografias inglesas ed. quer dizer organizador, editor, plural ed>) o
e.g. .::
(nos textos ingleses) exempli gratia, por exemplo o
p. ex. V>
por exemplo M
fig. figura, plural figs. ~
O. folha, também foi., foll. ou f. e ff. N
ibid. c
ou também ibidem, no mesmo lugar {isto é, mesma obra e mesm8 página; se for a mesma obra mas não a mesma página,
então é op. cit., seguido da pág.) ~
Le. (nos textos ingleses) id est, isto é, quer dizer ~
V>
infra ver abaixo M
loc. cit. lugar citado
MS manuscrito, plural MSS
NB note bem
n. nota (ex.: ver ou cf. n. 3).
NS Nova Série
n.o número (por vezes também n.)) mas pode-se evitar escrevendo ,.;ó o número
op. cit. obra já citada anteriormente pelo mesmo autor
passim aqui e ali (quando não nos referimos a uma página precisa porque o conceito é tratado pelo autor em toda a obra).
p. página, também pág. plural pp. e págs.
par. parágrafo (também§)
NB. Esta é uma lista das abreviaturas mais comuns. Temas específicos (paleografia, filologia clássica e moderna, lógica, matemática,
etc.) têm séries de abreviaturas particulares que se poderão aprender lendo a literatura crítica respectiva.
...,"'
!58 COMO SE FAZ UMA TESE A REDAÇÃO 159
etc. Usa-se trema no ü de f'reqüenteJ' tranqüilo etc. acen- exército tinha cinqüenta mil (e não 50.000) homens, que
to agudo no u de averigúe.:> argúi e acento diferencial em aquela obra é em três (e não em 3) volumes_, a menos que es-
pêlo (subst.), pára (verbo), pêra, pôde e pôr (verbo). teja fazendo uma citação bibliográfica do tipo ' 1 3
Lembre-se de que o E maiúsculo inicial de uma palavra vols .. t t Diga que os prejuízos aumentaram em dez por cen-
4
francesa nunca se acentua (Ecole__, Etudiant, Edition, e não to_, que fulano morreu aos sessenta anos, que a cidade dis-
École, Étudiant, Édition). tava trinta quilômetros .. Ao contrário_, use números para
Quanto às palavras espanholas J' só recebem acen-to agu- datas_, que é sempre preferível serem por extenso: 17 de
do: Hernández 7 GarcíaJ' Verón. maio de 1980 e não 17/5/80; mas admite-se abreviar e di-
zer a guerra de 1.4-18. Naturalmente, uS-e datas abrevia-
VI.1.7. Alguns conselhos esparsos das para datar toda uma série de documentos_, páginas de
diário etc.
Você dirá que tal evento se deu às onze e trinta_, mas·
Não exagere com as maiúscu~as. Certo, poderá escre-
escreve-se que_, no decurso da experiência a água subiu 25
ver o Amor e o Ódio se estiver examinando duas noções f'i-
losóficas precisas num autor antigo; hoje.:> no entanto., cm às 11:30h. Dirá: a matrícula número 7535, a casa 30 da
Rua do Arouche, a página 114 do livro.
quem fala do Culto à Família só emprega maiúsculas por iro-
nia. Num discurso de antropologia cultural que rendá dis- Use algarismos romanos nos locais apropriados: o sé-
sociar sua responsabilidade de um cone e i to que atribui a culo XX_, Pio XII, a VII frota .. Nunca escreva ''XII'?''_, pois
outros 7 escreva de preferência ' 'culto à família,' r .. ,,_Po- os algarismos romanos exprimem sempre os ordinais ..
derá grafar Renascimento e Tere iário, embora não es'tej a Seja coeren-te com as sig~as. Pode escrever U .. S. A. ou
errado escrever renascimento e terciário. USA, mas se começar com USA continue com PC, RAF, SOS, FBI.
