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Parceria: Apoio:

Realização:
O espaço Inteligências
Múltiplas, inspirado
na neurociência. E no
detalhe, a sala Novas
Tecnologias: ambientes
dos estudos de casos

2
apresentação

a
Roberta Ferraz, coordenadora

s três mil pessoas que participaram


do primeiro encontro internacional
Educação 360 possuíam visões bem
diferentes sobre educação. Mas todas
tinham uma certeza em comum: é através
dela que construiremos um futuro melhor para o Brasil.

Realizado pelos jornais O GLOBO e EXTRA, em parceria


com a Prefeitura do Rio, o Sesc e a Fundação Getulio
Vargas, e apoio do Canal Futura, o seminário aconteceu
nos dias 5 e 6 de setembro de 2014, no Rio de Janeiro, e
reuniu professores, gestores, alunos, familiares, membros da
comunidade, representantes de ONGs, do poder público
e empresários para discutir o assunto sob vários ângulos,
contar histórias de sucesso e ouvir opiniões de especialistas.

Defender a educação de qualidade, estimulando o


debate ao redor das melhores práticas, tem sido há anos
o objetivo diário dos dois jornais. Desta vez, a ideia era dar
um passo adiante: além de aproveitar a profunda ligação
dos dois veículos com o tema e as suas capacidades de
provocar e reverberar essa discussão, o objetivo era sair
da teoria para a prática. Que o público presente não se
limitasse a conhecer ou discutir ideias sobre educação,
mas que se inspirasse nos bons exemplos apresentados. E
saísse de lá com a certeza que, sim, é possível replicá-los.

Assim nasceu o Educação 360. Ao lado das conferências


magnas ministradas por grandes nomes internacionais e de
mesas-redondas com profissionais de diversas áreas discutindo
temas relacionados à educação, o seminário revelou 39
iniciativas de sucesso no Brasil e no mundo que ilustram a
capacidade que temos para mudar as formas de ensinar.

A cenografia integrada ao conteúdo foi outro ponto alto


do evento. Os espaços, assinados por Abel Gomes, foram
inspirados em temas abordados nas atividades, como as novas
tecnologias, a desconstrução da sala de aula, o papel do
professor, a neurociência e a interatividade, valorizando ainda
mais a beleza das instalações da Escola Sesc de Ensino Médio.

Este livro é um documentário do encontro. Se durante dois dias o


Educação 360 mobilizou três mil pessoas, que a partir de agora, com
a leitura das páginas a seguir, esse número possa ser multiplicado.

3
EXEMPLOS MAIORES QUE OS
SONHOS. POR QUE NÃO?

c
Antonio Simão Neto, diretor da Interfaces e curador

harles Leadbeater diz que tudo o que precisamos


aprender sobre as formas mais avançadas da educa-
ção pode ser encontrado na Finlândia. Lá vemos
escolas organizadas e equipadas, um sistema de
ensino bem concebido, professores capacita-
dos e práticas pedagógicas eficazes.
Porém, se quisermos compreender o que a educação deve ser
no futuro, devemos olhar o que acontece no Rio de Janeiro, em
Johanesburgo, em Mumbai, em outras grandes cidades fora do
eixo Europa/Estados Unidos. Nelas podemos ver o mundo no
qual a maior parte da população vive e viverá — e para o qual a
educação de hoje e de amanhã deve estar voltada.
É voz corrente que a educação vive uma crise de identidade.
Criada numa sociedade na qual a informação era escassa e cir-
culava de forma muito restrita, a escola hoje tenta sobreviver
num mundo onde a informação é abundante e está na ponta dos
dedos de qualquer pessoa que tenha acesso à grande rede.
Pedagogias centradas em informações pré-selecionadas (con-
teúdos), organizadas (disciplinas) e transmitidas dos professores
para os alunos em via de mão única (aulas) já não ajudam a dar
respostas adequadas aos desafios que a realidade nos apresenta e
distanciam cada vez mais a escola das crianças e jovens com os
quais deveria estar sintonizada.
É preciso ressignificar a educação. A escola deve fazer sentido
para os alunos e para todos os que demandam serviços educa-
cionais de instituições públicas e privadas. Do contrário, conti-
nuaremos a forçar nossos filhos a passar muitas horas preciosas a
assimilar informações irrelevantes para suas vidas.
Sem dúvida, temos de renovar as práticas pedagógicas, mas antes
de tudo precisamos construir uma visão inovadora que revalorize a
educação e a recoloque no caminho das demandas da sociedade.
A educação não pode ser menor do que as dimensões dos sonhos
que acalentamos.
Sonhar é preciso e nos conduz ao que pode vir a ser. Talvez não
seja devaneio imaginar uma educação que aconteça em espaços onde
real e virtual se enlaçam; a curiosidade e a criatividade sejam incentiva-
das; a ciência conviva com a arte; a cultura, com a tecnologia; a lógica,
com a emoção; a aprendizagem, com o lazer; o saber, com a ética, em har-
monia e integração, para o benefício de todos e de cada um.
Há exemplos que nos animam a pensar que está ao nosso alcance uma
educação que desenvolva nas crianças e jovens o encantamento com o mundo
sem deixar de questioná-lo para que seja possível transformá-lo num lugar melhor.

4
3mil
pessoas estiveram
presentes no
Educação 360
Uma das apresentações de estudos de casos no
durante os dois
espaço “Você é o conteúdo”, na biblioteca dias do evento.
Enquanto as
conferências
magnas
Cadeiras aconteciam,
customizadas
na sala “O aproximadamente
ensino & o

6,5
indivíduo”

O “Espaço de aprendizagem”, abaixo, foi


inspirado na desconstrução da sala de aula
mil
views foram
registrados nos sites do
GLOBO e EXTRA,
multiplicando ainda mais
as experiências vividas por
educadores vindos de todas
as regiões do país.
5
O QUE QUEREMOS
Rafael Parente, assessor do movimento Todos

a
Pela Educação e curador

lguns pensadores e pesquisadores da educação


têm argumentado, de forma convincente,
que precisamos de mudanças radicais na
forma em que oferecemos a educação
pública. Alguns dos exemplos mais
conhecidos, como Pierre Lévy e Edgar Morin, criticam o
modelo industrial de ensino que dominou o cenário nos
últimos séculos. Dizem que pedagogias tradicionais estão
distantes das realidades dos alunos, que se sentem des-
motivados, não conseguem ver valor nas atividades pro-
postas e decidem abandonar a escola. Os relacionamentos
entre profissionais e alunos e entre a própria equipe estão
desgastados. Além disso, as soluções tradicionais não têm
conseguido estimular o salto de qualidade de que a edu-
cação precisa, e o avanço nas conquistas tem sido tímido.
Por outro lado, testemunhamos relatos inspiradores
de pessoas que demonstram como a educação do século
XXI pode vir a ser. A educação está se tornando mais
centrada no aluno e fazendo uso de dados da aprendi-
zagem gerados em tempo real; podendo acontecer a
qualquer momento e em qualquer lugar; de forma per-
sonalizada e colaborativa; contextualizada em situações
práticas do mundo real; incorporando jogos, simulações e
elaborações de projetos; tanto formalmente, em escolas e
universidades, quanto informalmente, em outros espaços
de aprendizagem. As evidências de que essas mudanças
estão acontecendo agora, mesmo que de forma irregular e
esporádica, crescem a cada dia.
Mas há um problema: não há uma versão comple-
tamente operacional e pronta desse novo e complexo
sistema educacional que possa ser imediatamente imple-
mentada. Precisamos criar e implementar um processo
disciplinado de transformação que preveja uma natureza
dinâmica de atualizações frequentes, ao mesmo tempo que
é essencial que gestores, pesquisadores e pensadores deba-
tam sobre a cara da nova educação e como as escolas devem
operar. Devemos discutir e planejar com o mesmo grau de
seriedade como promoveremos a transformação dos sistemas
educacionais que temos hoje para os sistemas educacionais que
queremos e de que precisamos.

6
49
atividades foram
oferecidas ao
público.

20
horas de palestras
integraram o
evento, com a
apresentação de

39
experiências de
sucesso no Brasil e
no mundo.

100
especialistas foram
convidados.
7
10
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42

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Edu
2
AV

Educar para um
mundo complexo

EDGAR MORIN

magnas
10
e m uma das
mais aguarda-
das conferências,
o antropólogo, soci-
nomia, somos traduzidos apenas em
números frios. Em Ciências Huma-
nas, fico sabendo como agimos em
sociedade. Mas há conhecimentos


ólogo e filósofo francês separados de tudo isso, e precisa-
Edgar Morin pediu para que, em tem- mos integrá-los. O aluno precisa
pos de globalização e fragmentação entender que a diversidade é o
da realidade, as escolas trabalhem tesouro da Humanidade.
mais a diversidade do ser humano. As instituições rígidas e a
Ele criticou o atual modelo de ensi- resistência de alguns professo-
no no mundo, que, segundo ele, se res, que preferem permanecer
especializou em fornecer conhe- fechados em suas disciplinas,
cimentos fragmentados. Ele afir- foram alguns dos obstáculos
mou que isso seria próprio dos mencionados pelo pensador
É preciso ensinar nossos tempos, que estão reple- para a concretização de uma
tos de conhecimentos e saberes reforma educacional, que
também o que seria dispersos, desorganizados: exigirá uma visão muito mais
— O grande imperativo de aberta de mundo.
um conhecimento hoje em dia é conectar, não so- — Ensinar a viver é também
mente o conhecimento, mas transmitir aquilo que as pesso-
pertinente. Não é também os alunos com seus as pensam sobre a sua própria
professores, conectar os huma- vida. Portanto, há muitas re-
um conhecimento nos e os povos. E, nesse mundo formas a serem feitas. Mas é
da separação, é preciso ter esse uma tarefa difícil, porque há
matematicamente conhecimento capaz de ligar, resistências institucionais.
que eu chamo de complexidade. Morin se aprofundou no
sofisticado, mas um De acordo com Morin, a escola debate filosófico e nas dico-
não atende mais às necessidades tomias para defender sua tese.
conhecimento capaz vitais do cidadão, que passariam Para ele, não existe razão sem
por um aprendizado integrado e emoção, assim como não é
de ver os múltiplos pela observação de todos os as- possível que as paixões domi-
pectos da realidade humana: nem o pensamento racional.
aspectos de uma — Aprendemos na escola Além disso, ele acredita que
muitos conceitos, muitos conhe- é preciso que as questões do
mesma realidade.” cimentos, mas todos dispersos. “eu” e do “nós” sejam traba-
Precisamos desenvolver um mo- lhadas conjuntamente, de for-
delo educacional que ligue esses ma que a pessoa não seja sufo-
conhecimentos, que os coloque cada pela sociedade. Segundo
em perspectiva. As escolas acu- ele, atualmente há um afasta-
mularam saberes, mas não são ca- mento cada vez maior entre
pazes de organizá-los. esses dois pronomes, gerando
Morin pregou que a verdadeira radicalismo nos extremos:
reforma educacional no mundo só — O “eu” deve se desenvolver
será possível assim que os currículos dentro do “nós” de modo harmô-
das diversas disciplinas se preocupa- nico. Se houver a predominância
rem em pensar conjuntamente o ser do “eu” dentro do “nós”, é egoís-
humano. mo. Mas, se o “nós” abafa o “eu”, é
— Há uma realidade mutilada de nós o indivíduo que não pode se desen-
mesmos, fatiada. Nas aulas de Biologia, volver. Temos que conciliar a relação
eu conheço nosso organismo. Na de Eco- entre família e pátria com as necessi-

11

Edgar Morin

Precisamos estar
conscientes de que toda
decisão é uma aposta.
E, conscientes disso,
devemos ser capazes dades do ser
humano.
de utilizar uma Já sobre a
alteridade, o an-
estratégia, ou seja, tropólogo afirmou
que não só o aluno, mas
modificar a ação ou a os cidadãos em geral preci-
sam conhecer e compreender o
decisão de acordo com “outro”. O esforço de entender a
realidade do outro lado deve come-
os acontecimentos.” çar, principalmente, pela batalha do de funda-
autoconhecimento: mental, mesmo
— Não ensinamos nem a nos cérebro, fisiologia, mesma
conhecer. As escolas deveriam es- capacidade de amar, chorar e rir. Mas
“Ter consciência é timular que alunos escrevessem eles são diferentes em relação ao ca-
diários e depois os lessem com ráter e principalmente em relação às
importante. Não o passar do tempo. E essa prática culturas. É preciso reconhecer nessa
poderia perpassar ao longo de toda diversidade uma riqueza humana.
se trata apenas a educação básica. Só conhecendo Porque a diversidade é o tesouro da
nossas fraquezas é que conhecemos unidade. Unidade e diversidade são
de transformar também as fraquezas dos outros e, inseparáveis. E o que nos torna ver-
assim, as compreenderemos. dadeiramente humanos é reconhe-
a realidade, mas O exercício da alteridade foi o cer o outro.
grande tópico do discurso de Morin. Atento à permanente mudança
transformar a si Isso porque, para ele, reconhecer as das relações humanas, Morin disse
diferenças no outro e compreendê- que é necessário que a educação es-
mesmo, e me parece -las é o que nos torna verdadeira- teja preparada para trabalhar com
mente seres humanos. Ele chamou as diversas percepções de uma re-
que nisso tudo o a atenção ainda para dois aspectos alidade que se revela cada vez mais
simultâneos da Humanidade: uma plural aos olhos dos alunos. Ele
ensino é fundamental. unidade biológica e uma diversidade deu exemplo de como um evento
cultural. Portanto, ressaltar as dife- do cotidiano, como um acidente de
A escola é capaz de renças e transmitir esses valores aos carro, pode ser relatado de formas
alunos, segundo o pensador, são os diferentes por conta das emoções
formar seres que vivam principais objetivos da escola: provocadas em cada espectador. E
— O ser humano é ao mesmo comparou ainda a capacidade de as
melhor.” tempo constituído por uma unida- comunidades elaborarem deuses e

12

Antônio Gois,
colunista do Globo

Hoje, o jovem tem


uma autonomia
que não tinha no
passado, logo o sentido
ação para das hierarquias do
lidar com as
incertezas dos passado não existe
estudantes quanto
ao futuro. Segundo o mais. E alguma coisa
pensador, esse seria um
dos maiores anseios da so- vai se transformar
ciedade moderna:
— A escola e o conhecimento nessa relação com
que ela produz não nos preparam
mitologias para lidarmos com as incertezas os alunos graças à
ao longo dos que nos cercam. Professores têm
séculos: que incutir nos alunos a consciên- internet.”
— Basta olhar para as pessoas cia da tomada de ação.
que acreditaram tão fortemente no Durante o debate com o públi-
nazismo e no comunismo. É preci- co, Morin se deparou com ques-
so ter uma educação que nos mos- tões como o conteudismo nos “Eu escrevi um
tre os perigos disso tudo. Ensinar o currículos da educação básica, a
que deveria ser um “conhecimento formação defasada do professor, a livro para mostrar
pertinente”, que seja capaz de ver dificuldade de integrar o conheci-
os múltiplos aspectos de uma mes- mento na educação básica e a pre- que a reforma da
ma realidade. O homem não é so- paração para o final do ciclo com a
mente bom ou mau, devemos saber prova do Exame Nacional do En- educação, a reforma
que as realidades são ambíguas. A sino Médio (Enem), que pecaria
globalização pode ser muito negati- pelo excesso de foco em conteúdo. do conhecimento,
va, mas também tem um lado bom. — Também acho que todos
Morin reforçou outros conceitos esses problemas estejam aconte- a reforma do
defendidos em seus escritos, como cendo. Concordo com tudo isso.
a “ecologia da ação”. Nela, o alu- Mas esse fenômeno acontece pensamento, todas elas
no precisa estar consciente de que também porque os professores
toda decisão é uma aposta, já que se retraíram em suas próprias são inseparáveis de um
ela não está condicionada apenas à disciplinas. O individualismo está
vontade daquele que a pratica, mas exacerbado, e precisamos estimu- conjunto de todas as
também ao contexto no qual ela lar a solidariedade.
está inserida: condições biológicas, outras reformas de que
sociais, culturais e políticas. Cabe ao Edgar Morin
professor formular estratégias de www.edgarmorin.org.br a sociedade precisa.”
13
Preparando os
alunos para
a curadoria
colaborativa
de dados

PIERRE LÉVY

14
‘u ma vez
que a pes-
soa tenha a
nova gerência de conhecimento, para
depois passar para os alunos.
— Nós causamos muito mais


base das discipli- impacto na rede do que imagi-
nas, como História, namos. Não há, no processo de
Geografia, Matemática... ela precisa compartilhamento da informa-
seguir um aprendizado autônomo, ção, uma autoridade para dizer o
seja sozinho ou em grupo.” A afir- que é falso e o que é verdadeiro.
mação do filósofo e antropólogo Assim, é importante ter capaci-
francês Pierre Lévy sintetiza, de dade crítica. Você pode criticar
certa forma, suas reflexões sobre os dados, precisa consultar vá-
as possibilidades apresentadas no rias fontes, ver visões diferen-
Em 1994, no ensino com as novas ferramentas tes... O ciberespaço não está
digitais: o indivíduo é responsá- fazendo nada. As pessoas é
início da world wide vel por seu próprio aprendizado. que estão. Esse processo co-
No entanto, essa situação fica loca a pessoa no centro do
wibe, a grande rede, mais complexa quando se insere processo de aprendizado —
um componente ético no pro- definiu o filósofo, que tam-
havia menos de 1% cesso: bém expôs desafios: — Uma
— Existem vários passos rápida busca no Google não
da raça humana para que esse aprendizado seja resolve. É um longo proces-
realizado, como uma curado- so de pesquisa. Não é fácil e
conectada. Agora, ria de dados e, logo após, uma rápido, mas que aluno que-
categorização. Quando a pes- remos formar? Queremos
20 anos depois, soa faz isso em um ambiente bons estudantes. Pessoas éti-
compartilhado como a internet, cas. Essa é uma perspectiva
temos 40% da raça acaba contribuindo para a cons- da criação de um novo modo
trução do conhecimento coleti- de fazer conhecimento e dá
humana conectados vo. Por isso, há uma responsa- trabalho.
bilidade da sua atuação na rede. A fala de Pierre Lévy ins-
no planeta. Nas A pesquisa não é mais pessoal. pirou quem estava na plateia.
Agora ela é social também — A jornalista Janaína Lellis, de
cidades grandes, em explicou Lévy, que aposta nes- 24 anos, percebeu que, assim
se modelo como o ideal para o como os meios de comuni-
qualquer continente, futuro da comunicação: — Pre- cação se desenvolveram (do
cisamos programar cabeças para impresso para o digital), a edu-
80% da população a construção do conhecimento cação precisa acompanhar esse
coletivo. processo.
estão conectados.” As técnicas, ele explicou, já — A educação ficou trava-
estão criadas. Existem inúmeras da em um momento anterior
ferramentas de distribuição de da comunicação — opina ela,
informação — especialmente via que se divertiu com duas tira-
redes sociais. Para ele, falta agora a das do francês: “Wi-fi liberado
criação de uma cultura de respon- é questão de direitos huma-
sabilidade da colaboração em rede nos” e “Espero que vocês não
dessa informação apurada. E é aí tenham postado nada no Face-
que o professor é chamado ao posto book enquanto eu estou aqui fa-
de protagonista. De acordo com o fi- lando”.
lósofo, o primeiro passo do profissional Esta nova fase da educação, se-
dessa categoria é aprender ele mesmo essa gundo Pierre Lévy, é a capacidade

15

Rafael Parente

Se você está
interessado em
algum assunto,
é fundamental
consultar várias
de orientar
fontes. Fontes que os alunos em
direção ao conhe-
não apresentem o cimento autônomo.
Nesse sentido, não ha-
mesmo ponto de verá o risco de o novo mo-
delo de aprendizado aumentar
vista sobre aquele a desigualdade entre classes so-
ciais, já que críticos consideram
assunto. É preciso uma necessidade transformar a bém saber
nova era em mais inclusiva. Para como usá-las.
não apenas checar o antropólogo, a questão central — Os dados não são
não está na diferença, mas, sim, objetivos ou neutros. Os mesmos
a fonte, mas fazer no indivíduo. eventos podem ser observados
— A questão mais importante de maneiras diferentes. É preci-
uma checagem é a autonomia, a liberdade e a dig- so considerar todas essas coisas
nidade. Não me importa se você para ensinar os alunos e eles não
cruzada.” tiver um bilhão e eu tiver somen- virarem ovelhinhas que seguem
te um milhão. O que eu quero é qualquer coisa — desafiou o aca-
que todos consigam sobreviver dêmico.
nesse novo ambiente complexo. Esses são os pensamentos de
“Eu acho E que tenhamos um bom sistema Pierre Lévy sobre um cenário já
de orientação, no nosso sistema existente. O filósofo ainda projeta
que primeiro educacional, para auxiliar todas que novas transformações estão
as pessoas a serem autônomas e por vir com o desenvolvimento
precisamos terem dignidade — explicou o mais apurado dos algoritmos (se-
francês. quência de instruções que com-
adaptar o nosso O auditório principal do Edu- põem os softwares).
cação 360 ficou lotado para assistir — O futuro terá combinações
aprendizado, para à conferência do filósofo. Na por- de metadados. Assim, eles serão
ta, uma fila enorme se formou, de capazes de relacionar automatica-
depois pensarmos quem não estava inscrito e tentava mente conhecimentos a partir de
uma vaga. Quem conseguiu seu conexões semânticas. A partir daí
em mudar o nosso lugar ouviu ainda que o desafio da criamos uma inteligência coletiva
pesquisa hoje não é só escolher as e reflexiva — projetou o filósofo.
ensino.” melhores informações, mas tam- O que Pierre Lévy não vê para

16

Pierre Lévy

As melhores fontes
são as fontes
transparentes, porque
elas mesmas dizem
quem elas são, como
lidade para
elas mesmas, a são financiadas.
ter mais conheci-
mento no meio em Elas falam sobre
que estão inseridas e ter
um conhecimento crítico sua própria pauta de
das suas próprias ações e refle-
xões — definiu Pierre Lévy. interesses.”
A importância do cidadão au-
o futuro é tônomo na obra de Pierre Lévy
uma previsão mexeu até com a realidade de
que constantemente apa- moradores de favelas no Rio de “Eu ainda sou muito
rece na ficção: a inteligência arti- Janeiro. Presente no encontro, o
ficial. O francês é enfático quan- arquiteto Manoel Ribeiro, que foi fã da inteligência
do coloca o homem no centro do coordenador em oito comunida-
desenvolvimento intelectual dele des do Favela Bairro — projeto coletiva. Mas é
mesmo — contribuindo, assim, da prefeitura do Rio de Janeiro
para a inteligência coletiva. que realizou investimento em co- preciso sublinhar
— Talvez vocês tenham perce- munidades —, afirmou que uma
bido que eu nunca utilizei o tema frase do francês mexeu com ele que a inteligência
inteligência artificial. Eu acho que durante o seu trabalho. A senten-
ele é confuso, gera uma ideia er- ça foi “O outro é alguém que sabe coletiva é baseada na
rônea. O principal efeito do al- de coisas que eu não sei”, e ela o
goritmo é aumentar a inteligência levou a mudar o olhar sobre as inteligência pessoal,
pessoal e a coletiva. E você não pessoas.
tem programas ou computadores — Ele me inspirou e me deu que não pode ser
que sejam de fato inteligentes, no uma base ética. A partir dela, tra-
sentido de autonomia, como nós balhei para perceber a identifica- substituída. A
somos. Pode haver programas al- ção da população de uma favela
tamente especializados em deter- com o objetivo de construir um inteligência coletiva é
minados usos, e, nessas habilida- conhecimento coletivo naquela
des específicas, eles são melhores realidade — afirmou o urbanista baseada nos processos
que nós, mas as decisões éticas e de 73 anos.
epistemológicas são sempre feitas de aprendizagem
pelas pessoas. O futuro vai ajudar Pierre Lévy
as pessoas a tomar a responsabi- https://twitter.com/plevy pessoais.”
17
Por uma educação
relevante e concretizada

JOSÉ FRANCISCO SOARES

18
‘c oncre-
tizada
relevante.
e
do que uma educação relevante deve
estar associada a competências cog-
nitivas, socioemocionais, práticas


