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UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE


PROGRAMA DE ANTROPOLOGIA DE ARQUEOLOGIA
LEITURAS ETNOGRÁFICAS II

VANESSA LIMA BRASIL DE FIGUEIREDO

SANTARÉM/PA
JULHO DE 2019
Análise da tese de doutorado “O Direito em Última Instância: Uma Etnografia do Supremo
Tribunal Federal” de Andressa Lewandowski.

A tese de doutorado “O Direito em Última Instância: Uma Etnografia do Supremo


Tribunal Federal” de Andressa Lewandowski defendida em 2014 no Programa de Pós-graduação
em Antropologia Social da Universidade de Brasília é um trabalho bastante ousado, não só pela
escolha da etnografia como metodologia, mas pela escolha de seu objeto de pesquisa. Apesar de que
nos primórdios da Antropologia, seus fundadores serem em grande parte juristas, preocupados em
assuntos que giravam em torno da organização social das sociedades, a antropologia do direito não
ganhou muito espaço no Brasil em sua literatura, pelo menos no século passado inteiro, talvez pelo
nosso contexto que se originou de uma complexa “equação colonial”, querendo se distanciar do
também passado colonialista da disciplina. Trazendo o ponto de vista antropológico, somar o
Supremo Tribunal Federal com a Etnografia se torna um desafio no mínimo surpreendente.

A pesquisa de Andressa se inicia a partir de 2008, quando ela assistia as sessões de


julgamento do tribunal no canal pago por assinatura “Justiça”. Aqueles julgamentos lhes
despertaram uma curiosidade em saber como funcionavam aquelas decisões, porém a partir de 2010,
incorporou a categoria de “pesquisadora” quando tentou os primeiros contatos com o tribunal, dos
quais não obteve muitas respostas. Então passou a frequentar o arquivo do tribunal, buscando e
lendo os processos mais solicitados, assim, se familiarizando com as composições e formas dos
documentos. O acesso ao arquivo também lhe permitia acesso ao restaurante do tribunal do qual ali
conseguiu contato com analistas e funcionários mais antigos, o que lhe proporcionou mais imersão
no seu campo de pesquisa, aprendendo como as coisas ali funcionavam, quais setores deveria se
dirigir, que tipos de documentos deveria apresentar.

O seu sobrenome me chamou atenção logo de cara, mesmo ela dizendo que esse detalhe
não tenha lhe ajudado tanto quanto o leitor poderia imaginar, sendo questionada até se era filha do
ministro, eu duvido que esse “parentesco distante” não lhe tenha trazido algum benefício.

O direito também é uma prática de conhecimento, uma ciência, como recorrentemente


esquecemos de notar, e por ser uma área de pesquisa mais ou menos recente na literatura
antropológica, é notável que suas referências bibliográficas são quase na totalidade, estrangeiras.

Através de entrevistas e descrições do ambiente bastante claras, a etnografia ganha um


aspecto clássico devido a importância dada ao olhar naquele campo e até mesmo a exposição de
conversas em que não estava inserida. Os rituais judiciários evidenciam uma distância bem grande
em relação à grande parte da população brasileira, existe um aspecto de “nobreza” aos ambientes,
suntuosidades e formalidades no tribunal e, termos extremamente técnicos em que somente
especialistas possuem acesso. “Minhas primeiras anotações de campo eram palavras e expressões
seguidas de um ponto de interrogação” (p. 12). “Como eu não sabia me vestir de modo adequado,
fui barrada na primeira tentativa de ingresso no tribunal” (p. 12). Nesse momento eu imaginei ela
com roupas em tons pastéis, bem estilo Humanas.

Convencendo o leitor que sua ideia foi brilhante, não só porque o STF tem ganhado
bastante atenção da mídia nos últimos anos e pela falta de pesquisas antropológicas no assunto, a
autora foca nas formas e tempos de produção e circulação dos processos fazendo análise a partir das
relações internas no tribunal, evidenciando os documentos e os processos de documentação, os
procedimentos e as temporalidades nos fluxos dos processamentos de uma ação judicial. Ou seja, o
interesse está nos objetos, como processos, procedimentos e relações que instanciam o tribunal.

A autora divide a tese em quatro capítulos, que se inicia apresentando a gênese do


Supremo Tribunal Federal, de como ele se tronou um agente fundamental na vida política e social
do país após o processo Constituinte de 1988. Percebendo que o julgamento é apenas uma pequena
parte de todo um processo, ela demonstra que os fluxos desse procedimento envolvem
temporalidades e passagens diferentes entre as fases dos processos, apresentando os filtros,
classificações, pesquisas e as relações sociais que fazem os processos e suas percepções sobre o
trabalho que realizam. A partir disso, ela se concentra em explicar as técnicas de interpretação
constitucional e nas que são acionadas na solução de casos. Diante de todos esses procedimentos ela
finalmente chega ao plenário do Supremo, identificando o papel dos agentes e as disputas de
convencimento que guiam as sessões. A autora percebe então que existe uma grande rede de atores
em todos fazem parte de um processo, do analista iniciante ao ministro mais experiente.

Andressa Lewandowski expõe categoricamente um dos sistemas de Justiça mais poderosos


do mundo mas a partir de uma perspectiva em que explora os objetos, os processos, até porque se
ela focasse nos personagens de carne e osso que compõem o STF ela teria muitos empecilhos
institucionais como se nota hoje em qualquer meio de comunicação, que escancaram as “expertises”
de nossos excelentíssimos ministros.

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