Eis alguns exemplos de maiúsculas: Banco da Agricul- " Pres-te a-tenção nas ci-tações de t;ít;u~os de ~ivros e -de
tura, Mercado Comum, América do Norte, Mar Negro, Monte ~; jornais no -tex-to. Se você quer dizer que uma_ certa idéia,
Branco, Magna Carta, Capela Sistina, a Estação Central, citação ou observação está no livro chamado Os Noivos_,
Igreja de Santa Catarina_, Mosteiro de São Bento_, Monsieur existem as seguintes soluções:
Teste_, Madame Verdurin .. Os italianos costumam escrever a) Como se diz em Os Noivos •..
piazza Garibaldi e via Roma_, mas em outras línguas escreve- b) Como se diz n 'Os Noivos •..
.se Praça da Liberdade, Place Vendôme e Square Gay-Lussac. c) Como se diz nos Noivos ......
Os substantivos comuns em alemão são escritos com Num discurso contíntu'Ó de tipo jornalístico a forma
maiúsculas (Ostpolitik, Kulturgeschichte). (c) é a preferida. A forma (b) é um tanto bizarra. A mais
Coloque em minúsculas tudo o que puder sem comprome- correta é a (a), embora mais cansativa .. Direi que se pode
ter a clareza do texto: os italianos_, os ingleses_, o dou- usar a forma (c) ao falar de um livro já citado por extenso
tor_, o coronel_, a paz de Viena_, o prêmio Nobel_, o presi- e a (a) quando o título aparece pela primeira vez, sendo
dente da república_, o santo padre_, o sul e o norte .. importante saber se ele traz ou não artigo .. Em todo caso,
Para usos mais precisos_, atenha-se à literatura da escolhida a forma, siga-a sempre .. Em se tratando de j or-
disciplina estudada_, tomando por modelo os textos publi- nais_, preste atenção se o artigo faz ou não parte do títu-
cados nos últimos dez anos .. lo. Diz-se O Estado de S. Pau~ o, mas a Folha da Manhã.
Feche sempre as aspas que abriu .. Parece uma recomen- Não exagere sub~inhando inuti~mente. Sublinhe as pa-
dação tola_, e no entanto é este um dos descuidos mais co- lavras estrangeiras não integradas no nosso léxico_, como
muns num trabalho datilografado. A citação começa e fica- sp~ash-down ouEinfüh~ung_, mas não bar, reprise etc .. Nunca
se sem saber onde acaba. sublinhe nomes de marcas ou de monumentos célebres: 1 'Os
Não use números em a~garismos arábic<;>s em demasia .. A Spitfire voavam sobre Golden Gate' ' .. Habitualmente_, os
advertência não vale_, naturalmente_, se você f'izer urna tese termos filosóficos usados em língua estrangeira_, mesmo
de matemática ou estatística_, nem se citar dados e per- sublinhados, não se põem no plural nem tampouco se decli-
centuais precisos. Mas_, no discurso comum, diga que aquele nam: 'r as Erlebnis de que fala Husserl_' ', 1 1 o universo das
âl:.;.;.:.~-.
160 COMO SE FAZ UMA TESE A REDAÇÃO 161
várias Ges-ta~ -t. Mas os termos latinos se declinam: r 'Va- nome? Foram mencionados todos os dados requeridos para
mos, pois, ocupar-nos de todos os subjec-ta e não daquele identificar o livro? Usou-se para alguns títulos um sis-
subject;um sobre o qual se volta a experiência percepti- tema mais rico (por exemplo, número de páginas ou título
va' r • É melhor evitar essas situações difícei-s usando o da série) e para outros não? Distinguem-se os livros dos
termo correspondente em nossa língua (costuma-se usar o artigos de revista e dos capítulos de obra maiores? Todas
termo estrangeiro para dar mostras _de cultura) ou cons- as referências terminam com um ponto final?
truindo a frase de maneira diferente.