Essas são as e valores éticos. — Um segundo
duas palavras que ponto, que é importante, é que
eu queria que vocês guardassem nós precisamos perceber que no
desta minha apresentação”. Com país, agora, a educação é para
essa frase, José Francisco Soares, todos. Quando a gente estava
presidente do Instituto Nacional no ensino médio, isso era para
de Estudos e Pesquisas Educa- poucos. Agora, é para todos.
cionais (Inep), iniciou sua confe- Mas tem escola que ensina de
rência. Ele, então, explicou que, fato o relevante, e outra que
O Brasil era uma apesar da afirmação presente na não ensina. E a equidade é im-
Constituição brasileira de que a portante.
república sem escolas. educação é um direito de todos, Soares defendeu a constru-
é preciso provar que ela está, ção de uma base nacional co-
A gente saiu do de fato, sendo garantida ou, em mum curricular, demanda an-
suas palavras, concretizada. Já tiga de professores. Com esse
império e se tornou a relevância diz respeito ao tipo conteúdo, no qual o governo
de conteúdo que é ensinado começou a trabalhar recente-
uma república sem aos jovens. mente, estará mais definido o
Segundo Soares, a avaliação que os alunos devem apren-
escolas para todo da concretização do direito der em cada etapa.
à educação deve ser feita por — Base nacional comum
mundo, ao contrário três dimensões: o acesso, a tra- não é currículo escolar. Não
jetória regular e o aprendizado. temos, de Brasília, que di-
de outros países da Já a relevância do conteúdo zer como cada unidade vai
deve respeitar as diferenças re- funcionar. Mas temos que
América Latina. gionais do país. definir certas coisas que o
— Cada região tem as suas aluno deve sair sabendo.
Então como povo e especificidades, o que é natu- Para isso, é preciso qualifi-
ral, por causa da cultura. Eu vi cação. Hoje, quem está na
país a gente tem que o mar pela primeira vez aos 20 escola dos bons professores
anos, minha mãe viu o mar aos aprende corretamente. Mas
trazer essa dimensão.” 65. E o meu pai não quis ver o quem não está não aprende
mar. Vocês no Rio veem o mar — ponderou.
sempre – brincou Soares, que é Soares pregou a necessida-
mineiro, em uma das ocasiões de de acesso a dados confiá-
em que pontuou seu discurso veis de escolas para que sejam
com histórias bem-humoradas. replicadas boas experiências
Segundo Soares, a dimensão educativas desenvolvidas isola-
territorial do Brasil faz com que damente. Para o presidente do
os interesses dos estudantes muitas Inep, conhecer e imitar os bons
vezes sejam diferentes, de acordo exemplos é um dos caminhos
com o lugar em que vivem. No en- para a necessária reforma de
tanto, há conteúdos que devem ser todo o sistema.
ensinados em todas as escolas. Ao longo de seu discurso, o
— Nós precisamos definir quais coi- conferencista citou metas pre-
sas comuns são essas e nós não temos vistas no Plano Nacional da Edu-
uma boa definição — disse, acrescentan- cação (PNE), aprovado em junho

19

Octavio Guedes,
diretor de
redação do EXTRA

A avaliação é
fundamental. O
aluno tem o direito de
ser avaliado, porque,
quando a criança não
aprende, ela precisa pelo Congresso.
Um dos objetivos
ser ajudada. Não é a universalização
do ensino infantil nos
ajudar a criança que próximos dez anos. Hoje,
de acordo com o Inep, 93%
não aprendeu é uma das crianças de 4 a 6 anos estão
na pré-escola. Por outro lado, no
forma sofisticada de ensino médio, a realidade é ruim: Ideb). Já
somente metade dos jovens de nos anos finais
exclusão.” 15 a 17 anos está nesse estágio da do fundamental, o resul-
educação formal, quando a meta é tado é menos colorido. E, no en-
chegar a 85%. Mais: apenas 66% sino médio, temos um problema
dos brasileiros de 16 anos termina- estrutural.
“O que nós ram o ensino fundamental, o que A dificuldade de alunos brasi-
o próprio gestor considerou uma leiros lidarem bem com esse tipo
oferecemos para ele “situação preocupante”. de avaliação foi abordada em uma
Soares comentou também das perguntas da plateia. A autora
(aluno de 16, 17 dados do Índice de Desenvol- da questão, uma professora, afir-
vimento da Educação Básica mava que os estudantes têm muito
anos) é um pacote (Ideb), divulgados na véspera receio de serem avaliados e, então,
da apresentação. Os números de indagava: de que maneira o Inep
inteiro sem a menor 2013 mostraram que o Brasil não pode proporcionar essa reflexão e
teve avanço na média final do abrir esse debate nas escolas?
flexibilidade. Imagina ensino médio, que ficou em 3,7, — Temos de distinguir duas di-
aquém da meta de 3,9. Nos anos mensões: a da seleção e a da ava-
o trabalhador que finais do ensino fundamental, liação. A seleção é uma forma de-
a meta era 4,4, mas a nota geral mocrática de se fazer uma escolha
vai para o ensino ficou em 4,2. Ele admitiu que o quando não existem vagas para
período final da educação básica todos. O Enem, por exemplo, faz
médio noturno, ele é sofre de problemas graves: com que tenhamos um conjunto
— Nos anos iniciais do ensi- cada vez maior de alunos que es-
obrigado a ir todos os no fundamental, observamos um tavam nos lugares mais diferen-
avanço significativo desde 2005 tes e que conseguiram vagas nas
dias à escola.” (quando foi aferido o primeiro universidades. O que não tira do

20

José
Francisco
Soares

Em vários países
do mundo, a
autonomia da
escola é muito
maior. É muito
maior flexibilida- comum a gente
de da dinâmica do
ensino é fundamen- ver a escola
tal nesse processo:
— Está claro, em re- administrando
lação ao ensino médio, que
temos uma dificuldade estrutu- o seu orçamento,
ral. Oferecemos para jovens de
Enem a di- 15 a 18 anos um pacote inteiro, enquanto aqui no
mensão da sele- sem flexibilidade alguma. Imagi-
ção e, sendo seleção, va- na o trabalhador que vai para o Brasil a escola está
mos ter uma tensão. Já a avaliação ensino médio noturno e tem de
é absolutamente fundamental. O ir à escola todos os dias e fazer sempre dependendo
aluno tem o direito de ser avaliado. todas as disciplinas de uma vez.
Quando a criança não aprendeu, Mais do que isso, a proposta que das secretarias.”
ela precisa ser ajudada. Não ajudar temos é de quando a escola era
a criança que não aprendeu é uma para poucos, uma proposta total-
forma sofisticada de exclusão. Há mente propedêutica para quem
pedagogias que fizeram muito mal vai para a universidade. Todos “Dos jovens de
porque sugerem que a gente não têm que ter oportunidade de ir
tem de olhar para a pessoa e ver à faculdade, mas você pode ser 16 anos, só 66%
o que ela aprendeu. Gostaríamos feliz sem ir à universidade. Nós
que toda escola entendesse, do precisamos de um ensino médio terminaram o ensino
ponto de vista pedagógico, o que que também dialogue com o tra-
significa aquele resultado. E que a balho. O que estou advogando é fundamental. Por
avaliação fosse capaz de, ao mes- que percebamos que, aos 15 ou
mo tempo em que apresentasse 16 anos, seria legal que o adoles- isso, temos que ter
os resultados, dissesse de onde os cente recebesse certificações no
resultados vêm. ensino médio, além de ter por- metas para mudar
Outra questão feita pela plateia tas da universidade abertas. Para
era sobre como o Enem pode ser isso, vamos precisar ter flexibi- essa situação, que é
útil na reformulação do currículo lidade.
escolar de forma que torne o en- muito preocupante,
sino médio mais atrativo para o Inep
aluno. Soares defendeu que uma www.inep.gov.br muito ruim.”
21
Educação para
todos em países em
desenvolvimento

SHUKLA BOSE

22
a defesa do
afeto e da es-
perança marcou
ajudá-las a aumentar suas oportunida-
des na vida. E, mais importante, elas
devem se desenvolver como indi-


a conferência mag- víduos com altos valores morais e
na da indiana Shukla sociais. Não é só ganhar conheci-
Bose, criadora da Fundação Humani- mento e habilidade, mas também
tária Parikrma. A educadora chamou serem indivíduos que possam se
a atenção para o quanto os vínculos avaliar, ser felizes e sentir a ale-
afetivos são importantes no pro- gria da vida. Pode soar esotéri-
cesso educativo de crianças pobres, co ou demais para pedir. Mas é
que precisam de muito mais do possível se a educação for pro-
que obter conhecimento. Na ins- jetada para desenvolver indiví-
Não precisamos tituição que coordena, a gentileza duos, para motivar, encorajar e
está entre as lições ensinadas a aperfeiçoar indivíduos, e não
ser tão especialistas estudantes. para desprezar, desaprovar e
— Acreditamos em mágica e desencorajar qualquer um.
na área para compre- milagre. Os professores devem Uma educação de alta qualida-
ser capazes de fazer o que pare- de ajuda cidadãos a trabalhar
endermos e pensarmos ce possível apenas em contos de juntos para criar instituições e
fadas – afirmou a indiana. sociedades mais fortes.
na educação. Tudo que Shukla lamentou que, apesar No entanto, ela alerta para o
da ascensão econômica de países fato de que cada sociedade tem
precisamos é de insight, em desenvolvimento, como o a sua forma de alcançar bons
Brasil e a Índia, a diferença entre resultados em educação. Não
sinceridade e muito senso ricos e pobres está aumentando existe uma fórmula única:
e, embora haja um aumento na — É muito importante que
comum. Países em desen- taxa de alfabetização em muitas a gente entenda: nem tudo que
nações, o número de crianças funciona nos Estados Unidos
volvimento, como Brasil, que não vão à escola ainda per- e no Reino Unido necessaria-
manece extremamente alto no mente tem de funcionar no
Índia e China, têm luta- mundo. Mais de 57 milhões de Brasil, na Índia, na China ou
crianças não frequentam unida- na Malásia.
do contra a pobreza por des de ensino e pelo menos 250 A indiana defendeu que es-
milhões de crianças não sabem colas “sensíveis e progressis-
muitas décadas. E há ler ou contar, mesmo frequen- tas” devem desenvolver, nas
tando escolas. Para Shukla, essas populações pobres, habilidades
mais semelhanças que nações devem aprender umas que se tornaram necessárias no
com as outras estratégias para século XXI. E argumenta que,
diferenças entre esses melhorar esse quadro: para ser autêntico, o ensino não
— Todos sabemos que a edu- deve se limitar ao desenvolvi-
países.” cação é essencial para o desenvol- mento profissional e à prepara-
vimento econômico. Cidadãos que ção para o ambiente de trabalho.
conseguem ler, calcular e pensar Os currículos escolares devem
criticamente têm oportunidades ser integrais, interdisciplinares e,
econômicas melhores, produtivida- ainda, voltados para competên-
de melhor e filhos mais saudáveis. cias exigidas pelo mundo contem-
Toda criança deveria ter a chance de porâneo. Ela usou como exemplo
ir à escola. Mas não se trata apenas de as “sete habilidades de sobrevivên-
colocá-las em salas de aula, mas de ter cia” descritas pelo especialista em
certeza de que o que elas aprendem vai educação de Harvard Tony Wagner

23

Ediane Merola,
repórter do GLOBO

Passei por muitas


transformações nos úl-
timos 15 anos. Eu era
uma CEO bem-sucedi-
da. Comecei a lidar com em seu livro
“The global
essas questões com mui- a ch i e ve m e n t
gap”. Shukla lis-
ta arrogância, dizendo tou essas aptidões
— pensamento crítico
que eu sabia tudo. Tive e resolução de problemas;
colaboração em rede e liderança
primeiro que desapren- por influência; agilidade e adapta-
bilidade; iniciativa e empreendedo-
der tudo que eu sabia.” rismo; comunicação escrita e oral e d u c a ç ã o.
eficaz; acessar e analisar as infor- É uma inter-
mações; curiosidade e imaginação pretação mais profunda
—, acrescentando a elas um oitavo de uma habilidade de se conectar
“Minha vida corpora- item: a empatia. e construir relacionamentos signi-
— Os professores não somen- ficativos com outros. É possível
tiva me ajudou a abrir te deveriam ter empatia para com incluir isso no currículo. Padrões
os seus alunos, mas eles precisam que se relacionam à empatia po-
portas. Os patrocina- também desenvolver essa empatia. dem ser encontrados nos estudos
Você pode ensinar as pessoas a do campo da História, do Inglês e
dores pensam que, por- amar. Isso não é simplesmente uma da Saúde, por exemplo.
habilidade inata, mas também uma A educadora voltou ao tema ao
que eu vim do mundo habilidade que pode ser ensinada e ser perguntada pela plateia sobre
nutrida, num ambiente educacio- casos de violência nas escolas. O
corporativo, vou usar o nal que apoia a criança. Nas escolas espectador se referia às dificuldades
em que as habilidades interpesso- enfrentadas por estudantes e profes-
dinheiro de uma forma ais são valorizadas, os alunos inte- sores dentro de unidades brasileiras.
ragem com os seus pares, porque Shukla usou o exemplo da Fundação
mais eficiente, que é o se sabe que eles aprendem melhor Parikrma para sugerir como é possí-
quando há um relacionamento po- vel superar essa questão:
que tento fazer. Nós sitivo no seu entorno. Desenvolver — Entendo que isso é um pro-
esse tipo de relacionamento requer blema na maioria dos países em de-
temos o custo adminis- a habilidade de empatia, como ou- senvolvimento. Mas, acreditem em
vir os outros, compreender pistas mim, nós não temos esse problema
trativo de 6%, o mais verbais e não verbais, e ser pacien- na nossa escola. Acho que o modo
te e tolerante um com o outro. Os como disciplinamos as nossas crian-
baixo do país.” alunos querem e merecem mais da ças, como nós comunicamos as ex-

24

Shukla Bose

Nossos critérios de
seleção são muito
simples: as crianças
têm que ser as mais
trabalho in- pobres de todas. Foi
tenso com a
comunidade e uma coisa que aprendi
com as famílias. A
ideia é lidar com todas com a Madre Teresa.
as necessidades das crian-
ças: as escolas ficam abertas São crianças que nun-
inclusive nos feriados, garantem
que os alunos façam sempre três re- ca teriam frequentado
feições por dia, recebam cuidados
pectativas com a saúde, além de manter uma a escola. Elas teriam
para elas e como relação próxima com as famílias dos
nós somos pacientes é o jovens. Há até parcerias com ONGs começado a trabalhar
que nós conhecemos como amor. para reabilitar pais alcoólatras.
Falo aos meus professores que, se os — Nós acreditamos na famí- ou, muitas delas, já
alunos os amarem, não vão querer lia, em valores, e damos muita im-
desapontá-los. Onde já há violência, portância a relações pessoais. Não teriam morrido por
erradicá-la deve ser uma questão de devemos perder isso — afirmou a
longo prazo. Se você é gentil com a educadora. falta de saúde.”
criança, ela será gentil com você. Quando ainda era uma estudan-
Hoje, sua Fundação — uma te, Shukla trabalhou como volun-
organização não governamental tária ao lado de Madre Teresa de
— oferece ensino gratuito a 1.600 Calcutá por sete anos. Um espec- “Também dou muita
crianças em quatro escolas. O pro- tador da conferência pediu que ela
jeto, cujo nome significa algo como contasse mais sobre como a convi- importância às meni-
“uma revolução completa”, foi vência com a líder religiosa trans-
fundado há 11 anos pela ativista, formou a vida da educadora. nas. Eu não recebo
logo após ela abandonar a carrei- — Uma das coisas que aprendi
ra de executiva de mais de 20 anos com ela foi a humildade. Apesar os meninos de uma
numa multinacional. Este ano, a de todo o reconhecimento que ela
fundação, localizada em Bangalore, tinha, continuava a ser muito hu- família se as meninas
a quarta cidade mais populosa da milde e simples. Tento desespera-
Índia, inaugurou uma academia de damente adquirir simplicidade — da mesma família não
formação de professores que aten- disse a conferencista.
de cerca de dois mil educadores. puderem frequentar a
Os bons resultados de sua inicia- Fundação Parikrma
tiva são alcançados por meio de um www.parikrmafoundation.org escola.”
25
mesas
plenárias

Anna Penido e José Morais

26
a globalização, as novas tecnologias
de informação e comunicação e as
novas descobertas das neurociências
decretaram a falência do modelo atu-
al de educação e a necessidade urgente de novos
modelos. A mesa plenária “Grandes tendências
para a transformação da educação” teve a par-
ticipação do neurocientista e professor universi-
tário José Morais, da diretora do Instituto Inspira-
re, Anna Penido, do vice-diretor do Instituto de
TENDÊNCIAS

Desenvolvimento Educacional da FGV, Stavros


GRANDES

Panagiotis Xanthopoylos, e do idealizador e co-


ordenador da Escola da Ponte, José Pacheco.
Mediador: Rafael Parente

José Morais criticou as correntes de alfabetiza-


ção mais utilizadas no Brasil e fez um apelo para
que educadores seguissem mais as conclusões
científicas. José Pacheco defendeu que o Brasil
é o novo celeiro de inovações educacionais e
que não precisamos seguir os “fósseis” europeus
na reciclagem de teorias pedagógicas. Já Anna
Penido, chamou a atenção para a personaliza-
ção do processo de aprendizagem para interes-
ses e necessidades de cada aluno. E, claro, com
o auxílio de ferramentas digitais. Para Xantho-
poylos, os educadores precisam deixar o papel
de transmissores de conteúdo e assumir a função
de facilitadores da aprendizagem.
Numa coisa todos concordam: é urgente a mu-
dança dos modelos educacionais vigentes, e as
novas tecnologias e descobertas científicas devem
ser utilizadas para isso. Há uma clara percepção de
que a maioria dessas tendências não é modismo e, de
fato, veio para ficar.

27

A nossa revolu-
ção educacional
é bem diferente
daquela que acon-
teceu em países como
França, Alemanha e
Stavros Panagiotis
Xanthopoylos

O vice-diretor do Instituto de
Desenvolvimento Educacional
da FGV chamou a atenção para
a globalização dos novos tempos,
propiciada pela internet. Para ele,
o mundo virtual é um caminho
sem volta, e cabe aos educadores
Anna Penido

Diretora do Instituto Inspi-


rare, Anna Penido levou “boas
notícias” à plateia. Jornalista por
formação, ela é uma das coor-
denadoras do Porvir, primeiro
site brasileiro a reunir iniciativas
inovadoras na área da educação.
Com esse banco de dados, ela
Estados Unidos. Ela saber como aproveitar as novas mostrou tendências já observa-
ferramentas. Xanthopoylos expli- das ao longo de seu trabalho,
não tem local, quebrou cou que, se no passado o professor como softwares pedagógicos,
era transmissor de conteúdo, agora pelos quais o desempenho do
a barreira do tempo e o profissional assume a função de aluno é calculado a cada exercí-
“tecnopedagogo”, ou seja, um fa- cio que ele faz e, com isso, novas
do espaço. E isso dá cilitador do conhecimento. Ao co- técnicas de aprendizagem po-
laborar, será autor de um processo dem ser produzidas para atender
condição de igualdade educativo. especificamente às suas necessi-
— Hoje eu tenho o aluno, o dades:
para todos.” professor e o conteúdo. No futu- — O nome disso é personali-
ro, eu vou ter que cruzar tudo isso. zação. Quando fazemos pesquisas
Stavros Panagiotis Qualquer aluno com um professor no Google, o programa já traça
Xanthopoylos com qualquer conteúdo. nosso perfil e acaba nos indicando
Ele defendeu ainda uma moda- algo mais voltado para o que que-
lidade que é fruto da união entre remos saber.
internet e a educação: o ensino à Anna explicou como essas fer-
distância. ramentas podem ser adaptadas
— Aqui o mercado ainda tem para a sala de aula, aumentando as
reservas em contratar pessoas que possibilidades de aprendizado:
fizeram cursos à distância. Mas — Da mesma forma, novas tec-
eu digo que, na Europa, ocorre o nologias já permitem que o aluno
oposto. Alunos com essa forma- tenha um ensino mais voltado para
ção são mais disciplinados, sabem as suas demandas, a cada exercício
manejar tecnologias, trabalham em ou jogo educativo que a criança
grupo e têm outras qualidades que faça. É a era do ensino personali-
o europeu já percebeu. zado, mais eficiente.

28
José Morais

Uma educação mais aberta à ci-


ência. Foi o que o neurocientista
português José Morais, professor
da Universidade Livre de Bruxelas,
pregou durante sua palestra. Ele
criticou o modelo de alfabetização
do Brasil, que entenderia a lingua-
gem não como um código, mas
José Pacheco

O Brasil pode revolucionar seus


modelos educacionais sem preci-
sar olhar para exemplos que vêm
de fora. A mensagem partiu do
educador português José Pacheco,
responsável pela criação da Escola
da Ponte, que desde a década de
1970 inova ao dar autonomia pe-

Um professor é
considerado in-
competente, por
exemplo. Então,
recorre-se à capaci-
tação. Não pode. O
como uma notação. dagógica aos alunos em Portugal. professor não pode ser
— A alfabetização no Brasil re- Ele mostrou que teorias peda-
quer, entre outras medidas, uma mu- gógicas consagradas pela academia o objeto da formação.
dança radical em suas opções peda- devem ser recicladas com urgên-
gógicas. cia. A partir de um vídeo sobre o Ele tem que ser sujei-
Morais combate a teoria de Projeto Âncora, realizado em Cotia
que a alfabetização pode se dar de (SP), em que alunos escolhem as to da autoformação
modo natural, uma vez que a crian- disciplinas que vão estudar e traçam
ça está imersa em um ambiente seus planos de estudos e linhas de num contexto de um
linguístico. Segundo ele, isso é um pesquisa, mostrou também como a
erro porque, desse modo, o aluno Escola da Ponte já coleciona bons projeto que é pessoal
não seria capaz de perceber as suti- resultados no estado de São Paulo.
lezas de cada fonema: — Sempre escutei falar que pro- e social, que é um
— Além disso, uma pessoa só jetos de sucesso como o da Ponte
consegue ler o texto depois de só deram certo porque foram apli- projeto de equipe,
identificar ao menos 95% das pa- cados em países de primeiro mun-
lavras ali contidas. É por isso que do. Quis mostrar o vídeo para pro- em equipe.”
eu peço apenas a coerência de edu- var que isso é mito, é falso. Tudo
cadores e autoridades educacionais o que o Brasil precisa para mudar, José
para que se dê mais valor ao fone- ele já tem: os próprios brasileiros. Pacheco,
ma e se escute a ciência. Estudos Pacheco enfatizou as ideias ino- educador
científicos comprovam que os alu- vadoras do Brasil, prevendo que
nos capazes de fazer as melhores ainda conquistarão o mundo:
representações conscientes do fo- — Prevejo uma nova tsunami
nema são os que melhor aprendem educacional que vai surgir do Sul,
a decodificar as palavras e se tor- no interior do Brasil, e vai arrasar
nam melhores leitores de textos. o Hemisfério Norte.

29
Maria do Pilar, Mozart
Neves Ramos e Brian Perkins

30
‘o
professor mais bem pago deste país
deveria ser o alfabetizador.” A fra-
se de Mozart Neves Ramos, diretor do
Instituto Ayrton Senna, foi pontuada por
aplausos durante a mesa plenária “Educação e socie-
dade”, que apresentou percalços e soluções para a
educação, como a mobilização da sociedade.
O Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb), por exemplo, é esperado, todos
EDUCAÇÃO E

os anos, por gestores das escolas públicas. Mas


SOCIEDADE

nem sempre foi assim, por um motivo simples:


esse indicador foi criado em 2007. Antes disso,
não havia instrumentos para se medir a quali-
Mediador: William Helal Filho,

dade do ensino.
editor do GLOBO

Ramos participou do embrião desse indica-


dor quando fez parte, no ano anterior, da cria-
ção do movimento Todos Pela Educação, que
buscava fazer com que as pessoas percebes-
sem a educação como uma prioridade.
E o ensino de qualidade deve ser para todos,
foi o que destacou Maria do Pilar Lacerda, ex-
secretária de Educação Básica do MEC e dire-
tora da Fundação SM/Brasil:
— É preciso mobilização para garantir a equi-
dade, que é o maior sinal de qualidade social
que se tem.
Quanto ao tempo de se atingirem bons resulta-
dos em educação, Brian Perkins, pesquisador da
Universidade de Columbia, garante que é longo:
— Estamos falando de desenvolvimento humano,
e isso demora. — Mais um motivo para se afirmar que
a escola, para funcionar com qualidade, precisa estar
integrada à comunidade.

31
Mozart Neves Ramos

A pressão da sociedade civil faz


com que o gestor público coloque
a educação como prioridade de um
governo. Esse é o diagnóstico fei-
to pelo diretor do Instituto Ayrton
Senna e ex-secretário de Educação
de Pernambuco.
— Se não houver pressão da
sociedade, o gestor público trata
a educação como importante. Mas
isso não basta: tem que ser priori-
dade — defendeu Ramos.
O gestor destacou que a popula-
ção brasileira está progressivamente
se interessando mais pela educação.
Para ele, o tema passou do 7° para o
3° lugar no ranking de prioridades,
comparando pesquisas do Ibope de
2006 a 2013. Além disso, ele acredita
que o caminho para o desenvolvi-
mento da área é a definição de metas.
Essa perspectiva foi o que o
motivou a participar, em 2006, da
criação do movimento Todos Pela
Educação, que trabalha para alcan-
çar metas até 2022: toda criança
e jovem de 4 a 17 anos na escola;
toda criança plenamente alfabe-
tizada até os 8 anos; todo aluno
com aprendizado adequado ao seu
ano; todo jovem com ensino mé-
dio concluído até 19 anos; e inves-
timentos aplicados e bem geridos.
— Você não mobiliza pessoas
se não tiver um norte — afirmou.

32
Maria do Pilar da Lacerda

A participação de outros agen-


tes na educação ganhou destaque
na exposição feita pela ex-secretária
de Educação Básica do MEC Maria
do Pilar Lacerda, atual diretora da
Fundação SM/Brasil. Ela lembrou
a experiência que teve em sua ges-
tão como secretária de Educação
Brian Perkins

O desenvolvimento da educa-
ção requer investimentos a longo
prazo, segundo Brian Perkins. Para
o pesquisador americano, o tempo
do mandato de um governante do
Executivo é de apenas quatro anos
— muito pouco para querer resol-
ver as questões da área:

Todo projeto
pedagógico come-
ça dizendo que a
escola vai formar
cidadãos autônomos,
críticos e participa-
de Belo Horizonte (2002 a 2007), — Tem que mudar a mentali- tivos, um trecho que
quando, durante uma greve de pro- dade individual de querer a solu-
fessores, recebeu pais que queriam ção rápida. Temos que pensar em o professor já sabe
apresentar as próprias demandas. A 20 anos, e um dos aspectos mais
partir daí, começou a rotina de um importantes nesse sentido é desen- de cor. Aí você chega
encontro por mês que reunia entre volver o profissional da educação.
200 a 500 responsáveis. Essa inicia- O pesquisador aconselhou uma à escola e encontra
tiva trouxe benefícios a partir de um mudança na lógica do atual modelo
ideal de educação democrática. de investimento em educação. Hoje todos esses alunos
— A escola mostrar que se os governos injetam mais dinheiro
importa é significativo. O olhar no fim do caminho, o ensino mé- autônomos, críticos
afetivo do professor é muito im- dio. Para ele, o aporte financeiro
portante, e essa proximidade faz nos primeiros anos da educação bá- e participativos na
diferença — afirmou a educadora. sica refletiriam resultados melhores
Maria do Pilar indicou algu- no final da jornada escolar: sala da direção.”
mas maneiras de aumentar essa — Criei um programa em que
participação e o interesse de pais o aluno não passava da 3ª, da 5ª e Maria do Pilar
pela educação. Uma das iniciativas da 8ª se não tivesse um determi- Lacerda,
bem-sucedidas que conheceu foi nado nível de leitura e fui muito diretora da
em uma escola de Belo Horizon- criticado pela possibilidade de Fundação
te, onde os pais dos alunos se res- reprovação de crianças tão novas. SM
ponsabilizaram em construir sofás Oito anos depois, essa geração
para uma sala de leitura: de estudantes apresentou resul-
— Essa era uma função do tados muito melhores no ensino
Estado, mas os pais fazendo dão médio. Isso deixou claro que vale
outra dimensão para a impor- a pena aumentar os investimen-
tância da leitura. tos na educação básica.

33
Viviane Mosé, Aparecida
Lacerda e Tião Rocha

34
o
ALMA BRASILEIRA
menino tinha uma tia rainha. Na
escola, tentou falar para professo-
res sobre sua adoração pela parente
real. Mas, tendo aparência distante do
que os docentes idealizavam da aristocracia, o ga-
roto foi ignorado. Já adulto, estudou Antropologia
para resgatar a memória da tia Perpétua, rainha
do congado. O dono dessa história é o educa-
EDUCAÇÃO DE

dor Tião Rocha, que contou o causo como um


exemplo do que acontece em boa parte das
escolas brasileiras, que ignoram o conhecimen-
to que os alunos trazem de casa.
O respeito à diversidade ganhou destaque na
Mediador: Antônio Gois,

mesa plenária da qual participaram também


colunista do GLOBO

a filósofa Viviane Mosé e Aparecida Lacerda,


gerente-geral de Educação Profissional da Fun-
dação Roberto Marinho.Viviane lembrou que a
educação pública brasileira é historicamente
recente, já que o ensino alcançava uma pe-
quena parcela da população até a segunda
metade do século XX. Agora, afirmou Viviane,
é o momento de enfrentar a fragmentação do
ensino e os modelos de gestão. E Aparecida
apresentou resultados positivos de ações volta-
das para as realidades específicas.
Mostrar para as populações o valor que ações
coletivas têm em espaços de tomadas de deci-
são talvez seja um dos maiores desafios dos edu-
cadores. Empoderamento é um assunto que Tião
Rocha conhece bem, com direito a adaptações
bem-humoradas às linguagens locais.
— Lá no sertão de Minas, a gente chama de “empodi-
mento” — disse o príncipe do congado.

35
Aparecida Lacerda

Uma educação para o desenvol-


vimento do ser. Assim deve ser o
ensino da alma brasileira para Apa-
recida Lacerda. A gerente-geral de
Educação Profissional da Funda-
ção Roberto Marinho afirmou que
isso é possível quando o contexto
do aluno é levado em consideração
pela escola:
— O desenvolvimento do ser
acontece quando a problematiza-
ção do mundo faz parte da sala de
aula como elemento fundamental
para a compreensão dos conteú-
dos propostos. A formação huma-
nizadora e a presença dos elemen-
tos culturais são imprescindíveis
na estruturação do currículo e na
dinâmica pedagógica se pretende-
mos uma educação para este de-
senvolvimento.
A formação dos docentes é es-
truturante para que eles possam
exercer seu potencial transfor-
mador na sala de aula. Duran-
te as formações, os professores
refletem sobre a base teórica que
fundamenta a metodologia e vi-
venciam as práticas que serão de-
senvolvidas com os estudantes.
Segundo a gestora, os edu-
cadores precisam atuar de for-
ma competente e autônoma na
construção da autonomia dos
estudantes.

36
Viviane Mosé

Uma linha de montagem de uma


fábrica. Assim Viviane Mosé defi-
niu a escola do país. A educadora e
filósofa explicou que, assim como
um operário da indústria corta, e
um outro cola, por exemplo, nas
unidades escolares um professor
explica Português, um outro, Ma-
Tião Rocha

Criador do Centro Popular de


Cultura e Desenvolvimento, Tião
Rocha acredita que o professor é
elemento central no aprendizado.
Depois de anos dando aula no en-
sino superior, ele resolveu partir
para o sertão de Minas Gerais e se
dedicar à educação de crianças. Em

Numa roda, você
não faz processo
seletivo. Numa
roda, você não pode
perder as pessoas.
Para não perder as
temática, e, dessa forma, os conte- Curvelo, descobriu ser possível dar pessoas, você tem que
údos não são ensinados de forma aulas embaixo de um pé de manga.
unificada e contextualizada: — É possível, sim, fazer educa- aproveitar tudo o
— A gente sai do ensino médio ção sem escola. Mas é impossível
com um mundo completamente fazer boa educação sem bons edu- que elas trazem: seus
esfacelado e fragmentado. cadores. E a educação é uma coi-
Para Viviane, há um afastamen- sa que só acontece no plural. Não saberes, seus quereres,
to entre os ensinos fundamental, existe educação no singular. Para
médio e superior. O isolamento que haja educação, é necessário, seus fazeres. E as
entre esses segmentos é nocivo no mínimo, duas pessoas, o eu e
ao aprendizado. No entanto, o o outro. Educação não é o que eu pessoas carregam
horário integral, apontado por al- tenho ou o que o outro traz, mas o
guns como uma resposta para essa que a gente troca. um mundo de
questão, para ela não é, necessaria- Rocha, inclusive, faz questão de
mente, a solução: se apresentar como educador. uma cultura que
— Aumentar as horas em que a — A diferença é que o professor
criança está na escola não ajuda em é aquele que ensina, e o educador é elas herdam.”
nada a diminuir a fragmentação do aquele que aprende – explicou.
ensino. Não sou contra a escola inte- O educador acredita que ver a Tião Rocha,
gral, mas temos de dar conta do nos- educação brasileira sob uma ótica educador
so horário primeiro. É preciso cum- mais positiva pode ajudar a melhorar
prir 800 horas por ano em 200 dias, o desempenho do ensino do país:
o que dá quatro horas de aula por — Acho que temos de apren-
dia. A grande maioria dos municí- der é a olhar para o lado cheio do
pios não oferece porque a aula atrasa copo. Parar de olhar só para o lado
ou termina antes. Então, dar horário vazio e fazer diagnóstico de carên-
integral é fugir do nosso problema. cia. Carentes somos todos nós.

37
Gustavo Ioschpe, Pedro Bial e
Ismar de Oliveira Soares

38
p ergunta 1: “Por que a mídia prefere
as notícias negativas e deu pouca
ênfase para a  conquista, por parte de
um brasileiro, do prêmio equivalente ao
Nobel da Matemática?”  Pergunta 2: “Por que a  mí-
dia gastou tanto espaço com a conquista do No-
bel de Matemática quando deveria abordar mais
os problemas da educação?”
Esse foi apenas o sentido (e não a construção
literal) das duas primeiras perguntas que pousa-
EDUCAÇÃO

ram nas mãos do mediador durante o painel


“Mídia e educação”. Uma prova de como a
abordagem de uma mesma notícia pode ser
MÍDIA E
diretor de redação do EXTRA
Mediador: Octavio Guedes,

interpretada de forma distinta pela audiên-


cia. E um indicativo de como seria desafiador,
quase impossível, para o jornalista Pedro Bial, o
economista Gustavo Ioschpe, o professor Ismar
de Oliveira Soares e a diretora do Canal Futu-
ra, Lúcia Araújo, debaterem temas que volta
e meia são associados à paixão: o ofício de
ensinar e o de comunicar. 
A seguir, algumas frases pinçadas no debate: 
“Para eles (pais de alunos que não tiveram
formação escolar), uma escola boa tem vagas,
merenda, uniforme, livros e professores que não
faltam tanto. Mas não avaliam o conteúdo que
os filhos aprendem”, disse Ioschpe.
“A imprensa tem que deixar os extremos na cober-
tura de educação, como a ‘escola que caiu’ ou o
‘herói que transformou algum lugar’. É preciso valorizar
as pequenas conquistas do cotidiano”, defendeu Lúcia. 
Qual delas valeria a manchete deste artigo? Com
a palavra, a audiência. 

39

Edgar Morin
prestou um grande
serviço à TV bra-
sileira em 67, 68.
Era um programa
execrado, e Morin
Pedro Bial

Pedro Bial foi direto para apre-


sentar o seu objetivo no Educa-
ção 360:
— Estamos fartos de diagnós-
ticos, já os temos demais, e quero
saber aqui do que pode dar certo.
Ele percebe que o Brasil vive
um momento em que precisa de
Lúcia Araújo

Uma única frase do poeta irlan-


dês Yates já dá conta do desafio
de nortear os caminhos do Canal
Futura: “A educação não deveria
ser o balde que contém, mas a
chama que incendeia.” Esse é, se-
gundo a diretora da emissora, Lú-
cia Araújo, o objetivo da empresa,
um “esforço de guerra” para al- que para isso “pirateia a si mes-
olhou para esse pro- cançar uma educação de qualida- ma”, como brincou a palestrante,
de. Isso seria, na visão dele, uma por distribuir material pedagógico
grama e chamou o seu situação em que todas as instâncias em vídeos e textos, por meio da
da sociedade “consagram parte ou internet.
apresentador de gênio, toda a sua energia e recursos a uma — A gente une quem produz
só causa”. A mídia, claro, também televisão a uma malha de agentes
o maior comunicador tem sua parcela de responsabili- sociais, que passam por ONGs,
dade, que para o autoconsiderado agentes de políticas públicas, por
de massa do mundo. pragmático Bial passa por resgatar instituições de referências e univer-
a “mitologia da escola”. sidades — explicou Lúcia Araújo.
Aí todos os colo- — Falo da eterna saudade da A diretora do Futura apresen-
escola, da mitologia dos professo- tou um panorama bem-sucedido
nizados culturais res lendários, que inspiram narra- da emissora: são 50 milhões de es-
tivas arrebatadoras inesquecíveis. pectadores que recebem o sinal do
caíram de joe- É reconhecer a demanda pública canal. Segundo Lúcia, metade dos
por heróis. Heróis que estão aí educadores do Brasil está incluída
lhos louvando às pencas no cotidiano da guer- nessa estatística:
ra pela educação brasileira. É da — Isso cria um círculo virtu-
Chacrinha.” natureza da mídia reconhecer e, oso: uma TV onde o conteúdo
reconhecendo, assim, construir é apropriado por uma equipe de
Pedro Bial, heróis. Essa talvez seria uma das mobilização comunitária no Bra-
jornalista funções mais nobres e naturais sil. Se o Canal Futura puder con-
da mídia nesse esforço de guerra: tribuir para essa chama que incen-
projetar no imaginário nacional deia em sala de aula, acho que a
luzes sobre os heróis da educação gente está cumprindo bem a nos-
— propôs Bial. sa função — resume.

40
Ismar de Oliveira Soares

O educomunicador é o profis-
sional responsável por estimular os
alunos a produzir conteúdo de mí-
dia. Essa foi a definição dada pelo
entusiasta e pesquisador da ideia
Ismar de Oliveira Soares, da Uni-
versidade de São Paulo (USP). Ele
afirmou que o estudante passa a ter
Gustavo Ioschpe

O economista Gustavo Ioschpe


aposta na comunicação de massa
para o desenvolvimento da educa-
ção pública brasileira. Ele defen-
de que a TV e o rádio precisam
mostrar que as nossas escolas “são
uma porcaria” e que, só assim, os
pais vão perceber o real problema

Essa questão da
tecnologia é uma
falsa questão. Tec-
nologia é uma ferra-
menta que facilita a
dispersão do conheci-
mais capacidade de analisar os dis- na área e aumentar a pressão social mento. Mas depende
cursos midiáticos e ainda se envolve por soluções.
mais com o seu próprio processo de Uma pesquisa do MEC, citada da habilidade de quem
aprendizagem quando se relaciona por Ioschpe, afirma que os pais
dessa forma com a escola: dos alunos estão satisfeitos com usa, e o problema da
— Esse processo permite que a educação recebida pelos filhos
as crianças passem a ser autoras. O nas escolas públicas. O estudo, educação brasileira
uso da mídia no espaço escolar, a feito em 2007, pedia para os res-
partir da perspectiva de educomu- ponsáveis dos estudantes darem não é a ferramenta,
nicação, tem resultados que vão notas para a escola. A média da
além do próprio domínio da mídia. qualidade de ensino ficou em 8,6. e sim a baixa capa-
A criança passa a gostar, a partici- No mesmo ano, a do Ideb ficou
par e a crescer junto com a escola. em 3,2. Esse, na opinião do eco- citação de todo um
Ela vira protagonista da constru- nomista, é o retrato do problema
ção da sociedade onde vivemos. que a comunicação tem que com- sistema.”
O especialista defendeu que há bater:
uma vontade nas novas gerações — Temos uma educação afri- Gustavo
de estudantes de participação na cana e uma percepção finlandesa. Ioschpe,
comunicação. Isso se deve à inti- Esses pais têm em média quatro economista
midade das crianças com as novas anos de estudo e, por isso, não têm
tecnologias, que facilitam essa pro- condições de avaliar a educação
dução de conteúdo. que seus filhos estão recebendo.
— Isso causa uma melhoria da Esse é o papel da TV e do rádio:
escola, dos processos comunica- mostrar que as nossas crianças es-
tivos e ainda garante o direito da tão sendo enganadas. Elas estão
comunicação, que é um direito sendo sacaneadas, para falar em
universal — explicou. bom português.

41
Seja no Brasil ou no mundo, o que não falta
são boas histórias sobre educação. Nos dois
dias do Educação 360, foram apresentados
37 estudos de casos selecionados de várias
regiões do país e dois casos internacionais:
escolas com modelos pedagógicos diferen-
ciados, projetos inovadores, iniciativas de
professores para estimular seus alunos,
enfim, gente que não está à espera
de que um dia a educação me-
lhore, mas que faz a sua parte
para isso.

estudos
42
de casos
COMO APRENDER


FÍSICA BRINCANDO

d ouglas de Melo
Silva, de 27 anos,
mostrou que a
criatividade pode
ser uma grande
aliada na hora de ensinar Física.
O professor criou uma série de
atividades que mudaram a forma
de avaliar seus alunos. Uma delas
outros professores.
— Sei que já tem professor
adaptando para Geografia e Mate-
mática. A ideia é que se dissemine
mesmo — afirmou Silva.
Além do jogo de tabuleiro, o
professor desenvolve experimen-
tos, pelos quais o aluno entra em
contato com a Física de forma
Alguns alunos já
me contaram que
estão pensando em
foi um jogo de tabuleiro, Túmulos direta, como a produção de uma
Físicos, que ajuda os estudantes pilha feita com frutas. criar jogos, e eu apoio.
a assimilar, de maneira lúdica, o — Assim eles aprendem que
conteúdo do ano letivo. dentro das frutas tem energia. É Digo a eles que têm
Todo confeccionado pelo pro- importante problematizar situa-
fessor, o jogo é inspirado no tradi- ções do cotidiano dos alunos. Eles que tentar mesmo.”
cional Banco Imobiliário. Mas, em precisam ver onde aplicam aquilo
vez de comprar casas, títulos de que estou ensinando. Por exem- Douglas de Melo Silva,
propriedades ou hotéis, os alunos plo: fiz com eles um circuito com professor de Física
adquirem covas, lápides e mauso- limões. Agora, eles sabem que
léus de físicos famosos, como Al- podem ligar uma TV com limão.
bert Einstein, e cada carta corres- Tudo bem que vão precisar com-
ponde a uma pergunta de Física. prar uns 300, e a televisão só vai “Eles contam que
— Assim, eles passam a conhe- piscar, mas eles já sabem da pos-
cer as pessoas relacionadas a este sibilidade – afirmou, provocando passaram a conversar
universo — explicou o professor, risos no público.
que atua como banqueiro e ava- Da plateia, a professora Fátima mais com os pais por
liador, já que ele também atribui Cristina Magalhães, de 38 anos,
nota aos alunos, pela maneira aproveitou para compartilhar sua causa do xadrez.”
como participam da atividade. experiência. Professora do Colé-
Ele usa o jogo como prova nas gio Estadual Erich Walter Heine, Fátima Cristina
18 turmas em que leciona nos mu- em Santa Cruz, Zona Oeste do Magalhães,
nicípios de Niterói e São Gonçalo. Rio, ela usa o xadrez na aula de professora
A experiência ajudou os alunos a Prática Administrativa. de Prática
aprender conceitos como peso, — Eu os instigo a procurar as Administrativa
massa e temperatura e, de quebra, regras para aprender a jogar. Isso
conseguiu melhorar as médias, já é muito bom porque incentivo,
que foram de 5 para 8, no Ciep assim, a busca pelo conteúdo. Há
George Savalla Gomes — Palha- também outros benefícios, já que
ço Carequinha, em São Gonçalo. melhora a concentração e a intera-
O uso do jogo de tabuleiro nas ção social — comemorou Fátima.
aulas, que começou em 2013, foi
tão bem aceito que já está sendo PROF. DOUGLAS DE MELO
aplicado em outras escolas, por douglas_termodinamica@ig.com.br

43
EM BUSCA DOS ALUNOS


QUE FALTAM ÀS AULAS

A presença dos
pais na escola é
n o Colégio Estadual
Raul Vidal, em Ni-
terói, se o aluno não
vai à escola, a escola
vai até o aluno. Só
no último ano, a diretora Antô-
nia Crispim reintegrou 181 alunos
faltosos à sala de aula. A ação faz
parte do programa de combate à
Muitas vezes, o aluno que está fora
da escola ingressa no mercado de
trabalho para complementar a ren-
da familiar.
— Uma vez fui visitar uma alu-
na faltosa no Ceasa (Central de
Abastecimento, em Irajá, Zona
Norte do Rio), onde ela estava tra-
balhando. Mas ela não voltou para
fundamental. Por evasão escolar da Secretaria esta- o colégio — contou a diretora. —
dual de Educação. Ela morava num lar que não cor-
isso, criei o café com — Nós temos que combater as respondia às exigências do Esta-
faltas antes que elas se transfor- tuto da Criança e do Adolescente,
os familiares. Os mem em evasão escolar — afir- então tive também que conversar
mou Antônia Crispim. com sua família.
encontros acontecem O trabalho de Antônia conta Claudeluci Montalvão, de 18
com o apoio fundamental dos alu- anos, faz parte do time de visita-
bem cedo, então todos nos, já que o monitoramento da dores. A aluna do 3º ano do ensino
frequência do grupo fica a cargo médio contou que o trabalho de
podem comparecer.” do representante de cada turma. resgate exige muito cuidado. Afi-
Toda sexta-feira, é entregue à dire- nal, o colega faltoso não deve se
Antônia Crispim, tora uma lista com os nomes dos sentir pressionado:
diretora do C.E. alunos faltosos. — Eu tento mostrar para ele a
Raul Vidal — Se o aluno faltou três dias du- importância de se estar na escola,
rante a semana, eu ligo o meu alerta. a falta que ele faz na turma. Não
O primeiro passo é telefonar para chego ao domicílio pedindo justi-
esse aluno — contou a diretora. ficativas. Busco apontar exemplos.
“A gente fala a lín- Essa abordagem é feita por Falo do meu pai e da minha mãe,
meio de um telefonema. Mas, se a que não têm estudo e “batem mui-
gua dos alunos.” estratégia não surte efeito, Antô- ta cabeça” para sobreviver até hoje.
nia parte para o resgate domiciliar. Antônia costuma dar o seu nú-
Claudeluci Para a tarefa, a educadora recrutou mero de telefone para os alunos.
Montalvão, 14 alunos da escola que formam o Uma forma de estabelecer mais um
aluna time de visitadores. canal de comunicação com o grupo
“visitadora” — A visita de um colega levanta e monitorar sua frequência:
a autoestima do aluno faltoso — — Avisamos sempre se vamos
garantiu Antônia. — O time de faltar ou chegar atrasados. Já estu-
visitadores é formado por jovens dei em escolas onde só fui conhe-
que já faltaram muito às aulas. cer o diretor no meio do ano —
Ausência de motivação, falta de revelou Claudeluci.
acompanhamento dos pais e difi-
culdade na aprendizagem são algu- PROF. ANTÔNIA CRISPIM
mas das razões por trás das faltas. antoniacrispim@hotmail.com