Use com crit;ério a aLt;ernância de ordinais e cardi-
nais_., a~garismos·romanos e arábicos. Tradicionalmente o
algarismo romano indica a subdivisão mais importante. Urna VI. 2. A bibl.iografia final.
indicação como
XIII.3 O capítulo sobre a bibliografia deveria ser mui to lon-
indica volume décimo terceiro, terceira parte; o canto dé- go, muito preciso e rigoroso .. Todavia, já tratamos deste
cimo primeiro, verso 3; ano décimo terceiro, número três. assunto pelo menos em dois casos. Em 3.2 .3. dissemos como
Pode-se também escrever 13 .. 3. e em geral a referência é se registram as informações relativas a uma obra_, e em
compreendida, mas soaria estranho escrever 3. XIII .. Es- 5.4.2. e 5.4.3. referimo-nos à maneira de citar uma obra
creva, poi.s, Haml.et; III, ii,28 e todos compreenderão que em nota e de estabelecer as relações entre a citação em
você está falando do verso vinte e oito da cena segunda nota (ou no texto) e a bibliografia final. Se consultar
do terceiro ato; ouHamJ.et; III,2,28(ouHamJ.et; III.2.28), estes três parágrafos, encontrará t;udo o que precisa pa-
mas não Ham~et; 3, II, XXVIII. Indique tabela, quadros es- ra fazer uma bibliografia final.
tatísticos ou mapas como Fig. I ou Tab .. 4, seja como Fig .. Em todo caso, digamos que uma tese deve ter urna b iblio-
I e Tab.. IV, mas, por favor, no índfce das tabelas e das graf'ia final, por minuciosas e precisas que tenham sido
figuras mantenha o mesmo critério. E, se usar os algaris- as referências em nota .. Não se pode obrigar o leitor a pro-
mos romanos para as tabelas_, use os arábicos para as fi- curar página por página a informação que lhe interessa ..
guras, pois assim se compreende com uma simples vista de Para certas tesesf} a bibli.o_gra.f'ia é um acréscimo útil
olhos a que se está referindo. mas não decisivo, para outras (por exemplo, teses de pes-
Re~eia o t;raba~ho dat;i~ografado! Não só para corri- quisas sobre a literatura num dado setor ou sobre todas
gir os erros de datilografia (especialmente as palavras as obras editadas e inéditas de um determinado autor) , a
estrangeiras e os nomes próprios), mas também para veri- bibliografia pode constituir a parte mais importante. Isto
ficar se os números das notas correspondem, tal como as para não falar das teses exclusivamente bibliográficas
páginas dos livros citados. Eis algumas coisas que se de- do tipo Os Est;udos sobre o Fascismo de 1945 a 1950, onde
ve controlar de maneíra absoluta: obviamente a bibliografia final não é um meio, mas um ponto
Páginas: estão numeradas por ordem?· de chegada.
Remissões in-ternas: correspondem ao capítulo ou à página Só nos resta acrescentar algumas instruções sobre como
exatos? se pode estruturar uma bibliogra:Fia. Tomemos como exem-
Ci-tações: estão sempre entre aspas,. no início e no fim? plo uma tese sobre Bertrand Russell. A bibliografia se sub-
O uso de elipses, colchetes e entradas é sempr:e coerente? dividirá em Obras de Bert;rand Russel.l. e Obras sobre Ber-
Todas as citações têm sua própria referência? t;rand Russel. (obviamente, poderá haver também uma seção
mais geral de Obras sobre a Hist;ória da Fil.osofia do Sé-
Notas : a chamada corresponde ao número da nota? A nota está cul.o XX) • As obras de Bertrand Russel serão relacionadas
visivelmente separada do texto? As notas estão numeradas em ordem crono~ógica, enquanto as obras sobre Bertrand
consecutivamente ou existem sal~os? Russel o serão em ordem alfabética. A menos que o tema da
tese fosse Os Es1;udos sobre Russe_J. de 1950 a 1960 na In-
Bíb~iografia: os nomes estão em ordem alfabética? Foi gl.at;erra, caso em que também a bibliografia sobre Russel
atribuído a algum autor o nome próprio em luga;r do sobre- poderia vir em ordem cronológica ..