44
PROJETO DE LEITURA


NA ILHA DE MARAJÓ

e ra uma viagem de
escola, e o estudante
carioca Luis Carlos
Guedes, então com
16 anos, em 2012,
chegou à Ilha de Marajó, no Pará,
achando que encontraria belezas
naturais e muita pobreza. Mas Luti,
como é chamado pelos amigos,
não é o espaço físico, é um lugar
de espaço e tempo das nossas vi-
das onde a gente aprende.
O acervo da biblioteca Sonho de
Papel foi montado com 300 livros
doados no Rio, que Luti levou nas
malas a cada volta à comunidade.
Os amigos brincavam: “Lá vem o
Luti sem fronteiras”, e a expressão
Eu aprendi que
para acontecer
educação é preci-
enxergou além e quis transformar acabou nomeando a ONG criada
de alguma forma a vida da comu- por ele: Lute sem Fronteiras, com so ter uma pessoa
nidade ribeirinha de São Miguel, a ajuda do Instituto Azzi, que tem
no município de Portel. De lá para como objetivos mostrar a Amazô- disposta a ensinar
cá, criou uma biblioteca e projetos nia do ponto de vista de quem vive
sustentáveis que desenvolvem a co- lá e desenvolver a comunidade. e outra disposta a
munidade. Mais: construiu com os Segundo Andrei Pinheiro, coor-
moradores uma escola para educa- denador da biblioteca, a população aprender, não é uma
ção infantil e ensino fundamental. agora tem sonhos. Ele, que ficou
Até então, os alunos tinham que quatro anos sem estudar, está ter- questão de dinheiro.
viajar de barco quatro horas por dia, minando o ensino médio aos 21 e
para chegar ao colégio mais próximo. quer ser engenheiro florestal: O mais incrível des-
Hoje, a escola de São Miguel tem — Eu era daqueles que tinham
pouco mais de cem estudantes e seis preguiça de ler, que escolhiam os ta escola é que não
professores cedidos pela prefeitura. livros mais finos. Quando pensa-
Graduando de Direito na PU- mos na biblioteca, ficamos em dú- fui eu que fiz, nem
C-Rio, Luti tem 21 anos agora e vida se a galera ia mesmo gostar.
inspirou a plateia com sua história. Me surpreendi porque todos gos- a prefeitura, mas
Ele é o único jovem embaixador tam muito de ler e eu já até escolhi
da ONU na América Latina para um livro bem volumoso! todos eles.”
Cidadania Global e Educação e foi Um aluno da Escola Sesc que es-
ganhador do Prêmio Faz Diferen- tava na plateia ficou especialmente Luis Guedes,
ça 2013 pelas iniciativas na região. sensibilizado. Paraense da Ilha de criador da
Para resolver a falta de dinheiro Cotijuba, Gabriel Lira, de 16 anos, ONG Lute sem
para a construção da escola, Luti viveu as mesmas dificuldades dos Fronteiras
correu atrás de doações e trabalho meninos de São Miguel:
voluntário: — Sei o quanto é difícil ter que
— O mais incrível da nossa es- estudar longe de casa, para onde
cola é que ela foi construída pelo você faz uma verdadeira viagem de
Ronildo, pelo Ramon, pela Socor- barco para chegar. Isso atrapalha o
ro, pela Araci... Foram eles que fi- aprendizado.
zeram a escola onde estudam seus
filhos e seus irmãos mais novos. LUTE SEM FRONTEIRAS
Foi aí que eu aprendi que a escola http://lutesemfronteiras.tumblr.com

45
LITERATURA INFANTIL PODE


SER COISA DE ADULTO

A narrativa está
na vida da gente
a história do Insti-
tuto Ler É Abra-
çar começou há
oito anos, quando
suas fundadoras,
as educadoras Rona Hanning e
Carolina Sanches, foram convi-
dadas a desenvolver um progra-
ma de leitura com 250 crianças,
com moradores de comunidades
não pacificadas do Rio de Janeiro.
Segundo Rona, cerca de 80% dos
participantes são mulheres já apo-
sentadas:
— Essas pessoas têm um con-
texto de vida difícil. O ponto de
partida foi identificar uma questão
em comum, que pudesse ser abor-
para nos lembrar em um abrigo do Méier, na Zona dada de várias maneiras. Com isso,
Norte do Rio de Janeiro. Desde conseguimos sensibilizar grande
de que a gente então, o projeto cresceu, ganhou parte dos integrantes.
uma sede na Tijuca e, além de A professora aposentada Val-
existe.” continuarem trabalhando com dete dos Santos conhece bem esse
crianças, elas tentam envolver os universo literário. Ela trabalhou
adultos no mundo da literatura in- durante 11 anos na sala de leitura
fantojuvenil, organizando encon- da Escola Municipal 25 de Abril,
“Livro é secundário. tros mensais no local. em Freguesia, no bairro de Jacare-
— Há algumas décadas, o desa- paguá, na Zona Oeste da cidade.
As pessoas é que são fio era ter o livro nas bibliotecas. De acordo com sua experiência,
Havia pouco material de literatura no início, os alunos resistem aos li-
importantes. Essa é infantojuvenil disponível no Brasil. vros, mas, com o tempo, o quadro
Hoje, a batalha é outra: fazer com é revertido.
que é a ‘virada’ da que o livro, que já está nas escolas, — Fora dos horários das ofi-
chegue até as pessoas, sensibilizan- cinas, que eram obrigatórias, eles
sala de leitura.” do-as de alguma forma — afirmou iam para a sala de leitura assistir
Rona Hanning. à televisão. Fomos tentando, aos
Rona Hanning, Para Rona, é importante acabar poucos, mudar o hábito dos alu-
pedagoga com o preconceito que os adultos nos. Começamos a colocar à dis-
têm de que a literatura infantojuve- posição revistas em quadrinhos e
nil é algo menor: tiramos o aparelho de TV. Depois
— É preciso entender que ela de aproximadamente três anos,
nos motiva a olhar para a vida. A percebemos que havia sido criado
narrativa, mesmo através de ima- um grupo de leitores. Eles foram
gens, está na nossa vida para lem- ampliando os interesses e, além
brar que existimos, que temos mais dos gibis, passaram a se interessar
que apenas um instinto de sobre- pelos livros. O trabalho que de-
vivência. Mesmo que sejam deli- senvolvemos na escola foi pareci-
cadas, as imagens podem trazer à do com o que é feito pelo Ler É
tona lembranças muito duras, de- Abraçar — contou, orgulhosa.
pendendo da vivência de cada um.
Nos últimos três anos, o institu- INSTITUTO LER É ABRAÇAR
to vem desenvolvendo um projeto http://lereabracar.blogspot.com.br

46
EMPREENDEDORISMO E


SUSTENTABILIDADE EM BALI

c onsiderada a escola
mais verde da Ter-
ra, a Green School
— localizada em
Bali, na Indonésia
— foi criada há cinco anos pelo
empresário canadense radicado em
Bali John Hardy. Ele, que ganhou
fortuna no ramo de joalheria, de-
estimula a minha criatividade. Além
da matemática e do inglês, a gente
tem aula de Drama, Música, Arte,
Estudo Verde, Computação e Es-
portes”, contou o aluno brasileiro
Tiago, durante o vídeo de apresen-
tação. Outra aluna chamou a aten-
ção para a horta da escola: “Aqui, a
gente planta, cuida, colhe e depois
Um rio passa no
meio da escola.
Isso é mais magní-
cidiu mudar sua vida após assistir come tudo que a gente plantou.”
ao documentário “Uma verdade O pai de Tiago vê no dia a dia da fico do que qualquer
inconveniente”, de Al Gore. “Pen- Green School o ideal do educador
sei em que mundo ia deixar para os Paulo Freire, que acreditava que es- paisagem.”
meus quatro filhos e investi tudo cola boa é aquela que o aluno gosta
para fazer uma escola carbono de frequentar até no fim de semana:
zero e que trouxesse benefícios “O que acho incrível é a alegria que
para o entorno e para o planeta”, meu filho tem pra vir pra cá todos “O professor deve ter
disse ele, em vídeo exibido durante os dias. Isso é justamente o que
a apresentação do estudo de caso. Paulo Freire falava.” A mãe justifica uma escuta ativa para
Com 450 alunos de 45 naciona- essa atitude: “As crianças amam vir
lidades, a escola oferece, do jardim porque, além de ser um lugar mági- saber qual é o ritmo
de infância ao ensino médio, um co, elas se sentem respeitadas.”
espaço totalmente integrado à na- Para estudar na instituição, é pre- e qual é a necessida-
tureza, construído em bambu, com ciso pagar uma mensalidade de US$
água reciclada e quase toda a ener- 1 mil (cerca de R$ 2,5 mil). A partir de de cada um dos
gia oriunda de placas solares. Há, dos conceitos de ecologia e de sus-
inclusive, um aluno brasileiro. tentabilidade, a escola une discipli- alunos.”
A educadora Carolina Bergier nas tradicionais a aulas de artes, es-
foi voluntária da escola e apresen- tudos verdes e empreendedorismo. Carolina Bergier,
tou a iniciativa: O resultado é que, entre os alunos ex-voluntária
— Não há paredes, e isso nos da primeira turma de formados no da escola
faz aprender que, entre mim e ensino médio da escola, no meio de
você, não há barreiras e que mi- 2014, alguns foram aceitos em uni-
nhas ações impactam o outro. versidades como Harvard e Cam-
Apesar do cenário deslumbrante, a bridge sem necessidade de exames,
verdadeira magia da Green Scho- pois essas instituições consideram
ol acontece dentro da sala de aula. que os alunos da Green School, se-
Cada estudante tem o seu tempo e gundo Carolina, “estão preparados
sua maneira de aprender. O foco para o mundo”. Outros já têm o
na sustentabilidade busca formar próprio negócio.
futuros líderes verdes.
Para os alunos, o ambiente faz GREEN SCHOOL
toda diferença: “Esse espaço aberto www.greencampbali.com/newsite

47
ESCOLAS VIVAS: O ALUNO


APRENDE COM SEUS ATOS

Os alunos são
certificados de
‘a lguém aqui es-
pera uma mu-
dança na educa-
ção?”. Foi com
essa pergunta
que a advogada e educadora Maria-
na Carvalho iniciou a apresentação
sobre as chamadas escolas vivas.
Quase todas as pessoas levantaram
ainda haver uma de 13 anos que não
esteja preparada para isso.
Castigo também é um termo
que não existe nesse modelo, e sim
consequências.
— Numa escola que visitei, uma
criança costumava se jogar numa
porta de bambu. A educadora cha-
mou a atenção dela algumas vezes,
que passaram pela a mão. E ela rebateu: mas ela continuou. Como conse­
— Não vai rolar mudança na quência, essa criança foi indagada
educação infantil, educação enquanto a gente conti- pela educadora sobre quanto tempo
nuar apenas esperando por isso. ela deveria ficar sem entrar naquela
ciclo fundamental e As escolas vivas são espaços sala. O efeito tem sempre que estar
onde o aluno aprende através de ligado à causa — conta Mariana.
ensino médio.” suas próprias ações. Mariana visi- O modelo explanado por Maria-
tou algumas na Bahia e na Argenti- na surgiu com a Escola da Ponte,
Mariana Carvalho, na de 2012 a 2014 e percebeu que de Portugal. A instituição, no co-
educadora essas instituições não têm uma for- meço, era classificada como escola
ma única. Por onde andou, notou livre. No entanto, a dificuldade de
modelos que acontecem em jar- explicar para pais e educadores que
dins, residências e até salas de ioga. a tal liberdade tinha certas restri-
“Em educação, a Para ela, o diferencial do projeto ções deu origem à nomenclatura
de uma escola viva é a sensibilidade “escola viva”, que hoje também
gente tem muito esta do educador. E exemplificou: existe no Brasil, no Uruguai, na
— Quando uma criança quer Argentina e na Espanha.
cultura do medo. A mostrar um desenho, ela diz “olha Da plateia, o educador Leandro
o que eu fiz” e não adjetiva “o que Gomes chamou a atenção para a
gente tem que ter eu fiz”. Mas, quando a gente co- resistência da sociedade a projetos
menta, com um “que lindo!”, um inovadores de ensino. Para ele, não
menos medo e processo destrutivo se inicia nessa é o diploma que faz um educador,
criança. Ela vai passar a competir mas, sim, a sua capacidade de dia-
mais vontade.” consigo mesma e se superar sem- logar com o aluno.
pre. Já o educador da escola viva — Eu acredito em quem cons-
Leandro diz: “Legal, você fez uma caixinha trói a aula com amor e vontade, em
Gomes, com uma mancha preta grande e quem consegue se expressar com
educador um traço vermelho.” Ele não cria a criança. A gente tem que acabar
um problema para a criança. com esse medo do novo. Existem
Na escola viva, generalizar é erro. várias pessoas no mundo, não exis-
O olhar individualizado é o diferen- te um único modelo de ensino.
cial. Há crianças, por exemplo, que
estão preparadas para usar uma faca MARIANA CARVALHO
com segurança, outras, não. Pode mari.bfc@gmail.com

48
TECNOLOGIA TELECURSO:


METODOLOGIA TELESSALA

n o fim da década de
1970, um programa
de TV que surgiu
para levar escolari-
dade básica a quem
precisava concluir os estudos ia ao
ar pela primeira vez. Era o Tele-
curso, que, em 1993, chegou tam-
bém às salas de aula e se tornou
municipal. Uma das escolas que
vivenciaram a proposta foi o Ciep
Federico Fellini, em Tomás Coe-
lho, Zona Norte do Rio.
A metodologia articula o con-
teúdo científico com ações lúdicas
dentro de sala. Os alunos sentam
em círculo, assistem a teleaulas e
participam de debates em que são
O elo afetivo que
esse professor cons-
trói com o grupo é
uma metodologia adotada por go- instigados a fazer reflexões sociais.
vernos, empresas e instituições do — Seu currículo valoriza a cul- muito importante.
terceiro setor. tura nacional e local, trazendo a
A tecnologia educacional Te- vida para dentro da sala de aula Por isso a gente acre-
lecurso/Metodologia Telessala já e estimulando a criatividade e a
foi implementada em mais de 32 participação social. Muitos estu- dita na existência de
mil salas de aula, formando mais dantes chegam à sala sem sonhos,
de 40 mil professores e mais de sem perspectiva de vida, mas du- um único professor,
sete milhões de estudantes em rante o processo começam a se re-
todo o Brasil. conectar com eles mesmos e com porque os alunos estão
Por meio de uma parceria fir- a sua missão no mundo — disse
mada em 2013 entre a Fundação Helena. precisando resgatar a
Roberto Marinho e o Ministério da Para a implantação da metodo-
Educação, foi ampliado o número logia, a Secretaria de Educação do amorosidade. A afeti-
de estados que adotam a metodo- estado ou do município precisa
logia em escolas da rede pública mapear as escolas que apresentam vidade tem que estar
para a adequação da idade-ano. Em muitos alunos em defasagem ida-
2014, alcançou 223 mil alunos em de-ano e identificar professores da presente em todo o
12 estados. própria rede que possam assumir
— A iniciativa também é utili- turmas. Esses docentes passam processo.”
zada para a Educação de Jovens e por uma formação continuada ao
Adultos e como alternativa ao en- longo do projeto. Helena Jacobina,
sino básico em municípios e comu- — O professor também é um coordenadora
nidades dispersas. Temos experiên- aprendiz, na medida em que passa
cias bem-sucedidas na Amazônia, a mediar o conhecimento, valori-
no Acre, em Rondônia e no Pará zando os saberes dos estudantes e
— explicou Helena Jacobina, coor- colocando-os como protagonistas
denadora de projetos da gerência de sua aprendizagem – explicou a
de Educação e Implementação da coordenadora.
Fundação Roberto Marinho.
No Rio, a primeira experiência TELECURSO/
aconteceu em 2009, com o proje- METODOLOGIA TELESSALA
to Autonomia, em nível estadual, www.telecurso.org.br/metodologia-te-
e o Autonomia Carioca, em nível lessala

49
PROJETO DA PREFEITURA


DO RIO DÁ ATENÇÃO
ESPECIAL A ADOLESCENTES

Um aluno ‘terrí-
vel’ pediu para se
sentar do meu lado
a s transformações
físicas e emocionais
da pré-adolescência
começam por volta
dos 11 ou 12 anos,
logo na chegada dos jovens ao 6o
ano, que marca o início do segundo
segmento do ensino fundamental.
Para garantir uma melhor apren-
das provas bimestrais, seja nas ava-
liações externas.
A professora Ana Ligia Reis, da
Escola Municipal Adlai Stevenson,
localizada em Vista Alegre, bairro da
Zona Norte, destacou a importância
do papel do professor na construção
desse novo paradigma educacional:
— O apoio do professor nes-
na sala. Sabia que dizagem dos alunos e prepará-los sa fase é importante para o jovem.
para os próximos desafios da vida Ele deve estar sempre por perto,
a concentração dele escolar, a Secretaria municipal de deve ser observador e motivador,
Educação do Rio de Janeiro desen- para poder ajudar nessa formação
melhorou? Tudo isso volve em 378 turmas uma solução de modo mais eficaz. Em termos de
simples, mas inédita no Brasil: o 6º conteúdo, ter um só professor ajuda
passa pelo carinho.” ano experimental. o aluno a entender que as disciplinas
O diferencial do projeto é re- se relacionam entre si, porque os
Ana Lígia Reis, presentado pela figura do profes- conteúdos são articulados. Assim,
professora sor generalista, que leciona todo ele chega mais preparado ao 7º ano.
o conteúdo previsto no programa Aos poucos, o município se or-
curricular. Dessa forma, os estu- ganiza para implementar a novi-
dantes só passam a ter oito profes- dade em todas as escolas da rede
“No 6o ano, temos sores no 7º ano, quando já estão que oferecem o 6º ano. A secretá-
mais amadurecidos e preparados ria municipal de Educação, Helena
a maior taxa de para lidar com as transformações. Bomeny, salientou que o caminho
A medida começou a ser testada a ser percorrido ainda é longo.
reprovação no em escolas da rede municipal em — A rede é muito grande, temos
2011, por causa dos elevados índi- 1.515 escolas e precisamos adap-
Brasil inteiro.” ces de evasão escolar e repetência tá-las a essa realidade que estamos
no 6o ano identificados em todo criando. Primeiro, porque estamos
Jurema o país. Durante a apresentação do incluindo um ano a mais no primeiro
Holperin, projeto, a subsecretária de ensino da segmento, em escolas que normal-
subsecretária rede, Jurema Holperin, explicou por mente oferecem aulas até o 5o ano e
municipal que é uma iniciativa importante: passarão a fazê-lo até o 6o. Acredito
de — Nós apostamos na manuten- que essa reorganização da rede será
Educação ção do vínculo com um único pro- gradativamente implantada.
fessor, porque esse é um momento
turbulento para esses jovens, e tem SECRETARIA MUNICIPAL
dado resultado. As turmas apre- DE EDUCAÇÃO DO RIO DE
sentam médias muito superiores às JANEIRO
turmas regulares, seja no resultado www.rio.rj.gov.br/web/sme

50
CLUBE DE LEITORES: MAIS


LEITURA E TROCA DE IDEIAS

a Escola Sesc de En-


sino Médio realiza,
desde 2010, o proje-
to Clube de Leitores
com seus alunos. A
iniciativa, que estabelece a biblioteca
como espaço central no aprendizado,
surgiu da vontade dos professores,
dos bibliotecários e da necessidade
quebrando o gelo, e eles entende-
ram que o bacana era compartilhar.
Mesmo os estudantes que não ti-
nham uma bagagem grande de lei-
tura foram adquirindo conhecimen-
to. Passaram de iniciantes a leitores
críticos — ressaltou a professora.
As leituras espontâneas fizeram
com que um grupo de alunos de-
Trabalhamos
com crônicas
dos próprios estudantes em incre- cidisse passar as férias lendo os e contos porque
mentar a leitura. Fernanda Freitas, renomados “1984”, de George
professora de Língua Portuguesa, Orwell, e “Cem anos de solidão”, queremos levantar
garante que o clube se transformou de Gabriel García Márquez.
num diferencial para seus alunos: Dois livros já foram criados a uma discussão no
— A gente queria extrapolar as partir da iniciativa: “Machado de
paredes da sala de aula e oferecer Assis por jovens leitores” e “Lima momento da leitura.”
leitura fora do horário regular. E os Barreto por jovens leitores”, que
alunos perceberam que não havia trazem uma compilação de contos Fernanda Freitas,
tempo livre para a leitura espontâ- dos autores, cada qual precedido professora da Escola
nea. A solução foi reservar um tem- por uma apresentação feita pelos Sesc de Ensino Médio
po na grade — explicou Fernanda, alunos dos clubes.
ressaltando: — Se temos livros e — Para eles, participar de um pro-
pessoas querendo ler, essa iniciativa cesso editorial profissional é muito
pode ser replicada no mundo todo. rico. Eles acompanham os contatos “A gente contava
Nos encontros, realizados uma vez com as editoras, colaboram na or-
por semana por cerca de 45 minutos, ganização do livro, na produção da muitas coisas do
são priorizados textos mais curtos, capa, estão presentes nos lançamen-
como crônicas e contos, conciliando tos e encontram seus livros nas livra- nosso dia a dia
autores clássicos e contemporâneos. rias – destacou Vagner Amaro.
Tudo em função de uma matemática Ex-estudante do Sesc, Bruna Vi- nos encontros e se
produtiva: ter tempo de fazer mais lei- lanova, de 18 anos, realçou a impor-
turas e discussões de ideias. tância do clube na sua formação: apropriava do
É nesse aspecto que o clube se — Fiz questão de participar do
sobressai. Além de debater sobre a clube, inclusive no ano em que conto.”
língua, o encontro com a literatura prestei vestibular. Foi uma chan-
traz a possibilidade de os alunos se ce de desviar o foco. Era um am- Bruna
colocarem diante dos textos com biente muito nosso, aqueles textos Vilanova,
questões pessoais. O prazer vem jus- passavam a ser nossos também. A ex-aluna
tamente dessa liberdade de interpre- coisa que mais gosto de fazer no
tação, uma apropriação do texto. O mundo é ler, e isso me ajudou em
papel da mediação cabe à Fernanda e todos os aspectos da minha vida.
ao bibliotecário Vagner Amaro.
— Nos primeiros encontros, os SESC
alunos estavam acanhados. Fomos www.sesc.com.br

51
O SEGREDO DO SUCESSO


DE SOBRAL, NO CEARÁ

Isso é muito im-


portante: quando
u ma cidade leva quanto
tempo para ter edu-
cação pública de qua-
lidade para crianças e
adolescentes? E por
onde começar? Questões como es-
sas foram respondidas por gestores
educacionais do Ceará, onde a cida-
de de Sobral desponta como uma
Educação de Sobral, Júlio Cesar da
Costa Alexandre.
Para comprovar sua teoria, Alexan-
dre mostrou números para a plateia.
Em 2001, 48% das crianças de 8 anos
não sabiam ler. Mesmo assim, elas
avançavam nas séries, o que acabava
gerando deficiência de aprendizagem.
— Por isso, decidimos começar
o Brasil não tinha das líderes no Índice de Desenvol- do zero, construir a base. É preci-
vimento da Educação Básica (Ideb). so que as crianças saibam o básico,
escola para todo mun- Pouco antes de os dados do in- ler e escrever, para só depois co-
dicador referentes a 2013 serem meçarmos a ensinar outras coisas
do, era fácil identificar divulgados pelo MEC, o secretário — afirmou Maurício de Holanda.
estadual de Educação do Ceará, Em cooperação com a rede esta-
a ausência do poder Maurício de Holanda, antecipou dual de ensino, Sobral começou um
no encontro que o município teria programa de alfabetização que ins-
público. Mas quando um desempenho ainda melhor. pirou o Programa de Alfabetização
— Vimos com antecedência os da Idade Certa, do governo federal.
tem escola e os meninos resultados da Prova Brasil e pode- Quando a palestra foi aberta
mos afirmar que as duas piores es- para perguntas, o professor Luis
não aprendem, fica mais colas da rede municipal de Sobral Otávio, da rede estadual do Ma-
ficarão com 6,9, 15% maior do que ranhão, compartilhou sua experi-
fácil a gente pensar que a meta para o Brasil em 2021 para ência no estado, onde enfrentou
os primeiros anos do ensino fun- obstáculos com o sindicato de
o problema é dos me- damental. E, na outra ponta, tere- professores. Segundo ele, organi-
mos duas unidades com nota 9. zações trabalhistas manifestavam
ninos. Daí a gente E foi exatamente o que aconte- oposição a políticas de meritocra-
ceu. A cada edição do Ideb, Sobral cia e eficiência de gestão a partir de
combate esse mito.” mostra os frutos colhidos com in- metas no estado:
vestimentos em educação, come- — Por isso quis saber como era
Mauricio Holanda çados ainda em 2001. Em 2005, a relação do governo do Ceará com
Maia, secretário primeiro ano com notas do índice, os sindicatos locais. Sei o quanto é
de Educação a cidade tinha alcançado média 4. difícil sair da inércia e começar a
do Ceará Em 2007, 4,9, pulando para 6,6 em trabalhar com poucos recursos. É
2009 e 7,3 em 2011. Em 2013, o mais fácil ficar de braços cruzados
município alcançou média 7,8. culpando a rede pública do que
— Estamos quebrando o mito meter a mão na massa.
de que é difícil avançar em edu-
cação em regiões pobres. Já que- SECRETARIA DE
bramos o mito de que a evasão é EDUCAÇÃO DE SOBRAL:
maior para alunos de baixa renda www.sobral.ce.gov.br/site_novo/sec/
— disse o secretário municipal de educacao