162 COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 163
Se, ao contrário, se fizesse uma tese sobre Os Cat;ó- Muitas vezes a credibilidade de uma bibliografia é da-
~icos e o Avent;ino, a bibliografia poderia ter uma divi- da por seu titulo. Pode intitular-se Referências Bib~io
são do seguinte tipo: documentos e atas parlamentares, ar- gráficas, Obras Consu~t;adas, Bibi~iografia Gera~ sobre
tigos ·de jornai~ e revistas da imprensa católica-' arti- o Tema X, e com isso se compreende mui to bem como :1 com base
gos e revistas da imprensa f'acista, artigos e revistas de no título, ela deverá estar à altura de satis.fazer ou se-
outros setores políticos, obras sobre o acontecimento .(e rá autorizada anão satisfazer. Não se pode intitularBi-
quem sabe uma seção de obras gerais sobre a história i ta- b~iografia sobre. a Segunda Guerra Mundia~ urna magra co-
liana do periodo) . letãnea de uns trinta títulos em nossa própria língua .. Es-
Como se vê, o problema varia segUndo o tipo de tese, creva Obras Consu~ tadas e con.fie em Deus ..
e a questão está em organizar urna bibliografia que permi- Por mais pobre que seja a sua bibliografia, procure
ta d·istinguir e individuar fontes primárias e fontes se- pelo menos colocá-la corretamente por ordem alfabética.
cundárias, estudos rigorosos e material mais aceitável Há algumas regras para isso: se se parte do sobrenome, ob-
etc. viamente;1 os títulos nobiliárquicos como «de» e «VOn» não
Em definitivo, e à luz de quanto se disse nos c a pi tu- :fazem parte do sobrenome, mas o opoSto ocorre com as pre-
los a,nteriores, os objetivos de uma bibliografia são: (a) posições em maiúsculas. Portanto, ponha D' Annuzio em D,
tornar reconhecivel a obra a que nos referimos; (b) fac i- mas Ferdinand de Saussure virá como Saussure, Ferdinand
li tar a sua localização e (c) demonstrar :familiaridade com de. Escreva De Amicis, Du Bellay, La Fontaine;1 mas Bee-
os usos da disciplina em que se faz a tese. thoven, Ludwig van~ Também aqui:1 porém, observe a lite-
Demonstrar familiaridade com a disciplina -significa ratura crítica e a tenha-se às suas normas. Por exemplo,
duas coisas: mostrar que se conhece toda a bibliografia para os autores antigos (até o século XIV) cita-se o nome
sobre o tema e seguir os usos bibliográficos da discipli- e não o que parece ser o sobrenome que é;1 em vez disso;1 o
na em questão. Quanto ao segundo ponto, pode suceder que patronímico ou a indicação do lugar do nascimento.
os usos padronizados sugeridos neste livro não sejam os Para concluir;1 eis uma divisão padrão para urna tese
melhores, e por isso deve-se tomar como modelo a litera- genérica:
tura crítica sobre o assunto. No que respe:Lta ao segundo Fontes
ponto, é lícito perguntar se numa bibliografia é neces- Repertórios bibliográficos
sário pôr apenas as obras consultadas ou todas aquelas de Obras sobre o tema ou sobre o autor (às vezes dividi-
que se tem conhecimento. das em livros e artigos)
A resposta mais óbvia é que a bibliografia de uma tese Materiais adicionais (entrevistas :1 documentos,
deve conter apenas as obras consultadas, pois qualquer ou- declarações).