52
O PAPEL DOS GAMES


NA EDUCAÇÃO

o s games não preci-


sam ser encarados
como vilões quando
o assunto é aprendi-
zado. É isso que as
pesquisadoras Eliane Schlemmer e
Soraia Musse querem mostrar com
o primeiro SBGames Kids & Teen,
simpósio que acontece na PUC-RS,
tanto, muitos educadores ainda não
enxergaram essas possibilidades:
“Eles acham que os jogos deixam a
criança violenta e preferem continu-
ar tradicionais”, disse Emanuele, no
vídeo mostrado na apresentação das
reuniões do Clã Sul. A colega Fer-
nanda Ribeiro destaca um motivo
para que os professores reformulem
Há várias for-
mas de você ver a
relação entre edu-
simultaneamente ao SBGames. seus conceitos: “Às vezes, os jogos
A inspiração para a realização tornam as matérias mais fáceis.” cação e jogos.”
de um evento sobre games volta- Para o SBGames Kids & Teen,
do para crianças veio de casa. Mães eles preparam o jogo ARG (do in- Eliane Schlemmer,
de filhas que gostam de jogar, elas glês alternate reality games). Durante o pesquisadora
começaram a pensar, em 2012, que desenvolvimento, o clã visita o Mu-
seria importante ter um evento de seu de Ciência e Tecnologia da PU-
games em que as crianças pudes- C-RS e, de forma lúdica, aprendem.
sem apresentar palestras, projetos — Eles já estiveram naquele lugar, “Gostaria de saber
e ouvir quem trabalha na área. mas agora estão observando de uma
— As crianças são os pesquisa- outra maneira, pensam como aquele usar mais games na
dores. Nós, os professores, somos ambiente pode ajudar no jogo. Por
os facilitadores — contou Eliane. exemplo, primeiro, eles decidiram sala de aula. Afinal,
As inspiradoras, Emanuele que tem que ter um fantasma na his-
Schlemmer Thomazzoni, de 11 anos, tória. Agora, eles querem que esse a criança não vai
e Marina Musse Bernardes, de 13 fantasma tenha uma voz grossa e se
anos, agora estão botando a mão na movimente — disse Eliane. para a creche apenas
massa. Elas coordenam o Clã Sul do O SBGames Kids & Teen tam-
simpósio, ao lado de dois pesquisado- bém pode diminuir o preconceito para brincar.”
res. Cada clã representa uma região em relação aos jogos, na opinião
do país. A ideia de usar o termo “clã” de Soraia: Thaiz Barros,
veio das crianças, já que elas usam — Há uma dificuldade em falar professora na
essa linguagem nos games. Além das sobre games nas escolas. Alguns comunidade da
duas meninas, outros oito apaixona- professores não conseguem inscre- Formiga,Zona
dos por jogos fazem parte do grupo. ver suas turmas no evento porque Norte do Rio
Todos contam com a ajuda dos pais o site é bloqueado. Mas é possível
para participar das atividades. ensinar através da “gamificação”.
Fora do ambiente virtual, eles No futuro, de uma maneira ou de
se encontram e conversam sobre outra, boa parte deles vai trabalhar
como o jogo faz parte de suas vidas com conteúdo digital.
e como é a relação com a família e
com a escola. Os meninos garantem SBGAMES KIDS & TEEN
que, por meio dos games, aprendem www.sbgames.org/sbgames2014/
História, lógica e até inglês. No en- kids_and_teens

53
ISMART: UM INSTITUTO


EM BUSCA DE TALENTOS

Eu soube quanto
o Ismart pagava
h á 10 anos, o estudante
Luiz Fernando da Sil-
va Sousa viu sua vida
mudar completamen-
te — e para melhor.
Morador da Rocinha, no Rio de Ja-
neiro, ele é um dos jovens talentos
que foram beneficiados pelo Insti-
tuto Social para Motivar, Apoiar e
— disse Maria Amélia.
Os estudantes também recebem
acompanhamento psicológico e
bolsas para aprender inglês. A série
de benefícios contempla progra-
mas de tutoria e monitoria, progra-
ma de verão no exterior, atividades
culturais, orientação vocacional e
desenvolvimento profissional.
por ano por cada Reconhecer Talentos (Ismart), que — Não adianta darmos só a edu-
seleciona alunos de baixa renda, de cação formal. Temos que oferecer
aluno. E pensei: a 12 a 14 anos, e lhes concede bolsas todo o aparato para desenvolver
em escolas particulares. o potencial dos jovens. Por esses
mensalidade disso — Graças ao Ismart, estudei no alunos virem de escolas públicas,
Colégio São Bento (um dos mais nós os ensinamos a transitar em
aqui é o salário da bem colocados no Enem) e, no fim mundos diferentes e orientamos
deste ano, me formo em Direito na nos desafios acadêmicos, para que
minha mãe.” PUC-RJ, com bolsa de 100% — aprendam a ter uma disciplina para
contou Sousa, hoje com 22 anos. o estudo. Dessa forma, ampliamos
Raí Gomes, ex-bolsista Atualmente, a instituição tem suas perspectivas de trabalho e de
do Colégio São Bento cerca de mil bolsistas ativos em vida — explicou a diretora.
São Paulo (capital, Cotia, São José Outro jovem que, com o apoio
dos Campos e Sorocaba) e no Rio do projeto, conseguiu traçar um
de Janeiro. A diretora executiva do novo futuro foi Raí Gomes. Em
“Eu convenci minha instituto, Maria Amélia Sallum, ex- 2005, então estudante da Escola
plicou que são selecionados anu- Municipal Gonçalves Dias, em São
irmã a fazer facul- almente cerca de 200 alunos, por Cristóvão, Zona Norte do Rio de
meio de parcerias com as secreta- Janeiro, ele foi selecionado pelo
dade. Você acaba rias municipais de Educação. Ismart e, assim como Sousa, con-
Os candidatos devem estar ma- quistou uma bolsa de estudos no
influenciando triculados no 7º ou no 9º ano do Colégio São Bento:
ensino fundamental, ser prove- — Quando terminei o ensino
muita gente.” nientes de famílias com renda per médio, mudei-me para São Gon-
capita de até dois salários mínimos çalo e comecei a cursar Ciência
Luiz Fernando e nunca ter repetido de ano. Além da Computação na Universidade
Sousa, ex- de pagar a mensalidade escolar, o Federal Fluminense (UFF). Eu me
bolsista do Ismart fornece aos alunos material formo no fim do ano. Outra con-
Colégio escolar, uniforme e ajuda de custo quista na minha vida foi ter con-
São Bento para transporte e alimentação. seguido uma vaga de estágio na
— Acreditamos que o profes- Microsoft. Estou lá há dois anos.
sor é quem melhor tem condições
para identificar os alunos que são ISMART
curiosos e que gostam de estudar www.ismart.org.br

54
ESCOLAS BILÍNGUES NA


REDE MUNICIPAL DO RIO

s im, nós temos escolas pú-


blicas bilíngues. Quatro
instituições da rede mu-
nicipal do Rio de Janeiro
já contam com esse dife-
rencial. O objetivo da iniciativa é
introduzir metodologia e práticas
de ensino em duas línguas desde a
educação infantil até o 6º ano do
blica bilíngue na favela — contou
Gláucia, que, não só passou no
concurso, como hoje é a coordena-
dora do ensino bilíngue na Escola
Municipal Affonso Várzea.
A primeira meta do projeto é
permitir que o aluno se comunique
em língua estrangeira. Na educa-
ção infantil, os estudantes cursam
Trabalhamos
com seis compe-
tências: promover,
ensino fundamental. 15 tempos semanais de inglês. O
As escolas que dividem seu cur- idioma é apresentado aos alunos viabilizar, desenvol-
rículo em aulas ministradas em in- por meio de diversos conteúdos,
glês e português são: Ciep Glauber já que a interdisciplinaridade dá a ver, vivenciar, criar e
Rocha, na Pavuna; Escola Munici- tônica do currículo da escola.
pal Professora Dyla Sylvya de Sá, — Eu quero que os estudantes oferecer.”
em Jacarepaguá; Ciep Francisco falem inglês não apenas na escola,
Cavalcanti Pontes de Miranda, em mas também em outros contextos,
Campo Grande; e Escola Munici- nem que seja no teleférico, conver-
pal Affonso Várzea, no Complexo sando com os turistas — afirmou a “Mudamos a identi-
do Alemão. Além dessas, a Escola professora. — Em algum momen-
Municipal Holanda, bilíngue, na to da vida do aluno, o ensino de dade visual nas escolas
Ilha do Governador, divide seu uma segunda língua será útil. Com
currículo em aulas ministradas em os alunos entre 3 e 5 anos, é utiliza- bilíngues, com placas
Espanhol e Português. Para 2015, do um material didático específico,
existe a previsão de que mais três lúdico. Os professores lançam mão em português e em
escolas passem a fazer parte do de música, ciências, arte e muitas
projeto, e o município deve con- histórias. Jogos e desafios também inglês. O aluno per-
tar com dez escolas bilíngues em mobilizam a escola.
Língua Portuguesa e Língua In- — Este ano, tivemos vários cebe que algo está
glesa até 2016, segundo Ana Lúcia eventos, como o Bilingual Car-
Barros, gerente do Programa Rio nival e o 1º Torneio Bilíngue de sendo feito em
Criança Global, criado em 2009 Futsal, a nossa World Cup. Eles
pela prefeitura do Rio para ampliar só podiam falar em inglês durante prol dele.”
o ensino da língua inglesa nas esco- o jogo, do contrário era marcada
las municipais. uma falta. As crianças gostam de Gláucia
Nascida e criada no Complexo aprender e tentam ensinar a famí- Morais,
do Alemão, a professora de Inglês lia a falar inglês também. — afir- professora
Gláucia Morais não pensou duas mou Gláucia. de inglês
vezes quando soube, em 2012, que
haveria um concurso para uma es- SECRETARIA MUNICIPAL
cola bilíngue. DE EDUCAÇÃO DO RIO DE
— As pessoas se espantam JANEIRO
quando digo que existe escola pú- www.rio.rj.gov.br/web/sme

55
UM BRASIL CHEIO DE BOAS


PRÁTICAS EDUCACIONAIS

Concordo com
o educador José
a os 22 anos, o jor-
nalista Caio Dib
abandonou o tra-
balho no escritório
para conhecer boas
práticas educacionais espalhadas
pelo Brasil. O que era apenas um
desejo pessoal se transformou no
projeto Caindo no Brasil, criado
ças e jovens.
O jornalista não encontrou ta-
blets e softwares pelo caminho, mas
conheceu projetos voltados para o
desenvolvimento de competências
e valores fundamentais para uma
vida na cultura digital, como sensi-
bilidade, diálogo e empatia.
A ONG criada por Monique em
Pacheco quando ele e financiado por ele mesmo. Du- 2011 está no livro de Dib. A inicia-
rante cinco meses, Dib visitou 58 tiva investe em palestras, seminá-
diz que, em educa- cidades de 12 estados do país. Um rios e oficinas para levar conscien-
dos projetos que conheceu foi a tização social a crianças e jovens.
ção, a prática chama ONG Desabafo Social, criada pela No ambiente virtual, estimula de-
estudante Monique Evelle em Sal- bates por meio das redes sociais,
a teoria.” vador, Bahia, para promover ações de uma web rádio e de sua própria
em defesa dos direitos humanos da revista on-line.
infância e juventude. Juntos, Dib — A ideia é estimular o engaja-
e Monique compartilharam expe- mento dos jovens em causas sociais,
“Eu não busquei riências que enriquecem o debate garantindo a realização de ativida-
sobre educação no Brasil. des em que exista a troca de expe-
conhecer aquela escola O roteiro da viagem do jornalis- riências sobre os direitos humanos
ta incluiu 30 iniciativas com cará- — contou Monique, exemplifican-
boa, senso comum, ter regional fundamentadas numa do: — Quando uma reportagem
cultura de formação para a vida. revela o nome de um menor, eu
que faz o aluno Pelo site, é possível conhecer os chamo a atenção dos meninos para
projetos mapeados por Dib. Qua- o erro cometido pelo repórter. Um
passar na prova do torze dessas iniciativas estão em menor não pode ter o seu nome re-
seu livro “Caindo no Brasil”, re- velado na imprensa.
vestibular.” cém-lançado. Priorizando a atuação em bair-
— A viagem me fez perceber ros populares, o Desabafo Social
Caio Dib, que são as sutilezas que fazem a recebeu, em março de 2014, o Prê-
jornalista e diferença na educação — afirmou mio de Protagonismo Juvenil pela
escritor Caio Dib. — Em uma escola de Associação Brasileira de Magistra-
educação infantil, os próprios alu- dos, Promotores de Justiça e De-
nos criaram regras de convivência fensores Públicos da Infância e da
que foram penduradas na parede. Juventude.
E deu muito certo. Conheci tam-
bém um caso muito interessante CAINDO NO BRASIL:
na cidade de Nova Olinda, no Ce- www.caindonobrasil.com.br
ará: a Fundação Casa Grande, que
oferece um programa de capacita- DESABAFO SOCIAL:
ção em gestão cultural para crian- www.desabafosocial.com.br

56
PROJETO DUPLA ESCOLA:


FORMAÇÃO INTEGRAL

u m novo tipo de for-


mação nasce quan-
do o ensino mé-
dio desenvolve a
autonomia e estimula
competências, atitudes e valores
indispensáveis ao ser humano do
século XXI: a Educação integra-
da. De acordo com o subsecretário
gundo o subsecretário, estará em
todas as escolas da rede até 2023.
Neto anunciou ainda que 33 esco-
las da rede estadual já têm cursos
profissionalizantes.
— Não queremos que sejam
escolas excelentes. Queremos que
essas sejam as escolas da rede e
por isso precisamos dos multipli-
O aluno precisa
gostar da escola,
e isso só começa a
de Educação do estado do Rio de cadores. O aluno precisa gostar da
Janeiro, Antônio Neto, que apre- escola, e isso só começa a aconte- acontecer quando
sentou o programa Dupla Escola, cer quando ele percebe o que tem
o rendimento dos estudantes nesse significado para a vida dele. ele percebe o que
tipo de escola é 60% superior ao A professora Fátima Cristina dos
das demais unidades da rede. Santos Magalhães, que leciona no tem significado para
Criado em 2008, o programa Colégio estadual Erich Walter Hei-
oferece formação técnica, linguís- ne, em Santa Cruz, Zona Oeste do a vida dele.”
tica e vocacional em 26 unidades Rio, garante que o projeto funciona.
escolares. Dentre os modelos dis- Inaugurada há quatro anos, a escola Antônio Neto,
poníveis estão o Ensino Médio oferece a formação em Administra- subsecretário de
Integrado à Educação Profissional ção com o ensino médio. Educação do Estado
— com ênfase em diversas áreas, — Eu ensino Matemática com do Rio de Janeiro
como administração, telecomu- exercícios de lógica, jogos de xa-
nicações, edificação, informáti- drez, reciclagem e uma miniempre-
ca, multimídia e tecnologia dos sa. Percebo como os alunos come-
alimentos — e o Ensino Médio çam a pensar de forma diferente,
Intercultural, com foco em Bra- com uma visão maior de mundo e
sil-Estados Unidos, Brasil-França, mais interesse pela leitura e a pes-
Brasil-Espanha e Brasil-China, em quisa. Eles chegam estudantes e
que algumas disciplinas são minis- saem profissionais.
tradas no idioma estrangeiro. O subsecretário também des-
Os alunos ficam na escola das tacou o sucesso das escolas abra-
7h às 17h. Neste modelo inovador, çadas por parceiros, normalmente
o currículo mínimo permanece grandes empresas que investem no
respeitado, mas todas as ativida- empreendedorismo e mão de obra
des são integradas ao conteúdo e qualificada, financiando a parte
estimulam aspectos como a criati- técnica e os laboratórios das esco-
vidade, a gestão de informação e las, sem nenhum incentivo fiscal.
processos, o espírito colaborativo,
a liderança, o pensamento crítico, a SECRETARIA DE
curiosidade investigativa e a resolu- EDUCAÇÃO DO ESTADO
ção de problemas. DO RIO DE JANEIRO
Essa proposta pedagógica, se- www.rj.gov.br/web/seeduc

57
O PLANO DE EDUCAÇÃO


EM TERESINA, NO PIAUÍ

O aluno precisa
ser instigado. Não
o s resultados obtidos
nos últimos anos
pela Escola Munici-
pal Bom Princípio,
de Teresina (PI), na
Prova Brasil, que compõe o Índice
de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb), têm sido motivo de
orgulho. A instituição conquistou
já era baixa (0,3 nos anos iniciais).
Depois do trabalho realizado junto
aos pais, está há dois anos em 0%.
— A gente quer dividir a respon-
sabilidade com os pais e responsá-
veis. Começamos promovendo um
festival de sorvete e, na ocasião,
aproveitamos para apresentar toda
a equipe, mostrar a infraestrutura
adianta planejar 6,7 no Ideb de 2009, 7,7 em 2011, da escola e destacar as vantagens
e 5,8 em 2013. Apesar da queda, o da participação da família nesse
um tema que não resultado ainda está cinco pontos ambiente. Não é necessário que o
acima da meta projetada para este pai seja alfabetizado para acompa-
esteja em alta. A ano, que era 5,3. Com isso, a escola nhar o filho nas atividades — afir-
rural Bom Princípio se tornou uma mou Iraneide, ressaltando que a
cidade fez 162 anos, das melhores escolas públicas do parceria entre a escola e a família
1º ao 5º ano do país. tem sido um sucesso: — Oferece-
então voltamos todas Os números chamam ainda mais mos várias atividades para os res-
atenção quando a diretora pedagó- ponsáveis, como ginástica e curso
as nossas atenções gica Iraneide Santana Gomes Nasci- de material de limpeza. Em um dos
mento conta que a escola, que atende cursos, os pais produziram xampus
para isso. Identifi- 310 alunos, carece de infraestrutura. a partir de ervas que colheram no
— Não temos biblioteca, mas te- quintal de casa.
camos o que pode mos um pátio onde os alunos, reuni- Outro diferencial da Bom Prin-
dos debaixo de uma árvore, partici- cípio é o tempo de duração de cada
ser trabalhado nas pam de rodas de leitura. Priorizamos aula, que é de 60 minutos.
ações que garantem a aprendizagem, — Aumentamos em 10 minutos
disciplinas com esse damos assistência pedagógica aos a duração das aulas para garantir o
professores e fazemos um planeja- tempo de aprendizagem dos nossos
tema.” mento focado nas necessidades de alunos — justificou a pedagoga.
cada um. Temos empreendido mui- Iraneide também afirmou que a
Iraneide tos esforços para que nossos alunos afinidade da equipe é essencial para
Santana, aprendam a ler já nos primeiros anos um trabalho bem feito.
diretora do ensino fundamental. — Nossa equipe é muito coe-
pedagógica Em 2007, quando Iraneide che- sa, ama o que faz e pensa 24 horas
da Escola gou à escola, a nota da instituição no bem-estar dos alunos. Mesmo
municipal no Ideb era 4,4, não muito diferen- quando nos encontramos fora do
Bom te da média do Nordeste, de 3,5. ambiente escolar, o assunto é sem-
Princípio De acordo com a pedagoga, um pre o mesmo: nosso trabalho.
fator importante na melhora dos
resultados foi o envolvimento da SECRETARIA MUNICIPAL
família na rotina escolar dos alu- DE EDUCAÇÃO DE TERESINA
nos. A taxa de abandono da rede www.semec.pi.gov.br

58
EM MACAÍBA, UM POLO


DE EDUCAÇÃO CIENTÍFICA

a cidade de Macaíba,
no Rio Grande do
Norte, está prestes
a virar um polo de
educação científica
nacional. Isso porque o local foi
escolhido para a implantação do
Campus do Cérebro, em 2015, que
terá um corpo docente de 25 pes-
em bairros violentos ou excluí-
dos socialmente e que têm pou-
cas perspectivas para o futuro. A
ideia é suprir o direito à educação
e oferecer um espaço contínuo de
aprendizado e de troca de experi-
ências — disse Rosélia.
Esses centros oferecem oficinas
que relacionam o conhecimento
Viemos de escolas
tradicionais.
Fui obrigada
quisadores na área de neurociências, científico às outras áreas do conhe-
25 laboratórios com equipamentos cimento: a reaprender a
de última geração e um supercom- — Temos oficinas mais técni-
putador com capacidade para rea- cas, como a de Ciência e Robótica, importância do aluno
lizar 46 trilhões de operações por mas também a de Ciência e Arte.
segundo. A unidade será a primeira Temos ainda Ciência e Ambiente, naquele contexto
escola de ensino regular do Projeto em que os alunos estudam pro-
de Educação Científica, idealizado cessos coletivos que preservem e de sala de aula e a
pelo neurocientista Miguel Nico- recuperem ecossistemas locais —
lelis, que já conta com outros três explicou a coordenadora. minha relação com a
centros de ensino complementar. Em seis anos, o projeto já cole-
— O Campus do Cérebro é ciona histórias de sucesso. Um dos aprendizagem.”
produto de um longo trabalho e exemplos é Jhons Phyllyppe Rodri-
um sonho de Miguel que está se re- gues, de 18 anos. Ele conheceu o
alizando — vibrou Rosélia Cristina projeto aos 12 anos e não o largou
de Oliveira, coordenadora pedagó- mais. Rodrigues fez questão de via- “Nossa formação é
gica do projeto. jar de Macaíba ao Rio de Janeiro
A ideia do Campus nasceu em para contar sua história: coletiva, é ouvindo
2003 e se concretizou em 2007, — Eu não gostava de trabalhar
com a implementação de três cen- em grupo e tinha dificuldades na um, o outro e
tros de educação científica que escola. Ao longo do projeto, tudo
funcionam como complemento à mudou. Eu me apaixonei pela edu- todos.”
rede pública de ensino. Uma das cação e, hoje, além de ser monitor
unidades funciona no bairro Espe- num dos centros, eu consegui en- Rosélia de
rança, na periferia de Natal (RN). trar para uma faculdade pública — Oliveira,
Outra está instalada na Escola comemorou Rodrigues, que estuda coordenadora
Agrícola de Macaíba. E a terceira Engenharia da Computação na pedagógica
funciona na cidade de Serrinha, na Universidade Federal do Rio Gran-
Bahia. Atualmente, as três unida- de do Norte.
des atendem 1.416 alunos, todos
estudantes de escolas públicas, en- INSTITUTO
tre o 6º e o 9º ano. INTERNACIONAL DE
— O objetivo é promover a in- NEUROCIÊNCIAS
clusão social de alunos que moram www.natalneuro.org.br