tra solução seria desonesta. Mas também aqui tudo depen-
de do tipo de tese. Pode tratar-se de uma pesquisa cujo VI.J. Os apêndices
obj e t i v o é lançar luz sobre todos os textos escritos so-
bre um determinado tema sem que seja humanamente possí- Há teses em que o ou os apendices são indispensáveis~
vel consultar todos eles. Bastaria, então, que o candi- Uma tese de :filologia que discuta um texto raro que se te-
dato advert~sse c~aramen-te que não consultou todas as nha encontrado e transcrito trará este texto em apêndi-
obras mencionadas na bibliografia e assinalasse com um as- ce, e pode ocorrer que tal apêndice constitua a contri-
terísco quais as que foram consultadas. buição mais original de todo o trabalho. Uma tese histó-
Este critério, porém, vale para um tema sobre o qual rica na qual se faz constantes referências a um dado do-
não exista ainda bibliografias anteriores compl..e-tas 7 ra- cumento, mesmo já publicado;1 Poderia incluir este docu-
zão pela qual o trabalho do candi<lato consistiu em reunir mento em apêndice .. Uma tese de direi to que discuta uma lei
referências dispersas. Se porventura já existe uma biblio- ou um corpo de leis deverá inserir tais leis em apêndice
grafia completa, é melhor remeter a ela e registrar ape- (desde que não :façam parte dos códigos de uso corrente e
nas as obras ef'etivamente consulta das .. à disposição de qualquer um) . ·
164 COMO SE FAZ UMA TESE A REDAÇÃO 165
A publicação de um dado material em apêndice evita lon- mo da pesquisa .. abrem-se caminhos complementares ou al-
gas e ~astidiosas citações no texto e permite rápidas ternativos e não se resiste à tentação de f'alar destas in-
remissões .. tuições~ Relegando'-as ao apêndice ... poderá satisfazer sua
Virão em apêndice tabelas, quadr-as, diagramas, dados necessidade de exprimi-las sem comprometer o rigor da
estatísticos, a menos que se trate de breves exemplos pas- tese.
síveis de ser inseridos no texto.
Via de regra, devem vir em apêndice todos os dados _e VI.4. O índíce
documentos que tornem o texto pesado e de difícil leitu-
ra .. Mas às vezes nada é mais fatigante do que contínuas O índice deve registrar todos os capítulos~ subcapí-
remissões em apêndice, o~rigando o leitor a passar, a :to- tulos e parágrafos .do texto, com a mesma numeração~ com
do instante, da página que está lendo para o fim da tese: as mesmas páginas e com as mesmas pa~avras,. Parece um con-
nesses casos deve-se agir à luz do bom senso, fazen,do o selho óbvio, mas antes de entregar a tese cuide antenta-
possível para não tornar o texto hermético, inserindo-bre- mente para que estes requisitos sejam satisfeitos:.
ves citações que resumem o conteúdo da passagem do ,apên- O índice é um serviço indispensável que se presta quer
dice a que se está referindo o
ao lei to r, quer a você mesmo~ Fermi te encontrar rapida-
Se se considerar oportuno desenvolve-r -determinado mente um dado assunto.
ponto teórico e, no entanto, perceber que isso pertuba o Pode ser posto no início ou no fim. Os livros i tal ia-
desenvolvimento do tema~ na medida· em que constitui uma nos e franceses o colocam no fim. Os livros em inglês e mui-
ramificação acessória~ poderá pôr em apêndice a parte em tos livros alemães o põem no início~ Pouco tempo atrás,.
que trata desse ponto. Suponhamos que se esteja fazendo alguns e di tores italianos adotaram esse segundo critério.
uma tes~ sobre a Poética e a. Ret;órica de Aristóteles no A meu ver, é mais cômodo co],.ocá-lo no início.
que respeita às suas influências sobre o pensaménto re- Encontramo-lo folheando umas poucas páginas .. enquanto pa-
nascentista e descobriu que em nosso século a Escola de ra consultá-lo no fim é necessário um trabalho físico
Chicago apresentou em termos atuais esses mesmos textos .. ma.ior. Mas se ele deve 'ficar no início .. que seja mesmo no
Se as observações da Escola de Chicago lhe servem para es- início~ Alguns livros anglo-saxônicos o põem depois do
clarecer as relações de Aristóteles com o pensamento re- prefácio e por vezes depois do prefácio, da introdução à
nascentista, a citação deverá ser feita no texto. Mas po- primeira edição e da introdução à segunda edição. Uma bar-
de ocorrer que seja !.interessante examiná-lo mais detida- bárie. Estupidez por estupidez, também se podia colocá-
mente num apêndice, onde mostrará por meio desse exemplo lo no meio do livro.