59
PRÁTICAS INOVADORAS


DE APRENDIZADO

Eu não vou dar


a resposta ao
c elular, Facebook,
iPad, jogos eletrô-
nicos... Na aula do
professor de Rela-
ções Internacionais
Rafael Ávila, do Grupo Ânima de
Educação — organização educa-
cional mantenedora de instituições
de ensino superior —, tudo isso é
Quando se entende a necessida-
de do indivíduo, o aprendizado
se torna mais eficiente. É preciso
dar vazão aos projetos dos alunos.
Nós temos que contruir juntos es-
ses projetos.
O professor contou ainda que a
tecnologia contribui para esse en-
tendimento sobre o aluno. E que,
aluno. Mas vou permitido. Para ele, que também é para isso, a mídias sociais são mui-
diretor de Inovação da empresa, a to bem-vindas.
ajudá-lo a construir tecnologia não pode ser inimiga da — Outro dia, durante a aula, vi
educação. que um aluno meu estava no Face-
o caminho.” — A gente tem que entrar no book. Entrei no meu perfil e enviei
mundo do estudante, por mais difí- uma mensagem para ele, pedindo
Rafael Ávila, diretor cil que seja. A tecnologia não pode para prestar atenção no que eu es-
do Grupo Ânima ser concorrente, mas aliada – afir- tava falando. Não posso ser contra
mou ele, citando que já aplicou pro- a rede social. Por meio dela, consi-
va via Twitter. — O professor não go descobrir quem é o meu aluno.
pode ter medo do uso de robôs, te- O uso do aparato tecnológico,
“Se a gente deixar a lepresenças, impressoras 3D, Goo- no entanto, foi questionado pelo
gle Glass. Todas essas ferramentas professor de Biologia Marcelo Pel-
educação nas mãos podem ser usadas como elementos legrino, que leciona nos colégios
que nos aproximem do aluno. São Paulo e Nossa Senhora do
dos professores, e não Entre os desafios que devem ser Carmo, no Rio de Janeiro. Ele ci-
enfrentados para melhorar a educa- tou a internet como uma facilidade
de técnicos, a gente ção, Ávila destacou a necessidade que pode atrapalhar o processo de
de se conectar a universidade à so- aprendizagem se o acesso for feito
muda este Brasil.” ciedade. Por isso mesmo o desenvol- a um conteúdo pouco confiável:
vimento de habilidades e competên- — Educar não é simplesmente
Marcelo cias talvez seja o grande elemento da disponibilizar o acesso ao mundo
Pellegrino, educação contemporânea. virtual para que o aluno descubra
professor — O conteúdo está no mundo, que dois mais dois é igual a quatro.
e hoje a gente pode acessá-lo de di- A internet é uma folha em branco,
versos instrumentos, inclusive por em que cada um escreve o que quer.
meio do professor — disse Ávila. É necessário que o acesso a ela tenha
Para ele, o ensino não deve ser seus limites. A escola tem que estar
como uma via de mão única. A sala aberta às tecnologias, mas o acesso
de aula tem que ser um lugar de troca: à informação tem que ser confiável.
— Nela, os alunos são os prota-
gonistas. Cabe aos professores en- GRUPO ÂNIMA DE
tender o que cada um quer como EDUCAÇÃO E CULTURA
projeto de vida, além do diploma. www.animaeducacao.com.br

60
A QUALIDADE DAS


ESCOLAS PARTICULARES

a qualidade e as prá-
ticas de ensino nas
escolas particula-
res foram debati-
das por represen-
tantes de instituições consideradas
referências no campo educacional.
De um lado, o tradicional Colé-
gio São Bento, com a presença de
filosofia da Escola Parque, voltada
para o estímulo da autonomia dos
alunos. Segundo a diretora, o co-
légio deve preparar o aluno para o
mundo tal como ele é:
— Ele tem que ser protagonista
de sua história, precisa pensar cri-
ticamente. E esse estudante precisa
entender o valor do conhecimento.
Ele (o aluno)
tem que ser
protagonista
sua supervisora pedagógica, Maria As duas instituições, porém, aca-
Elisa Penna Firme. Do outro, a bam sendo marcadas por estereó- de sua história,
Escola Parque, que investe numa tipos, segundo Andrea: na Escola
educação mais participativa e com Parque, o aluno estaria livre para precisa pensar
ambientes descontraídos, com sua fazer o que quisesse, enquanto o
diretora Patricia Konder Lins e Sil- São Bento seria uma escola marca- criticamente.”
va. Coube a Andrea Ramal, educa- da pela disciplina implacável. Mas
dora da PUC-Rio, mediar o debate não é bem assim. A plateia questio- Patricia Konder,
que reuniu as duas escolas. nou aspectos tradicionais na linha diretora da Escola
A repercussão dos dados do Ín- pedagógica da Escola Parque, no Parque
dice de Desenvolvimento da Edu- que Patricia Konder foi enfática,
cação Básica (Ideb) de 2013 deu o dizendo que não abre mão do ca-
tom do início do debate: lendário de provas.
— A escola pública vive pati- — O aluno vai ter que fazer O aluno pode repetir
nando. Nunca conseguimos chegar provas no mundo. Tem inspetor
a uma nota média maior do que 4. que vigia esse aluno, que não pode no colégio. A gente
Enquanto isso, temos escolas par- olhar para o lado.
ticulares com índices de desem- Já Maria Elisa relatou o caso de pode identificar que
penho no mesmo nível de países uma mãe que, na década de 1970,
como o Japão. O que faz a quali- foi até o colégio tirar dúvidas com o um aluno precisa
dade do nosso modelo de escola então reitor Dom Lourenço. Ao per-
particular? — indagou Andrea. guntar qual seria a linha da escola, ela de mais tempo.”
Tanto para Maria Elisa quanto para se surpreendeu com a resposta não
Patricia, a sintonia entre o pensamen- muito ortodoxa: Maria Elisa
to adotado pela escola e sua prática — Dom Lourenço respondeu Penna Firme,
faz toda a diferença. O objetivo e a que o São Bento era uma escola em diretora do
filosofia de uma instituição precisam busca de si mesma, de uma identi- Colégio São
ser transformados em prática. dade. Bento
— A escola é bem-sucedida quan-
do ela tem objetivos claros. Nossa in- COLÉGIO SÃO BENTO
tenção é preparar o aluno para o que www.csbrj.org.br
ele quer, não necessariamente para o
Enem — sustentou Maria Elisa. ESCOLA PARQUE
Patricia aproximou o assunto da www.escolaparque.g12.br

61
MOVIMENTO PARATODOS


E SUA PROPOSTA ESPECIAL

Existe um mito
de que a inclusão
a inclusão dos porta-
dores de deficiên-
cia nos processos
de ensino-aprendi-
zagem e no merca-
do de trabalho é uma das princi-
pais reivindicações do movimento
ParaTodos, criado em 2013. Du-
rante uma hora, representantes do
com que o mercado de trabalho
entenda e respeite a qualificação
profissional daqueles que buscam
emprego na iniciativa privada.
— Há problemas nas institui-
ções de ensino, mas as escolas
públicas estão mais preparadas do
que as particulares para receber es-
ses alunos. No mercado de traba-
não pode acontecer grupo debateram as dificuldades lho, é a mesma coisa. As empresas,
encontradas por pais e filhos nas quando praticam a inclusão, geral-
no ciclo fundamental instituições de ensino e trocaram mente o fazem em posições subal-
experiências com a plateia. ternas, como trabalhos de mensa-
II e no ensino médio.” Uma das fundadoras do mo- geiro — lamentou.
vimento, a jornalista Ciça Melo Para alguns participantes, o en-
Ciça Melo, fundadora reconhece que ainda é preciso ha- contro teve contornos de alívio e
do ParaTodos ver avanços na legislação para que desabafo porque, após a apresen-
sejam garantidos os direitos desses tação, foi aberta uma rodada de
estudantes. No entanto, ela des- depoimentos, na qual pais e edu-
tacou que o papel do educador é cadores puderam contar um pou-
“É preciso trazer a mais importante do que a lei, já que co do desafio que enfrentam dia-
ele pode atender de imediato às ne- riamente para a inclusão de filhos
turma para junto desse cessidades dos estudantes: e alunos. Para a professora Marisa
— Uma vez eu vi um cadeirante Lemos, mãe de uma portadora de
aluno especial. E às querendo entrar em um restauran- Síndrome de Down, o encontro
te, mas não havia rampas, apenas foi uma oportunidade para buscar
vezes nos sentimos escadas. Então, um senhor come- mais forças para combater o pre-
çou a reclamar, disse que era um conceito:
muito sozinhos.” absurdo que não houvesse uma lei — Muita gente ainda nos olha
que obrigasse os estabelecimentos com pena por causa das dificul-
Norma, professora a ter rampas. Paciente, o cadeirante dades que enfrentamos com nos-
de educação só perguntou se o senhor poderia sos filhos, mas nós os amamos e
física ajudá-lo, porque ele precisava en- não aceitamos ser tratadas assim,
trar. Esse exemplo mostra que não só queremos que sejam incluídos,
podemos esperar as leis para agir, porque isso faz parte da dignidade
porque a necessidade é imediata. humana, e todos precisam disso.
O ParaTodos realiza encontros Eles não devem ficar confinados
periódicos em diversas instituições em guetos ou em escolas especiais:
para promover reflexões que levem são parte da sociedade, como to-
a sociedade a compreender melhor dos nós.
as necessidades dos portadores
de deficiência. Atualmente, uma MOVIMENTO PARATODOS
das dificuldades do grupo é fazer http://paratodos.net.br

62
HANDEBOL: UMA BOA


TÁTICA DE ENSINO

o s amigos Alexan-
dre Almeida e Joel
Dutra entraram
juntos, em 1986,
no Colégio Esta-
dual Antônio da Silva, no bair-
ro de Comendador Soares, no
município de Nova Iguaçu (RJ).
Naquele mesmo ano, o professor
por exemplo, foi cortado da semi-
final do Campeonato Brasileiro.
A reclamação dos professores de
um estudante acaba em papo ao
pé do ouvido no fim do treino.
— Sou o que sou por causa des-
se projeto e por causa do Costa. A
gente aprendeu com ele que não
dá para ser um professor comum.
O projeto faz com
que o garoto passe
mais tempo na es-
João Batista da Costa assumia a A gente tem que dar mais — disse
Educação Física da escola e cria- Alexandre Almeida. cola, se interesse por
va um programa de esportes fora A sala de troféus está lotada.
do horário regular das aulas. Desde 2001, o colégio represen- uma atividade que
Eles não sabiam, mas o encon- ta o Rio em pelo menos alguma
tro do trio mudaria vidas a partir categoria dos Jogos Escolares forma cidadãos.”
da modalidade que fez mais suces- Brasileiros. Três atletas formados
so entre a garotada, o handebol. no projeto já passaram pela sele-
Além de uma revolução nos resul- ção brasileira. Uma delas, Lucí-
tados escolares, o time já formou olla, participou, inclusive, de três “Se você pegar 2000 alu-
atletas para seleções brasileiras e é Olimpíadas (2000, 2004 e 2008).
um dos mais fortes das categorias Em 2014, a equipe conseguiu o nos, 10, 5 deles se tor-
de base no país. segundo lugar no Brasileiro de
Os colegas seguiram juntos clubes. narão atletas. Mas você
para a Faculdade de Educação Dois ex-atletas do time agora
Física da Universidade Federal ajudam nas aulas, depois de se for- transforma a vida de
do Rio de Janeiro, em 1998. De- marem em Educação Física. Dutra
pois, continuaram o projeto que e Almeida consideram a dupla seus um menino que esta-
foi criado pelo professor Costa. sucessores. A professora Simone
O handebol passou a ser o maior Almeida, da Escola Municipal Al- ria praticando coisas
atrativo do colégio. Hoje, cerca meida Garrett, está pensando em
de 150 alunos treinam na escola, implementar um projeto parecido erradas a sair desse
sendo 60 com alto rendimento. na sua escola, mas com vôlei, e ou-
A reprovação caiu. Nos últimos viu quem já tem a medalha de ouro universo.”
seis anos, a taxa foi de 31% para nesse quesito.
apenas 3%. — É sensacional ouvir a histó- Joel Dutra,
— Diziam que os alunos que ria deles. Era só um sonho, e eles professor de
treinavam não tinham foco nas au- nem podiam imaginar o quanto ia educação
las e, a partir de 2006, ampliamos o crescer. Eu sinceramente acredito física
projeto para cobrar deles também no esporte como fator de transfor-
os resultados nas aulas — explicou mação — afirmou Simone.
Almeida.
Quando o melhor aluno da PROFESSOR JOEL DUTRA:
equipe faltou uma semana inteira, joeltd@ig.com.br

63
UMA SAÍDA PARA


O ÊXODO RURAL

A gente faz,
praticamente,
u m grupo de 15 muni-
cípios forma a região
Baixo Sul da Bahia,
que tem cerca de 360
mil pessoas. Muitas
delas não viam o campo como um
lugar muito promissor profissio-
nalmente. Para tentar mudar esse
quadro, entraram em ação as Casas
pobreza espiritual. A gente preci-
sava de uma pedagogia que desse
conta dessa riqueza.
Os alunos passam uma semana
na Casa e continuam seus estudos
nas duas semanas seguintes com
suas famílias, sempre acompanha-
dos por monitores. Ao longo da
formação, são feitas 45 alternâncias
uma alfabetização Familiares Rurais, pequenas associa- desse tipo. Esse formato é o pilar
ções voltadas aos jovens agricultores, dessa pedagogia por promover tem-
no primeiro ano do focadas em educação. São ações que pos de formação teórica e prática.
fazem parte do Programa de Desen- — Isso não seria possível se não
ensino médio.” volvimento e Crescimento Integra- tivéssemos um plano educacional.
do com Sustentabilidade do Baixo As idas e vindas precisam ser notó-
Joana Almeida, Sul da Bahia (PDCIS), criado pela rias. Eles colocam tudo na mochila
assessora educacional Fundação Odebrecht. Com elas, es- e deixam a família por um tempo.
pera-se, inclusive, colocar um freio Na sexta alternância, já estão di-
no êxodo rural. ferentes. Os educadores também
Atualmente há Casas funcio- vivem em transformação. Não há
“No colégio nando em três municípios do sul quem não se transforme nessa in-
baiano, cada qual voltada para uma teração — reforçou Joana.
convencional, a gente especificidade: Tancredo Neves Exemplo do resultado alcançado,
(agropecuária), Nilo Peçanha (agro- Benivaldo dos Santos, de 26 anos,
estudava separado florestal) e Igrapiúna (agronegócio). concluiu sua formação na CRF de
Nelas, o ensino médio é integrado Tancredo Neves. Hoje, participa de
do pessoal da área à educação profissional. Estima-se uma cooperativa na cidade, onde
que, apenas em 2014, o programa produz alimentos, como abacaxi e
urbana. Éramos capacite 280 estudantes, benefician- aipim, com uma renda estimada em
do indiretamente 2,8 mil pessoas R$ 2,5 mil mensais:
chamados de em mais de 200 comunidades da — Lá, pude ver que morar na
região. As três possuem certificado Zona Rural era possível. Me deu um
roceiros.” do Ministério da Educação. novo horizonte e a certeza de que é
— Há quem não acredite que é possível viver no campo de forma
Benivaldo possível viver bem no campo. Esse digna. Minha família só almoçava um
dos Santos, era um dos nossos desafios. Busca- pouco melhor no domingo. Roupas
agricultor mos construir, na prática, uma vida só eram compradas no São João e no
melhor para essas pessoas, a come- fim de ano. Depois, a minha vida mu-
çar pela educação — avaliou Joana dou, e a da minha família também.
Almeida, assessora educacional: —
Fui morar em Tancredo Neves por PDCIS
um tempo para entendê-los. En- www.fundacaoodebrecht.org.br/PD-
contrei pobreza material, mas não CIS

64
AS COMPETÊNCIAS


SOCIOEMOCIONAIS

i naugurado em 2013, através


de uma parceria entre a Secre-
taria de Estado de Educação
e o Instituto Ayrton Senna, o
Colégio Estadual Chico Any-
sio, localizado no Andaraí, é um
exemplo bem-sucedido do progra-
ma Dupla Escola, um modelo de
jornada integral criado em 2008,
horas de formação, voltado para
metodologias do ensino integral.
Diferentemente das outras uni-
dades que pertencem ao programa
Dupla Escola, o Chico Anysio ofe-
rece o ensino médio experimental
com formação geral não profissio-
nalizante.
— A ideia é que os alunos re-
Os professores
me perguntam
sobre como julgar as
que agrega ao ensino médio cursos flitam sobre sua trajetória escolar
voltados para o desenvolvimento e sobre situações que permitam a competências socioe-
de competências, atitudes e valores construção de suas identidades e
indispensáveis para a vida profis- seu projeto de vida. Queremos que mocionais dos alunos.
sional e em sociedade. eles saiam com um futuro de vida
Entre as abordagens inovadoras desenhado, sabendo o que vão Quando vamos a um
contempladas na proposta estão a buscar — explicou Mônica.
integração das áreas do conheci- Dentro do programa, a unidade conselho de classe e
mento, o desenvolvimento do prota- de ensino médio oferece formação
gonismo juvenil e da autonomia do em mercado e negócios, aulas de precisamos decidir sobre
aluno através de projetos interdis- luta olímpica e esgrima. As duas
ciplinares, projetos de vida de auto- modalidades contribuem para o um desempate ou sobre
gestão, o equilíbrio entre o trabalho bom desempenho escolar dos alu-
com competências acadêmicas e so- nos, estimulando a disciplina, auto- dar ou não cinco déci-
cioemocionais e a utilização de tec- estima e concentração.
nologias digitais. A professora Margaret Muniz mos a um aluno, por
— Tudo o que fazemos é foca- trabalha na rede municipal de en-
do no resultado que queremos al- sino e é gestora de uma creche no exemplo, estamos
cançar com os alunos em sala de Morro do Borel, na Zona Norte do
aula. A gente desenha propostas Rio. Para ela, a experiência do Chico usando a avaliação
pedagógicas bem customizadas Anysio trouxe ares de esperança:
com as secretarias de Educação, — Eu trabalho com educação socioemocional.”
além de desenvolvermos materiais infantil, especificamente com edu-
de orientação para gestores, pro- cação inclusiva. Desde o início, a Mônica
fessores e alunos. Nosso objetivo gente já se preocupa em preparar o Pellegrini,
vai além da simples transferência aluno para a vida. Aqui, meus hori- coordenadora
de conhecimento — disse Mônica zontes se expandiram e vi que eles do Instituto
Pellegrini, coordenadora de projetos podem conseguir dar seguimento Ayrton Senna
da área de Educação do Instituto aos estudos com apoio de projetos
Ayrton Senna. como esse.
Os professores do Chico Any-
sio foram capacitados por espe- INSTITUTO AYRTON SENNA
cialistas em educação do Instituto http://senna.globo.com/institutoayr-
Ayrton Senna com um curso de 64 tonsenna

65
CRAQUE DE BOLA


E DE ESCOLA

Nossa
intenção não
o Instituto Bola Pra
Frente, fundado
pelo ex-jogador de
futebol Jorginho em
2000, em Guadalu-
pe, Zona Oeste do Rio, educa crian-
ças de 6 a 9 anos através do esporte.
A instituição atua diretamente em
12 escolas municipais do Complexo
quentam o Bola Pra Frente estão
com as notas na média 7 ou acima.
Atuando em uma comunidade
que ainda não foi pacificada, o tra-
balho é também uma maneira de
tirar crianças e adolescentes do trá-
fico de drogas.
— Os traficantes conhecem nos-
so trabalho, eles nos respeitam. O
é proporcionar do Muquiço, em Guadalupe, Zona que acontece é um acordo de ca-
Oeste do Rio. Segundo Victor La- valheiros: os meninos até comple-
atividade ou formar deira, diretor executivo do Instituto, tarem 18 anos são nossos. Depois,
a ideia é levar os conceitos do fute- estão livres. Queremos mudar a ca-
atletas. Nosso foco bol para a sala de aula e, assim, aju- beça desses jovens de uma maneira
dar no aprendizado. que, para eles, não faça sentido en-
é a educação, e o — As crianças já entram em trar para o tráfico — disse o diretor.
campo sabendo das regras do jogo. Ladeira, aliás, não acredita na
esporte é a linguagem. Elas entendem o que é um cartão justificativa de que “o tráfico paga
vermelho, um cartão amarelo, res- mais” quando um adolescente es-
Damos o conteúdo peitam a figura do juiz como um colhe esse caminho:
mediador e a do treinador como — Entre 10 e 14 anos, ninguém
que as crianças já um tutor. Por que eles não respei- está preocupado com o quanto vai
tam o professor da mesma manei- ganhar. Eles querem se destacar,
estão aprendendo em ra? Aí entra o esporte educacional, querem ser bons em alguma coisa.
que contribui para educação, in- Se ter uma pistola e um rádio na
sala de aula. O que clusão e participação, cooperação cintura vai fazer dele respeitado, é
e corresponsabilidade — afirmou isso que ele acaba escolhendo.
queremos é formar Ladeira. O professor de Educação Físi-
O objetivo não é valorizar a ca João Augusto trabalha na Es-
o cidadão.” competição entre as crianças: cola Municipal Madre Benedita,
“Queremos formar homens e mu- em Guadalupe, e contou que mui-
Victor Ladeira, lheres que sonham e querem uma tas crianças que estão no Bola Pra
diretor vida melhor”, explicou o ex-joga- Frente são seus alunos. Professor
executivo do dor Jorginho em um vídeo exibido há 39 anos, ele mesmo vê no espor-
Instituto Bola durante a palestra. Esse objetivo te uma chance de transformação:
Pra Frente vem sendo alcançado e é com- — Os meninos são como meus
provado por números: 93% das netos. Faço escolinha de vôlei, bas-
crianças e adolescentes se sentem quete. Teve uma época em que eu
seguros dentro da instituição; 80% mesmo pagava pelos materiais.
dos jovens que se formam, aos 18
anos, conseguem um emprego até INSTITUTO BOLA PRA
um ano depois de saírem do Insti- FRENTE
tuto; 88% dos estudantes que fre- www.bolaprafrente.org.br

66
TRANSFORMAÇÃO PELAS


ARTES PLÁSTICAS

‘a prendi
quem tem um
que

sonho deve lu-


tar por ele.” O
trecho da carta
de uma aluna do Colégio Estadual
Almirante Tamandaré, do município
de Japeri, na Baixada Fluminense,
tem tudo a ver com a história da des-
é bailarina, decidiu compartilhar
seus conhecimentos na dança com
eles. Passou a dar aulas de jazz e
balé, mas, com o aumento do nú-
mero de alunos no colégio, acabou
perdendo a sala de ensaio. Por isso,
partiu para o curso de pintura.
Peter deu os primeiros riscos do
que viria a ser o projeto Multiarte.
O difícil, todo
mundo faz. Mas
quando se pensa no
tinatária, a professora de Educação Tudo o que ela aprendia nas aulas
Artística Peter Jean Cohen. Há pou- num ateliê repassava aos alunos. impossível, é preciso
co mais de dez anos, ela deu início a Primeiro, o guache; depois, a tinta
um projeto que ensinava artes além a óleo e o reconhecimento público. perseverar. Perdedor
da sala de aula. A partir daí, não pa- Na primeira exposição que fizeram
rou de formar talentos. Seus alunos em Japeri, todos os quadros foram é aquele que desiste.
já conquistaram os primeiros lugares vendidos. A venda continuou em
em premiações na República Tcheca outras exposições. Um aluno meu chegou
e na China, e ela tem um ateliê públi- Para Peter, o resultado desse tra-
co batizado com o seu nome. balho, que começou com uma ida ao para mim e disse que
A história começou com a insa- cinema, parece um conto de fadas.
tisfação da professora com as suas — É muito bom ver alunos re- depois que começou a
próprias aulas. Sem saber ao certo cebendo dinheiro por suas obras
o caminho a tomar para que o seu e ajudando os pais nas compras de pintar estaria achan-
método de ensino ficasse mais efi- casa. Parece história de filme — dis-
caz, Peter foi ao cinema. E levou se a professora, que levou três alu- do até o matinho
seus alunos com ela. nos para pintar durante a apresenta-
— Pedi autorização à diretora, ção: Lucas Araújo, Ingrid Gomes e seco bonito. Aquilo
depois consegui com uma rede Monique Guimarães, que chegou a
exibidora, em Nilópolis, apoio vencer o Concurso Internacional de foi o ‘máximo’
para exibição gratuita e, com a Su- Pintura Infantojuvenil, da República
pervia, um vagão exclusivo só para Tcheca, em 2011, concorrendo com que ouvi na mi-
essa nossa aventura. Levamos cem 27 mil trabalhos.
alunos, e o mais legal foi saber que No final da palestra, houve um nha vida.”
o passeio era novidade para quase debate com a plateia. Entre as
todos — lembrou a professora. questões levantadas, educadores Peter Cohen,
A experiência extraclasse foi tão lamentaram o fato de o ensino de professora
bem-sucedida que o colégio promo- arte, apesar de obrigatório, não ser de artes
veu outros passeios culturais. Peças oferecido em muitas escolas da
de teatro, shows e exposições foram rede pública.
os novos destinos. E a emoção dos
alunos, ao conhecer diferentes ma- TRANSFORMANDO EM
neiras de expressar arte, foi estimu- CORES
lante. Tanto que Peter, que também http://multiarteceat.blogspot.com.br

67
BIBLIOTECA INFANTIL NA


REDE: ALUNOS AUTORES

Nós percebemos a
importância de se
o gosto pelo mun-
do digital, visto por
alguns pais e edu-
cadores como um
“inimigo” que afasta
as crianças dos livros, transformou-
se em um poderoso aliado para as
professoras Lauriana Guttierrez e
Liliana Mendes, do Colégio de Apli-
tês”, a forma abreviada com que
as crianças escrevem nos meios
digitais, suprimindo as vogais. Para
vencer essa prática, Liliana e Lau-
riana identificaram a necessidade
de alfabetizar letrando digitalmen-
te as crianças.
— Partimos do mapeamento dos
textos a que os alunos têm acesso no
trabalhar a leitura cação João XXIII, da Universidade meio digital e percebemos a dificul-
Federal de Juiz de Fora, em Minas dade de encontrar material paradi-
enquanto elemento Gerais. Juntas, elas criaram a Biblio- dático que discuta essa questão das
teca Virtual Infantil, com um acervo novas tecnologias de forma adequa-
interdisciplinar porque composto por textos e ilustrações da. Produzimos, então, um material
produzidos pelos alunos dos anos paradidático: “A turminha dos artei-
ela perpassa todas as iniciais do ensino fundamental. ros”, que está disponível para down-
— O projeto teve como eixo re- load na internet — disse Lauriana.
disciplinas.” pensar as práticas de leitura e escri- Sempre em evolução, o site da
ta para além da sala de aula, usando biblioteca oferece fábulas, autor-
Lauriana Gutierrez, as novas tecnologias — disse Lau- retratos, histórias em quadrinhos e
professora do Colégio riana, idealizadora e coordenadora até livros de receitas. Os próximos
de Aplicação João XXIII da Biblioteca Virtual Infantil. passos serão a produção de audio-
Lançada em 2013, a iniciativa se books e uso da linguagem brasilei-
dedica a estudantes do 3º ano do ra de sinais (libras).
ensino fundamental. Primeiro, as Ana Paula, professora da rede
“A biblioteca é fruto professoras oferecem literatura aos municipal do Rio de Janeiro, bus-
alunos. A partir da leitura, eles fazem cou na palestra conhecimento para
de um trabalho que pesquisas e constroem seus textos. conseguir divulgar os projetos que
— Vamos criando redes inter- vem executando dentro da creche
foi desenvolvido em textuais, um texto vai puxando em que trabalha:
o outro. Em uma das atividades, — Gostaríamos de divulgar os
sala de aula.” propusemos que eles construís- projetos nas redes sociais e num
sem uma história em quadrinhos. blog, que estamos querendo cons-
Liliana Mendes, Fizemos um roteiro, com uma te- truir. Queremos somar valores e
professora mática, no caderno. Depois, fomos ideias ao nosso projeto — disse a
Colégio de para o computador. Junto à cons- professora, considerando a experi-
Aplicação trução da escrita, vem a construção ência animadora: — É uma opor-
João XXIII dos cenários. Em seguida, a rees- tunidade para abraçarmos maior
crita, onde corrigimos o texto com conhecimento.
o aluno — contou Liliana, que é
co-orientadora do projeto. BIBLIOTECA VIRTUAL
Um dos desafios da iniciativa é INFANTIL
o que elas chamaram de “interne- www.ufjf.br/bibliotecavirtualinfantil

68
ESCOLAS RURAIS


CONECTADAS

u ma das contrapar-
tidas exigidas pela
Anatel para que as
empresas de teleco-
municações entras-
sem no leilão da banda 4G foi a
conexão das escolas localizadas
em áreas rurais do país. Por isso,
estima-se que cerca de 22 mil uni-
aos próprios professores.
— Nossas oficinas qualificam os
professores, mas a verdade é que os
alunos são nativos do mundo digi-
tal, cresceram com essa tecnologia e
sabem utilizá-la melhor que muitos
mestres. O papel dos professores é
estimular e orientar o uso da tecno-
logia, para que eles possam utilizá-la
A gente traba-
lha com eles a
importância do
dades de ensino serão conectadas de forma autônoma para estímulo
até dezembro de 2015, por meio da ao aprendizado e não apenas como manejo da terra. A
Fundação Telefônica Vivo. entretenimento — afirmou Ariane.
A implementação dessa estra- A implantação do projeto na ideia não é tirar todo
tégia começou na escola munici- escola Zeferino Lopes de Castro
pal Zeferino Lopes de Castro, em trouxe outros benefícios para Via- mundo de lá e falar
Viamão, região metropolitana de mão: a prefeitura redefiniu os pa-
Porto Alegre (RS). A instituição râmetros tecnológicos de todas as para eles ‘venha para
atende do 1º ao 9º ano do ensino 63 escolas da rede e vai levar, por
fundamental e tem 120 alunos. To- recursos próprios, os benefícios da a cidade você também’.
dos eles têm notebooks ou tablets iniciativa para todos os estudantes
com acesso à internet de alta velo- da rede municipal de educação. A nossa perspectiva é
cidade, recursos tecnológicos que Com a conexão, também che-
são utilizados nas aulas regulares gou uma preocupação com a qua- melhorar a vida deles
e não apenas em momentos espe- lidade do conteúdo acessado pelos
ciais, como destacou Ariane Duar- jovens. E esse foi um dos assuntos no campo.”
te, gerente do projeto. perguntados a Ariane: o que fazer
— Ali nós implantamos um mo- para os alunos não ficarem ligados Ariane Duarte,
delo, que tentamos levar para as apenas em aplicativos e jogos? gerente do projeto
demais escolas rurais. Estamos utili- — No início, os adolescentes
zando a tecnologia para tentar quali- ficam enlouquecidos, mas eles
ficar não só os alunos, mas também aprendem que há momentos para
professores, por meio de oficinas o jogo, já que podem levar o com-
digitais, já que é natural que haja um putador para casa. Uma diretora,
descompasso nas áreas mais caren- inclusive, notou que as crianças
tes — destacou a gerente. ficavam sentadas na calçada da es-
A iniciativa acabou indo além da cola aos domingos, por causa da
conexão à internet. Na escola gaú- conexão. Ela, então, passou a abrir
cha, os alunos têm aulas extracur- a escola no fim de semana para elas
riculares de robótica e de lógica de não ficarem na calçada.
programação, nas quais podem uti-
lizar na plenitude os novos recursos ESCOLAS RURAIS
tecnológicos disponíveis, nas quais, CONECTADAS
frequentemente, ensinam algo novo www.escolasrurais.org.br

69
ESCOLA AMORIM LIMA:


MÉTODOS SEM PROVAS

O que a gente
tem que fazer
u ma escola que não
separa os alunos por
série, não aplica pro-
vas e tem um currí-
culo flexível. Assim
é a Escola Municipal Desembarga-
dor Amorim Lima, em São Paulo,
inspirada no modelo da Escola da
Ponte, em Portugal, idealizada pelo
da instituição, eles decidiram ir
à direção, que criou um conse-
lho deliberativo para aumentar a
participação da comunidade na
rotina escolar. Em um desses en-
contros do conselho, o modelo
da Escola da Ponte foi sugerido
pelo grupo, que decidiu encarar o
desafio de implementar o projeto
é preparar esses educador português José Pacheco. tão inovador.
— Há 19 anos, quando comecei — Havia muita insatisfação na
alunos para que a trabalhar na Amorim Lima, per- escola, por isso decidimos tentar
cebi que era um local cheio de gra- — afirmou a diretora.
eles queiram estudar des e todo pintado de cinza para O início do projeto foi mar-
esconder a sujeira. Além disso, cado por dificuldades. Além da
cada vez mais, para havia um problema grave de pro- adaptação ao modelo, houve con-
fessores ausentes — contou Ana flitos entre os entusiastas do pro-
inventarem projetos de Elisa Siqueira, diretora da escola. jeto e pais e professores, que dis-
O projeto foi implementado em cordavam da proposta. O quadro
vida. Essa escola dá 2004, e hoje atende 800 alunos do de desconfiança ficou para trás
ensino fundamental, do 1° ao 9° tão logo a proposta foi colocada
a oportunidade para ano. As aulas têm duração diária de em prática.
cinco horas, mas, em vez do qua- Professora da Faetec, Risomar
o aluno pensar sobre dro-negro, há rodas de conversa Guedes perguntou à diretora sobre
e oficinas nas quais os estudantes o tratamento que a Amorim Lima
a própria vida. Ele trabalham em grupos de cinco, — cujas turmas são marcadas por
orientados por três professores. O diferentes níveis de aprendizagem
aprende a lidar aluno é responsável pela elabora- — dispensa aos alunos com altas
ção do seu roteiro de pesquisas. habilidades.
com a própria — Se o aluno não consegue — O educador pode trazer mais
cumprir o seu roteiro até o fim do desafios para esse aluno. Nós ofe-
realidade.” ano, ele não é reprovado, mas pre- recemos oficinas de Matemática,
cisa concluir as pesquisas no ano por exemplo, para os que desejam
Ana Elisa seguinte. Se, no 9º ano, ele ainda participar de Olimpíadas de Mate-
Siqueira, tiver pesquisas a serem concluídas, mática. Oferecemos também um
diretora da então ele fica mais um ano na es- curso, ministrado por pais volun-
escola cola. Mas isso é raro de acontecer, tários, para os que querem cursar
já que ele tem bastante tempo para escolas técnicas federais — res-
assumir responsabilidades — ex- pondeu a gestora.
plicou Ana.
O projeto da escola nasceu a E. M. DESEMBARGADOR
partir de uma iniciativa dos pais. AMORIM LIMA
Insatisfeitos com os problemas http://amorimlima.org.br

70
DIVERSÃO E INFORMAÇÃO


NO MUSEU CATAVENTO

o Museu Catavento
Cultural e Educa-
cional ocupa uma
região de oito mil
metros quadrados
no Centro de São Paulo. Situado
no prédio histórico do Palácio
das Indústrias, construído no iní-
cio do século XX, apresenta 250
Engenho e Sociedade. No espaço
reservado à vida, é possível transi-
tar por conteúdos da genética e da
biologia. No Engenho, o público
desvenda o funcionamento de es-
truturas criadas pelo homem, en-
trando em contato com a ótica e
a mecânica. Já no ambiente Socie-
dade, a ecologia e a nanotecnologia
Nós temos como
regra não abordar
os assuntos profun-
instalações, que já atraíram mais ganham destaque, assim como a
de dois milhões de visitantes em prevenção às drogas. A astronomia damente.
cinco anos. e o interior da Terra estão repre-
A equipe de educadores não sentados no Universo. Já estamos na tercei-
economiza recursos para instigar — No espaço sobre prevenção
a curiosidade do público. De uma às drogas, o público é convidado ra geração de educa-
simples placa ao lado do bebedou- a usar óculos que distorcem a vi-
ro a simuladores que reproduzem são e terá que percorrer um trajeto dores do Catavento.
o sistema solar, todos os espaços com obstáculos — afirmou Pedro
são voltados para despertar o cien- Jackson Nascimento, educador do E, durante a capaci-
tista que existe dentro de cada um museu. — A gente pensou numa
dos visitantes. forma de simular a embriaguez, tação, eles têm encon-
— Pensamos em instalações porque nós queremos que o públi-
que transmitissem conhecimentos co vivencie os temas. tros com sumidades,
básicos e causassem perplexidade. O museu oferece 17 roteiros di-
É preciso sair com dúvidas do mu- ferentes. Em um deles, o visitante como Marcos Pontes,
seu, que é um espaço de educação conhece um estúdio de TV. Segun-
não formal. E caberá à escola a do Nascimento, é possível apren- o astronauta brasi-
tarefa de se aprofundar nos con- der a usar uma câmera de forma
teúdos – afirmou Ana Rita Carlos diferente no estúdio: leiro.”
Lima, coordenadora de projetos — No Engenho, são apresenta-
do educativo do museu. das noções de ótica através de uma Ana Rita
Ao lado do bebedouro, por lente. E, no espaço da vida, vamos Carlos Lima,
exemplo, há um cartaz com a in- saber como a visão é processada. coordenadora
formação de que a água foi trazida Na seção dedicada ao Universo, do museu
pelos cometas. o público tem acesso a tecnolo-
— Nós jogamos a informação gias interativas e pode chacoalhar,
para que o visitante procure por si literalmente, a bordo de uma nave
só a resposta — contou Ana Rita. espacial, onde imagens em 3D do
— No fundo, a gente quer formar sistema solar são exibidas em um
uma nova geração de cientistas imenso telão.
através do museu.
Há quatro ambientes princi- CATAVENTO CULTURAL
pais de exposição: Universo, Vida, www.cataventocultural.org.br

71
AS CRIANÇAS SÃO AS


DONAS DA HISTÓRIA

Não adianta
encher o espaço de
e ra uma casa mal­
assombrada com
séculos de história
pra contar sobre o
Sertão do Cariri, no
município de Nova Olinda, Ceará.
A ideia era restaurar o edifício para
ali criar a Fundação Casa Grande,
um centro de resgate da Pré-His-
artes, memória e turismo. Quaren-
ta meninos da comunidade dirigem
a Meninada do Sertão, atuando
como professores e gestores. Com
11 laboratórios, a instituição ofere-
ce acesso a um acervo de mais de
3,5 mil gibis, CDs, DVDs de filmes
clássicos e documentários, e uma
infraestrutura que possibilita a prá-
interatividade. Tem tória e da cultura dos cariris. Assim tica em rádio, vídeo e montagem de
foi feito em 1992. Lá dentro, esta- espetáculos. Os jovens comandam a
que ser um espaço va o Memorial do Homem Kariri, programação de uma rádio comu-
com peças arqueológicas e exposi- nitária entre 8h e 19h, e a equipe de
onde o cachorro que ções sobre os sítios mitológicos da vídeo já produziu material para o
região, como o Reinado Encanta- Canal Futura, a ONU e a Unesco.
passa dê uma paradi- do, que inspirou Ariano Suassuna — Qual é o conteúdo do traba-
em seu “Romance d’A pedra do lho do nosso projeto? É a capaci-
nha debaixo da mesa reino”. Só que houve um impre- dade que a criança tem de perceber
visto: as crianças invadiram a casa. as coisas e repassar para o outro.
pra fugir do calor.” Foi criada, então, a Escola de Co- Você chega à casa e vê crianças de
municação Meninada do Sertão. 4 anos no laboratório de vídeo —
— É que a Casa Grande começou contou Alemberg à plateia.
na época da “bila” (bola de gude) — O comando do Memorial foi
“O adulto é traidor contou Francisco Alemberg de Souza entregue à meninada aos poucos,
Lima, diretor-presidente da escola, e logo os jogadores de bila passa-
da infância. Ele se lembrando que as crianças ficavam ram a assumir postos de diretoria.
brincando no terreno da casa, até que O agitador de brincadeiras, por
esquece dos seus so- perceberam que ali havia um museu: exemplo, tornou-se diretor cultu-
— A relação entre o brinquedo po- ral, enquanto o menino organiza-
nhos de criança.” pular e a ciência estava numa calçada. do, habituado a varrer a calçada,
Quando os meninos começa- foi nomeado diretor de manuten-
Francisco ram a entrar na casa, a equipe da ção. Os dois com 8 anos de idade.
Alemberg, fundação passou a contar lendas — Tem gente que me pergunta
diretor da para eles. Depois, criaram uma es- sobre a pedagogia utilizada na es-
escola cola de iniciação à Casa Grande. cola. Qual é a pedagogia utilizada
— Foi quando começaram a es- por uma mãe? Pois então, eu digo
tudar a arqueologia e a mitologia lo- que eu adoto a pedagogia de mãe
cal para trabalharem como guias no afirmou Alemberg, feliz da vida
Memorial. Eles acompanhavam até as com os resultados.
escavações — disse Alemberg, que é
neto do primeiro proprietário da casa. FUNDAÇÃO CASA
Hoje, a escola forma crianças e GRANDE
jovens nas áreas de comunicação, www.fundacaocasagrande.org.br

72
MATEMÁTICA RIO: AULAS


‘POPS’ PARA A INTERNET

s e o brasileiro Artur Ávila


trouxe para o país a pri-
meira Medalha Fields de
Matemática, considera-
da o “Prêmio Nobel” da
disciplina, nossos estudantes na
educação básica ficaram entre a 57ª
e a 60ª posições no ranking de 65
economias globais que participaram
foi a paródia que fiz do funk do
“Quadradinho de oito”, que teve
sete milhões de acessos. Mas enga-
na-se quem pensa que eu gosto de
fazer paródia. Elas servem no máxi-
mo para entreter o aluno e atraí-lo
para a Matemática. Não serve para
ensinar muita coisa, no máximo
para decorar — explicou Procópio.
Os mais interes-
sados vão procu-
rar aquele tema
de provas do Programa Internacio- De fato, dos 485 vídeos já pu-
nal de Avaliação de Alunos (Pisa) blicados no canal, poucos são pa- na internet para
de 2012. No entanto, pequenas ini- ródias de músicas populares. O
ciativas que brotam de Norte a Sul sucesso do Matemática Rio está, na procurar um reforço
mostram que as equações e frações verdade, na forma como os con-
podem não ser o bicho de sete ca- teúdos são trabalhados. Um deles ou outra forma de
beças na escola. reproduz o episódio em que o jo-
Foi isso que o professor Rafa- vem matemático alemão Johann explicação para aque-
el Procópio, de 31 anos, quis de- Carl Friedrich Gauss, então com 12
monstrar ao tentar solucionar os anos, descobriu a fórmula da pro- la matéria. É até por
problemas que envolvem o ensino gressão aritmética no final do sé-
da Matemática. Em 2010, Procó- culo XVIII, enquanto cumpria um isso que eu nunca me
pio lançou no YouTube o canal castigo imposto pelo seu professor,
Matemática Rio, cuja intenção ini- que o teria obrigado a fazer a soma limitei a fazer video-
cial era apenas postar videoaulas dos números inteiros de um a 100.
que serviriam como complemento Toda a cena foi reconstruída aulas, porque estaria
ao conteúdo que ele ensinava na por Procópio, sendo o protago-
Escola Municipal Rosa da Fonse- nista, Gauss, interpretado por um apenas replicando o
ca, em Deodoro, na Zona Oeste de seus alunos. O vídeo “Carlos
do Rio, onde trabalha. Seria ape- Frederico Gauss” já teve quase seis modelo tradicional
nas mais um caso de educador que mil visualizações.
utiliza as novas ferramentas da tec- No Matemática Rio, há desde de aula. E nada
nologia para expandir o poder da desafios matemáticos até aulas es-
aprendizagem. pecíficas sobre determinado tema, mais.”
Mas, empolgado com a audi- mas na linguagem do aluno. Se em
ência, o docente resolveu inovar, um vídeo o estudante pode apren- Rafael
lançando vídeos em que explica der sobre parábolas, em outro é Procópio,
fórmulas, raiz quadrada e outros possível saber como fazer um do- professor
tópicos ao som de Anitta, Sorriso decaedro com papel e responder a
Maroto e Luan Santana. Resultado: desafios matemáticos, alguns até
em quatro anos, o Matemática Rio virais em redes sociais.
já conta com 80 mil seguidores no
YouTube e 50 mil no Facebook. MATEMÁTICA RIO
— Meu vídeo de maior sucesso www.matematicario.com.br

73
A ARQUITETA QUE PROJETA


AS ESCOLAS DOS SONHOS

A vida vai fi-


car dividida até
a escola como ex-
tensão da cidade,
e a cidade inte-
grada ao processo
educacional. Esse
pensamento norteia as ambições
da arquiteta e urbanista Beatriz
Goulart, dedicada a conceber pro-
jetos de escolas do futuro. Entre
mas sustentou que a discussão entre
a comunidade e membros da escola
é o fator primordial das mudanças:
— Parece que as pessoas que-
rem que o governo faça um proje-
to lindo e de que todo mundo vai
gostar. Mas metade não vai gostar.
Quem tem que participar disso são
as pessoas, não o município. A es-
quando? Quem está as muitas variáveis, uma certeza cola boa é a que você vai fazer no
se impõe: trata-se de um processo seu coletivo.
vencendo é a cidade. colaborativo, repleto de nuances e Tendo como base projetos cria-
pontos delicados, que ultrapassam dos para as cidades de Cabo de
E a escola perde. as noções do espaço físico. Santo Agostinho e Jaboatão dos
— Por que as escolas são iguais Guararapes, em Pernambuco, e
A gente está pensando no Brasil inteiro, do mesmo jei- Serra Grande, na Bahia, Beatriz
to? Por que sala de aula e corre- explicou que a metodologia de
formas de integrar a dor? Por que o banheiro nunca é seu trabalho vai além de uma mera
bonito? Precisamos questionar os apresentação ou imposição de um
escola à cidade.” 50 minutos de aula e o tipo de re- projeto. É preciso existir um pacto
lação entre o aluno e o professor entre os envolvidos. Entre as di-
— afirmou Beatriz. — O que me nâmicas testadas, várias duplas (a
pergunto é como produzir territó- maioria formada por um aluno e
“Estamos estudando rios educativos coletivamente. A um adulto, seja pai ou funcionário)
escola às vezes não é um território ficaram encarregadas de explorar
como o cuidado com educativo. O que me interessa são ambientes da escola. Alguns resul-
os lugares de aprender, de ensinar. tados foram reveladores:
a escola pode entrar Historicamente, a criação do — Descobrimos que muitos não
território da escola foi inspirado entravam na biblioteca porque a
no currículo.” em conventos e prisões, configu- bibliotecária era muito brava e não
rado como espaço de controle do deixava escolher certos livros. En-
Beatriz Goulart, prazer e de padronização. Segun- quanto os pais queriam aumentar o
arquiteta da a arquiteta, “qualquer mudança muro, os alunos queriam tirá-lo. As
sempre foi mal vista”. crianças ficaram indignadas quan-
— A infraestrutura urbana e a do descobriram que as serventes
qualidade interferem no ensino. não tinham banheiro próprio e que
Você se depara com um aluno de o papel higiênico que elas usavam
caligrafia ruim, que não sabe escre- era pior. A coletivização dos pro-
ver, e percebe que o menino não blemas da escola mexe muito com
tem mesa na casa dele — explicou a relação de poder.
a arquiteta.
Beatriz ressaltou a importância BEATRIZ GOULART
de políticas públicas de integração, www.cenariospedagogicos.com.br

74
UMA NOVA ROTINA COM


O TEMPO INTEGRAL

t rocar o sistema de turnos


pelo tempo integral trans-
formou a Escola de Educa-
ção Infantil do Sesc Santo
Ângelo, no Rio Grande do
Sul. A instituição, que funcionava
em turnos desde 2005, precisou
mudar toda a sua rotina em 2008,
depois de reorganizar suas metas
— explicou a educadora.
A forma de mudar esse proces-
so veio num estalo, depois que Ju-
liana viu uma charge que ironizava
a quantidade de atividades em es-
colas de tempo integral. A gestora
reuniu os professores e os incenti-
vou a produzir charges sobre suas
próprias rotinas:
O primeiro con-
tato com os pais
é feito através de
para a estruturação das Escolas. — A partir dos desenhos, vimos
O resultado foi uma nova relação que, na hora de escovar os den- um olhar que busca
entre as crianças e os professores. tes, nós é que passávamos a pasta
— Esse movimento não foi na escova. Na hora de comer, as entender o cotidiano
nada tranquilo. Tivemos que rein- crianças eram servidas. Então, co-
ventar nossa visão em muitos as- meçamos a mudar os processos. das crianças.
pectos e nos questionar muito. Diálogo e interação passaram a
Aprendemos todos os dias a cons- ser palavras de ordem na escola. No No banheiro, elas
truir a nossa escola — disse a su- refeitório, as crianças passaram a se
pervisora pedagógica, Juliana Bea- servir. Em vez de colheres, garfos e encontraram papel to-
triz Machado Rodrigues. facas passaram a ser usados.
O primeiro passo foi repensar — Notamos quanto aprendiza- alha. Percebemos que
a rotina diária. As crianças, que fi- do há no refeitório. Para quem está
cavam cinco horas por dia na ins- descobrindo o mundo, o tempo é não era um elemento
tituição, passaram a frequentar o diferente. Às vezes a gente atropela
espaço por dez horas diárias. as crianças, no desejo de controlar conhecido, por isso
— No início, esse cronograma tudo — frisou Juliana.
parecia ser o maior desafio. Vamos Durante o debate, uma pessoa nós dissemos a elas
trabalhar com oficinas ou projetos da plateia ficou curiosa sobre a re-
para ocupar as horas? Depois per- lação da escola com os pais. Juliana o que era aquilo.”
cebemos que havia outros momen- respondeu que a família está pre-
tos importantes e não curriculares sente desde o início do processo: Juliana
que a gente não estava enxergando — A gente vai mostrando para Rodrigues,
— contou Juliana. eles o que nós estamos fazendo na supervisora
Da chegada da criança até a ida escola, aí o relacionamento vai se pedagógica
para casa, incluindo o refeitório, a estreitando. Às vezes, os pais até
hora de escovar os dentes e o “soni- nos enviam bilhetes pedindo uma
nho da tarde”, todas as atividades pas- receita de algum prato que servimos
saram a ser levadas em consideração. nas refeições. Isso porque as crian-
— Levar o prato até a mesa sem ças querem viver em casa o que vi-
derramar o conteúdo parece sim- vem no Sesc, é o gosto da escola.
ples, mas é preciso muito treino
para encontrar o equilíbrio. Nós já SESC RIO GRANDE DO SUL
passamos por isso, mas elas, não www.sesc-rs.com.br