como não só o Renascimento mas também o nosso século pro- Uma alternativa é colocar no início um sumário pro-
curou revitalizar os textos aristotélicos. Desse modo você priamente di to (citação apenas dos c a pi tulos) e no fim um
poderá fazer uma tese de filologia românica sobre a per- índice bastante pormenorizado .. como se faz -em certos li-.
sonagem Tristão e dedicar um apêndice ao uso que o Deca- vros onde as subdivisões são mui to analíticas. Assim co-
dentismo fez deste mito., de Wagner a Thomas Mann. O tema mo .às vezes se põe no início o índice dos capítulos e no
não teria importância imediata para o assunto filológico fim um índice analítico por assuntos que habitualmente é
da sua tese :J mas poderia querer demonstrar que a inter- acompanhado por um índice onomástico. Numa tese, isto não
pretação wagneriana fornece sugestões também ao filólo- é necessário,. Bast;a um bom índice-sumário bem ana~í-tico~
go ou- ao contrário- que ela representa um modelo de má c de preferência na aber-tura da tese~ ~ogo depois do
filologia, quiçá aconselhando sucessivas reflexões e in- fron-tispício.
dagações. Não quer isto dizer que esse tipo de. apêndice A organização do índice deve refletir a do texto, tam-
seja recomendável, na medida em que se destina sobretudo bém em sentido espacial. Isto equivale a dizer que se no
ao trabalho de um estudioso maduro que pode permitir-se texto o parágrafo :L. 2. é uma subdivisão menor do capí tulv
digressões eruditas e críticas de vários gêneros, mas 1 .. isto deverá ficar evidente também em termos de alinha-
sugiro-o por razões- psicológicas .. Às vezes, no entusias- mento. Para compreendê-lo melhor .. daremos na Tabela 22
COMO SE FAZ UMA TESE AREDAÇÃO 167
166
dois modelos de índice. Entretanto 7 a numeração de cq.pí- Estudos sobre a obra de Schulz
tulos e parágrafos poderia ser de tipo diferente, - Nos Estados Unidos 276
utilizando-se de algarismos romanos, arábicos, letras al- - Em outros países 277
-Na Itália 278
fabéticas etc.
TABELA 22: Modelos de Índice: Primeiro Exemplo SEGUNDO EXEMPLO: O MUNDO DE CHARLIE BROWN
In-trodução . ....••...•.....••...•..•••....•... P· 3
O MUNDO DE CHARLIE BROWN I • DE YELLOW KID A CHARLIE BROWN ••••••••..•• 7
p. 3 II. TIRAS DE JORNAIS E PÁGINAS DOMINICAIS ..•• 18
Introdução
III. OS CONTEÚDOS IDEOLÓGICOS ••.••••.••••••..• 45
IV. EVOLUÇÃO DO SIGNO GRÁFICO ••••••••••.••••• 76
1. CHARLIE BROWN E A HISTÓRIA EM QUADRINHOS
AMERICANA Cone~ usões ..................... : .................................... .. 90
1.1. De Yellow Kid a Charlie Brown 7 O mesmo índice da Tabela 22 poderia ser numerado como
1~2. O filão aventuroso e o filão humorístico 9 segue:
1.3. O caso Schulz lO A. CAPÍTULO I
A.I. Primeiro parágrafo
2. TIRAS DE JORNAIS E PÁGINAS DOMINICAIS A. II. Segundo parágrafo
2.1. Diferenças de ritm~ narrativo 18 A. II .1. Primeiro subparágrafo do segundo parágrafo
2.2. Diferenças temáticas 21 A. I I • 2. Segundo subparágrafo do segundo parágrafo etc.