75
PORTAL FGV ENSINO


MÉDIO: DE OLHO NO ENEM

Liberar os da-
dos do Enem é
n o ar desde 2012, o
portal FGV Ensino
Médio Digital, pro-
duzido pela Funda-
ção Getulio Vargas,
disponibiliza cursos e questões que
ajudam tanto alunos quanto profes-
sores na preparação para o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem).
questão precisa ser feita por 200
pessoas, no mínimo. O ideal é que
os dados da prova do Enem sejam
liberados para conseguirmos anali-
sar melhor — afirmou Borges.
Para deixar o padrão cada vez
mais próximo ao do Enem, o time
ganhará um reforço. Foi o que
apontou a assistente editorial do
essencial para en- Já são 80 mil cadastros no site, sen- programa, Gabriela Visconti:
do que 70 mil são de estudantes. — Teremos um professor de
tendermos a prova. O portal nasceu com o objetivo Estatística para ajudar na aplica-
de disponibilizar questões simi- ção do TRI. Nossa ideia é tornar o
Algumas perguntas lares às do Enem na internet, se- site cada vez mais interessante para
gundo o supervisor de projetos da alunos, professores e escolas.
são tão difíceis que nós FGV, Valterlei Borges: A dificuldade é grande para ela-
— Tentamos nos aproximar das borar cada item. Depois de pronto,
mesmos não as respon- questões do Enem. Por isso, temos ele vai parar no banco do site, que
um manual próprio para os profes- hoje tem cerca de dez mil pergun-
demos com rapidez. sores que vão pensar as questões. O tas cadastradas.
objetivo é democratizar o acesso. Os educadores selecionados
Às vezes um conteúdo Segundo ele, o portal não teria para formular as questões passam
como apresentar questões exatamen- por um treinamento, que dura um
para formar o aluno é te como as do Enem porque não se dia. Segundo a pesquisadora do
tem acesso às estatísticas da prova: portal, Mariana Gugliemo, o esfor-
deixado de lado para — Esses dados são um tanto ço está apenas começando:
obscuros, e essa é uma das críticas — O processo é demorado e
que ele seja aprova- ao exame. Mas, hoje, todo mundo crucial. São três etapas: o professor
terá que passar pela prova. Não elabora, depois passa por um leitor
do no Enem.” tem jeito. crítico, que avalia se enunciados,
Depois de familiarizar os alunos perguntas e outros elementos que
Valterlei Borges, com o conteúdo, e os professores compõem a questão estão em har-
professor com as questões, o próximo pas- monia, e, por último, um coordena-
so do projeto é aplicar a Teoria dor de disciplinas é o responsável
de Resposta ao Item (TRI) — um por analisar. As questões são pensa-
modelo estatístico utilizado em das para desenvolver as habilidades
avaliação de habilidades e conheci- do Enem (cada área do conheci-
mentos — às questões. Isso por- mento tem 30 habilidades) e avalia-
que o Ministério da Educação usa das por um programa antiplágio.
esse método no exame.
— Estamos aprimorando. Apli- PORTAL FGV ENSINO
camos um simulado presencial, já MÉDIO
que para avaliar e saber o TRI, a ensinomediodigital.fgv.br

76
GALPÃO APLAUSO:


FORMAÇÃO PARA AS ARTES

u sar arte para capacitar


jovens em situação de
risco. Esse é o objeti-
vo do projeto Galpão
Aplauso, que atua na
zona portuária do Rio de Janeiro.
Em dez anos, cerca de sete mil jo-
vens foram beneficiados. Resultado:
o projeto foi premiado este ano na
― Esses jovens são criativos, so-
breviventes de um mundo com
violência. Eles têm um baixo apren-
dizado cognitivo, mas não uma defi-
ciência cognitiva. Criamos dinâmicas
para cada item do aprendizado. Para
ensinar frações, por exemplo, vamos
para a cozinha e mostramos que um
quarto da pizza é igual a dois oitavos.
Os valores
encontrados numa
comunidade são
cerimônia do Development Impact Dos 15 aos 18 anos, os alunos
Honors, do Departamento do Te- passam por uma fase preparatória. sempre coletivos.
souro dos Estados Unidos. Após esse período, fazem oficinas
Mantido pela ONG Instituto Sti- profissionalizantes, como serralhe- Então, nós temos
mulu Brasil, com financiamento do ria e solda.
Banco Interamericano de Desen- — Muitos são soldadores du- solidariedade,
volvimento (BID), o Galpão atende rante o dia e músicos à noite —
jovens de 15 a 29 anos, com renda disse Ivonette, sinalizando que é criatividade, afetividade
familiar de até dois salários míni- importante aproximar a cultura do
mos, moradores de periferia, com jovem das comunidades da do em- e sociabilidade. Esses
baixa ou insuficiente escolaridade, e pregador: — Como nossos alunos
que não têm uma profissão. Hoje, a têm uma carga comportamental valores coletivos são
iniciativa tem cerca de 600 alunos. diferenciada e são bons profissio-
De acordo com a presidente do nais, os empregadores passam a estimulados para que
projeto, Ivonette Albuquerque, o gostar deles.
Galpão começou oferecendo aulas O supervisor pedagógico do eles conservem isso
de teatro, dança, música, circo e ar- Instituto Superior de Educação do
tes plásticas. Logo no primeiro ano, Rio de Janeiro, Marcelo Sampaio, no mundo da rua
os professores perceberam que se- assistiu à apresentação do Galpão
ria importante incluir aulas de Por- Aplauso e viu nas ações do proje- e, principalmente,
tuguês e de Matemática, como um to uma alternativa para melhorar a
reforço escolar. A dificuldade no formação dos estudantes. no mercado de
aprendizado, no entanto, continuou. — Apesar de oferecermos cur-
— Notamos que, se as aulas ex- so técnico, vemos que os nossos trabalho.”
plorassem a linguagem afetiva e se alunos consideram importante o
as histórias fossem contadas oral- certificado, e não a formação. No Ivonette
mente, eles entendiam rapidamen- final, nem todos conseguem entrar Albuquerque,
te. A partir do entendimento, eles no mercado de trabalho. Nosso diretora do
vão para a aula formal e aprendem desafio é conseguir mudar isso, Galpão
a calcular e a analisar um texto. investir mais na formação para a Aplauso
Encontrar mecanismos para de- vida, como é feito no Galpão.
senvolver esse lado nos alunos foi
o maior desafio do Galpão Aplau- GALPÃO APLAUSO
so, segundo Ivonette: http://aplauso.art.br

77
MANDALA DOS SABERES:


CULTURA LOCAL EM ALTA

Somos um
povo muito rico
n uma lição de como
as diferenças são ca-
pazes de se comple-
mentar, a pedagoga
Sueli de Lima apre-
sentou o método Mandala dos
Saberes. Desenvolvida pela ONG
Casa da Arte de Educar — que
atua há 15 anos em favelas cario-
frisou a pedagoga.
A metodologia das manda-
las nasceu em 2006, na Favela da
Mangueira, com o desafio de ten-
tar deixar mais clara para os pro-
fessores parte dos saberes que os
estudantes possuem e, ao mesmo
tempo, esclarecer para esses alunos
os desafios do saber acadêmico.
culturalmente. Mas cas e no Brasil, nas áreas de edu- Desde 2007, o método é utilizado
cação integral, educação de jovens em dez mil escolas do país com os
essas manifestações e adultos e direitos humanos —, a piores índices de rendimento por
metodologia busca ampliar o diá- meio do programa Mais Educação,
culturais não estão logo entre escolas e seus territó- do governo federal.
rios, relacionando a cultura local ao — Já fizemos várias rodadas
impactando nossa aprendizado. A ferramenta pode ser de diálogos com professores no
aplicada em vários setores e, agora, país inteiro. O método mostra as
produção escolar.” começa a ser usada em dez comuni- possibilidades de pensarmos uma
dades com UPPs na Grande Tijuca, educação para além de um sistema
Sueli Lima, na Zona Norte do Rio de Janeiro. escolar. Não temos um sistema de
pedagoga Para atingir esse objetivo, o pla- educação, que é aquele que articu-
no pedagógico parte de mandalas, la escola com museu, escola com
nas quais os saberes são relaciona- biblioteca, com as ONGs, com a
dos. Segundo Sueli, a elaboração praça. Precisamos conquistar uma
de mandalas demonstra possibi- compreensão de educação para
lidades de se visualizar com mais além da escola, articulada com a
clareza tudo aquilo que os estudan- questão dos direitos, da saúde —
tes possuem e que pode vir a ser defendeu a educadora.
relacionado com outros campos Na plateia, surgiu uma questão:
do conhecimento acadêmico. Des- como se caracteriza essa metodo-
sa forma, ajudam a aproximar as logia das mandalas? Interdiscipli-
escolas das comunidades, porque nar, multi, trans?
trabalham com construção de re- — É intercultural. É o “entre”
des e processos participativos. que interessa, entre mim e você,
— Elas são instrumentos de entre culturas, entre grupos sociais,
construção desses diálogos entre entre saberes, entre linguagens. É
o saber formal e o saber consti- o espaço de troca. Temos diversas
tuído da sociedade, do cotidiano, manifestações culturais, e elas não
das nossas práticas. A linguagem estão participando da produção es-
acadêmica pode conversar com a colar – respondeu Sueli.
linguagem cotidiana, artística. Tra-
ta-se de uma metodologia aberta e CASA DA ARTE DE EDUCAR
que não tem uma resposta certa — www.artedeeducar.org.br

78
VIRADA EDUCAÇÃO:


MOVIMENTO ENTUSIASMO

r esponsável pela Virada


Educação, evento que mo-
bilizou a cidade de São Pau-
lo no primeiro semestre de
2014, o Movimento Entu-
siasmo pretende transformar a rua
em ambiente de aprendizado e tro-
cas entre os estudantes e a socie-
dade civil. A iniciativa promoveu
ele gosta. Então, tivemos oficinas
realizadas por alunos que tiveram
professores na plateia, eles acom-
panhavam como público — afir-
mou Gravatá.
Em algumas escolas, foi a pri-
meira vez que seus diretores abri-
ram as instituições de ensino para
atividades que envolvessem toda a
Eu estudei em
seis escolas pú-
blicas. Em uma
mais de uma centena de ativida- comunidade, segundo o ativista:
des, como palestras, apresentações — As escolas costumam abrigar delas, tive um
artísticas e oficinas, no dia 17 de festas juninas. Algumas delas têm
maio de 2014, nas ruas do Centro olimpíadas, mas nunca fizeram professor que disse
de São Paulo. nada para as comunidades que as
No encontro, o idealizador do abrigavam, nunca tinham sido um que os alunos ainda
coletivo, o jornalista André Grava- espaço para toda a família. A edu-
tá, destacou os objetivos do grupo, cação tem que ser discutida por to- estariam um dia nas
que pretende estimular iniciativas dos e não apenas por professores e
semelhantes pelo país e incentivar pedagogos. páginas policiais.
os diferentes potenciais dos alunos. Para a primeira edição do
— Nós entendemos que a rua evento, o grupo arrecadou recur- Há um movimento
é um espaço de interações, trocas sos por meio de doações de ami-
e aprendizado. Temos que levar a gos e pela internet, em sites de para fazer uma vira-
rua para dentro da escola e a es- financiamento coletivo. Gravatá
cola para a rua, para que essas tro- explicou que, embora os orga- da na educação que
cas aconteçam de verdade. É um nizadores tenham estabelecido
aprendizado que vai muito além como meta a arrecadação de R$ vem muito desse
das salas de aula — explicou o jor- 50 mil, conseguiram mobilizar
nalista, que fundou o coletivo ao apenas R$ 20 mil: lugar, da experi-
lado de quatro amigos. — Não é nada fácil fazer com
Durante a Virada, as escolas que as pessoas doem dinheiro. ência de aridez,
abrigaram atividades que geral- Conseguimos 250 doadores.
mente são bem-vindas pela ju- Para a próxima edição, ainda escassez.”
ventude, mas que costumam ser sem data definida, eles já conse-
encaradas com resistência pelas guiram o apoio de uma fundação André
instituições de ensino, como ofici- privada e buscam encorajar ativis- Gravatá,
nas de skate e rodas de funk. tas de outros estados a produzirem jornalista
— A escola precisa incorporar suas próprias edições do evento,
essas atividades de alguma manei- para as quais prometem oferecer
ra, porque elas prendem a atenção apoio logístico.
do estudante, que, geralmente,
acha chato ir para um lugar que VIRADA EDUCAÇÃO
não abre espaço para nada do que http://viradaeducacao.me

79
DÉBORA SEABRA: A


INCLUSÃO EM PESSOA

Tenho dois
alunos que são
d ébora Araújo Sea-
bra de Moura nas-
ceu em Natal (RN)
há 33 anos. Hoje é
professora da Es-
cola Doméstica, na mesma cidade.
Sua trajetória seria semelhante à de
muitas educadoras não fosse ela a
primeira professora com Síndrome
planejamento semanal de aulas,
da organização dos arquivos e
materiais e de diversas atividades,
como contação de histórias. Ela
mesma revela, orgulhosa, que co-
nhece os pais de todos os alunos.
Débora, que foi vítima da falta de
respeito de colegas de turma, é
quem intervém nas brigas entre as
gêmeos e a gente de Down no país. Ela é do time crianças:
que luta pela Inclusão — assim — A gente senta numa roda e
trata eles da mesma mesmo, com I maiúsculo, como converso com eles sobre respeito.
gosta de repetir. Ninguém pode passar pelo que eu
forma. Meu irmão e A história de Débora se refle- passei, por humilhação, discrimi-
te nas páginas do livro “Débora nação e exploração.
eu somos diferentes, conta histórias”, com oito fábu- Entre as bandeiras levantadas
las relacionadas ao tema inclusão, por Débora está a defesa de escolas
mas meus pais tratam lançado em 2013 pela Editora Al- regulares para todos. Ela enfrentou
faguara. Um sapo que não sabe dificuldades, mas conta que cres-
a gente igual também. nadar e uma galinha surda são ceu fazendo tudo o que qualquer
alguns dos personagens da obra. pessoa da idade dela faz. Ela, in-
A diversidade abre Ela agora quer se dedicar ao texto clusive, trabalhou como modelo e
de sua biografia, que já começou a recepcionista em eventos.
caminhos para ser escrita. — Sempre estudei em esco-
Não se trata de uma história fácil las regulares porque o contrário é
todos.” de ser contada. Ainda na escola, ela discriminatório. Inclusão ensina
foi alvo de bullying. Colegas abusa- a conviver — afirmou. — Não
Débora Seabra, vam de sua generosidade e pediam tenho uma doença, é só um jeito
professora seu celular emprestado para fazer diferente de ser. Especial para mim
ligações à sua custa. A dificuldade é minha família. Superar dificulda-
para aprender era grande. Para se des nos fortalece e traz felicidade.
enturmar, era enorme. Uma vez, Hoje, a professora fala de sua
ela lembra, foi obrigada a cheirar trajetória em palestras pelo Brasil e
o sapato de uma colega de turma. no exterior. No dia 21 de março de
Nesse dia, decidiu que seguiria em 2014, data em que é comemorado
frente: o Dia Internacional da Síndrome
— Pensei “não vou desistir, não de Down, Débora ministrou pa-
vou desistir” e gritei com ela. Uma lestra na sede da Organização das
amiga se juntou a mim, e começa- Nações Unidas (ONU), em Nova
mos a gritar juntas — contou Dé- York, nos Estados Unidos.
bora.
Hoje, na escola, como pro- DÉBORA SEABRA
fessora auxiliar, ela participa do debora .seabra@uol.com.br

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MATEMÁTICA NÃO É UM


BICHO DE SETE CABEÇAS

o s professores da
Universidade
Harvard Robert e

ram um método de
de

Ellen Kaplan cria-

ensino de Matemática que já é ado-


tado por dez cidades brasileiras:
Porto Alegre, São Paulo, Fortaleza,
Belém, Brasília, Salvador, Aracaju,
A versão brasileira do progra-
ma foi implementada no segundo
semestre de 2013 pelo Instituto
TIM e já colhe ótimos resultados.
Com três meses de projeto, os alu-
nos apresentaram uma melhora de
5,7% no rendimento da disciplina.
A avaliação tomou por base o ín-
dice de competências matemáticas
Crianças amam
coisas grandes, di-
nossauros. Por que
Rio de Janeiro, Duque de Caxias criado pelos Kaplan. Hoje, a me-
e Porto Velho. Por meio de uma todologia já atende sete mil alunos não falarmos sobre
abordagem que prioriza a constru- brasileiros de escolas públicas, en-
ção coletiva de conhecimento, o tre 7 e 9 anos de idade. o infinito com elas?”
casal de matemáticos provou que O método busca melhorar o de-
a disciplina está longe de ser um sempenho dos estudantes do Bra-
bicho de sete cabeças. Criada em sil, que ainda amarga uma realida-
1994, a iniciativa consiste em um de nessa área de ensino. De acordo “A Matemática é
programa de cursos voltado para com levantamento do Programa
crianças e jovens entre 5 e 17 anos. Internacional de Avaliação de Es- uma ponte entre a
Para Kaplan, uma sala de aula tudantes (Pisa) 2012, que avaliou o
deve ter um clima de conversa, e o rendimento dos alunos em Mate- mente e o universo. O
erro deve ser encarado como uma mática, o Brasil está na 58ª posição
ferramenta para o acerto. Por isso, em uma lista de 65 nações. que existe é uma res-
para apresentar seu método, ele re- — O grande problema está na
lata um episódio ocorrido em sala formação dos professores. Não é posta para a eterni-
de aula, quando uma aluna disse um problema só do Brasil, e sim
que não existiam números entre os do mundo, incluindo nações ricas. dade, e não o certo
números. O professor, então, per- Os alunos não têm medo da Mate-
guntou ao grupo quantos anos eles mática, mas da forma como ela é e o errado.”
tinham. A partir das respostas, deu ensinada — concluiu Ellen.
início a uma discussão sobre espa- Kaplan chama a atenção para a Robert Kaplan,
ços vazios, que gradualmente foi importância da analogia no ensino professor de
encaminhando a turma à resposta. da disciplina: Matemática
— Eles começaram a responder — A Matemática é a poesia mais
que tinham 7 anos e alguns meses, linda de todas, e sua essência é a
e passaram a entender que não há analogia. É através dela que a be-
só espaços vazios entre os números. leza abstrata dos números e suas
E nada de competição, mas, sim, a propriedades estranhas são refor-
sensação de estar participando de matadas na mente das crianças.
uma conversa. A Matemática preci-
sa ser estudada coletivamente, e os CÍRCULO DA
alunos precisam chegar sozinhos às MATEMÁTICA
respostas — afirmou o professor. www.ocirculodamatematica.com.br

81
a voz do
público

v ídeos, desenhos e textos


foram produzidos pelo
próprio público
durante o
evento e exibidos nos
oito totens dispostos em
círculo que formavam
o espaço interativo
“Você é o conteúdo”.
Os participantes
completaram
frases como “Se
essa escola fosse
minha...”, ou “o melhor
professor é aquele que...”,
transformando a biblioteca Gelker
da Escola Sesc de Ensino Médio
em um grande painel de opiniões e
desejos para o futuro do ensino.

82
O público
interagiu
produzindo
textos, vídeos
e desenhos

“Faria
de cada
momento uma
nova oportunidade
de me reconhecer
nos outros.”
“EDUCAÇÃO
é a única coisa
que nos torna Gabriel
diferentes!” Lima

Pensador
Cinthya
Miyuki

83
O MELHOR PROFESSOR
É AQUELE QUE...

“Ensina
com amor e
exerce a profissão
“Desperta porque sente prazer
em seus alunos Daniela
Rosset, e gosta do que faz. É
o interesse pelo Ana Flávia aquele que desperta no
saber e extrai o melhor e Paula aluno o interesse pelo
de cada ser humano, Nicolay
conhecimento.”
contribuindo para o
desenvolvimento da
sociedade.”

Priscilla
Caetano

“Aponta os
caminhos, inspira, é
flexível e sabe chamar a Marcela
atenção dos seus alunos. Teixeira
Enfim, é um líder na busca
pelo conhecimento.”
Mauricio
Lima

84
“Motiva
os alunos para
que sejam fonte,
água que jorra de den-
tro para fora, assim como
a vontade de aprender
que vem de dentro
para fora.”

Thiago
“Entende seu Heydson
aluno como um
estímulo para seu
crescimento e como
fonte de renovação Thiago
na sua caminhada Ferreira
“Incentiva as profissional.”
Camara
perguntas, e não
as respostas, e que
constrói escol(h)as
alternativas.”

Leandro
Gomes

“Ao mesmo
tempo que Ed
ensina, aprende Rodrigues
e constrói junto
com seus alunos o
processo de ensino-
aprendizagem.”

Juliana
da
Fonseca
Rodrigues

85
SE ESSA ESCOLA
FOSSE MINHA...

Ana
Carolina
de Souza

“Certamente
transformaria
a escola num
espaço de trocas, onde
o eu representaria o
coletivo de atores sociais
que compartilham
“Eu
conhecimentos, saberes
diria que
e emoções.”
acolhimento é a
Edson palavra-chave. Uma
Ferreira escola que acolhe o
Soares Vinicius
público, seja ele qual for,
formado por pais ou
alunos, é essencial
a todos.”
Talita
Raquel
Dantas
Cardoso

86
“Eu ensinaria
o aluno
considerando toda a
bagagem que ele
Marco
Aurélio já tem.”
de
Oliveira

Ana Leite
“Valorizaria
toda a
diversidade
“Eu cultural presente
investiria mais na escola e na
nas relações de sociedade.” Aline
afeto entre docentes Almeida
e discentes, nas aulas da Silva
extramuros e em
‘professores’ formados
fora da academia
tradicional.”

Ana
Condeixa

“Investiria
em esportes,
pois acredito que
o esporte estimula
a capacidade
intelectual.”

Ana
Silvana Beatriz
Rabelo Avelar

87
expediente

EDITORA: Roberta Ferraz Leonardo Vieira, Maisa


Capobiango, Pedro
DESIGNER: Zuazo, Stéfano Salles e Vivi
Raquel Cordeiro Fernandes de Lima

REDATORA: Vivi Fernandes REVISÃO: José Figueiredo


de Lima
FOTOGRAFIA: Fabiano
TEXTOS: Adalberto Neto, Rocha, Guilherme Pinto,
Aline Bonatto, Andrea Marcelo Piu e Pablo Jacob
Rangel, Bruno Alfano,
Dandara Tinoco, Filipe TRATAMENTO DE FOTOS:
Isensee, Flávia Junqueira, Wagner Loeser

Encontro Internacional Educação 360 (2014: Rio de Janeiro, RJ).

Documentário do 1º Encontro Internacional Educação 360. Rio de


Janeiro, RJ, Brasil. 5 e 6 de setembro de 2014. Rio de Janeiro: O Globo e
Extra, 2014.
Livro + e-book
ISBN 978-85-8457-007-2

88p.

1. Educação. 2. Ensino. 3. Encontro Internacional. 4.Mídia e Educação.


5.Educação e Sociedade. 5.Educação de Alma Brasileira. 6.Grandes
Tendências. 7.Edgar Morin. 8.Pierre Lévy. 9.Shukla Bose. 10.José Francisco
Soares

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